Capítulo único
[b]♪Quando a gente conversa, contando casos, besteiras... Tanta coisa em comum, deixando escapar segredos...♪[/b]
Eu ainda lembro daquela noite. Eu e a Mione estávamos sozinhos no Salão Comunal, bem tarde da noite. O Harry, os gêmeos, a Gina, todo mundo já havia ido se deitar e eu e ela ficamos para terminar um trabalho do Snape. Ou melhor, ela terminar pra mim.
Lembro perfeitamente que ela ditava enquanto eu escrevia e bocejava incontroladamente. Ela me lançava olhares toda vez que eu abria a boca, lembrando a mim, só de olhar, que o trabalho era meu e quem devia estar reclamando era ela. Tomei um susto quando a Mione calou a boca subitamente, riu um pouquinho esfregando os olhos sonolentos e balançou a cabeleira castanha pra trás.
-Sabe, Rony, você ainda me surpreende.
Eu não entendi nada e lhe disse isso, ao que ela respondeu:
-Você sempre deixa tudo pra fazer em cima da hora, sempre recorre a minha ajuda, sempre fala coisas erradas nas piores horas...
-Peraí, Hermione, Eu te perguntei por que eu te surpreendo. Não te dei licença pra me botar no chão!
-Não to te colocando no chão, eu to te dizendo que apesar de você sempre ter as atitudes mais previsíveis, rotineiras e irritantes do mundo, você consegue me surpreender.
-E você ainda não explicou como.
-Eu sempre prometo pra mim mesma que vou deixar você se virar sozinho. Que da próxima vez eu vou parar de tentar te orientar pra ver se você aprende. É assim que os amigos deveriam fazer. É isso que eu deveria fazer com você. E quando eu sempre volto atrás e te ajudo, você me surpreende.
Nessa hora eu reparei que ela ainda sorria e que se equilibrava nas pernas traseiras da cadeira. Só a lareira iluminava a gente e ela ficava linda à luz das chamas. “Eu já cansei de ser seu amigo. Não quero ficar só nisso” foi o que pensei e morri de vontade de falar, mas ficou preso na minha garganta como tantas vezes antes.
-Por que você ta falando isso agora? – Foi o que eu falei meio gaguejante, no lugar da minha declaração.
-Ah, sei lá, acho que é porque já pensei nisso várias vezes. Sei lá, Rony! A gente nunca está sozinho, já reparou? Eu nunca tenho muita oportunidade de conversar mesmo com você.
“Claro que eu reparei que nunca estamos sozinhos! Isso é bastante incômodo”, pensei. Mas em vez disso falei outra coisa tão impulsiva quanto.
-Às vezes eu tenho medo que o Harry seja o único elo entre a gente. Que se não existisse ele, não existiríamos nós dois juntos – Quando eu percebi já estava falando, olhando pros meus pés ainda por cima - Eu não quero que seja assim.
-Mas não é, Rony! – Ela fez cara de assustada – Lógico que não é! Nós somos um trio e não duas duplas com uma pessoa em comum! Não seria a mesma coisa sem você!
Eu fiquei absurdamente besta!
[b]♪E eu não sei em que hora dizer, me dá um medo. É que eu preciso dizer que te amo, te ganhar ou perder, sem engano, eu preciso dizer que te amo tanto.♪[/b]
Nesse exato momento eu levantei da minha cadeira. Bem coisa de impulso, sabe. Minhas pernas se movimentaram sozinhas e me impulsionaram para cima.
Quando eu vi, já estava de pé e a meio passo de correr pra Mione. Ela ficou olhando pra mim como quem diz “Surtou?”.
Droga, tem uma hora que você cansa, sabe? Chega aquele momento em que tudo que você fez um esforço enorme pra guardar durante anos vai de uma vez só pra sua garganta, sem respeito nenhum ao tempo que o cérebro precisa pra raciocinar, e exige ser posto pra fora. Eu ainda caminhei pra ela. Um esforço enorme por alguns passos. Um conflito interno que assustava a mim mesmo. E eu fui chegando mais próximo a ela. Eu só pensava em como transformar aquilo em palavras, em como dizer pra Hermione que eu a amo demais. Eu não estava me importando com o choque que ela teria, que eu com certeza não seria correspondido e que isso poderia arruinar aquela amizade. De que isso importa quando tem um motim de sentimentos urrando por liberdade e causando o maior embrulho no meu estômago?
Eu me toquei que já estava de pé, de frente pra Hermione, apoiado nos braços da cadeira dela e tão próximo que a garota já tinha se fundido ao recosto da cadeira. Eu sentia a respiração dela. Finalmente falei.
-Eu também acho.
-O que? Que somos um trio?
-É, é, isso aí!
I.D.I.O.T.A!! Eu fui pra janela me xingando internamente furiosamente. Você estava a três centímetros, Rony! Você nunca esteve tão perto de soltar tudo! E aí, cara, que tipo de rato você é? O que você perderia? O único risco era de levar um não, mas e daí? Talvez eu esteja perdendo muito mais com esse atraso todo. Mas eu sou tão inteligente quanto um trasgo pra entender isso!
-O que você está fazendo aí? Volta pra cá.
-Nada. Só olhando a noite. – Respirei fundo o ar gelado e voltei para me sentar com ela.
[b]♪E até o tempo passa arrastado só pra eu ficar do seu lado. Você me chora dores de outro amor. Se abre e acaba comigo.♪[/b]
Eu, o idiota, não consegui mais olhar pra ela, fiquei um tempo olhando pra minha própria mão e ia sugerir que voltássemos ao trabalho quando vi que a Hermione tinha a face um pouco vermelha e olhava pra baixo, sorrindo!
Ia perguntar por que, mas ela explicou antes disso. E antes não tivesse falado nada.
-Sabe, Rony, eu sinto saudades. Pronto, falei!
Pense na minha cara de confuso.
-Do que, Mione?
-Do Vitor, ora essa! – Agora ela ria totalmente envergonhada.
-Que Vitor, poxa?
-O Krum, criatura! Que outro Vitor poderia ser?! – E como eu não consegui pronunciar nada... – Sabe, foi pouco tempo que ficamos juntos, mas foi tão... surreal! E ele ainda me escreve muito freqüentemente, sabe? E pra quem não falava muito, as cartas dele são lindas.
O meu estômago não afundou, simplesmente virou pó. Eu só fiquei olhando pra ela e mil imagens daquele monstro abraçando a Mione se formaram na minha cabeça. Eles andando juntos, rindo juntos, se abraçando, se beijando... Eu só consegui abrir a boca e imagino como minha imagem deve ter sido patética nesse momento. Produzi sons estranhos ainda tentando expulsar aqueles filmes de terror da minha frente. Acho que a Hermione interpretou esses sons como “prossiga, meu bem, com sua bela história de amor”.
-Mas poxa, ele precisava morar tão longe? – Agora ela falava abertamente! Como se eu fosse uma garota e ela me falasse de sinais da puberdade! Poxa, ela não podia esperar a Gina acordar pra falar isso pra ela? Pra mim não! Eu não preciso, não quero saber disso! – Tipo, ele me pediu em namoro, sabe? E não gostou quando eu recusei. Mas não foi culpa minha! Ele viaja por causa dos jogos e mora meio longe de mim. Não ia ser agradável. Mas não é verdade? Eu espero tanto e quando eu encontro um cara, tem que ter tantas dificuldades na frente? Eu não quero um relacionamento só de cartas. E se eu o deixo passar, só Deus sabe quando vai aparecer outro, entende, eu não sou feita só de livros, também sou gente!!
Eu ouvia aquilo com um profundo desconforto. Eu colei chiclete na barba de Dumbledore pra merecer isso?
-Por que você ta me contando isso, Hermione?
-Por que você é meu amigo, ora essa! Por quê? Não devo confiar em você? Você não contaria pra mim?
Ai ódio! Diga tudo, Hermione, mas não me diz isso! Eu posso ser um idiota, sabe? Eu posso ser um idiota, um covarde, um retardado, um trasgo, posso até ser um verme, mas eu também sinto, droga!
[b]♪E nessa novela eu não quero ser seu amigo. È que eu preciso dizer que te amo, te ganhar ou perder, sem engano. Eu preciso dizer que te amo tanto.♪[/b]
Em mais um ato de impulso eu levantei e dessa vez fui em direção a escada do dormitório masculino, dando completamente as costas pra ela.
-Eu acho que me enganei mesmo com a sua amizade, não é, Rony?
Eu estanquei no meio do caminho com uma pontada no peito e virei pra ela.
-Eu não quero ser só o seu amigo, Hermione. Pra mim não é o suficiente.
E segui o meu caminho, sem nem parar e olhar pra cara de atordoada da mulher pra quem eu acabei de me declarar.
[b]♪Eu já nem sei se eu to misturando. Eu perco o sono. Lembrando cada verso teu, qualquer bandeira. ♪[/b]
Entrei no quarto em um estado de nervos descomunal. Sorte que nenhum dos meus companheiros de quarto acordou.
Finalmente eu falei, não falei? Não foi como eu esperava, mas falei e o importante é isso.
A quem você está tentando enganar? Não é isso que é importante. Certo, falei, mas e aí? Falei isso depois dela me revelar,sem nem eu querer, que está a fim de outro.
E que outro! Vitor Krum. O maior jogador de quadribol. Famoso, habilidoso, tem dinheiro e já ficou com ela. Tem tanto mais potencial que conheceu a Hermione muito depois que eu e já pediu até em namoro. E eu? Um estudante, uma bosta de dragão em quadribol, feio, desengonçado, covarde e o dinheiro todo da minha família não é nem o salário daquele cara
Deitei na cama e tentei dormir, mas nem sinal do sono que eu sentia agora há pouco.
Um dia uma garota chata entrou na cabine do trem tentando me ensinar como fazer o meu rato ficar amarelo. Alguns dias depois eu a salvava de um trasgo. Sem demorar pra que não desgrudássemos mais um do outro nos dias letivos em Hogwarts.
E se eu tivesse percebido a mais tempo que aquele sorriso era tão importante pra mim?
E se eu tivesse admitido pra mim mesmo que precisava mais dela, de sua inteligência e de sua presença do que eu insistia em acreditar?
E se eu tivesse contado pra ela mais cedo que eu precisava muito mais dela do que nas aulas de transfiguração e poções?
Se eu tivesse cumprido todos esses “e se” talvez eu não estivesse com esse nó na garganta e essa falta de sono crônica.
[b]♪Fechando e abrindo a geladeira a noite inteira. Eu não sei em que hora dizer, me dá um medo. É que eu preciso dizer que te amo, te ganhar ou perder, sem engano♪[/b]
Desci mais pra me distrair e me manter em movimento que qualquer outra coisa. Voltei pro Salão Comunal tão desnorteado quanto tinha saído dele e tanta coisa passava pela minha cabeça que eu não conseguia manter nenhuma idéia fixa. O salão ainda era iluminado por uma pequena fração do fogo que havia na lareira inicialmente.
Eu fui até a janela, olhei pro nada sombrio que se estendia lá fora, voltei, fui inconscientemente ao pé da escada para o dormitório feminino e me sentei de novo na cadeira que estava antes.
-Você não estava falando sério.
Dei um pulo de susto ao ouvir uma voz que vinha de um canto nada iluminado da sala, e o meu coração deu outro ao constatar que ainda era a Hermione que estava ali. Quando meus olhos conseguiram desenhar um pouco dela no escuro, percebi que tinha o cenho contraído, uma expressão densa e o rosto apoiado na mão mostrando um cansaço assustador. O cabelo caía pro lado, emoldurando o rosto.
-Você não podia estar falando sério. É só porque você não gosta do Krum.
-E você acha que não gosto do Krum por quê?
-Ora, Rony, por que... Sei lá! Como você espera que eu te entenda?
-Eu não espero isso, Mione.
-Nós sempre fomos amigos e você nunca esteve nem aí pra mim! – Agora ela apertava os braços da poltrona com as duas mãos e se inclinava pra frente, como se segurasse para não levantar.
Eu acho que estava tão vermelho quanto meu cabelo. Ela já estava de pé, quase gritando comigo.
-Como nunca estive, Hermione? Você nunca soube como era difícil pra mim, você nunca soube o que realmente acontecia comigo, você nunca me viu na sua frente como qualquer outra coisa que não fosse o seu amigo! Eu te amo, droga, e você nunca viu! Pra que, não é? É o Rony, é qualquer coisa...
Eu via a hora da Hermione me bater, mas sabe de uma, eu não estava nem aí, se era pra ser assim.
-Seu retardado! Você é tão idiota que nunca me viu também! Você é tão imbecil que...
-Que o que, Hermione? Que deixei o Krum passar na minha frente? Eu sei, não precisa me lembrar!
Ela já estava chorando e as lágrimas dela não me sensibilizaram. Eu sou um verme, lembram? Ela me puxou pela gola da camisa com ódio e gritava comigo a 2 centímetros.
-Você é um idiota, Rony!
E ela me beijou. Ou eu a beijei. Não sei. Eu sinto o beijo dela e o que ela me disse logo depois até hoje.
[b]-Eu preciso dizer que te amo tanto.♪[/b]
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