Capítulo 10
Capítulo 10
O departamento de ciências estava no segundo andar. Os passos de Potter soaram a oco nos degraus de mármore da Biblioteca Pública de Los Angeles.
Era 7 de abril de 1976.
Havia-o ocorrido, depois de passar vários dias perdidos em bebedeiras, desgostos e investigações inconcretas, que estava perdendo tempo. Era incontestável que os experimentos isolados não levavam a nenhuma parte. Se havia alguma solução racional ao problema (e devia acreditar que sim) não a encontraria desse modo.
Em seu novo e ordenado programa, tinha decidido estudar o sangue. O primeiro passo era, pois, procurar alguns livros sobre o tema. Na biblioteca, o silêncio era total. Lá fora se ouvia às vezes o canto dos pássaros, e mesmo que estes se calassem, parecia continuar ouvindo alguma espécie de canto.
Era inexplicável, mas o silêncio parecia mais fúnebre lá dentro do que fora.
Especialmente aqui, neste enorme edifício de pedra cinza que abrigava toda a
literatura de um mundo morto. Possivelmente, pensou, estou rodeado meramente por muros psicológicos. Mas isto não era grande coisa. Não havia psiquiatras para tratar neurose sem fundamento e alucinações auditivas. O último homem do mundo estava absolutamente encarcerado em suas ilusões.
Potter entrou no departamento de ciências.
Era um quarto de teto alto, com amplos vitrôs. Perto da porta se elevava o escritório onde em outro tempo ficavam registrados os livros.
Potter se deteve ali um momento, passeando o olhar pela silenciosa sala,
sacudindo lentamente a cabeça. Muitos livros, pensou: Testemunho da inteligência de um planeta, Migalhas de mentes fúteis, Mescla de sistemas inúteis para impedir a morte do homem. Aproximou-se das estantes da esquerda e seus sapatos golpearam os escuros ladrilhos.
Olhou as placas que classificavam os livros das prateleiras. Astronomia, leu, livros sobre o céu. Passou longe. Não lhe interessava já o céu. Aquela antiga curiosidade tinha morrido junto com as outras. Física, Química, Engenharia. Seguiu adiante e entrou na seção que ocupava seu interesse.
Parou e levantou os olhos. No teto havia duas fileiras de luzes apagadas, e estava dividido em grandes quadrados profundos, decorados com mosaicos indianos, aparentava. A luz do dia entrava pelas janelas poeirentas, e umas bolinhas cinzas ficavam suspensas nos raios de sol.
Observou as largas mesas de madeira e as fileiras de cadeiras. Tudo estava em seu lugar. No último dia, pensou, alguma bibliotecária solteirona tinha percorrido a sala colocando as cadeiras no lugar correspondente, com uma laboriosa precisão.
Imaginou a mulher que tinha morrido solitária para voltar, possivelmente,
condenada a terríveis vagabundagens, e sacudiu a cabeça. Basta, disse, não
há tempo para divagações românticas.
Passou diante de outros livros, até que chegou a Medicina. Esta era a seção
que lhe interessava. Olhou os títulos e encontrou livros sobre higiene, fisiologia (geral e especial), terapêutica. Um pouco mais à frente, Virologia.
Tirou cinco obras de fisiologia geral e vários livros que tratavam temas relacionados com o sangue e os deixou sobre uma mesa. Interessavam-lhe também alguns textos sobre a bacteriologia? Durante um momento olhou indeciso os títulos.
Ao fim se encolheu de ombros. Bom, no que se diferenciavam? Tirou várias obras á esmo e as acrescentou ao montão. Tinha nove livros, suficientes para começar. Podia retornar em qualquer momento. Quando saía da sala olhou o relógio sobre a porta. Os ponteiros vermelhos do relógio pararam às sete e vinte e cinco. Potter se perguntou em que dia haviam parado.
Meu Deus, que importância tem agora tudo isto? Disse com desprezo. Aquela nostálgica preocupação pelo passado cada vez lhe irritava mais. Era
uma debilidade, sabia, uma debilidade que não devia permitir-se. Entretanto, de quando em quando, surpreendia-se meditando amplamente sobre algum aspecto do passado recente.
De dentro, tão pouco pôde abrir as portas grandes. Estavam bem fechadas com
chave. Teve que sair pela janela pequena, deixando cair os livros na calçada, um a um.
Levou em seguida os livros ao carro.
Enquanto ligava o motor viu que tinha estacionado em local proibido, junto
a uma calçada pintada de vermelho. Olhou acima e abaixo da rua.
—Polícia! —tirou o chapéu gritando—. Ei, polícia!
Riu durante um quilômetro, surpreso de que aquilo lhe parecesse tão divertido.
Deixou o livro. Estava relendo os temas referentes ao sistema linfático. Recordou
vagamente tê-los lido meses atrás, durante o tempo que agora qualificava de
«período congelado». Mas aquela leitura, sem uma aplicação possível, não havia interessado-o suficientemente.
Agora podia encontrar algo nessas páginas.
As finas paredes dos capilares permitiam que o plasma sangüíneo penetrasse nos tecidos junto com os glóbulos vermelhos e brancos. Estes elementos
retornavam eventualmente ao sistema circulatório através dos vasos linfáticos, levados pelo claro líquido, chamado linfa.
Durante o caminho de volta, a linfa atravessava nódulos linfáticos que interrompiam o passo da corrente e filtravam as partículas de refugo, evitando que passassem ao canal sangüíneo. Bem.
Havia duas coisas que ativavam o sistema linfático: 1º, a respiração: o diafragma comprimia o abdômen, fazendo subir o sangue e a linfa; 2º, o movimento físico: os músculos comprimiam os vasos linfáticos, fazendo circular a linfa. Um complexo sistema de válvulas impedia o retrocesso da corrente. Mas os vampiros não respiravam; pelo menos os mortos. Isso podia significar que a metade da corrente linfática tinha ficado interrompida. E algo mais: que uma quantidade importante de produtos de refugo não ficavam liberados no sistema linfático do vampiro.
A Potter vinha à memória o aroma fétido daqueles seres. Seguiu lendo.
«As bactérias passam à corrente sanguínea, onde... os glóbulos brancos
Desempenham um papel importante na defesa contra as bactérias... A luz solar mata muitos germes e... Algumas enfermidades humanas podem ser transmitidas por moscas, mosquitos... E ali, estimulados pelo ataque das bactérias, os produtores de fagócitos introduzem novos corpúsculos na corrente sanguínea...».
Potter deixou o livro sobre seus joelhos. Escorregou-lhe pelas pernas e caiu no tapete. Sempre parecia existir relação entre as bactérias e as enfermidades do sangue. Entretanto, ainda se questionava dos que tinham morrido denunciando os germes e rechaçando aos vampiros.
Levantou-se para preparar um copo. Mas, de pé diante do bar, ficou olhando
fixamente a parede, enquanto golpeava com o punho a mesa do bar, lenta e ritmicamente.
Germes.
Fez uma careta. Bom, em nome de Deus, disse desanimado, o perigo não reside nas palavras.
Respirou fundo. Bem, dirigiu-se a si mesmo, há algo que se oponha aos germes?
Afastou-se do bar como se deixasse o problema ali. Foi à cozinha e sentou-se olhando a cafeteira fumegante. Germes. Bactérias. Vírus, Vampiros. por que não aceito? pensou. É só uma teimosia reacionária, ou possivelmente é, que a tarefa excede meus limites?
Não saberia dizê-lo. Poderia tentar um novo caminho: a da comprovação. Uma teoria não era necessariamente contrária à outra.
As bactérias podiam explicar a existência dos vampiros.
E de repente tudo pareceu esclarecer-se.
Era como se tratasse daquele menino holandês que tapando com o dedo o buraco do dique, impede que entre o mar da razão. Ali ficou, de cócoras e satisfeito. Agora se levantou, desentupindo o buraco. E muitas respostas entravam nele.
A praga havia se estendido tão depressa que se perguntava se isso tivesse sido
possível, só com a ação dos vampiros.
Sentiu-se arrasado pela evidência da resposta. Só as bactérias podiam explicar a
progressiva rapidez da praga, o aumento geométrico das vítimas.
Afastou a xícara de café, tinha o cérebro ocupado em uma dúzia de idéias diferentes.
As moscas e mosquitos também eram responsáveis. Estendendo a enfermidade e fazendo-a correr pelo mundo. Sim, as bactérias podiam ser a explicação de muitas coisas: o isolamento durante o dia e o estado de coma provocado pelos germes para proteger-se da luz do sol.
E ocorreu-lhe uma nova idéia: as bactérias podiam ser realmente a força do vampiro.
Sentiu que um calafrio lhe percorria a espinha. Era possível que o mesmo germe que matava os vivos animasse os mortos?
Era imprescindível averiguá-lo. Deu um salto e saiu correndo da sala. Quando estava a ponto de abrir a porta se deteve bruscamente, com uma risada nervosa. Meu Deus, pensou, estou ficando louco? Já é de noite.
Sorriu conformando-se e andou pela sala. Possivelmente a teoria não explicasse
tudo. O que acontecia com as estacas? Tratou de centrá-las em um quadro geral infeccioso, mas só podiam guardar relação com as hemorragias, e isso não explicava o caso daquela
mulher. E com certeza que não era o coração.
Parecia que sua nova teoria começava a desmoronar-se. As bactérias não
podiam explicar tão pouco o efeito das cruzes. O chão. Não, não havia nada ali.
A água corrente, o espelho, os alhos...
Potter sentiu que não podia dominar seus nervos e desejou gritar e frear aquelas idéias exageradas. Tinha que descobrir algo! Maldição!, exclamou mentalmente.
Descobrirei-o!
Sentou-se, trêmulo e tenso, tratando de deixar em branco a mente. Senhor, pensou ao fim, o que há comigo? Tenho uma idéia, não posso explicá-lo tudo em um minuto, e se demorar mais de um minuto em me explicar isso tudo sinto pânico. Estarei ficando louco?
Pegou o copo; agora precisava disso. Elevou a mão até que o tremor cedeu. Bom, moço, acalme-se. Papai Noel virá esta noite lhe trazer todas as respostas. Já não será um solitário Robinson Crusoé em uma ilha deserta, rodeado por um oceano de morte.
Riu da idéia e se acalmou um pouco. Saiu-me uma frase genial, pensou. O último homem no mundo é Edgard Guest.
Bom, disse, agora vá se deitar. Não pense em vinte coisas distintas. Não pode
continuar assim. É um desastre emocional.
O primeiro é conseguir um microscópio. O primeiro, repetiu enquanto tirava a roupa, ignorando aquele nó no estômago, o desejo de embriagar-se sem mais rodeios na investigação.
Não se sentia bem, deitado ali na escuridão e matutando uma só idéia. Sabia que devia ser assim. Um primeiro passo, maldição, um primeiro passo.
Sorriu com uma careta, na escuridão, consolando-se com a idéia de um trabalho bem definido.
Entretanto, antes de dormir permitiu uma nova reflexão. As picadas, os insetos, a transmissão de homem a homem... era isso suficiente para explicar a terrível rapidez com que se estendia a praga?
Dormiu com a pergunta na mente. E por volta das três da manhã despertou sentindo que outra tormenta de areia caía sobre a cidade. E de repente, em um segundo, encontrou a relação.
Continua... (Vou parar porá aqui por enquanto eu revisei até aqui... vou revisar o resto e ir postando... vai até o capítulo 21 por enquanto... até mais, mandem comentários)
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