Gelo & Fogo
Gelo & Fogo
A neve branca que cobria os jardins naquela tarde gelada de inverno não ajudava em nada sua tentativa - sem sucesso, é claro - de não pensar nele, e sem que Ginny percebesse, ele já era o dono de seus pensamentos outra vez. Ás vezes, chegava até a pensar que talvez sua mente nunca houvesse deixado de pertencer a Tom. Aquilo parecia até doentio de certo modo, mas para ela, mais parecia uma droga no qual caíra no vício e não conseguia largar. Não, certamente ela tinha que concordar com uma pontinha de sua consciência que dizia e quase lhe gritava, que aquilo estava se tornando doentio. Ou quem sabe, há muito tempo já fosse e só a ruiva não enxergava.
Observou mais uma vez o manto branco que cobria o verde do gramado, que agora não podia mais ser visto. Tudo estava tão branco e pálido, assim como a imagem do rosto do garoto que agora lhe vinha em mente. Uma lembrança tão forte que era como se Tom estivesse na frente dela naquele exato momento, e tão presente como estava no fundo de sua alma.
Sempre tão misterioso como seus olhos negros, que pareciam esconder todos os segredos que ele guardava só para si tão fervorosamente. Sempre tão frio e gelado, como a neve que caia graciosamente naquele momento em que a ruiva observava através da janela no dormitório feminino da Grifinória. Ele era como gelo e nada, Ginny pensou, poderia aquecê-lo. Nada poderia derrubar o castelo de gelo construído ao seu redor que, cada vez mais, parecia a intrigar.
Talvez apenas uma palavra fosse capaz de derrubá-lo, que era quente e ardia como a própria sensação que esse sentimento causava as pessoas que o sentiam ou provavam um dia.
Amor. Era como fogo, mas mesmo assim, não seria o suficiente para lutar e derrotar algo tão mais forte. Gelo. Ele era Gelo, ela o Fogo. Ginny passou as mãos pelo rosto tentando tirar tais pensamentos da cabeça. Tentando não admitir o que o seu cérebro lhe dizia sabiamente. Enlouquecera.
Tom X Ginny.
E a garota de cabelos vermelhos, que pareciam queimar como o sentimento em seu coração, sabia que não sairia vitoriosa nessa batalha, pois, já começaria perdendo. Não era possível fazê-lo acreditar em algo que já não acreditava, sem nem ao menos ter sentido algum dia. E tal sentimento que duramente menosprezava.
Tal sentimento que ele nunca sentiria e que nunca o deixaria o invadir e lhe dominar. Nada e nem ninguém derreteria seu coração, que de tão gelado, parecia nem existir. Nem mesmo o Fogo poderia realizar tal feito. Nem mesmo o Fogo poderia derreter aquele ser tão gélido que era Tom Riddle. Como pedra. Impenetrável. Nem mesmo Ginny, nem mesmo ela, seria capaz de qualquer coisa. Sentiu-se tão inútil quanto todo o resto em que pensara tão doentiamente.
Parecia-lhe a maior loucura de sua vida, mas por quê? Por que tudo tinha que voltar assim? Depois de anos, a presença dele ainda parecia marcada em sua alma, como se nunca tivesse deixado realmente. Assim como ele não deixava seus pensamentos em paz.
Paz. Era totalmente diferente do que Tom significava.
Ginny desviou finalmente os olhos castanhos da paisagem lá fora e observou o dormitório vazio. Estava sozinha há horas, e nem poderia imaginar quantas mais não haviam passado enquanto ficara somente viajando em suas memórias.
Memórias as quais queria livrar-se para sempre e se pudesse arrancar, arrancaria também aquilo que lhe ardia por dentro. Engolira em seco e a mesma sensação descia queimando por sua garganta e seus olhos enchiam-se de lágrimas. Fogo, apesar do frio que sentia pela sensação causada por sua estação preferida do ano. Inverno. Mesma que esta fosse uma das maiores causas dela lembrar-se dele tão fortemente como nas outras estações.
Talvez fosse por isso mesmo que gostasse tanto do Inverno. Talvez fosse porque gostasse mesmo de pensar nele. Talvez fosse porque precisava da lembrança dele para viver ou para morrer aos poucos... Dolorosamente.
Balançando a cabeça para os lados, deixando seus cabelos caírem em cascata as suas costas ao fazer isso, dirigiu-se rapidamente a própria cama e apanhou um casaco pesado e seu cachecol que estavam ali em cima, quase esquecidos. Vestiu-se e desceu as escadas até chegar aos jardins, não percebendo quase nada ao seu redor. Os sons, as conversas e o que as pessoas lhe diziam eram quase sussurros, como se fossem um mundo paralelo ao que vivia sozinha dentro de sua própria mente, que não parava um segundo de fervilhar pensamentos.
A neve caía mais pesadamente agora e ninguém se atrevia a sair do castelo numa situação como aquela. Mas Ginny não se importava e quando se dera conta, já estava sentada em um tronco congelado de árvore, distante do lago que parecia congelado também.
Ficara ali por um tempo, apenas encarando ao longe o gelo que cobria a água parada do lago. Gelo, gelo, gelo... Estava por toda a parte e a sensação de frio era ainda pior do que a que já estava sentindo antes de descer até ali. Não havia feito certo, ter saído do lugar seguro em que estava anteriormente, apesar de que seguro não seria uma palavra correta para se usar. Sua atitude impensada só parecia ter piorado as coisas e as memórias martelavam ainda mais fortemente em sua cabeça naquele momento, fazendo-a fechar os olhos e apoiar os cotovelos nos joelhos, escondendo o rosto entre as luvas que usava para se aquecer.
Mas o frio era mais forte e congelante que tudo. Mais forte do que Ginny. Sentiu-se fraca e deixou-se levar pelo ar gélido que batia em seu rosto, fazendo-a abrir os olhos e encará-lo...
Ele estava ali e Ginny não sabia dizer como e nem porque, mas Tom estava ali.
Os cabelos escuros e os olhos de mesma cor, que escondiam o mesmo mistério e a mesma escuridão de que ela se lembrava. Mas que não queria lembrar... Fechara os olhos outra vez, como se fazendo isso, pudesse abri-los novamente minutos depois e constatar que estivera apenas sonhando e que logo acordaria em sua cama fofa e quente, mas não fora o que acontecera. Não era sonho. O jovem a sua frente agora quase sorria, maliciosamente, como se estivesse se divertindo à custa da confusão da ruiva.
Os olhos do garoto estavam agora fixos no vermelho dos cabelos dela, que se destacava naquele cenário todo branco. Tom a observava com tamanha intensidade que era como se a analisasse e aquilo a estava incomodando como se, pouco a pouco, ele a estivesse consumindo e a sufocando somente ao olhar.
-O que está fazendo aqui? – Ginny perguntou seca e friamente. Algo que não passou despercebido por Tom.
-Ora, Ginny. – ele disse seu nome e um arrepio percorreu seu corpo. –Para uma Grifinória como você, até que sabe ser fria e...
-Cale a boca! – ela quase ordenou interrompendo-o e levantou-se rapidamente, como se estivesse prestes a ser atacada por alguém. –O que você quer aqui? Porque não some de uma vez por todas?
-Enquanto estiver em sua memória, eu não deixarei de existir. –ele explicou e Ginny sentiu um pavor a dominar. -Será como se uma parte de mim vivesse em você.
-Ah, e você acha divertido tudo isso? – ela indagou sentindo mais raiva do que antes e tentando não apavorar-se com o que ele acabara de dizer. Ainda mais se fosse verdade... –Aproveitando-se dos outros para a própria diversão.
A risada fria e doentia do jovem Sonserino invadira seus ouvidos e era como se a cortasse por dentro. Ferindo seu corpo e ao mesmo tempo seu coração. Sentiu-se mais fraca ainda do que todas as outras vezes. Congelada.
E, então, os primeiros vestígios das lágrimas, que tentara por tanto tempo segurar, escorreram por seu rosto claro e quase tão frio quanto... Ele.
O calor das lágrimas quase se anulava, e era como se congelassem antes mesmo de terminarem seu caminho pela pele da garota até chegar a sua boca que continuava seca. As palavras outra vez lhe fugiam.
Tom ainda gargalhava a sua frente. Mesmo que agora sua risada saísse mais baixa, não parecia dar atenção e nem preocupar-se com o choro da ruiva. Ela atreveu-se a olhar para ele, sua feição vazia era a mesma, nenhuma reação, nenhum sentimento diferente... Nada.
Sua voz quase não chegara aos ouvidos de Ginny quando ele tornara a falar. Eram apenas como sopros do vento que carregavam aquelas palavras tão frias e vazias. Tudo tão vazio como ele.
-Eu sempre soube desde o início o quão tola você era, garota. – desdenhou ele com prazer. –Eu vi, ou melhor, soube por seus pensamentos o quanto você é fraca.
Fraca... Fraca... Fraca...
Ela sentiu vontade de gritar enquanto soluçava baixinho e as lágrimas lhe escapavam, mas era como se sua voz sumisse de vez. Queria correr e socá-lo, bater em cada lugar de seu corpo, fazê-lo sofrer a todo custo, mas parecia não ter forças nem para isso. Surpreendia-a o simples fato de ainda conseguir manter-se em pé.
Mas, como? Como, ela perguntava-se, aquele ser poderia ser tão vazio de sentimentos a ponto de não se importar com o menor sentimento de qualquer pessoa?
A tal ponto de divertir-se com o sofrimento da garota, a tal ponto de não importar-se de invadi-la daquele jeito. Invadir sua alma e de alguma forma... Seu coração.
Sofrimento... Ginny queria causar dor a ele. Tanto quanto ele vinha lhe causando. As suas lágrimas cessaram de repente, surpreendendo-a e ao mesmo tempo a Tom que não deixara transparecer.
Desviando os olhos, que antes estavam encarando a neve no chão, ela o olhou fundo nos olhos negros e juntou toda coragem que seu sangue Grifinório fora capaz e correu a passos pesados em direção a Tom. Ele sobressaltou-se quando vira a proximidade dela a ele, uma mão dela perigosamente colada em seu rosto.
-Eu não sou fraca! – Ginny gritou, com o dedo indicador na cara dele.
O sorriso malicioso não sumira do rosto dele e Ginny abaixara a mão lentamente, ainda com os olhos fixos nos dele.
-Ah, é? – Tom indagou aproximando-se dela e diminuindo a mínima distância entre os dois. –Então prove. –desafiou.
Ginny arregalou os olhos e, pensando ter atingido o máximo de sua loucura, ela o beijou. Surpreendia a ela o fato de poder tocá-lo. Ele. Uma mera lembrança que naquele momento parecia mais viva do que nunca. Tom deixara transparecer desta vez sua surpresa pelo ato da garota, mas havia algo que o fazia não querer separar-se de Ginny e querer beijá-la de volta, retribuindo e sentindo uma sensação que nunca sentira antes. Fogo. Parecia queimá-lo por dentro. Os lábios quentes dela em contato com os seus gelados, como se travassem uma batalha.
Ginny fechara os olhos e deixara-se levar. Parecendo, enfim, que o mudaria de alguma forma, e que poderia demonstrar a ele o que sentia. Uma sensação agradável percorria seu corpo apenas em tocar seus lábios, um beijo quase infantil, ela pensou. Mas tudo não durara nem muitos minutos. Tom separou-se, a assustando e Ginny tornou a abrir os olhos e fitar os dele. Sentiu sua boca secar quando se separara dele e o frio a invadira outra vez e não ao contrário. Fracassara. Voltou-se novamente para onde estava antes da chegada de Tom e sentou-se sem falar nada, ainda observando a expressão confusa dele.
-O que estava tentando fazer? – ele perguntou incrédulo e caminhou em direção a ela, passando as mãos pelos cabelos escuros.
-Mudar você. – Ginny respondeu baixinho com a cabeça baixa e quando tornou a olhá-lo, notou o quanto ele estava próximo.
-Isso só demonstra mais uma vez que você é fraca, Ginny. –sua voz saíra sarcástica e ele a olhara tão intensamente, que parecia estar adivinhando seus pensamentos.
-Você retribuiu. – ela achou melhor dizer tudo, ao invés de deixá-lo ler sua mente.
-Eu não queria que você morresse sem saber qual é a sensação. – ele sorriu maliciosamente. –Eu mudei você, Ginny Weasley. Eu mudei.
-Eu já sabia qual era a sensação... – Ginny confessou. -... Antes mesmo de prová-la.
-Qual é então? – Tom perguntou desafiando-a mais uma vez e ela levantou-se para encará-lo frente a frente.
-Você é frio. – ela quase cuspira as palavras em seu rosto, mas ele não desviava o olhar. –Não tem como mudar você.
-Pessoas tolas, assim como você... – ele riu. –Amor. – Ginny percebeu que ele sentia nojo ao dizer aquela palavra e o buraco em seu peito aumentou assustadoramente. Baixara os olhos outra vez, para a neve aos seus pés. Frio. Estava tudo tão frio. E o pior de tudo, era saber que aquilo nunca acabaria e ela tinha que confessar. Estava dominada por ele.
-Você me mudou. – o murmúrio quase inaudível da ruiva soara apenas para o vazio a sua volta. Ao levantar os olhos cheios de lágrimas, ele não estava mais ali. Vazio. Virou-se para os lados constatando a escuridão. Já era noite. Estava delirando. Ele nunca estivera ali. Ou será que estava? Sua mente mais uma vez travava uma batalha, a mesma, muitas e muitas vezes. Ilusão X Realidade. Ginny nunca saberia a resposta.
O seu sangue parecia congelar aos poucos, à medida que a raiva explodia em seu coração... E, então, sem se preocupar se alguém mais iria a ouvir, ela gritou. Queria que onde Tom estivesse, que ele ouvisse. Que fosse embora de uma vez por todas. Que sumisse. Que fosse apagado de sua mente para sempre.
-EU TE ODEIO! – o bafo quente saíra de sua boca chocando-se com o ar gelado. O som de sua voz saindo finalmente alta, tão alta que sentira finalmente como se o peso do mundo saísse de suas costas... Pelo menos por um tempo.
Ginny sabia que tudo seria mera ilusão, até o momento de ele dominá-la outra vez e ser dono de seus pensamentos.
Vencê-la outra vez.
Congelá-la por dentro a ponto de torná-la fraca como naquele momento, mais uma vez, ela se sentia. Seus joelhos cederam fazendo-a cair na neve e com as mãos no rosto... Ela chorou, pois sabia tudo desta vez. Era pior saber o que era inevitável.
O Amor dominaria o Ódio. O Gelo dominaria o Fogo.
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