Único
N/A: A fic se passa durante o quinto livro.
Os passos ecoavam na escada. Um a um, bem marcados, sem pressa. Conheço o som dos saltos dela subindo as escadas de madeira velhas e puídas da casa desde que era uma criança.
Sim, aqueles passos firmes de quem se sente superior, de quem se faz presente. Já senti medo ao ouvi-los se aproximando do meu quarto. O simples anúncio da presença dela era suficiente para fazer eu me aquietar. A única coisa que fazia eu me aquietar. Vocês certamente sabem como uma adolescente de quinze anos pode ser impaciente e sentir ciúmes de seu primo de cinco. Bom, isso porque vocês não conheceram Belatriz Black.
Aos cinco anos eu era mimado, irritante e desafiador. O herdeiro do nome Black! O primeiro filho homem da família! É claro que todos faziam minhas vontades. Todos. Menos ela.
Lembro-me do olhar de inveja e ódio que ela me lançava naquela época. Das unhas pintadas de vermelho que beliscavam meu braço quando ninguém estava por perto. As ameaças sussurradas para que só eu ouvisse.
Talvez ela quisesse ter nascido homem, talvez ela me odiasse por ter tomado seu lugar de honra entre os mais velhos. Mas hoje em dia penso que era a própria maldade se aflorando desde àquela idade, numa adolescente impetuosa e arrogante.
Dez anos depois as coisas mudaram. Drasticamente.
Sempre que eu ouvia os passos dela na escada, eram suaves como veludo e leves como um fio de seus cabelos negros. Eles se aproximavam do meu quarto no meio da noite e não me despertavam medo mais, pelo contrário. Despertavam desejo, aceleravam as batidas do meu coração, secavam minha boca e enlouqueciam meus sentidos, enquanto eu esperava ansioso.
Imaginem um rapaz de quinze anos apaixonado por sua prima mais velha. Uma mulher de vinte e cinco. Elegante, em camisolas negras de seda, batom e unhas vermelhos contrastando com a pele de pêssego. A postura nobre, o corpo jovem, os cabelos longos caindo em cascatas pelas costas, o sorriso cínico. Agora adicionem a isso o fato de ela ser Belatriz Black.
Nessa época as unhas já não beliscavam meus braços, mas arranhavam minhas costas; e não me causavam dor, mas prazer. As palavras sussurradas pra que só eu ouvisse não eram ásperas, mas de puro desejo. Assim como todos os olhares. E eu podia ver de perto o brilho único daqueles olhos negros. Ela continuava me dominando. Me enfeitiçava. Sim, a única pessoa que conseguiu subjugar Sirius Black.
E me atrevo a dizer que ela me odiava mais ainda nessa época, muito mais que antes. Me odiava por ela mesma não ter conseguido continuar a me maltratar e ignorar. Me odiava por eu ser irritantemente atraente e sedutor. Me odiava por eu não ser digno dela. Eu não era mais o príncipe da família. Agora ninguém mais satisfazia minhas vontades. “Grifinório”. Me odiava por ser impossível me amar. Me odiava por ser proibido. Me odiava por me amar demais.
É, eu sei. Ela sempre foi louca. Mas sempre me enlouqueceu também. Fosse da maneira que fosse, ela sabia se fazer marcante, sabia se fazer necessária, sabia ser a melhor. Sempre a melhor.
Ainda posso sentir o gosto meio azedo meio doce dela se fechar os olhos. Único. O perfume também, aquele perfume cítrico. Ou talvez ele só tenha se impregnado nos lençóis. E os passos agora já estão no meio da escada.
Eu também a odiava. Sim, muito, e ainda odeio. Odiava-a por ter se atrevido e conseguido me dominar, desde criança. Odiava-a por ela sempre ter ido embora antes que eu acordasse. Odiava-a por ser tão conquistadora e sexy, e conseguir tomar conta de todo meu corpo e minha mente. Odiava-a por não ter ficado. Odiava-a por ter se casado com Lestrange. Odiava-a por ser um deles. Não, ela era pior que eles. Odiava-a por ser cruel. Odiava-a por ter matado. Odiava-a por ter morrido...
Naqueles momentos em que éramos só nos dois, eu podia apreciar como ela era tão igual a mim. Sarcástica, charmosa, conquistadora, dona do próprio nariz. Mas ao mesmo tempo ela era totalmente diferente. Tinha um prazer sádico em provocar sofrimento e dor. Orgulho de ser uma Black. Os olhos dela brilhavam quando falava nele...
Mas mesmo assim, ao ouvir aqueles passos na escada alguns segundos atrás, eu tive certeza que era ela. Mesmo assim, ao escutá-los agora, já no alto da escada, meu coração idiota ainda acelera e meu corpo relembra aquelas sensações. É, eu também a odeio por amá-la.
Os passos cessaram na porta do quarto. Eu espero a porta se abrir. E lá está ela mais uma vez. Mas não é realmente ela. A mulher parada ali é uma caveira de olhos fundos e olhar louco. De cabelos embaraçados e coração de pedra. A expressão tão dura que eu me assusto com a maciez da voz quando ela abre os lábios.
- Sirius.
E eu finalmente a reconheço. Sim, naquela voz se encontra o resto de humanidade daquele ser. Talvez por isso tenha saído tão fraca.
- Bela.
Eu me levanto e me aproximo. Abraço-a pela cintura com um único braço, sentindo-a amparar-se nele. Com o outro, afasto os cabelos emaranhados do rosto dela e desenho a boca, antes tão vermelha e aveludada, agora pálida e ressecada.
- Pelos velhos tempos então? – digo encarando os olhos negros, agora opacos.
- Uma última vez – o fio de voz dela é abafado pelos meus lábios.
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