Único;
A primeira coisa que ele fez ali, naquele momento, foi passar a mão com vigor no rosto angelical dela. A menina que há muito roubara seu coração, deitada sem vida agora. Seu corpo estava inerte, seus olhos fechados, seus músculos relaxados. Ela descansava. Ele sentia as lágrimas descerem, e em nenhum momento foi capaz de reprimi-las. ‘Hermione...’, ele dizia febrilmente, na tentativa frustrante de ser capaz de trazê-la de volta, para os seus braços. Mas ela não voltaria. Ele não poderia mais abraçá-la. Nunca mais. Sentir seu perfume, observar seu sorriso, ver seus olhos brilhando tão magicamente ao procurar uma resposta. Acabara. Tudo estava acabado. Sua vida deixou de existir no momento em que ela partiu, afinal, ela era sua vida... Tantos momentos, tantas recordações que vinham na mente dele. Mas havia algo errado: as lembranças estavam tão longe... Ele ousou pensar que nem sequer um dia existiram. Estava prestes a se juntar a ela, presumiu. Ele não sentia mais seus sinais vitais: o coração parara de bater, o pulmão estava sendo comprimido até não restar ar algum, a traquéia parecia ter se fechado. Mas a verdade absoluta é que ela morrera. Deixara o garoto para sempre; sozinho.
-Rony... – sussurravam os amigos, tentando consolá-lo.
Mas não existia forma de consolo. Não era justo. Não com Hermione. A menina que desistira de viver para salvar a sua vida.
-Ela... ela simplesmente pulou na minha frente... eu não percebi... não vi quando aconteceu. Gritei com ela... disse que ela não podia ir para a guerra...
Mas não adiantara. Todos os esforços de Rony para protegê-la foram inúteis. Ele falhara. Era tudo culpa dele. Um turbilhão de flashes invadiu sua mente. Hermione se desviava por um triz de um feitiço lançado por um Comensal da Morte... Rony gritava com ela por ser tão descuidada... Hermione se atirava em cima de Rony, enquanto Harry salvava o mundo (destruía Voldemort)... Hermione caía morta no chão.
Hoje era o enterro. A última vez que Rony olharia para aquela pele, um dia vívida. ‘Meu amor...’, ele murmurava. ‘Nada vai tirar você de mim. Nem mesmo a morte’. Rony tinha feito uma promessa; a de nunca abandoná-la. E essa ele ia cumprir, mesmo que isso lhe custasse o impossível.
Rony apertou a mão da garota com mais força dessa vez, esperando que ela se mexesse. Ela não o fez. Continuou imóvel, fixa. Ele foi despertado por um mago franzino que o chamava para se pronunciar diante de todas aquelas pessoas que compareceram ao enterro, muitas delas só para garantirem que a morte da suposta namorada de Harry Potter realmente fora verdade. Mas ele não ligou para isso. Tinha coisas muito mais importantes com o que se preocupar.
Levantou a cabeça vagarosamente, pensando que se desviasse o olhar do corpo de Hermione, a garota fugiria dali. Rony se dirigiu a uma pequena elevação, menor que um palco, propriamente dito.
Ele não sabia o que dizer. Não existia palavra que descrevesse o que estava sentindo, tampouco alguma que expressasse o seu amor por Hermione. Quer dizer, ele podia pensar em inúmeras qualidades para a garota, mas até a palavra ‘perfeita’ parecia nitidamente insuficiente.
-Eu... eu a deixei morrer. – começou Rony, com extremo pesar na voz. – É tudo minha culpa... E agora toda hora eu fico me perguntando porque. Porque não dediquei minha vida inteira à ela, porque fui perceber tão tarde a imensidão do que estava brotando dentro do meu peito. Sabe, uma vez ela me disse que eu a salvei. ‘Você me salvou de viver atrás de livros, você me deu vida, Rony’, ela disse. Mas eu afirmo que pela única vez, Hermione estava completamente errada. Ela me salvou. Não somente da morte, não. Ela me ajudou a me encontrar e tudo que eu me tornei hoje é por causa dela. Meu único e eterno amor. – Rony fez uma longa pausa. – Eu te amo, Hermione Granger. E - as lágrimas voltaram a escorrer descontroladamente – eu vou sentir muito sua falta. Muito mesmo.
Pronto. Falara o suficiente. Não o suficiente para expressar sua completa indignação e a fúria que tomara conta dele; mas o suficiente para matar a curiosidade de toda aquela gente desocupada.
Hermione se fora; não ia voltar nunca mais. Isso é que era difícil. Mas a mente humana é de fato complicada, pode pregar uma peça atrás da outra. Rony lembrou dos cabelos armados de Hermione balançando ao som do farfalhar das árvores com o toque do vento. Outra lágrima persistente cobriu seu rosto. Mas foi nesse momento que ele entendeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Hermione nunca o deixara, e nunca o deixaria. Ela só... passara. E por mais dolorosa que seja essa passagem, ela tem que existir. Pois esta é a única forma de aprendermos. Rony sorriu pela primeira vez naquele dia. Imediatamente lembrou-se das briguinhas infantis que sempre tivera com Hermione. Uma pontada de arrependimento. Podia ter aproveitado tão melhor aqueles dias... ‘Não. Não podia. Vivi intensamente com ela até o último minuto, e isso é a única coisa que importa agora, e que sempre importará’. Afinal, como diria o eterno e sábio diretor de Hogwarts, Alvo Dumbledore: ‘Para mentes bem-estruturadas, a morte é apenas a próxima aventura’. E Rony soube que ele tinha uma mente bem-estruturada, graças ao amor de sua vida. Ele devia tudo a ela, e não a faria morrer em vão. Tirou os sapatos perfeitamente lustrados, e correu. Correu em direção à liberdade, sem rumo.
Não agüentava mais se sentir como se Hermione estivesse morta, pois ela estaria sempre viva dentro dele, mais que qualquer outra coisa.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!