V
O sono era agradável e ele realmente dava tudo para não desperdiçá-lo... Maldito celular...
A mensagem era de Mandy, chamando-o a ir a Hogsmade com as amigas.
-Mas ainda são oito da manhã! – Daniel não conteve o grito indignado ainda sentado na cama, acordando seus colegas de quarto – não são horas decentes de se acordar num sábado porra!
-Aiê... Cala a boca Knight, ainda é de madrugada... – Dorian se irritou mesmo sem abrir os olhos.
-Dorme de novo e num torra, mané... – replicou Gustav num murmírio ainda mais ensonado.
-Ah não, agora ele foi acordado pela namoradinha, pode esquecer – Narcise troçou, num tom de voz que dava a impressão estar tendo uma crise de sonanbulismo.
Daniel nem se deu ao trabalho de responder. E o pior é que Narcise tinha razão, já fora acordado, agora não conseguiria dormir de novo, apenas errara na pessoa que lhe tirara o sono...
Em meia hora Daniel ocupava solitário a mesa corvinal, esperando que pelo menos uma de três certas pessoas aparecesse e tomasse um lugar nalguma outra mesa, mas estas estavam preenchidas apenas por escassos alunos e alunas que não lhe causavam o mínimo interesse. Esperou até as nove horas chegarem mas ninguém apareceu. Levantou, virou os olhos para a saída e nem se moveu, com o olhar fuzilante que o imobilizou. A ele e a todos os que olhavam na mesma direção.
Os poucos que se atreveram a cochichar faziam-no de forma escusada, já. Toda a escola ficara sabendo da estranha cena que dera o desfecho de uma certa festa da semana anterior. Logan continuava com Jynx como se nada tivesse acontecido, mas a sua postura era visivelmente menos confiante. O ar arrogante do sonserino era muitas vezes substituído por um raivoso contido quando alguns olhares de esgueira lhe eram dirigidos, ou quando Mandy passava por ele, mesmo que tão longe que nem o visse. O que quer que Madison andava espalhando pela escola acerca dos dois era demasiado comprometedor para Logan e a situação, aparentemente controlada, começava novamente a fugir do seu controle com subtileza. Logan não podia permitir isso.
O sonserino entrou com um ar mais sombrio que a própria morte e se dirigia, ainda com sono, movido a raiva, para a mesa vazia que o esperava. Reparando que Daniel olhava em sua direção, seus olhos quase faiscaram. Daniel fugiu o olhar para a mesa, seguidamente para os alunos em seu redor, nenhum da própria mesa, apenas alguns grifinórios ensonados e perplexos. Voltou a procurar Logan mas este sentara-se de costas para o resto da sala. Começou então a abandonar a mesma quando este o chamou. Verdadeiramente confuso, Daniel voltou atrás.
-Oi... Chamou?
-Knight, você por acaso faz parte do querido grupinho da felicidade da Mandy, não faz?
-Ah... Sim, sou amigo dela... E aí?
-Pode entregar esse pergaminho a ela por mim, por favor? Não espreite, hein? – Logan estendeu um reduzido pedaço de pergaminho novo dobrado ao meio, as letras denegridas muito realçadas de clara percepção, deixavam muito a desejar no que respeitava ao sigilo.
-E porque você não envia isso a ela por uma coruja ou não lhe dá directamente...? – Logan inspirou para responder, mas Daniel ainda acrescentou – aliás, porque quer mandar recado? Estamos num colégio interno! Porque não fala com ela pessoalmente? – Aumentou ligeiramente a voz, mas não muito, o silêncio instalado apenas quebrado por conversas sussurradas e distantes dos dois era necessário e respeitado devido à hora da manhã. Ainda assim Daniel não conteve a sua confusão com a atitude do garoto mais popular da escola e por se tratar de tal, não estava com a mais ínfima vontade de fazer de pombo-correio.
-Fala mais baixo... Estou pedindo esse favor porque não queria que ninguém me visse falando com ela... Pelo menos agora... Você provavelmente vai entender depois.
-Ah deixa de ser preguiçoso, vai.
-Knight, eu tenho namorada, não quero que ela saiba que tive um particular com a Mandy ou ela arma a maior barraca. Vai me cobrir agora ou quer que a escola fique sabendo?
-O que que eu tenho a ver se a escola fica sabendo ou não que você conversou com a Mandy? Pelo amor de deus, conversar nunca foi traição nenhuma que eu saiba...
-Olha número um, você não sabe o que a Jynx sabe, e aliás nem vai saber. Número dois, o quando eu disse que a escola inteira ia ficar sabendo, eu não estava falando da minha conversa com a Mandy.
-Ent...?
-A família Salvatore tem uns olhos lindos, não tem? Principalmente o seu amigo e a irmã mais velha... – Logan baixou a voz, mudando o semblante de Daniel de perplexo para céptico.
-Ah tá bom. E o que isso tem a ver com o que a gente tava falando...?
-Não se faça de bobo, fique apenas sabendo que tenho boas fontes, e quando preciso de alguma informação consigo o que quero a qualquer custo. Agora vai entregar esse negócio pra Mandy ou vou ter que inutilizar todo o trabalho que você tem tido esses anos?
A tez de Daniel enrubesceu ligeiramente, algo imperceptível a quem estava longe. Logan notou e um sorriso discreto e satisfeito aflorou-lhe no rosto. Colocando o pergaminho na mão esquerda de Daniel, fechando-a em seguida, completou:
-Valeu, mas não perca muito tempo, ok? Eu gostava que ela lesse isso ainda hoje, pelo menos até ao fim da tarde.
Ainda mais ruborizado de raiva, agora bem visivelmente, Daniel saiu a passos largos da sala, rumo às carruagens para Hogsmade.
-Daniel! Olha a gente aqui, espera! – Lucy gritou quando o amigo entrava sozinho na carruagem, tão absorto que nem dera conta da presença das amigas alguns metros ao lado. Das amigas e de outros dois rapazes com quem nunca tinha falado antes.
-Num reparei que vocês tavam aí... E vocês são quem?
-Gregory Song e o outro é o Peter. Não é importante. Ai, meu braço.
-Ah tá... Eu sou o Daniel... Vocês também vêm com a gente...? – Daniel indagou, não olhando apenas para os interrogados.
-Claro, porque não? – Gregory se adiantou puxando Peter pelo braço, antes que Mandy explicasse e Peter se esquivasse, não queria aturar discussão novamente.
-Mas já...? – Kimberly perguntou, entrando por último – ainda é super cedo... As coisas nem devem ter aberto...
-Não – Gregory cortou fechando a porta. Estavam todos apertados, Lucy indecisa se pulava para o colo de uma amiga ou da outra. – A gente já tá aqui fazendo nada há um tempão, já to me irritando.
-Mas a gente não tem nada pra fazer em Hogsmade de qualquer maneira, pelo menos não tão cedo – Lucy argumentou, ainda se contorcendo desconfortável.
-Mas é preferível não fazer nada em Hogsmade que aqui, lugar que a gente é obrigado a passar a semana inteira – Gregory devolveu em tom altivo.
-Ai tá bom, mas pelo menos vamos em mais que uma carruagem que isso aqui tá apertado demais – Mandy pediu, chegando um pouco para o lado, fazendo com que Lucy caísse para o espaço entre ela e Kimberly e aí ficasse presa.
-Ai, entalei – Lucy comentou, mas a carruagem começou a se mexer antes que alguém pudesse sair.
-Legal Greg, agora você entalou a gente que nem sardinha e o diacho da carruagem não vai deixar ninguém se mexer até chegar em Hogsmade – Peter replicou.
-Vocês reclamam demais – Gregory respondeu prontamente, com simplicidade.
-É claro que a gente reclama, olha só pra isso, eu tenho a Lucy quase em cima de mim e ainda por cima tenho esse troço aqui do meu lado que não sei o que é e não parece querer se chegar pro lado pra eu ficar mais confortável...
-Bem que eu tava vendo que vocês tão mais apertadas que a gente... o que é isso? – Daniel perguntou entre solavancos da estrada.
-Eu sei lá... É um treco preto ou cinza ou marrom... Parece fazer parte da carruagem ou então não sei o que é... – Mandy olhou com irritação para a direita.
-Quer vir pro meu colo? – Peter perguntou, quase num suplício para parar de ouvir a voz da garota.
-Ai, não precisa também.
-Cê não tá reclamando? Então vem pra cá – devolveu, começando a transparecer irritação.
-Eu não sou propriamente leve... – Mandy começou, mas Peter se levantou e a puxou para si com um estalo irritado de língua. Mandy se acomodou no colo de Peter, enquanto Lucy e Kimberly se punham confortáveis no banco em frente.
-Ah, bem melhor, obrigada Peter – Lucy falou.
-De nada – Peter respondeu, e assim que Mandy parou de se ajeitar, ele ainda a agarrou pela cintura e moveu-a ligeiramente para o lado para ficar mais confortável. Ela nem disse nada, resignada.
-Nossa... Mandy intimidada... Essa é nova – Daniel encarnou, se apoiando na porta para ver a amiga de frente.
Mandy nem respondeu, limitando-se a erguer o rosto escassos milímetros e arquear a sobrancelha esquerda, provocando o sorriso de Daniel.
-Pronto Daniel, ela voltou, mais feliz agora? – Kimberly brincou.
-Bem melhor – o outro devolveu, agora com indiferença. De súbito o pergaminho que preenchia seu bolso direito lhe assolou a memória. – Ah Mandy, toma.
Mandy estendeu o braço e voltou pro lugar. Kimberly começou a falar com Gregory e Lucy e Daniel prestaram-lhe atenção, enquanto Peter esticava o pescoço sobre o ombro de Mandy.
“Preciso falar com você. Venha me encontrar na Sala Precisa às dez e prometo que não você não se arrepende, mas não conte a ninguém. Tenho saudades dos velhos tempos... Espero que você também tenha.”
-Quem é? – Peter perguntou baixinho ao notar que ninguém reparava neles.
-Ô curioso, quem te disse que você podia ler?
-Até parece que vou contar pra alguém...
-Mesmo assim podia ter pedido.
-Você tá no meu colo, tenho direito.
-Eu não pedi, você é que me pegou – Mandy se virou, intimidando-o com os olhos.
-Tá bom... Desculpa... Eu só não sabia que você tava com alguém... – Peter respondeu ainda mais baixo, tal como seus olhos agora estavam.
-E não estou. Este recado é de uma mala sem alça ridícula que deveria ser comprado pelo preço que vale e vendido pelo preço que ele acha que vale. Daria tanto lucro que quebraria bancos. – Madison respondeu secamente, apertando o pergaminho, abrindo a mão em seguida, jogando pó no chão.
-Como fez isso?!
-Shh. Se quiser eu depois ensino.
-Quando? Na Sala Precisa às onze? – encarnou num sussurro ainda mais baixo. Mandy respondeu com um olhar estranho que o fez rir.
-É melhor não, sua namorada vai ficar com ciúmes.
-Se ela souber como estamos agora, pode ter a certeza que me mata – respondeu, ainda divertido mas em tom mais grave.
-Ahá, você sempre tem uma!
-É... tenho.
-E tentando me conquistar... Tss-ss... Acha isso decente?
-Eu não estou tentando te conquistar, eu tenho namorada, você é que tá me provocando – regressou ao sorriso.
-Ah tá, valeu por me informar, eu não sabia disso – Mandy respondeu, igualando a expressão.
-Nove anos?! – Daniel gritou, escandalizado.
Peter e Mandy voltaram o olhar a ele com alguma lentidão.
-Nove anos o quê? – Interveio Mandy.
-Você tá em cima de um aluno que já tá aqui há nove anos! – Ele continuou impressionado.
-Pronto... Já todo mundo sabe que eu sou um ancião, não precisa fazer esse escarcéu todo – Mandy achou graça, mas Peter se defendeu sem esconder uma pontada de ressentimento.
-Ora existem trouxas que chegam a passar catorze anos na mesma escola – Mandy adiantou, enfim afetada pelo rancor do outro.
Todos se arregalaram.
-Catorze?! – Kimberly se espantou.
-Credo. – Lucy concordou, mas ao procurar a janela, encontrou Hogsmade aparecendo timidamente – ah, já chegamos.
Saíram da carruagem, e estalaram alguns ossos quando enfim se viram no exterior.
-Eca, somos uns nojentos – Lucy comentou, após ter esticado os braços por cima da cabeça.
-Somos nada – Peter retrucou rapidamente, enquanto observava em redor. – Vamos aos Weasleys, Greg.
-Fomos – Gregory lhe respondeu, virando as costas aos restantes.
-Ué Mandy, não vai com seu amorzinho? – Daniel gozou.
-Credo Knight, que rudimentar.
-Oh certo, perdão, seu amorzinho é aquele certo pianista – Daniel corrigiu, alargando o sorriso de forma a provocar qualquer um. A expressão de desprezo no rosto de Mandy acresceu instantaneamente.
-Tá bom, Daniel, já chega.
-Quem é pianista? – Kimberly interrogou.
-Vocês vão ficar aqui parados no frio ou vão decidir ir a algum lugar? – Lucy interrompeu, quando finalmente conseguiu controlar seu queixo.
-Tá bom, tá bom, Três Vassouras – disse Mandy.
Sentaram-se.
-Nada de mais, Lucy, é só a Mandy que, mal chegou na escola e já tá pondo as manguinhas de fora.
-Mas o quê...?
-O Logan – Mandy cortou, baixando o tom de voz e se inclinando mais sobre a mesa, os outros apurando os ouvidos. – Me mandou um bilhete pelo Knight.
-Um bilhete pelo Knight? – Lucy não entendeu – a que propósito? Ele não sabe o que são umas coisas penosas com bico chamadas corujas?
-Eu também tentei entender pra quê ele me usou de coruja mas ele não me disse...
-Então porque aceitou? – Kimberly interveio.
-Ora porque sim... Porque eu ia tar com a Mandy agora. Não estou com ela?
Kimberly e Lucy olharam cépticas para o amigo, vendo sua personalidade sendo contradita pelo próprio. Mandy ignorou, prosseguindo:
-Não foi sem querer... Ele queria que mais alguém soubesse, não fosse eu esconder o papel de todo mundo.
-Ué mas ele não falou pra você ficar quieta? E ele nem assinou... Não deu ar de quem quer que todo mundo saiba, aliás, ele próprio disse que queria que eu te entregasse pra ninguém ficar sabendo...
-Ah tá, e porque não usou uma coruja, então? – Mandy o fitou com desprezo.
-Sei lá, porque é idiota...
-Que ele é idiota, eu sei, mas não é nenhum asno – Mandy tornou a baixar os olhos para as próprias mãos. – Ele fez assim para que alguém ficasse sabendo, pra criar um rumor que nós estamos juntos mas sem querer que ninguém saiba.
-Ãh? Mas ele tem namorada – disse Kimberly.
-E desde quando isso impede que eles estejam juntos? – Daniel respondeu.
-Literalmente – Mandy continuou. – Depois do que aconteceu na festa dele, e por causa dos rumores estranhos que as fofoqueiras estão inventando não sei de onde ele captou que tinha de fazer alguma coisa pra voltar a ficar no topo.
-Mandy, português, por favor – Lucy pediu.
-Você não sabe o que andam falando por aí?
-Ah... Não falam do que aconteceu na festa?
-Sim.
-Bom, ok, não é uma coisa muito positiva pra ele de se andar na boca do povo, mas mesmo assim...
-Lucy – Mandy interrompeu. – Eu e o Logan temos história que Hogwarts não conhece. E como é óbvio, ele não sabe o que os rumores falam sobre ele, só sabe que é sobre ele. Ele não sabe se estão falando só do que todo mundo viu, ou se eu andei contando coisas por aí...
-Você andou? – Kimberly interveio.
-Eu não! Não tenho o menor interesse em contar a todo mundo o que andei fazendo ou deixei de fazer.
-Porquê? É assim tão mau? – Daniel perguntou.
-Quer dizer... Não foi nada de especial... Mas talvez ele não continuasse a ser tão bem-visto se certas coisas viessem à tona. E nada melhor para encobrir essas coisas que fazendo todo mundo esquecer esses rumores, substituindo-os por um que dissesse que ele anda com mais de uma ao mesmo tempo.
Os três recostaram nas cadeiras, perplexos.
-Quê? – Foi tudo que Lucy conseguiu pronunciar.
-Olhem só, eu não vou começar a contar o que ele acha que podem estar falando sobre ele... Simplesmente porque não vem ao caso, é desnecessário. Mas podem ter a certeza que o que ele quer é um rumor sobre nós os dois, só que controlado por ele.
-Rumor controlado por quem faz parte dele? Isso não faz o menor sentido – remoeu Kimberly.
-E desde quando Logan Vanglor faz sentido? – Mandy devolveu rapidamente, levantando-se – vou pedir alguma coisa.
-Que confusão – comentou Lucy enquanto Madison se aproximava do balcão.
-Põe confusão nisso, que cara complicado.
-Então e você, Daniel? Eu ainda tô pra entender por que cargas d’água você fez isso pro Logan.
-Você sabe o que é, Lucy.
-Ah sei?
-Sabe?
-Sabe.
-Pera aí, o Logan sabe?
-Pera aí digo eu, o que vocês sabem que eu não sei?
-Ora se eles não te dizem é porque você não precisa saber, Kim – Mandy voltou sem nada nas mãos. E perante as expressões inquiridoras, acrescentou: - não têm o que eu queria... Não querem passar no Dedosdemel?
Com uma certa relutância em voltar para o frio que os esperava do lado de fora, saíram enfim, mas não foram muito longe, logo deram de caras com Peter e Greg.
-Olha vocês – disse Greg, sem fazer menções de parar ou voltar para trás e acompanhá-los.
-Olha vocês também – Mandy devolveu com algo semelhante a um sorriso. – Não querem vir com a gente?
-Não, não queremos, mas obrigado pelo convite – Greg se apressou ao notar hesitação no amigo, parando por instantes cedidos à resposta.
-Onde vocês vão? A gente só vai ali no quiosque comprar qualquer coisa e estamos desocupados de novo... – Mandy tentou.
-Nós já estamos desocupados – Peter respondeu.
-Estamos nada, anda – Greg cortou. – De qualquer maneira, o dia é grande e Hogsmade é pequena, talvez a gente se veja de novo. Té mais.
-Carinhas estranhos... – Lucy disse enquanto se afastavam.
-Coitadinhos, não são tão estranhos como o Logan.
-Ah isso não são mesmo. E essa não é uma tarefa muito complicada – Daniel concordou com Mandy, apressando dois passos para se pôr ao lado de Lucy.
-Não é mesmo – Lucy continuou. – Manipular um rumor sobre si próprio... É preciso muita estranheza.
-Nem por isso – Mandy respondeu, o tom de desprezo agora conseguia superar o frio do vento que lhes cortava a cara. – Basta ser covarde, mesmo.
Perante o dito, ninguém mais se pronunciou sobre o assunto. Em pouco tempo a cabeça de Lucy devolveu a atenção perdida ao facto de Logan saber de mais sobre Daniel.
Deixando Madison com Kimberly na fila, Lucy ficou com Daniel do lado de fora da loja discutindo o acontecido.
-Puts, eles têm que se amar muito pra ficar naquele frio só pra poderem falar sem que a gente oiça – disse Mandy.
-Oh... Eles não se amam nada...
-Ah não que não amam.
-Todo mundo diz isso há séculos e há séculos que eles são só amigos. Acho que o Daniel até já teve mais que uma namorada nesse meio tempo...
-Eu sei, tô só brincando. Tudo bem que houve uma época que até achei que eles tavam namorando mas não...
-Você achou? Só por causa do que todo mundo diz?
-O quê? Ah, não, é uma história esquisita, deixa pra lá. Mas de qualquer maneira, eu sei que eles são só amigos. Quer dizer, não são amigos comuns, verdade, mas... Não é muito mais que isso. Pelo menos é o que eu vejo no Daniel. Acho que os segredinhos que eles têm são acerca da garota de quem ele gosta...
-Ah nem adianta fazer conjecturas. Todo mundo já tentou adivinhar que tanto esses dois falam escondido. Já inventaram até que o Knight andou engravidando alunas mais novas!
-Que idiotice – Mandy riu, sendo atendida em seguida e saindo. – E aí, do que falam os pombinhos agora?
-Da sua fixação em pianos – Daniel ripostou com gosto.
-Não posso dar confiança, né? Tá bom, Knight, tréguas. Onde querem ir agora?
-Qualquer lugar abrigado – Kimberly pediu, seguindo em direção ao bar onde já haviam estado.
-Ah... Querem voltar pra lá...? – Mandy resmungou.
-A gente sempre pode ir mais pros lados da Cabana dos Gritos que não tem tanto vento por causa das árvores... – Lucy observou, no que todos acordaram.
Não conseguiam ver ninguém, estavam definitivamente sozinhos num princípio de floresta. Cada um se serviu de uma rocha para assento. Acabados os comentários acerca dos três sonserinos que haviam marcado o dia e as lamúrias sobre a infindável lista de tarefas que cada um tinha que fazer, ficaram um bom tempo sem dizer nada. A hora do almoço já se despedira mas nenhum dos quatro pareceu se importar. Até que Kimberly, sem levantar os olhos do chão, quebrou o silêncio:
-Vocês ainda lembram daquela cena estranha que a Mandy disse que viu na sala do lado da biblioteca?
-É claro que sim – Daniel respondeu.
-Venho sonhando com essa sala... – Kimberly explicou, sempre de olhos postos na neve – sonho que entro nela quando aquela porta não está lá só que vejo a sala toda colorida com as cores das quatro casas...
-Como assim quando a porta não está lá? – Mandy interrompeu.
-A porta não aparece no meu sonho, em nenhum deles. Da biblioteca toda se vê a luz que vem de fora. O sonho começa sempre comigo vindo do andar de baixo, em direção àquela luz toda, e quando chego lá em cima vejo que posso entrar na sala, mas não entro.
-Você acabou de dizer que entrava quando a sala não tinha porta – disse Lucy.
-Não... Eu não entro, eu penso em entrar, eu sinto que estou entrando, mas não me mexo – e pelos silêncios, completou de imediato – tá, eu sei que é estranho, mas é sonho, quê que cês querem?
-Eu entro – Lucy interveio, captando as atenções agora para si. – Eu também sonho com isso mas eu entro. E entro cansada, como se tivesse percorrida Hogwarts inteira antes de chegar lá mas meu sonho começa comigo já do lado de dentro, nem sei se a porta está lá ou não, porque deve estar mesmo atrás de mim.
-Você também? – Daniel indaga pasmo.
-Não é justo... Eu não sonho com a sala...
-Você esteve nela, talvez não precise – Lucy especulou.
-Mas pera aí Lucy, conta aí o que você sonha, que parece ser a continuação do meu sonho.
-Bom, eu entro e olho em volta, mas não tem nada a ver com o que a Mandy descreveu. É tudo colorido como você disse, e não tem sangue em lugar nenhum, tá tudo limpinho. Ah e as janelas estão fechadas, mas mesmo assim venta muito. E os sofás do canto esquerdo são estranhos quando eu chego, estão todos virados pra mesa no centro, menos uma poltrona, virada de costas pra entrada, de frente pra janela. O meu sonho sou eu me aproximando da poltrona devagar, e quando espreito, tem um aluno nela, soluçando. Eu ponho a mão no ombro dele, ele começa a virar mas eu sempre acordo antes de ver quem é. Mas tenho acho que conheço o cabelo dele, só que ainda não consegui me lembrar da cara dele.
Num impulso algo mecânico, as três olharam para Daniel simultaneamente, interrogativas.
-É... Parece que o meu sonho também é uma continuação disso aí...
-E então? Quem é ele? – Mandy investiu.
-É o... O June. É June que ele chama, não é? – Madison assentiu com a cabeça, tal como Lucy, impressionada, ambas pedindo mais com os olhos – er... o sonho começa com ele virando o rosto pra mim, com os olhos vermelhos. Ele começa a falar alguma coisa que eu não consigo entender, é como se eu só ouvisse cada palavra estanque das outras e não as conseguisse juntar, por mais que eu tente, eu não consigo entender. Aí eu ponho a mão no ombro dele, ele tá com um ar meio desesperado e em baixo. Ele pára de falar, se acalma e levanta.
-E depois? – Lucy seguiu.
O rosto de Daniel se ensombrou, mas antes que pudessem insistir novamente:
-Depois nada – respondeu erguendo os olhos a Lucy, e antes de Madison e Kimberly a procurarem com o olhar, a primeira trocou um olhar compreensivo com o amigo.
-Esse é o presságio em forma de sonho mais inútil que já ouvi falar – Mandy se limitou a dizer por fim, causando irritação em volta.
-Tô falando sério, eu sonhei mesmo isso – Lucy se indignou.
-Eu também, e eu nem me lembrava do Peter, como explica que eu tenha adivinhado? Já reparou na quantidade de alunos que essa escola tem?
-Ué mas eu não estou duvidando de vocês, tô simplesmente reclamando que é um presságio idiota que nem sequer tem a ver com o que eu vi naquela sala. Aliás, eu disse presságio em forma de sonho, não disse? Se disse é porque acredito em vocês seus bobos.
-Talvez a gente tenha sonhado com como aquela sala era antes – Kimberly tentou.
-Aquela sala tem ar de estar deserta há eras.
-Mas não é que o Peter tá aqui há nove anos? – Lucy interveio.
-Isso é verdade, mas tem um detalhe. Daniel, você que foi o que viu mesmo ele, que idade ele aparentava ter?
-Tava com a mesma cara dormente com que tá hoje.
-Dormente nada, coitado – Lucy defendeu.
-Mas é verdade, ele parece que tá sempre acordando... – Kimberly falou.
-Não dispersem. Se no sonho o Peter aparece com a idade que tem agora então o sonho não é passado. Aliás, normalmente presságios são futuristas – Mandy lembrou com um tom novamente gélido, como se a constatação fosse mais que óbvia.
-Então se vai acontecer... Talvez o sonho queira dizer que alguma coisa ruim vai acontecer ao Peter, pra ele estar tão mau no sonho.
-Não tem que ser obrigatoriamente a ele... – Mandy observou, pensativa – ele pode aparecer no sonho simplesmente porque ele conhece aquela sala... e parece ser o único aluno que sabia dela antes de nós, à exceção do amigo...
-Então porque aparece ele e não o Greg? – Kimberly devolveu.
-Sei lá, se ele só aparece por conhecer a sala, então tanto faz que seja ele ou o outro.
-Não é tanto faz, não – Daniel cortou com alguma violência inexplicável. Lucy olhou de forma estranha e imperceptível às outras duas para ele.
-Porque não? – Mandy subiu a sobrancelha esquerda.
-Ué porque... Não... Sei lá, um é um e o outro é o outro; não conheço eles o suficiente pra saber que diferença faz mas... Se é um presságio e ele aparece, por alguma razão é – improvisou de maneira um tanto atabalhoada, mas ignorada.
-Pode não ter razão nenhuma, pode ser o subconsciente de vocês associando a sala a ele, o que é normal porque foi ele que a mostrou e a conhecia – Mandy devolveu secamente.
-E os presságios podem se misturar com sonhos normais? – Lucy perguntou a Mandy, recebendo primeiro um olhar que julgou ser de indignação, como se acabasse de dizer um absurdo extremo e a amiga estivesse prestes a corrigir.
-E eu sei lá! Por acaso sou entendida em sonhos e presságios? Eu sou péssima em Adivinhação!
-Agora não parecia, tava aí toda empenhada tentando achar significado pras coisas e dando altas explicações... – Daniel disse – e o que você disse não tá certo, não pode ser coisa do subconsciente porque eu não sabia que ele já conhecia aquilo...
-Mas a Kim eu sei que sabia, aliás, foi ela quem ele achou lá, e o sonho não é só seu, é de vocês três.
-O quê que eu disse? Você tem explicação pra tudo.
-Tem nada, tem só quando é pra te contradizer – Kimberly observou.
-Não é nada... Quer dizer, agora foi mas na...
-Ahá, tá vendo só, Daniel, não sou só eu que digo que você tá sempre errado – Lucy vibrou com uma careta dirigida ao amigo.
-E pronto... A conversa tem sempre que vir pra mim, né? Eu tenho sempre que tar errado e a princesa perfeitinha sempre certa, não é? – Daniel forçou um sorriso idiota.
-Não é sempre assim, você agora acertou – Lucy devolveu erguendo o rosto.
-Isso, empina esse nariz mais ainda, daqui a pouco ele encosta na sua testa – Daniel adotou uma postura mais maldosa, chamando a si os olhos irritados de Lucy, que se esforçavam por desprezá-lo.
-Ah não, não tô com saco pra aturar mais briguinhas conjugais – Mandy cortou, se levantando, mas no que ninguém a seguia, insistiu, pois tinha mesmo fome.
-Tá com pressa? Vai indo... – Falou Daniel – vai tocar piano, vai, mas cuidado pra ninguém te ver.
Com o riso do amigo, Mandy lançou um olhar pior que o que ele já havia recebido pela manhã, e foi sozinha em direção à vila.
Como que a pedidos, encontrou Peter sozinho junto à porta do Hog’s Head.
-Peter? Cadê o Greg?
-Perdi ele... acho que deve ter voltado para a escola.
-Ah, era o que eu ia fazer. Ué mas ele se perdeu de você e foi pra escola?
-É. Quê que tem?
-Nada, nada... O que tava fazendo?
-Saí daí de dentro... Uns bêbados começaram a gritar, mas ninguém entendia nada que eles diziam, deviam ser uns três ou quatro... Enfim, cansei e acabei de vir pra cá. Problema é que tô com fome.
-Três Vassouras?
-Pode ser.
Seguiram para o bar, falando da namorada de Peter, chamada Sally Fog, da idade de Mandy, ex-aluna de Hogwarts.
Madison começara a falar os rudimentos da sua novela com Logan quando suas três companhias entraram, estranhando os pratos vazios em frente aos dois que conversavam como amigos de longa data.
-Mandy! Já roubou o Peter da namorada dele? – Daniel não se conteve – o que você toca, Peter?
-Ãh? Como assim o que eu toco?
-Que instrumento você toca? Tem que ser muito bom, pra substituir um piano...
-Daniel, que horror, quantas vezes vai repetir essa piada?! Lucy, bate nele por mim.
-Ai!! O que...?
-Não enche, se eu te bati foi pra você parar.
-Mas porque você fez o que ela mandou?
-Eu não mandei, eu pedi. E ela te bateu porque também já não agüenta a mesma piada repetida pela vigésima vez!
-Eh... Olha o exagero...
-Exagerado é você, baú. Bom, vocês vão comer alguma coisa? A gente já acabou...
-Só viemos aqui procurar por você. Vamos voltar pra escola.
-Ah tá, nesse caso eu vou também. Vem, Peter?
-Claro.
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