Capítulo 03



03h01
Na mansão Rowling


O último modelo do carro esportivo do momento acabava de estacionar na calçada dos Rowling. De dentro, saiu uma Jessica Rowling sorridente, embrulhada em um vestido cor-de-rosa de festa. Ainda mandando beijos pelo ar a Derick Diggory, abriu a porta de casa e entrou.


Um pouco antes, às 02h28
Na esquina da Arlington Street com Elm Street


A viatura virou a curva cantando pneu, correu o mais rápido possível. Ainda assim, quando os policiais chegaram à cena do crime, a rua estava vazia, sem gangue, sem tinta, sem pichadores. Na realidade, era sempre assim. A quinta vez, já, com a dupla policial em questão. A gangue de Paco Malfoy – Os Herdeiroz, como se auto-intitulavam – sumia nas ruas como picolé gratuito no verão.
Larry não agüentava mais ser feito de palhaço. Socou o volante com raiva e revolta, depois de estacionar perto do mais novo muro pichado da rua – o qual já tinha perdido seu aspecto natural de parede de tijolos para se tornar a mais horrível mistura de cores e panfletos, dos mais variados tipos. Agora, o que cobria toda sua extensão era a propaganda de um pub, em letras garrafais, e a pichação de Malfoy:

A CÂMARA DOS SEGREDOS FOI ABERTA!
(sextas, sábados e domingos, das 19h às 7h – com música ao vivo!)

INIMIGOS DOS ERDEIROZ, CUIDADO!

— Tem alguma coisa estranha por aqui — Donald saiu do carro.
— Falta o “h” — a voz de Larry saiu mais fina do que o normal, enquanto ele tentava controlar a dor do seu soco no volante.
— Não, não, ali, ó, no posto. Reconhece aquele carro?
Ele olhou para a direção que o amigo apontava: sua vista alcançou um Golf vermelho escuro escondido sob as luzes apagadas do posto de gasolina da esquina.
— Não.
— É o carro da Rowling!
— Quem, Don?
— Rowling, a escritora, a sua vizinha!
— Pera, pera — também saiu do carro — É verdade, parece com o dela, mas não posso dizer com certeza que – hey, como você sabe que é dela?
— A Hermelinda – ela me disse que ela tinha comprado um carro novo — e desviou o olhar, fechando a porta da viatura — Não é melhor a gente confirmar?
Sem muita alternativa, atravessaram a rua. A escuridão do lugar não era o suficiente para ocultar as belezas do automóvel. Pois, sim, o Golf era moderno, estiloso, de muito bom gosto e cuidado: estava intacto, arrumado, tinindo, exceto pelas marcas de pingo de chuva no vidro – e pela batata na saída do escapamento.
É. Uma batata. Os dois policiais mal puderam acreditar nos próprios olhos. Por ter sido disposta naquela exato local de forma calculada, possivelmente bastaram segundos para que o motor deixasse de funcionar. Quem tivera a perspicácia de enfiar ali o tubérculo comestível (cinzento, na verdade, e por isso agora nem tão comestível assim) para fazer o carro parar certamente era de uma imaginação louvável.
Donald puxou-a para fora com o olhar perplexo.
— Você acha que seqüestraram ela?
— A minha vizinha? Não, tinha gente na casa dela quando a gente saiu, nem deve ser o carro dela.
— E por que ela estaria na casa dela se o carro dela tá na rua há quarteirões de distância?
— Porque não deve ser o carro dela, Don! Vai ver a gangue do Malfoy viu ele aqui e resolveu enfiar a batata nele, mas a gente chegou mais cedo e conseguiu estragar a brincadei – que que você tá fazendo?
— Vou ligar pro meu irmão — segurava o celular pelo ombro, ainda observando o vegetal — pra confirmar a placa.
— Cara..! — pôs as mãos na cintura, segurando o segundo impulso de socar algo por nervosismo — Ah, tá bom, tá bom. Eu... eu vou lá dentro ver se consigo falar com alguém sobre isso.
Às vezes Donald o tirava do sério. Como naquelas situações em que ficava com um incontrolável medo de aranhas, ou era gentil com os Dursley, ou simplesmente não conseguia enxergar a culpa de Malfoy por um crime. A gangue estivera ali há minutos atrás, não estivera? Não estivera? Não estivera?! – tinha vontade de bater no companheiro com essas perguntas, mas felizmente a dor em seu dedo médio mantinha sua calma. Contentava-se em caminhar com passos largos, duros e perigosos em direção à cabine do posto, esperando machucar o maior número de formigas possível.
Alcançou a tímida luzinha que brilhava no compartimento, ocupada somente por uma mini-televisão ligada em estática e um homem cabeludo apoiado por um cadeira, de costas. Como a janela não tinha vidros, estendeu sua mão até cutucar o ombro masculino.
— Com licença, senhor, sou o policial Larry Po – bloody hell!
Mal pôde encostar. Ao primeiro toque, o corpo do homem cambaleou até o chão, virando-se de frente para revelar seu crachá de – ex – frentista “Severino Snape”. Sua garganta estava dilacerada em vermelho.
No segundo seguinte, quem Larry cutucava era Donald Weasley.
— Don, Don – o cara tá morto. Rasgaram a garganta dele. Ras-ga-ram.
— Droga! — e voltou ao celular, possivelmente pelo chamado do irmão — Oi, Phil, pode falar. Aham... aham... entendi. Valeu, valeu. — desligou — A placa do carro pertence a Joanne Rowling, 42 anos, Edimburgo. A própria.
— Ótimo, ótimo! — passou a mão para bagunçar os cabelos bagunçados — Tá, tá. Vamos com calma, né? Vamos fazer o seguinte: você liga agora para o Departamento de Homicídios e espera eles chegarem, enquanto isso eu vou ver se consigo alcançar a gangue do Malfoy —
— Malfoy, Larry? Do que você tá falando? Ele é um pichador, e não um assassino! Não, cara, a gente liga pro Departamento de Homicídios e depois passamos os dois juntos na casa dela, pra certificar. É mais seguro.
Potter suspirou. Ainda bem que tinha o amigo para lhe abrir os olhos.
Ainda bem que o amigo tinha Hermelinda para lhe abrir os olhos.
— Tem razão, é... Liga aí, então. Eu só espero que quando a gente chegue lá ela ainda tenha pescoço.


03h10
Na mansão Rowling
Larry Potter deu duas batidas gentis na porta.
— Aqui é a polícia civil! Abra a porta, por favor!
Trocaram olhares, tempo de esperar alguns segundos.
Nada. Novas batidas.
— Polícia civil! Tem alguém aí?
Agora, tiveram a ligeira impressão de ouvirem um barulho, algo como alguém batendo doloridamente o joelho em uma mesa.
Ainda assim, não houve resposta direta.
—Abra a porta AGORA — surrou a porta —, ou seremos obrigados a entrar!
A movimentação na parte de dentro se tornou mais intensa, mais afobada. Larry perdeu a paciência, Donald respirou fundo.
— Um... dois... trê —
— Espere!
Quem respondera fora a voz aguda de uma garota, aparentemente assustada, quando se seguiu o som de alguns passos apressados. Depois de que vários trincos giraram por dentro, a porta abriu, relevando os olhos marejados de uma Jessica descabelada:
— Desculpem.... M-Mas é que eu... eu não co-consigo encontrar minha mãe..!
Sem que pudesse evitar, jogou-se sobre os braços de Donald.


Algum tempo antes, às 02h48
Na mansão Rowling


Sair daqui, tenho que sair daqui.
Não havia relógio, então teve de se guiar pelo seu bom censo. Pouco mais de meia hora tinha se passado, qualquer coisa assim, pouco mais de meia hora desde que o casal maluco de seqüestradores tinha feito o anúncio fatal. Naquele instante, tinha pegado o bloco de notas para começar a escrever o novo livro. Depois, constatou que terminá-lo naquele prazo era impraticável. Agora, voltava a segurá-lo em suas mãos e, apesar de ainda acreditar que não poderia escrever qualquer coisa, lá estava ela, ali, escrevendo.
Vou sair daqui!, tentou reafirmar para si mesma.
Arrancou a folha do bloco, dobrou-a no meio e escolheu uma página em especial de seu Harry Potter e a Ordem da Fênix para colocá-la. Depois disso, levantou-se e chutou a porta do escritório.
— Hey! Tem alguém aí? Eu-não-consigo-pensar!
Silêncio. Esmurrou-a de novo.
— Aqui é muito silencioso! Preciso de pessoas, de barulho, de um café – eu quero ir num pub!
Pôde ouvir algo que parecia “ela está doida?” do outro lado, o que a fez sorrir consigo mesma.
— Vocês não querem um livro novo? Aqui é tudo igual, as idéias não fluem — tentava explicar de maneira realista —E, vamos lá, vocês me conhecem, sabem que eu não consigo escrever dentro de casa.
Aguardou contados 15 segundos até que a porta fosse destrancada, e Beatriz Lestrange a puxasse pelo braço.
— Vamos!
— Agora?
— Algum problema? — levantou uma das sobrancelhas.
Jo abriu mais um sorriso do seu acervo de sorrisos educados.
— Lógico que não. Eu só estou... contente!
Ao longe, pôde escutar Tony Riddle dando a partida do velho Ford azul.


Algum tempo depois, às 03h13
Na mansão Rowling


De forma muito desajeitada, o policial Donald Weasley finalmente conseguira se desvencilhar da garota e fazer com que ela se acalmasse. Entraram; Larry, logo atrás, aproveitou para fazer uma breve inspeção no andar inferior. Enquanto Jessica tentava controlar seus soluços através de longos goles de água com açúcar, tudo o que Larry pôde encontrar fora lençóis fora de lugar e um abajur quebrado.
— Está melhor? — agora estavam os três sentados ao redor da mesinha de centro da sala de estar, inevitavelmente presos na profundidade fofa do sofá.
— A-ham. Obrigada, senhor.
— Agora você poderia nos contar o que aconteceu com sua mãe?
Jessica explicou como tinha se despedido da famosa senhora Rowling às seis hora da tarde daquele mesmo domingo, para que ela, a mãe, fosse participar de uma entrevista na televisão; e como ela, ainda a mãe, tinha saído atrasada e esquecido de dizer a que horas voltava; e como ela, a filha, tinha deixado a casa com a vizinha e saído para uma festa de aniversário; e como ela, ainda a filha, tinha chegado apenas há dez minutos atrás e como tinha encontrado a casa completamente vazia; e, por fim, com ela, novamente a filha, acreditava que ela, a mãe, já deveria ter voltado, já que o lugar da entrevista não era tão longe assim.
Falou tudo isso da mesma forma confusa e ininterrupta. Donald achou que a garota fosse desmaiar por falta de fôlego.
— OK, vamos ser bem sinceros com você — Larry lançou um olhar de esguelha para o companheiro, que automaticamente disfarçou com a cabeça (nenhum dos dois tinha muito jeito com o desespero feminino, tendo convivido longos anos com Hermelinda Granger), sinal óbvio de desamparo — Nós... nós encontramos o carro da sua mãe na rua, perto de uma cena de homicídio.
— Ela está —?
— Não sabemos de nada ainda. Viemos investigar. Por favor, fique calma, nós vamos fazer o nosso melhor.
Com muito custo, deixou o conforto do sofá e foi em direção ao trabalho que lhe aguardava na sala ao lado. Antes, porém, que pudesse chegar perto da chaise-longue e seu conjunto de lençóis desarrumados, encontrou algo que lhe fugira da vista em um primeiro momento: um papel no chão, as ameaças da dupla seqüestradora e seu conjunto mal-feito de versinhos plagiados.
— Eu acho – eu acho que tem algum fã maluco metido nisso. Vem cá, Don, vem cá. Não é ela que você disse que escreve aquele Harry Potter?
Leram em voz alta em um uníssono muito mal sincronizado. Havia muito pouco para ser entendido, mas que logo bastou para que pudessem formular suas suspeitas – um livro, será? Queriam que ela escrevesse um livro em troca de algo que tinham roubado? Não podiam estar tão errados assim, afinal os versos eram brancos, livres e desprovidos de qualquer carga poética.
Trocaram sorrisos (ainda que fossem sorrisos de preocupação e trabalho) e prepararam-se para sair, até que finalmente suas consciências clamaram por sensibilidade e eles puderam perceber a presença chorosa de Jessica. Ela estava afundada a um canto, em frente à escrivaninha de mogno, segurando um livro entre os braços e o aborrecimento.
— Esse-estúpido-Harry-Potter! — chorou, enquanto revirava as páginas d’A Ordem da Fênix — Ele é o grande herói do mundo, oh, sim, ele pode salvar t-todo mundo, qualquer bruxo, qualquer trouxa, me-menos a minha mãe, menos – mas o que é isso?
Secando as mãos das lágrimas (e talvez do nariz escorrido), pegou do chão um fino pedaço de papel mal-rasgado e dobrado, vindo do meio das páginas inglesas amareladas. Não lhe passou pela cabeça entregá-lo para a dupla policial; fez o contrário, aliás, e o leu, porque agora era a sua vez de ser insensível e ignora-los.

Forçou a entrada pela porta fechada, empurrou com violência as cadeiras e caixas que havia pelo caminho. Avançou com a varinha estendida, e sorriu para sua companheira por trás de seu ombro – porque aquela certamente era uma noite especial, a noite mais especial, e Lorde Voldemort jamais poderia deixar de compartilhá-la com sua serva mais leal.
— Eu vou matá-lo!
A outra garota gritou, fosse talvez de desespero ou intimidação. Apertou ainda mais o filho entre os braços, como se acreditasse que ali poderia escondê-lo para sempre...
— Não! O Harry não, por favor, o Harry não... eu farei qualquer coisa...
— Qualquer coisa? — os olhos vermelhos brilharam maliciosos na escuridão — Bom, neste caso... Sim, sim, existe algo que eu quero que você faça.
Voldemort chamou com a varinha três das caixas que tinha dispensado anteriormente, e fez delas assentos improvisados para si, Bellatrix e Lily. Depois, tirou das vestes uma pena e um pergaminho, cruzou as pernas e preparou-se para os negócios.
— Veja bem, madame Potter, existe uma coisa muito ruim por aqui. Quero conversar com você.
— Pois não, seu Voldemort.
— Acontece que, esses dias, um dos meus Comensais mais fiéis ouviu uma profecia que falava sobre um menino que não poderia me deixar viver enquanto estivesse vivo. Meio perturbador, não acha? Pois é. Essa criança é o seu filho.
— Nossa! Sinto muito, seu Voldemort. Mas acredito que é assim que as coisas devam ser.
Ele estreitou os olhos, mal-humorado.
— Não, as coisas não devem ser assim — sibilou — Você está muito enganada. Eu não mereço perder todos os poderes que demorei anos para conquistar, por causa de um fedelho remelento que acaba de nascer. Seu filho, madame, é pequeno demais para ter consciência do que acontece a sua volta. Se ele morrer, nem vai perceber. E eu? Ah, eu sou velho demais pra isso, minha alma já está despedaçada demais pra encarar a morte mais uma vez. Não concorda?
— É, seu Voldemort...
— Então! Já que você disse que faria qualquer coisa, aqui está a minha proposta: saia da casa e me deixe matar o menino em paz. Assim não vai acontecer toda aquela problemática do feitiço antigo ativado por seu amor materno e blá blá blá – e você ainda vai poder sair viva pra tirar uma casquinha de Severus Snape, que, aliás, está afim de você há muito tempo.
— Hum, até que ele é bonitinho — pareceu considerar — Mas, agora não dá, porque estou indo no Três Vassouras pra tomar uma cerveja amanteigada.
Pulou pela janela e fugiu.

— O quê?! — Donald não pôde controlar o impulso de se jogar contra Jessica e arrancar o papel de sua mão — Mas a história não é assim!
— Lógico que não — Larry, não por qualquer impulso, tirou a folha da mão do companheiro —, porque ela não queria escrever uma história, mas sim uma mensagem que passasse despercebida pelos olhos dos seqüestradores.
— E o que a minha mãe quis dizer com ela?
— Eu-eu não sei — tentou se desvencilhar do companheiro uma segunda vez, até que por fim entregou a folha escrita em suas mãos — Sinceramente não sei. Nunca li os livros, e talvez nunca vá ler, porque não ia conseguir entrar com um deles em casa. Minha tia iria queimar ele.
— Pra mim está bastante óbvio — a voz de Donald soou séria por trás do bendito pedaço de papel — Voldemort e Bellatrix são os seqüestradores. Eles negociaram com Lily Potter, que, no caso, é a mãe de Jessica, para que ela mudasse a história, ou seja, para que a Rowling mudasse a história, ou escrevesse um novo livro. Isso se encaixa com aquela parte do poema que diz “Não se esqueça de que estamos na sala de estar/ Ansiosos pelo livro que vamos ver”.
A dupla de policial e menina entrou em um estado de puro silêncio contemplador.
— Cara... faz sentido...
— Mas e aí? Onde a minha mãe está?
— No Três Vassouras, lógico!
— Onde? — a última vez em que Larry tinha se sentido tão desinformado assim tinha sido há uma semana atrás, ao tentar, em vão, se guiar por uma revista de costura para pregar um botão.
— Um bar, Larry, um bar. Lembra que eu disse que ela não gosta de escrever em casa?
De repente, tudo fez sentido. Em sua mente, a visão de uma camisa perfeitamente remendada brilhou na escuridão.
— São três e meia agora — olhou no relógio do pulso — A essa hora, não devem ter muitos pubs abertos. Jessica, vá pôr um casaco, que a gente vai sair agora pra procurar a sua mãe.
Os olhos da adolescente Rowling brilharam com certeza e determinação, e assim ela subiu as escadas correndo em direção a seu quarto. Donald pôs o papel no bolso (por quanto será que eu consigo leiloar isso?) e quase chegou à porta do escritório – quase, sim, se não fosse a mão que o segurou pelo ombro.
A expressão de Larry Potter estava séria demais para seu gosto.
— Antes, eu preciso falar com você.
— Que foi, que que aconteceu?
— Don... você sabe que esses livros que a minha vizinha escreve são pra crianças, não sabe?
— Ahn? — ergueu uma das sobrancelhas — Não, Larry, não! Você não sabe, Harry Potter na verdade é uma metáfora muito elaborada que trata sobre a morte e... e.... e sobre outros fatores muitos complicados que a Hermelinda vive tentando me explicar — engoliu fundo —, mas que obviamente eu não presto atenção, porque Harry Potter é pra crianças.
Sentindo cada parte de seu corpo arder vermelha, voltou para a viatura.

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