Capítulo II



Capítulo II




A claridade que entrava no quarto naquela manhã ofuscou um pouco a visão de Remus, que acordou logo depois das nove horas, com a cabeça envolta em algumas bandagens. A enfermeira logo se postou sorridente ao lado do jovem, enquanto mexia em seus cobertores.

- Como está se sentindo, dr. Lupin?

Ele olhou para a mulher que alargou o sorriso.

- Encontramos os seus documentos - disse simplesmente.

- Estou bem.

Ainda meio confuso, Remus tentava colocar em ordem os pensamentos do dia anterior. A sexta-feira de trabalho, o pub, a voz de Tonks, o corpo do moreno, a ambulância.

- Onde está o homem? Sirius Black. Como ele está.

Agitara-se quando se lembrou do ocorrido. A mulher se aproximou ainda mais da cama e disse com voz um pouco severa.

- A dra. Tonks disse que gostaria de lhe ver assim que acordasse.

E saiu do quarto deixando Remus frustrado sobre aquela cama. Seu corpo estava sendo pinicado pelo tecido grosseiro dos lençóis. Colocara a cabeça sobre os travesseiros de forma a se sentir mais confortável, enquanto fechava os olhos.

- Não precisa fingir que está dormindo - a porta se abriu e uma figura esguia de cabelos bem curtos entrou. - A enfermeira já me disse que você acordou.

Ele abriu os olhos e encarou Tonks, que sorria.

- Eu não estou fingindo absolutamente nada, Nimphadora.

A mulher soltou um muxoxo.

- Golpe baixo usar meu nome, Remus.

Ela se aproximou dele, depositando um leve beijo na sua face meio escoriada.

- Eu disse que era um caso de urgência, mas você não precisava se quebrar antes de chegar, não é?

Remus se limitou a encarar aquele rosto em forma de coração.

- Como ele está?

- Ele?

Remus assentiu.

-É. Sirius Black. Como ele está?

Tonks arregalou momentaneamente os olhos. Disfarçou com uma tossida e se sentou na beirada da cama de Lupin.

- Ele está bem. Nenhuma seqüela da convulsão, nenhuma fratura muito grave. Ele está com algumas luxações, mas você sabe que não é nada muito grave. Ele ainda está em observação, porque se mantém com muito sono. Mas acho que entre amanhã ou depois ele já terá alta. Agora ele está dormindo no quarto no final do corredor.

Remus suspirou aliviado. Jurara, por um segundo, que talvez o homem estivesse morto.

- Isso me alivia.

Tonks sorriu.

- Alguém avisou a família do Sirius?

A mulher encarou Remus enquanto uma ruga de preocupação se formava em seu rosto.

- Bem, parece que tentaram ligar mas não encontraram ninguém na casa do senhor Black.

Remus julgou que a mulher tinha um tom de ressentimento quando falara aquele nome. Deu de ombros e se lembrou do telefonema que causara todos esses transtornos.

- Como foi a cirurgia?

Essas palavras pareceram tirar de Tonks aquela expressão desgostosa, suplantada por uma de pena.

- Dr. Snape foi chamado no seu lugar. Ele é bom, Remus. Mas você é o melhor nesta área. - Remus sentiu um aperto na garganta enquanto a mulher continuava. - A pressão arterial dela caiu muito rápido e a gente não teve mais o que fazer.

Ela não precisou dizer mais nada.

- Eu... eu deveria ter atendido antes. Talvez eu poderia ter evitado... e...

- Olha, Remus: a culpa não foi sua. Esse foi mais um daqueles acasos que essa merda de destino prega na gente. Relaxa, tá?

Mas ela sabia que Remus Lupin não ia conseguir se sentir tranqüilo.

- Tudo bem, Tonks. Eu quero ficar sozinho agora, ok?

Ela ia falar alguma coisa, mas algo no olhar do médico machucado lhe calou.

- Certo. Mas qualquer coisa, estou a disposição.

Remus observou o corpo da colega de profissão atravessar o beiral da porta, fechando-a em seguida. Ele tentou lutar contra aquele sentimento de cansaço e perda que se abatera sobre o seu corpo. Ela estava certa: ele não tinha culpa sobre aquilo. Voltou a ruminar os fatos e se levantou da cama, tirando a pequena mangueira que lhe enviava soro para o corpo.

Ainda um pouco tonto, saiu andando em direção ao fim daquele corredor. Queria ver Sirius Black, e não se importou com o chamado da enfermeira que vinha em seu encalço, nem cogitou obedecer a ordem de voltar para o seu quarto. Também não se importou de estar vestido apenas com aquela camisola ridícula dos hospitais. Não queria saber se sua bunda estava aparecendo. Ele precisava aplacar aquela vontade de ver o homem a quem atropelara, o homem que se mexera involuntariamente sob seu olhar atento na noite anterior.

Abriu a porta, ignorando as palavras da enfermeira. Entrou em um quarto bem mais simples que o seu e reconheceu aquele amontoado de cabelos negro espalhados pelo travesseiro. Suspirou aliviado.

Sirius Black estava com muitos curativo pelo rosto e sua cabeça repousava placidamente sobre o travesseiro. Seu peito subia e descia, movendo o lençol fino que o cobria. Sob os olhares indagadores do outro paciente e de uma enfermeira que já estava ali dentro, Remus se aproximou de sua vítima, enquanto seu próprio coração acelerava.

- Tudo bem, dr. Lupin. Já chega. - A enfermeira segurava o seu braço com força. - Vamos voltar para o seu quarto.

Remus virou o corpo para a enfermeira e se deixou conduzir de volta.

- Podia ter esperado um pouco, não? Nem todos gostam de ver bundas peludas pelo corredor, doutor...

Remus esboçou um sorriso e entrou em seu quarto, deitando na cama em seguida. A enfermeira prosseguiu falando mais coisa triviais enquanto voltava a colocar o soro em suas veias.

- Posso confiar no senhor desta vez?

- Como...?

- Eu vou lhe deixar sozinho novamente. Não vá fazer mais nenhum passeio pelos quartos, ouviu? - A mulher já estava próxima da porta quando falou: - Agora o senhor é o paciente, dr. Lupin. Relaxe e durma um pouco.

A porta se fechou e Remus voltou a ficar sozinho. Olhando pela janela que dava para o jardim, ele tentou dizer que estava bem, e que tudo voltaria ao normal. E antes de adormecer, Remus ainda tentava entender o que era aquilo que sentira quando viu o outro descansando naquela cama.


~oOo~


Na manhã seguinte, Remus recebeu alta do médico responsável pela sua internação. Sua primeira preocupação foi saber como Sirius Black estava.

- Remus, o senhor Black saiu hoje de manhã muito cedo.

- Como assim?

Remus olhou para Tonks, que estava ali para lhe acompanhar para casa. Agora, totalmente vestido e se sentindo muito melhor, ele nem cogitava aceitar a companhia da jovem.

- Ele teve alta e se foi. Não quis falar com ninguém.

Ele se deixou cair sentado sobre a cama, abrindo a boca sem saber o que dizer. Tonks sentou ao seu lado, e colocou a mão em concha sobre a sua perna.

- Vamos lá dr. Lupin! Ele deve ter ficado com medo de levar uma injeção...

Tonks riu e se levantou, oferecendo uma mão para o amigo. Remus aceitou. Já não sabia bem o que queria, o que estava fazendo e muito menos o que sentia. Seu primeiro impulso foi de raiva: afinal, aquele louco aparecera do nada e nem se dignava a lhe dirigir a palavra? Mas depois, em um momento de análise, ele percebeu que não havia o que dizer. Passara a sentir pena do homem.

- Então vamos, dra. Tonks...

Deixou-se entrar no carro dela e seguir até a sua casa.

- Ei... - disse, sobressaltando a mulher.

- O que foi?

- O meu carro, minhas coisas... Tudo ficou lá naquele bairro. Eu preciso das minha coisas de volta!

Tonks sorriu.

- Uma alma caridosa já cuidou disso. Potter, é o nome dele. Ele disse que estava lá quando tudo aconteceu. É um bom homem e ficou explicando tudo pra polícia. Cuidou das suas coisas direitinho.

Remus tentou ligar o nome à pesoa: o homem de óculos, talvez.

- Ele estava voltando de um passeio quando viu o acidente. Ele é advogado...

Remus riu. Será que era mesmo aquele homem simples?

- Bem, pelo menos isso...

Deixou que suas costas se apoiassem no banco do carro pequeno da mulher, enquanto seus pensamentos se voltavam para Sirius Black. O que está acontecendo com você, Remus Lupin? Não conseguia esquecer a visão dos cabelos negros, da face ensangüentada, dos espasmos. Queria acreditar que aquele homem bonito que aparecia na foto ainda estava bem. E ele se pegou desejando receber um sorriso como aquele capturado pelo máquina fotográfica.

- Uma moeda pelos seus pensamentos - Tonks continuava olhando para frente.

- Nenhuma moeda tem valor diante do emaranhado que está a minha cabeça...

- Modesto...

Os dois riram e o jovem médico afastou aquele homem de seus pensamentos por breves instantes.

- O que você quer fazer hoje, dr. Lupin?

Remus indagou com um olhar.

- Sim, Remus. Hoje é domingo e estamos de folga. O que você quer fazer?

Ela estacionava seu carro na entrada da garagem da casa em estilo vitoriano de Remus. Ela se virou para ele e sorriu maliciosa.

- Como médica, eu lhe prescrevo muito descanso. De preferência deitado em uma cama fofa.

- Tudo bem dra. Tonks - riu-se ele. Abriu a porta do carro - Muito obrigado pela carona, Nimphadora. Acho que eu vou descansar mesmo.

Tonks segurou seu braço antes que ele pudesse sair.

- Você não escutou tudo: você tem que ficar na cama acompanhado. - Remus levantou uma sobrancelha. - E eu, como médica, me disponho a este imenso sacrifício.

Ela abriu a sua porta e pulou pra fora, e antes que Remus tivesse alguma reação, estava sendo enlaçado por dois braço finos mas ágeis e sua boca estava sendo comprimida por dois lábio sedentos. Ele não resistira.

- Eu achei que você tinha dito que eu precisava repousar na cama. E que eu saiba movimentos vigorosos não fazem parte da inércia corporal...

Tonks jogou a cabeça para trás, rindo.

- Beleza, então. Eu irei deixar você repousar, mas só quando chegar na cama, Remus.

- De verdade Tonks: eu quero dormir um pouco, tá? - Remus se afastou quando Tonks afrouxou os braços. - Agradeço tudo o que você fez por mim, mas eu realmente estou me sentindo muito mau pra este tipo de coisa.

Tonks riu do embaraço de Remus.

- Tudo bem. Eu entendi, Remus. Mas não precisava enrolar tanto pra dizer que não quer que eu fique com você. Vou indo, então.

Remus pensou em dizer alguma coisa, mas não queria mentir ou acabar persuadindo a mulher a ficar na sua casa. Ele queria um momento de calma, e a Tonks não se encaixava neste seu desejo. Deixou que ela entrasse no carro e abanasse. Sorriu levente.

- Ainda dá tempo de me pedir pra ficar...

- Até, Tonks.

A mulher balançou a cabeça e riu gostosamente. Seus olhos voltaram a encarar Remus e ela acelerou, se afastando da casa dele. Remus sentiu um alívio.

- Ela não tem jeito.

E entrou na casa, deixando do lado de fora um domingo ensolarado.


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