A primeira tarefa (reescrito)
Capítulo 7 - A primeira tarefa
-AAAAAH! - Sirius nadava freneticamente pelo lago, havia uma sereiana horrorosa com a cara de Jessy nadando atrás dele. Ele tentava fugir, mas parecia haver uma corrente na água que não deixava que ele fosse para frente. Então a sereiana alcançou seus pés e os puxou, com aquelas garras escamosas e nojentas. - NÃÃO! - ele gritou quando a sereiana feiosa o segurou pelo ombro e o encarou, com seu rosto feio igual ao de Jessy. O que ela ia fazer? Será que ela ia devorá-lo? Ou pior, será que ela tentaria beijá-lo? Mas Sirius se surpreendeu; quando ela abriu seus lábios grossos e disformes, a sereiana apenas falou.
- Sirius, acorda!
Ele entreabriu os olhos, e o rosto feio da sereiana se transformou no de James.
- Meu veadinho predileto! Você me acordou! - Sirius disse, sorrindo e pulando da cama.
- Que universo alternativo é esse em que Sirius Black gosta de ser acordado? - James perguntou rindo, e os dois ficaram lado a lado aos pés da cama de Peter para cumprirem seu dever diário de acordar o amigo.
- Eu tive um pesadelo horrível, a Jessy era uma sereiana e estava nadando atrás de mim!
- Tá explicado. - disse James rindo, e os dois começaram a sacudir Peter, sem nenhum resultado. - Então quer dizer que seu maior medo é que tenha uma sereiana-Jessy lá no lago? Se for, você vai se ferrar hoje, Almofadinhas!
- Nem me fale! Mas acho que, se a lula gigante não aparecer, eu dou conta de sobrevier... Hey, Rabicho, acorde antes que tirem a comida da mesa!
No mesmo instante Peter levantou-se e entrou para o banheiro, quase atropelando Remus, que estava saindo de lá com jeans e um blusão. Era sábado, duas semanas após aquele sábado em que eles foram para a biblioteca pesquisar sobre a pista do lago. Era, também, o dia da primeira tarefa. Sirius seria um grande mentiroso se dissesse que não estava com medo, mas ele estava preparado. Pegara aquele livro sobre criaturas aquáticas da biblioteca, e havia aproveitado os horários livres depois do almoço às quartas-feiras e nos fins de tarde as sextas para praticar feitiços de defesa, muitas vezes com ajuda dos amigos.
Com certeza os amigos haviam ajudado muito, Sirius nem sabia o que faria sem eles. Lily tomara a frente do preparo da poção que ia fazê-lo ficar sem respirar, sendo ajudada principalmente por Jessy e Remus, e ela dificilmente deixava que Sirius ajudasse, insistindo para ele ir praticar feitiços defensivos. Sirius achava ótimo, tinha mais tempo para praticar e menos tempo para passar com Jessy.
Naquele dia, porém, ele não pretendia treinar. Queria descansar durante a manhã, para que não estivesse exausto quando fosse jogado no lago depois do almoço. Os marotos encontraram as garotas no café da manhã, e depois de comer foram todos juntos para o jardim, onde passaram uma das manhãs mais agradáveis e descontraídas desde que o Torneio começara. Infelizmente, tudo que é bom passa rápido, e logo chegou a hora do almoço.
O Salão Principal estava uma bagunça. Os alunos de Beuxbattons se amontoavam em volta de seu campeão, fazendo um milhão de recomendações, e quase não o deixavam comer. Do outro lado do salão, os alunos de Durmstrang não se comportavam muito diferente, riam e torciam pela garota, e quase não se conseguia vê-la através da multidão. Assim que Sirius entrou no Salão, Hogwarts inteira correu em sua direção, e ele foi completamente cegado por flashes de câmeras, enquanto aplausos e vozes gritando seu nome inundavam seus ouvidos. Foi difícil abrir caminho pela multidão para conseguir se sentar e almoçar, mas ele conseguiu fazer isso sorrindo e agradecendo a todos.
Quando todos já haviam almoçado e os pratos ficaram limpos novamente, Dumbledore conseguiu fazer o Salão se calar e todos se sentarem, simplesmente porque se levantou de sua cadeira e disse que tinha um aviso para dar.
- A primeira tarefa do Torneio Tribruxo começará dentro de uma hora, no Lago Negro. As estruturas para os espectadores já estão montadas, e espero os três campeões daqui a meia hora na cabana montada ao lado do Lago para as últimas instruções. Que o Torneio comece!
**
Os bancos e a tela em que eles assistiriam o que estaria acontecendo dentro do Lago já estavam montados, e muita gente já estava acomodada, incluindo os marotos e as garotas. A tarefa começaria em meia hora, e estavam todos ansiosos. Nas arquibancadas altas, um vento frio de fim de outono bagunçava os cabelos das pessoas e fazia com que elas apertassem seus casacos para perto do corpo.
- Que frio! Coitados dos campeões que vão ter que pular nessa água gelada. - comentou Lily, e os outros riram. Emilly, contudo, estava com mais pena de si mesma, que estava só com um sweater de lã que deixava todo o vento passar.
- Hey, será que dá tempo de ir ao quarto buscar um casaco? - ela perguntou às amigas.
- Sei lá, Emy, porque você não o convoca com um feitiço?! - sugeriu Alice, e Emilly riu.
- Você acha que eu não coloquei um feitiço anti-convocatório no meu malão depois daquela vez em que a Juliet Vane roubou minha melhor saia, no quinto ano? Ainda falta meia hora, acho que se eu for correndo dá tempo.
Ela desceu das arquibancadas e atravessou correndo os jardins, mas parou na grande ponte coberta que leva à torre do relógio. Do outro lado da ponte havia alguém andando em sua direção.
- Sirius! - ela andou até ele, que sorria. - O que diabos você está fazendo aqui, você já devia estar na cabana, se preparando!
- É, mas eu esqueci a poção e o Dumbledore me deixou vir buscar. - ele falou, encolhendo os ombros como se a poção fosse a coisa mais fácil de se esquecer do mundo. - E você? Achei que já estivesse na arquibancada. Desistiu de me ver acabando com os monstros do Lago?!
- Claro que não! Só vim buscar um casaco, tá um frio de matar lá em cima. - A essa altura os dois já estavam frente a frente, a menos de um passo de distância. Era tão raro os dois ficarem sozinhos um com o outro, que ao perceber que não havia ninguém em volta deles, a atmosfera pareceu mudar completamente.
- Fica com o meu, tenho certeza que não vou usar isso no Lago. - Sirius disse, já tirando seu pesado casaco. Emilly começou a protestar, mas ele já estava colocando o casaco sobre os ombros dela, se aproximando mais para poder ajeitar o casaco nela.
- Não precisava, eu tenho meus próprios casacos. - ela falou, mas já estava enfiando os braços nas longas mangas do casaco dele.
- Eu sei, mas os seus estão muito longe. Não quero que perca o show que eu vou dar lá naquele lago. - eles estavam muito próximos, ela revirou os olhos para o comentário dele, tentando não ficar inebriada demais por seu cheiro.
- Tome essa droga de poção direito, certo? Lembre-se de respirar fundo depois de beber, quanto mais ar você pegar mais tempo vai conseguir ficar sem respirar. Se você lutar com todos os monstros pra morrer afogado no fim, eu mato você.
- Calma, Emy, não precisa se preocupar... - ele começou, mas não conseguiu concluir a frase, pois ela havia se colocado nas pontas dos pés e estava dando um beijo em seu rosto. Os lábios de Emilly eram quentes e macios, e ele desejou que aquele momento pudesse durar para sempre. Mas o momento não durou nem mais de um segundo, embora os lábios dela continuassem queimando em sua pele quando ela se afastou.
- Boa sorte, Sirius. E tome cuidado, é sério. Ninguém quer te perder. - eu não quero te perder, ela completou mentalmente, mas não teve coragem de falar. Emilly percebeu que ainda estavam muito próximos, os narizes quase se tocando, e se afastou corando.
- Não se preocupe, eu vou ficar bem. - Ele disse, acariciando de leve o rosto dela, depois hesitando e retirando a mão, como se temesse tocá-la por tempo demais.
Sirius passou por ela e foi em direção à cabana dos campeões, e Emilly ficou por mais um tempo na ponte, olhando para o lago cinzento cujas águas em breve engoliriam seu amigo. Amigo? Ela tocou de leve os lábios, que a pouco estavam na pele dele. De onde foi que ela tirara aquele beijo? Emilly sabia que a resposta para essa pergunta estava escondida no fundo de sua alma, mas não sabia se estava pronta para desenterrá-la. Pelo menos ela não teve muito tempo para pensar nisso, pois assim que voltou para a arquibancada, Jessy já estava gritando em seu ouvido.
- Emilly! Esse casaco é do Sirius! - o tom de Jessy era de acusação e surpresa, embora ela estivesse apenas constatando o óbvio.
- Eu sei de quem é. Qual o problema?
- Por que é que você está com o casaco dele? - os gritos dela começavam a atrair olhares curiosos das pessoas em volta.
- Para de escândalo, Jessy! Pelo amor de Merlin! Eu estou com o casaco dele porque ele me emprestou, ainda não entendi qual o problema.
- E por que é que ele te emprestou o casaco? - Jessy, ainda bem, abaixara a voz, mas os tons de histeria nela ainda eram claros. Emilly estava começando a se preocupar seriamente com a sanidade mental da amiga. Ela tentou explicar para Jessy que havia sido só uma coincidência sem importância, mas a garota só parou de gritar e falar coisas sem sentido quando tocou uma trombeta anunciando o início da tarefa.
**
Sirius ainda estava anestesiado pelo encontro com Emilly, mas teve que despertar quando chegou à barraca dos campeões. Lá dentro, os campeões das outras duas escolas discutiam com seus diretores os possíveis desafios que enfrentariam na tarefa. Dumbledore foi até Sirius e perguntou se ele estava preparado, mas antes que o garoto pudesse responder, soou uma trompa e Bartô Cruch entrou na barraca para dizer aos competidores as regras da tarefa.
- Imagino que os senhores já saibam o que devem procurar e já tenham suas estratégias. Queria apenas avisar que é proibido atacar os adversários, sobre pena de desclassificação. Vocês podem pegar apenas um baú, pois há exatamente três, e serão desclassificados se pegarem mais de um. Quem for desistir deve soltar faíscas vermelhas com a varinha. Espero que honrem suas escolas, então joguem limpo. Boa sorte a todos.
Havia um lugar para os campeões vestirem suas roupas de natação, que já estavam preparadas para eles, e depois de devidamente vestidos, os três foram levados a uma plataforma da madeira no meio do lago. Havia um dique de madeira que ligava essa plataforma às arquibancadas, e Sirius pôde ver seus amigos gritando e torcendo por ele. Emilly estava lá, vestindo seu casaco, mas ele tentou não olhar demais para ela.
Dumbledore anunciou que os campeões deviam pular ao som do apito, e seguiu-se um momento de silêncio, dos mais tensos que se pode haver. Durante aqueles poucos segundos, podia-se ouvir até o som dos corações batendo, todos acelerados pela expectativa. E soou o apito.
August botou um guelricho na boca, Natasha conjurou um cabeça-de-bolha e Sirius tomou todo o conteúdo do frasquinho em um único gole. Era amargo, mas não deu tempo de pensar no gosto. Ele inspirou todo o ar que conseguiu segurar nos pulmões e pulou, mais ou menos ao mesmo tempo dos adversários.
Era estranho não respirar, e ele demorou alguns segundos para acostumar sua visão à água turva do lago. Quando começou a enxergar melhor, ele viu que estava cercado por enormes algas, de modo que não conseguia saber se seus adversários ainda estavam ali ou para que lado haviam nadado. Sirius percebeu que não fazia ideia da direção em que devia seguir, e começou a nadar para frente, abrindo espaço entre as algas com as mãos. Ele tratou de nadar o mais rápido que podia, pois sabia que August estava sobre efeito do gelricho, e não ter pés em forma de nadadeiras parecia uma enorme desvantagem agora.
Sirius nadou por um bom tempo assim, mantendo-se rápido e tentando, sem sucesso, se orientar. As algas, contudo, iam praticamente até a superfície, e ele não conseguiria sair delas sem emergir, o que era contra as regras. Não havia movimento algum nas plantas ao seu lado, e ele começou a se perguntar se não havia pegado a direção oposta. Então algo se moveu. Sirius não conseguia ver o que era, mas podia ver as algas se mexendo, como se houvesse algo nadando a menos de um metro de distância. Seria um dos seus adversários? Ele acelerou o ritmo, mas seu concorrente, quem quer que fosse, manteve-se ao seu lado.
Por vários momentos angustiantes, Sirius seguiu naquela corrida contra o adversário desconhecido, até que, de repente, as algas acabaram, deixando apenas um chão de areia estéril abaixo e uma infinidade de água esverdeada à frente. Ele se virou para trás, para encarar seu adversário quando ele saísse do meio das águas, mas quem emergiu de lá não foi outro campeão, foi um monstro, e dos grandes! Era uma serpente marinha, tinha no mínimo uns trinta metros de comprimento e escamas grossas como a casca de uma árvore.
Ele se lembrava de ter lido que serpentes marinhas não eram perigosas se não fossem incomodadas, e tentou sair de fininho antes que a serpente o notasse. Não deu certo, o monstro já estava com os olhos fixos nele, e Sirius conseguia reconhecer o olhar de um animal faminto. Uma presa daquela coisa devia ser do tamanho de um dedo de Sirius, se não fosse maior, e essa ideia apavorava mais que o recomendado para aquela situação. Um instinto o dominava naquele instante: correr. Ele sabia, porém, que aquela não era a melhor escolha, pois o monstro mal precisaria mover o pescoço para alcançá-lo.
Sirius apontou a varinha para a serpente e permaneceu parado, esperando que a coisa perdesse o interesse nele. Não funcionou, a serpente avançou em sua direção, com uma pose de predador. Ele começou a nadar desesperado para trás, desviando das investidas da serpente, e a água turva se iluminava com os feitiços sucessivos que Sirius lançava no monstro, todos sem efeito algum. Um dos feitiços, porém, conseguiu abrir um pequeno corte na serpente marinha, e Sirius se arrependeu imediatamente disso. O bicho urrara de dor, e a agora estava avançando ainda mais furioso contra ele.
Dane-se, ele ia fugir! Pior que aquilo não ficava, e era melhor morrer correndo do que parado feio um idiota. Ele lançou um feitiço expulsório, o mais forte que conseguia, jogando o bicho alguns metros para trás, e começou a nadar o mais rápido que conseguia. O monstro logo estava em seu enlaço, e o garoto praguejou em pensamento, começando a lançar feitiços expulsórios para trás, sem parar de nadar. De quando em quando, ele olhava para seu perseguidor por cima do ombro, vendo que a maioria de seus feitiços não adiantava de nada. Ele conseguira atrasá-lo por um tempo, mas não ia ganhar tanta distância do jeito que estava.
Sirius continuou jogando feitiços para trás, mas sabia que precisaria encontrar uma saída logo, antes que a coisa ficasse feia para o seu lado. Ele já estava ficando exausto, suas pernas reclamavam do esforço. O garoto não aguentaria nadar tão rápido por muito mais tempo, mesmo sabendo que, assim que desacelerasse, a serpente o alcançaria. Foi então que ele viu, a alguns metros à esquerda, um amontoado de alguma coisa. Sirius não conseguia ver o que era por causa da água turva, mas era melhor que o vazio sem esperança. Ele começou a nadar em direção àquilo, esperando apenas que não fosse outro monstro.
Para seu alívio, quando se aproximou de seu destino viu que era um tipo de caverna. Uma grande rocha com um buraco largo o suficiente para caber um jogador de quadribol de ombros grandes como ele, mas estreita o suficiente para barrar um serpente marinha de dois metros de diâmetro. Graças a Merlin! Sirius entrou na caverna, desesperado por uma salvação, e viu a serpente marinha batendo a testa na fenda estreita. Ele não queria esperar para ver o monstro rachar a pedra da caverna, e tratou de sair de lá. A saída não estava muito longe, e assim que se viu fora da caverna parou de nadar, suas pernas agradecendo pelo descanso. Sirius aproveitou para juntar forças, pois sabia que uma serpente marinha faminta não seria a única coisa que ele enfrentaria, e dificilmente seria a pior delas.
Mal ele tivera tempo, porém, para descansar, algo se aproximou dele. Que droga, mais monstros! Pelo menos esse não era enorme como a serpente, Sirius pensou. A coisa se parecia com um macaco escamoso, mais ou menos do tamanho de um pirralho do primeiro ano, e Sirius se lembrou de que aquilo era um demônio japonês extremamente perigoso chamado Kappa. Ele mal teve tempo de sacar a varinha, a criatura já estava com as mãos em volta de seu pescoço, tentando sufocá-lo. Sirius quase teve vontade de rir: ele não estava respirando, não podia ser sufocado! Ainda assim, a criatura era forte o suficiente para machucá-lo, e ele a jogou para trás com um feitiço. Tentou lembrar-se do que havia lido sobre esses demônios no livro. Como derrotá-los? Havia um espaço vazio na cabeça do bicho, Sirius se lembrou, onde ele guardava água, e era só tirar a água da cabeça dele para acabar com o Kappa. Mas como é que ele ia fazer isso? Não, dava trabalho de mais, e ele precisava encontrar o tesouro antes dos outros campeões. Estuporar era mais fácil, será que dava certo? Ele não tinha mais tempo para cogitar isso, o Kappa estava avançando novamente, e o raio vermelho que a varinha de Sirius produziu atingiu o demônio bem no peito. O Kappa caiu, afundando na água.
“Essa foi fácil!”, Sirius pensou, se virando para seguir com seu caminho improvisado. Fácil demais... Ele ouviu algo vindo de baixo de si, chamando sua atenção. Era o Kappa que ele havia estuporado, se levantando e emitindo um barulho estranho, como um grito ou um alarme. Que diabos? Feliz ou infelizmente, ele não precisou esperar para descobrir o motivo daquele grito, pois logo começaram a surgir outros Kappas, vindo de todas as direções e cercando-o.
Sirius começou a lançar feitiços a torto e a direito, todos os feitiços ofensivos de que se lembrava, mas os Kappas eram rápidos e bons em desviar dos feitiços. Não demorou para que as criaturas conseguissem atacá-lo, mordendo e arranhando onde conseguiam alcançar. Se arrependendo de julgar seu oponente pelo tamanho, Sirius preferia vinte serpentes marinhas àqueles malditos demônios. Um desespero começou a atingi-lo, ele não sabia mais o que fazer. Surgiam cada vez mais Kappas, muito mais do que ele conseguia derrubar ou afastar.
Do lado de fora do Lago, todos assistiam à tarefa pelo telão enfeitiçado em frente à arquibancada. A imagem da tela mudava de campeão em campeão, e todos assistiam à Natasha derrotar um Cavalo-do-Lago quando a imagem mudou para Sirius Black. Toda a plateia prendeu a respiração ao ver o campeão de Hogwarts cercado por Kappas. Cercado era modo de dizer, na verdade, os demônios estavam todos tão em volta do garoto, que mal se conseguia ver que havia um garoto ali. Uma garota na plateia gritou: Jessy Landyner, mostrando uma afetação exagerada, como sempre.
Passaram-se os minutos, o número de Kappas só aumentava, e era possível ver uma mancha vermelha escura se espalhando pela água. Talvez, naquela situação, Jessy não estivesse de fato exagerando. Rabicho tapou os olhos com as mãos gorduchas, guinchando de medo. Alice abraçou Frank com força, e Remus roia as unhas, com os olhos grudados na tela.
Emilly, que tentava esconder sua apreensão, não conseguiu mais se segurar quando viu aquele sangue, o sangue dele, sendo derramado, e deixou uma lágrima escorrer por seu rosto. Aquilo não era possível, ele não podia morrer assim, ele não podia morrer sem saber aquilo que estava preso dentro dela, que ela tentava esconder até de si mesma, mas sabia que era verdade: Sirius não podia morrer sem saber que ela o amava. Ela deixou que o choro viesse, com toda força que a situação pedia. Como o mundo era injusto! Por que ela só foi perceber isso agora, logo agora que nada mais adiantava? Se ele morresse, se já estivesse morto, de que servia o amor dela? Amá-lo apenas para sofrer, apenas para fazer os outros sofrerem. Emilly se torturou em pensamento, pois seu amor era uma maldição, todos a quem ela amava tinham que sofrer, e seria muito melhor para Sirius se ela não o amasse.
Não era apenas Emilly que sofria ali. James estava tão apreensivo quanto ela, embora não se permitisse chorar como a amiga. Ele não podia aceitar que perderia seu melhor amigo num torneio idiota. Sirius não era apenas seu amigo, era seu irmão, era o cara que estivera sempre ao seu lado, nas horas boas e ruins. Maldita hora que colocaram seus nomes naquele maldito cálice, ele praguejava. James se culparia para sempre se Sirius morresse ali. “Por que não sou eu em seu lugar? Eu poderia morrer.”, ele pensou, Sirius não. No meio do desespero e da agonia, James sentiu alguém segurando sua mão. Ele olhou para o lado e percebeu que era Lily, e havia algo como esperança e conforto brilhando em seus olhos verdes, por trás da preocupação. A expressão dela dizia para ele se acalmar, dizia que ficaria tudo bem, e James soube que ela entendia o que ele estava passando, e ela sabia como confortá-lo. Como Lily conseguia ser tão perfeita?
- Ele vai conseguir. – ela sussurrou, seus dedos apertando a mão dele num gesto de conforto. Aquelas palavras pareceram despertar todos os amigos à sua volta, que começaram a repetir o que ela dissera como uma reza, murmurando bem baixinho. Todos os seus amigos ali, juntando forças, reconstituindo esperanças.
Nesse momento, a cena no telão mudou de rumo. Os demônios começaram a diminuir de quantidade, caiam no chão, desacordados, cada vez em maior número, e cada vez menos demônios ressurgiam de lá. As pernas e braços de Sirius começavam a aparecer aqui ou ali. De repente, os demônios caíram todos de uma vez, com uma pequena explosão de luz, e todos puderam ver o rapaz. Estava todo arranhado e espalhava sangue pela água, mas não parecia ter danos muito mais graves que isso. Ele olhou para o próprio corpo, como que percebendo as lesões, e continuou nadando.
Seus amigos estavam todos com sorrisos radiantes estampados em seus rostos, e se levantaram, assim como toda a torcida de Hogwarts, pulando e gritando “Black! Black! Black!”. Emilly enxugou as lágrimas, antes que alguém notasse, e agora mal podia conter sua felicidade, gritando com a torcida. Lily e James se abraçaram, num ato quase involuntário, alegria irradiando por eles. Quando se afastaram, Lily estava tão vermelha quanto seus cabelos, e ela mordeu o lábio inferior constrangida. “Ela fica ainda mais bonita corada assim.”, James pensou.
- Obrigado, Lily. Você não tem noção do quanto o que você fez foi importante. - ele disse, tendo que encostar os lábios na orelha dela para ser ouvido, por causa dos gritos da torcida. Calafrios percorreram a espinha dela, mas Lily, apenas o olhou como quem diz “disponha”, e sabia que ele havia entendido.
Dentro da água, inconsciente da torcida que gritava por ele, Sirius Black nadava novamente sem rumo. Foi uma sorte danada se lembrar daquele feitiço que usara contras os Kappas, mas ele desejava ter se lembrado daquilo antes. Quanto tempo já havia se passado? Para Sirius, parecia já ter se passado uma eternidade, e ele ainda não fazia ideia de onde estava ou de onde estava o tesouro. O campeão de Hogwarts nadava sem rumo, a água fazendo suas feridas recém-abertas arderem.
Depois de alguns minutos, Sirius ouviu algo ao longe, algo que parecia... Parecia uma canção! Ele seguiu o som, que se tornava cada vez mais nítido. Não era apenas uma canção, era a canção mais linda que ele já ouvira. Completamente hipnotizado, ele finalmente encontrou a fonte daquele magnífico som. Era uma garota, uma das mais bonitas que ele já vira, sentada ao lado de um baú de metal. Havia um símbolo gravado nesse baú, um símbolo muito familiar, mas ele não conseguia pensar nisso agora, pois toda sua atenção estava voltada para a moça que cantava. Ela tinha um nariz empinado e um sorriso hipnótico que lembravam Emilly, seus cabelos castanhos ondulavam atrás de si, e ela não parecia vestir roupa alguma, embora ele não conseguisse ver seu corpo com detalhes. Aquilo, contudo, não era importante, a única coisa que importava é que ele conseguisse chegar perto o suficiente para tocá-la, talvez beijá-la... E ele se aproximava, totalmente instigado pela linda voz, pela linda moça.
Ela colocou as mãos em volta de seu pescoço, trazendo-o mais para perto, nunca parando de cantar. Seus lábios já estavam quase se tocando quando a música cessou, e a racionalidade pareceu atingi-lo com toda a força. Não era uma bela garota que estava à sua frente, era uma sereiana pegajosa e escamosa; não eram mãos macias que estavam em sua nuca, eram garras compridas que apertavam seu pescoço, tentando sufocá-lo. Sirius começou a se debater, mas o aperto da sereiana era forte de mais. Ele sacou sua varinha e... Sua varinha! Onde diabos estava sua varinha? Sirius virou o pescoço para trás e viu sua varinha no chão, a poucos metros dali, percebendo que a havia largado quando vira a sereiana. Ele esticou os dedos, tentando convocar sua varinha, mas a sereiana percebeu sua intenção e segurou suas mãos com apenas uma garra, a outra ainda apertando seu pescoço.
Normalmente, Sirius não batia em mulheres, mas aquele era um caso extremo. Ele chutou a sereiana na barriga com toda a força que o empuxo da água permitia, e a criatura guinchou de dor. Ele tentou dar uma joelhada no queixo dela, mas a sereia desviou, sibilando para ele algo incompreensível. Aquilo não o intimidou, e ele continuou tentando atingi-la com os pés e as pernas, acertando algumas vezes, enquanto ela desviava e apertava mais seu pescoço.
Aquela fora uma das lutas mais esquisitas da vida de Sirius. Por estarem na água, tudo parecia acontecer em câmera lenta, e seus chutes faziam bem menos efeito do que fariam numa situação normal. E essa luta incomum se estendeu até ele finalmente conseguir acertar o ombro contra o rosto da sereiana, e ela soltou os pulsos dele por causa da dor. Era só o que ele precisava para dar um soco na criatura e convocar sua varinha, que veio para ele antes que a sereiana pudesse reagir. Ele mandou um expulso até mais forte do que devia, fazendo a sereiana largar seu pescoço e jogando-a metros para trás. Em seguida ele conjurou cordas, que se enroscaram em volta do corpo e da boca da criatura, impedindo-a de lutar e de cantar.
Só então Sirius parou para reparar no baú prateado que repousava na areia ao seu lado. Era pequeno, mas aparentava ser pesado, e um símbolo dourado brilhava em sua tampa. Uma ampulheta estilizada, cruzada por uma varinha, o símbolo do tesouro que ele estava procurando! Extasiado, ele agarrou o baú e começou a nadar de volta para a superfície. Era um desafio subir com o peso do baú somado ao seu, mas a essa altura do campeonato, aquilo era o mais fácil que ele podia esperar. Mal ele terminara esse pensamento, Sirius sentiu algo puxando seus pés para baixo. É claro, ele pensou com amargura, que não podia ser fácil assim.
O garoto se virou para seu atacante, surpreendendo-se ao ver que era um simples Grindlow que puxava seus pés. Perto dos Kappas ou da serpente marinha, aquele Grindlow era apenas um bichinho de estimação da sereiana – e talvez realmente o fosse. Sirius podia sentir o efeito da poção começando a passar, uma urgência por ar surgindo em seu peito, e soube que o tempo estava chegando ao fim. Sem paciência para pensar em algo mais apropriado, ele mandou logo um bombarda no Grindlow, que explodiu de um jeito muito nojento, espalhando pedaços ensanguentados por todos os lados. Sem um pingo de dó, Sirius se lançou para cima com um feitiço, antes que aparecessem mais Grindlows.
Ele emergiu de uma vez e inspirou profundamente, o ar entrando em seus pulmões como facas o apunhalando. Ao invés de dor, porém, ele sentiu um imenso alívio, tanto por poder respirar novamente quanto por ver que foi o primeiro competidor a emergir do lago. Um sino tocou e ele ouviu a voz marcante de Dumbledore anunciando:
- Sirius Black é o vencedor!
A torcida de Hogwarts fazia um barulho incrível enquanto Sirius era puxado para fora do lago. Uma toalha foi jogada sobre seus ombros assim que ele se viu novamente fora d'água. Sirius estava encharcado e ofegante, apertando o baú de Atonhrá contra o peito, e mal prestou atenção nas palavras de Dumbledore, que o parabenizava. Ele viu se aproximando, abrindo espaço entre os estudantes curiosos que tentavam vê-lo, os únicos rostos que queria ver naquele momento.
James foi o primeiro a chegar perto dele, com um sorriso enorme no rosto, e pulou no amigo. Os dois se abraçaram, rindo e pulando, e logo em seguida Remus e Peter chegaram, envolvendo os dois num abraço grupal.
- Nunca mais me dá um susto desse, Almofadinhas! - James falou, batendo de brincadeira no braço do amigo – Se você tivesse morrido naquele lago, eu matava você!
Os garotos riam alto e comemoravam, mal notando quando os outros campeões emergiam do Lago. Mas havia outras pessoas abrindo espaço por entre a multidão, querendo ver o campeão de Hogwarts. Emilly foi a primeira a se livrar do mar de gente espremida, seguida pelas amigas; mas ela não esperou as outras três para interromper a comemoração dos garotos e jogar seus braços em torno do pescoço de Sirius, prendendo-o num abraço. Ele não hesitou em corresponder, apertando sua cintura fina. Os cabelos dela pareciam seda contra seu rosto molhado, e a respiração quente em seu pescoço fazia arrepios percorrerem sua espinha.
- Graças a Merlin, você está inteiro! - ela falou, afastando-se um pouco do abraço, mas Sirius não soltou sua cintura. Depois de uma hora nadando, ele precisava de terra firme, e ele percebeu que só conseguia isso com Emilly em seus braços.
- Eu te prometi que ficaria bem, não prometi? - ele falou, sorrindo para ela, e Emilly não pôde evitar sorrir também, os olhos deles submersos um no outro.
- Você está gelado, Sirius! - ela disse, quebrando o momento e o abraço, e tirou o casaco dele, que ela ainda usava. Jogou o agasalho sobre os ombros do dono, um pequeno choque percorrendo seus dedos quando tocaram o peito exposto dele. Emilly disfarçou seus pensamentos impróprios com um sorriso, e se afastou para deixar que as amigas cumprimentassem o campeão e que Jessy gritasse um pouco nos ouvidos deles.
**
O jantar no Salão Principal foi uma grande festa. Todos comiam, gritavam e se divertiam, tudo regado a muito suco de abóbora. Sirius era aclamado por todos os estudantes de Hogwarts, que estavam tão felizes que ninguém se lembrava de que havia uma guerra acontecendo lá fora. Depois do jantar, a festa continuou no Salão Comunal, dessa vez regada a cerveja amanteigada e whisky de fogo, que James conseguira trazer ilegalmente para dentro da escola.
A festa do Salão Comunal durou até a madrugada, mas Sirius estava cansado demais para comemorar, a única coisa que ele queria era dormir. Ele deixou os amigos festejarem por ele e subiu para o dormitório, caindo direto em sua cama e cobrindo a cabeça com o travesseiro. Seu corpo estava exausto, mas sua cabeça rodava como uma máquina nova, e ele deixou sua mente se refugiar no passado.
Sirius arrastava sua mala pelo corredor do trem, procurando uma cabine vazia. Estava nervoso, pois passara toda a infância ouvindo sobre Hogwarts em casa, e isso só aumentava suas expectativas. O garoto sabia que não queria cair na Sonserina como o resto de sua família, mesmo tendo certeza que sua mãe não ficaria nada satisfeita se ele fosse para outra casa, e que provavelmente deixaria Bellatrix tentar acertá-lo com uma Cruciatus. Que bom que ele não ligava para a opinião da mãe e estava acostumado a fugir das maldições da prima. Então, quase no fim do vagão, Sirius encontrou uma cabine com três garotos de sua idade.
- Oi, posso sentar aqui? - ele perguntou, colocando a cabeça para dentro da cabine.
- Sim. Muito prazer, sou James Potter. – disse um garoto de cabelos despenteados e óculos.
- Meu nome é Remus Lupin. – falou um menino de cabelos cor de areia e aparência frágil.
- E eu sou Peter Pettigrew. – disse um gordinho com a boca cheia de tortinha de abóbora, espalhando comida pela cabine inteira.
- Eca! – exclamou Sirius, rindo e se sentando.
- Você ainda não disse seu nome. – falou James.
- Sirius. – ele não queria revelar seu sobrenome, era como dizer que era um mau-caráter, como o resto de sua família, e ele não era.
- Sirius de quê? - pressionou o garoto de óculos, e ele não encontrou outra saída.
- Black
- Hahahaha! Um Black? Aqui? – ele riu sarcástico.
- É, mas eu não gosto da minha... – Sirius começou a falar, mas foi interrompido por James.
- Fora!
- Que? – ele estava indignado, não podiam o expulsar só por causa de seu sobrenome!
- Eu disse fora!
Sirius pegou sua mala, mostrou o dedo do meio e saiu da cabine. A essa altura, o trem já estava andando e ele só não caiu porque na cabine seguinte tinha apenas uma garota, e foi nessa cabine que ele entrou.
- Oi meu nome é Sirius – disse guardando a mala e se jogando no banco em frente a ela. Sirius se sentiu um pouco mal por tratar a garota assim, sem nem perguntar se podia se sentar ali, mas ele estava tão nervoso com aquele preconceituoso, arrogante e mimado do Potter, que mal se importou com isso.
- Sou Emilly. – disse a garota, receptiva, colocando uma mecha de seus cabelos castanhos atrás da orelha. A conversa entre os dois fluiu com uma facilidade impressionante, e Sirius logo se viu maravilhado. Ele nunca tinha conversado tanto com alguém de sua idade, só tinha gente idiota na sua família, e sua única prima legal, a Andrômeda, estava se casando com um nascido trouxa e tinha sido expulsa de casa. Com meia hora de conversa, ele e Emilly já agiam como se se conhecessem desde sempre.
- Curioso. - Sirius disse, quando os dois se calaram.
- O que? – ela perguntou, com interesse.
- Você não perguntou meu sobrenome.
- Ah, isso! Eu já sei. - a simplicidade com que ela disse aquilo o surpreendeu, e ele até achou que a menina estava brincando.
- Como?
- Sabendo. – disse Emilly dando de ombros.
- Então por que você não me expulsou?
- Porque eu não me importo com sua família, mas sim com quem você é. - como é que ela falava essas coisas tão profundas como se estivesse falando a coisa mais óbvia do mundo?
- Nossa! Que tocante... - Sirius brincou, e eles riram.
- E você? – ele perguntou.
- Eu o que?
- Como se chama?
- Emilly, já disse.
- O sobrenome, boba.
- Carey.
- Ah... Sei... Sinto muito pelo seu pai.
- Como soube? – ela perguntou, dessa vez era ela que estava curiosa.
- Eu li nos seus olhos. – Sirius disse misterioso.
- Sem brincadeiras.
- Notícia ruim corre rápido...
- Mas foi há dois anos!
- Eu já tinha ouvidos aos nove anos.
Ela deu um sorriso.
Emilly ainda tinha aquele mesmo sorriso, aquele sorriso que conseguia mover legiões ou colocar o mundo todo em cheque, aquele sorriso que hoje preenchia os sonhos e os pensamentos de Sirius.
**
Só porque o vencedor da tarefa estava dormindo, não queria dizer que o resto da Grifinória devia dormir também. Foi isso que James disse para quem estava na festa, depois de falhar em convencer Sirius a não ir dormir. E a festa no Salão Comunal, de fato, se alongou noite adentro. Com cerveja amanteigada e whisky de fogo à vontade, os alunos entenderam porque só serviam suco de abóbora em Hogwarts.
Peter tentou aproveitar que Jessy estava abusando do whisky de fogo e a convenceu a sentar-se com ele num sofazinho de dois lugares perto da lareira, na esperança de tirar alguma vantagem da garota. Contudo, Jessy ficou a noite toda tagarelando sobre como Sirius era incrível, e Rabicho pegou no sono, roncando com a cabeça escorada no encosto do sofá.
Uma garota do quinto ano, Lisa Richards, exagerou no whisky de fogo e acabou em cima de uma mesa fazendo uma dança ridícula enquanto um monte de quintanistas batiam palmas para ela. Tirando, porém, os casais se agarrando em público, algumas pessoas caídas bêbadas no chão e um ou outro vexame público como o de Lisa, a festa corria muito bem. Os Marotos e as meninas só queriam comemorar a vitória do amigo, e se ocupavam apenas em dançar e se divertir.
Em certo ponto da festa, Lily e Emilly estavam dançando lado a lado uma música de discoteca que estava bem na moda, quando essa música acabou e começou uma outra, também da moda, porém um pouco mais lenta. Mal haviam sido tocadas as primeiras notas, apareceu um garoto bonitinho do sexto ano, Mike Gordon, chamando Lily para dançar. Emilly piscou em incentivo para amiga e foi se servir de outra cerveja amanteigada.
Ao lado da mesa em que estavam as bebidas, a morena encontrou uma cena, no mínimo, interessante. James Potter, escorado na mesa e de braços cruzados, olhando de cara fechada para o garoto e Lily, que dançavam juntos. Emilly já vira várias vezes, nos anos anteriores, James se agarrando com outras garotas enquanto Lily tentava segurar os ciúmes (embora a ruiva nunca fosse admitir isso), e agora era até estranho se deparar com a cena oposta.
- Oi James. Então você é desses caras que olham e bebem? - Emilly brincou, pegando uma garrafa de cerveja amanteigada e escorando-se ao lado do garoto, que olhou para ela parecendo confuso. Ela teria que explicar. - Quando estão com ciúmes. Tem os caras que arrumam outra pra fazer ciúmes de volta, e tem os caras que só olham e bebem. Eu sempre achei que você fosse do primeiro tipo...
- Eu posso ser, se a Lily preferir sentir ciúmes. - ele disse, rindo, mas depois ficou sério novamente, olhando para o casalzinho que dançava. - Quem é esse cara?
- É o Mike Gordon, do sexto ano, mas nem comece e ter ideias. Você não vai lá bater no cara nem ameaçar a família dele. Ia estragar a festa da Lily.
- Droga, Emilly, você é legilimens, por acaso? - ele brincou, e os dois riram. - Então, o que eu devia fazer?
- Sei lá. – disse a morena, encolhendo os ombros – Por que você não a chama para dançar, depois que ela der o fora no Gordon?
- E se ela não der o fora nele? - James falou como se ele tivesse certeza de que Lily não dispensaria o outro garoto. Emilly quase rolou os olhos, de tão ingênuo que James era.
- É claro que ela vai dar o fora nele. Olha só como ela está desconfortável dançando com o cara, e ela não para de olhar pra cá. - os olhos castanhos dele pareceram brilhar ao ver que Emilly estava certa, mas a atenção da garota já estava em outro lugar. - Hey James, a conversa tá muito boa, mas chega um ponto em que cada um tem que cuidar dos seus problemas amorosos, certo?
Ela se afastou de James e foi em direção ao garoto que a estava encarando desde que ela dançava com Lily. O nome dele era Cole Markham, e eles se conheciam vagamente das reuniões do Clube do Slugue. Cole andava agora também em sua direção, e quando estavam próximos o suficiente, o garoto estendeu sua mão, convidando-a para dançar. Felizmente ou não, haviam recomeçado as músicas agitadas, e os dois dançaram por um longo tempo, quase sem conversar.
Emilly não conseguia deixar de notar que os cabelos castanhos de Cole pareciam pretos na luz fraca, e que eles às vezes, com o balançar da dança, ficavam caídos sobre seus olhos azuis, deixando-o muito charmoso. Mas havia algo errado naquela combinação, algo que parecia fora do lugar, que não a deixava apreciar a beleza do garoto. Eram os olhos, ela percebeu, que eram azuis demais, um azul claro como o céu da manhã, e não acinzentados como os olhos de quem ela queria. Emilly se assustou tanto ao tomar consciência desse pensamento que parou de dançar abruptamente, e Cole a encarou com uma interrogação nos olhos. Cole, não Sirius. Xingando mentalmente a si mesma, ela se desculpou com o garoto, alegando que estava cansada, e foi para seu dormitório.
O que diabos estava acontecendo com ela? Desde quando ela deixava Sirius Black invadir seus pensamentos assim, com tal facilidade, e estragar sua diversão? A garota, ao chegar ao dormitório, decidiu que não estava com paciência para deitar em sua cama. O colchão macio e os cobertores quentes eram confortáveis demais, e a mente dela teria mais facilidade em escapar para lugares onde Emilly não desejava ir. Em vez disso, ela se deitou no chão embaixo da cama, esperando que o incômodo do desconforto a impedisse de pensar no que não queria. Não funcionou. Os olhos acinzentados voltaram à sua mente, coloridos ao fundo por um pôr do sol alaranjado, as cores desbotadas por fazerem parte de um passado que parecia tão distante, embora fosse apenas seis anos antes.
Ela e Sirius estavam sentados de baixo de uma árvore conversando.
- Se até os 20 anos a gente não estiver casado, eu me mato. – disse Sirius.
- Por quê? – ela indagou
- Não sei. A gente combina.
- É verdade... Então tá combinado.
- O que?
- Nós vamos nos matar se não estivermos casados até os 20.
Os dois riram com a ideia louca de um dia se casarem.
Era estranho pensar que aquilo fora pouco antes dos dois se afastarem. E era estranho pensar em como as coisas pareciam andar em círculos, embora eles sempre fossem tortuosos. Naquela época, ela não tinha a menor hesitação em dizer, em alto e bom som, que Sirius era a pessoa mais importante de sua vida. Agora, ela temia qualquer ideia nesse sentido, por mais remota que fosse, e insistia em enterrar os pensamentos sobre ele assim que eles emergiam em sua mente.
Mas parece que tudo mudara novamente quando ele foi atirado naquele lago. Naquela hora ela só conseguia pensar que ele não podia morrer, simplesmente porque ela precisava dele. Ela o amava. Emilly sabia que se ele morresse um pedaço dela morreria junto. Ela sabia, contudo, que não poderia tê-lo, mas estava ficando cada vez mais difícil enterrar seus sentimentos.
**
James esperou, impaciente, por Lily dar um fora no garoto. Ele estava quase desistindo, achando que Emilly se enganara, quando os dois pararam de dançar e ele viu o menino saindo com uma expressão triste. Era sua chance, finalmente. James se aproximou dela, que parecia culpada por ter decepcionado o outro garoto, e a cumprimentou. Os dois sustentaram uma pequena conversa casual, falando um pouco sobre a festa, e James a fez rir com um comentário sobre Lisa, a garota que dançara em cima da mesa. Não havia para ele som mais bonito que a risada de Lily, rica e doce, e o encheu de alegria saber que fora ele quem causara aquele riso.
Bagunçando seus cabelos, talvez mais de nervosismo do que de charme, ele a chamou para dançar. O estômago dele deu uma volta ao ouvir um “sim” sair daqueles lábios rosados. Ele trataria de promover mais festas como essas, só para ter mais oportunidades de dançar com Lily. Os corpos deles, tão próximos, se movendo juntos, era uma das melhores sensações que ele já provara. James não entendia como tudo, até a mais simples das danças, ganhava uma nova vida quando se tratava dela.
Os dois, contudo, não tiveram muito tempo para aproveitarem a dança. A festa parou abruptamente quando o retrato da mulher gorda começou a se mover, todos com medo de ser McGonnagal do outro lado, para acabar com a alegria de todos. Mas não era preciso ser McGonnagal para estragar a festa.
Quem entrou no Salão foi Thamara Jones, a melhor artilheira que o time de Grifinória já tinha visto. Todos a conheciam e admiravam, ela era realmente um talento com a Goles, e fazia quase tantos pontos com gols do que James ao apanhar o pomo, além de ser muito gentil com todos. Lily e as amigas às vezes brincavam que, quando saíssem de Hogwarts, Thamara assumiria o lugar delas na popularidade. Foi por isso que a festa continuou estática, pois perceberam que a garota estava chorando. Sua melhor amiga correu até ela, perguntando o que havia acontecido.
- Não acredito que vocês estão fazendo uma festa. Tem uma guerra acontecendo lá fora, e todo mundo resolve simplesmente esquecer isso só por causa de um torneio idiota? - Ninguém entendeu aquela súbita revolta. Ela não estava feliz por Sirius ter ganhado? Os dois eram colegas de time e, segundo o boato corrente, já haviam até tido um casinho. Está certo que tinha uma guerra acontecendo, mas qual era o problema de esquecer isso por pelo menos uma noite?
- Tammy, o que deu em você? – perguntou a amiga dela, parecendo preocupada. Todos na festa encaravam boquiabertos a artilheira, e ela cedeu novamente às lágrimas, desabando nos ombros da amiga.
- Meus pais morreram, Bonnie, foram assassinados por Comensais da Morte! - Os soluços da menina eram audíveis por todo o Salão, então todos compreenderam o ataque dela. Sarah e Patrick Jones eram aurores muito conhecidos, e muito ativos na luta contra Aquele-que-não-deve-ser-nomeado.
Um clima pesado se instalou definitivamente em todos ali. A maioria dos alunos não se preocupava tanto com a guerra, por acreditar que estavam protegidos em Hogwarts, mas agora o choro de Thamara lembrava a eles que a guerra estava mais próxima do que pensavam. Eram os pais dela que morriam hoje, mas amanhã poderia ser a família de qualquer um deles. Não havia mais clima algum para se festejar, e todos começaram a se dispersar, indo para seus dormitórios. James fez um feitiço para desaparecer com as bebidas, e se virou para Lily, que tinha os olhos verdes marejados. Ele levou a mão para acariciar o rosto dela, tentando confortá-la, e ela não se afastou.
- Está ficando cada vez pior, James. - disse a ruiva, suspirando. James apenas assentiu, não havia nada que ele pudesse dizer para melhorar a situação.
Era uma guerra, afinal, e as atrocidades só estavam começando. Eles deviam estar preparados para os horrores que viriam, e não deviam se esquecer de que, fora daqueles muros, inocentes estavam sendo assassinados nesse instante.
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