Veludo



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— Veludo —



Uma brisa gélida invadia o quarto através de uma fresta na janela, fazendo uma transfusão de ares e substituindo o cheiro de morte por cheiro de vida. Era a solidão exaurindo e retornando, ora morta, ora viva, alongando as sombras da mobília nas paredes de madeira antiga e no chão frio de tábuas, onde dois pés descalços e pequenos tocavam levemente. Uma mulher ilustrava o quarto, sentada em uma poltrona de veludo e escrevendo suas confidências num caderno quadrado, utilizando-se da pouca luz que um abajur poderia oferecê-la para enxergar sua caligrafia miúda. A eletricidade funcionava ali, distante de cidades mágicas e ocultas sob a magia, porém a mulher não se importava em estar longe de casa.

— Bella? Posso ver você?

A mesma voz que a despertava há sete meses se comunicava do outro lado da porta amadeirada. Bellatrix Black era a mulher, uma prisioneira do homem que portava aquela voz grave e imponente; melodiosa, no entanto. A farsa fora um convite para um jantar de negócios que, para desalento da mulher, era uma armadilha para mantê-la no mais confortável cárcere. Sabia que aquele homem teria obtido o consentimento de seus pais, aqueles que jaziam envergonhados por possuírem a filha mais velha ainda solteira, quando as outras duas, mais jovens, já haviam feito um casamento – sendo ele feliz ou não.

— Faça o que quiser. Eu não me importo – ela respondeu com a voz monótona, tentando ocultar a excitação que sempre lhe percorria o corpo quando estava perto dele.

Ele era Rodolphus Lestrange, o homem mais elegante que Bellatrix havia visto em seus vinte e três anos de vida. Tratava-a como a uma flor, embora a mantivesse aprisionada em sua deslumbrante casa. Ali ele domesticou uma criatura feroz, que nos primeiros dias teve de ser mantida amarrada em cordas firmes e desarmada imediatamente, tencionando deixá-la mais dócil e propícia a conversas. Durante um longo mês ela dedicou-se aos gritos exasperados, não permitindo que Rodolphus se aproximasse nem falasse com ela, algo que ele nunca respeitou.

— Como você está hoje? – ele perguntou, adentrando o quarto.

— Estou como sempre estive – ela falou, olhando-o nos olhos. — Ou pensa que eu deveria sentir-me diferente hoje?

Ele manteve o olhar fixo nos olhos castanhos de Bellatrix. Ela já havia decorado cada traço daquele rosto jovem e austero. Sabia perfeitamente a consistência daquela boca que, agora, jazia seca. Sempre que ouvia aquela voz, sabia ser exatamente a voz que gostaria de ouvir por toda a sua vida, entrementes jamais deixara isto claro para ele. Estivera atada às visíveis cordas no primeiro mês e ao ser libertada delas, sentia que as necessitava, pois amava-as. Seu coração palpitava sôfrego naquele instante e Bellatrix punha-se a imaginar o que Rodolphus pretendia daquela vez.

Era o seu cheiro o que a estonteava. O mesmo cheiro que no primeiro mês a deixara com ânsia de vômito, prisioneira de uma repugnância doentia e de um ódio dilacerante. Teria matado-o, certamente, contudo agora Bellatrix poderia fazê-lo com suas próprias mãos se realmente o quisesse, todavia até o mais ínfimo pensamento de não ter Rodolphus por perto já a deixava desesperada, como se um pedaço enorme de sua própria pele estivesse sendo arrancado.

— Bella, você está livre.

As linhas da face de Rodolphus pareciam mais marcadas que nunca e seus grandes olhos verdes jaziam úmidos. O corpo dele latejava e Bellatrix podia sentir seu desespero de onde estava, sentada em sua poltrona de veludo, sua cúmplice naquela prisão. Não! Rodolphus não poderia fazer isto consigo mesmo! Libertá-la, não!

— Estou consumindo você, Bella, e eu não quero mais fazer isto – ele falou, sem desviar seu olhar.

Como a pancada de um bastão, as palavras de Rodolphus acertaram o crânio de Bellatrix e ela compreendeu o que estava acontecendo. O que ela faria ao sair de lá? Para onde poderia ir? Ela era feliz desta maneira, escondendo-se dele quando a estivesse procurando com o simples intuito de vê-lo desesperado em sua busca por ela. Mais feliz ainda ela ficava quando o abordava sorrateiramente na lareira e passava a noite insone sentada ao seu lado diante das chamas, falando poucas palavras e respirando aquele cheiro sem rótulos, senão sendo apenas o cheiro de Rodolphus Lestrange.

— Me perdoe, Bella, por tê-la feito mal... Vá embora e viva. Por favor.

Bellatrix baixou a cabeça e respirou fundo. Fechou seu caderno de anotações diárias em seguida e sem fazer ruído. Ergueu-se da poltrona, sentindo a madeira fria sob seus pés e enviou um olhar orgulhoso a Rodolphus, ainda de pé diante da porta. Bellatrix sorriu para si mesma e puxou um baú antigo para perto de si, disposta a preenchê-lo com as roupas que haviam sido enviadas por sua família. Uma grande mudança aconteceria naquele entardecer e Bellatrix tinha plena consciência nisso.

Abriu o guarda-roupa e esvaziou-o completamente, lotando o baú de vestimentas negras, vermelhas e verdes, suas cores favoritas. Um som, no entanto, fez com que Bellatrix abrisse um sorriso ainda maior: o soluço desesperado de Rodolphus, seguido de uma queda do homem, que abaixou-se onde estava e sustentou-se sobre os joelhos, ocultando o rosto melancólico e molhado atrás das mãos grandes. Um homem que chorava como um bebê, livre para revelar seus medos e tristezas para a mulher que mais amara na vida.

Bellatrix não gastou muitos instantes observando aquela cena, pois não precisava olhá-la para senti-la. Uma terrível dor emanava da alma de Rodolphus Lestrange e Bellatrix Black sabia que ele estava sofrendo tudo o que ela já havia sofrido também. Sim, ele precisava pagar por seus terríveis modos de conquistar uma mulher e Bellatrix começava a querer rir daquilo. Fechou o baú com sonoridade o suficiente para deixar o homem ainda mais desesperado e ela, de soslaio, o viu estremecer e soluçar ainda mais. Segurou firme na alça do baú e arrastou-o em direção à porta, cessando diante de Rodolphus, o homem ajoelhado.

— Me perdoe, Bella – ele disse, erguendo a cabeça para olhá-la uma última vez. Ainda chorava bastante e, agora tão próxima, a mulher pôde ver o quão cansado ele parecia estar. Estava apreciando vê-lo sofrendo perante sua partida daquela casa. Ela poderia ir para sempre, abandoná-lo ao chão como o resto de algo que não queremos mais, deixando-o a quem de sua própria vida, sem senti-la por perto ou vê-la adormecida, perdendo-a eternamente por ter sido tão rude. Bellatrix poderia abdicar de Rodolphus, mas qual teria sido a graça se tudo tivesse sido assim? — Eu amo você... – ele murmurou.

Bellatrix gargalhou demorada e sinceramente, assustando-o e deixando-o envergonhado de sua própria miséria e dependência.

— Não seja tolo, Rodolphus – Bellatrix falou, ríspida. — Eu estou apenas me mudando para o seu quarto.


FIM

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Comentários (1)

  • Lexi Malfoy

    Eu simplesmente não me canso de ler essa fic, acho que deve ser a 6 ou 7 vez que a releio.Me apaixonei pela maneira que vc retratou Bellatrix e Rodolphus, e é tão difícil encontrar uma fic magnifica assim com esses personagens.E fiquei completamente pasma por ver que ainda nao havia comentadoParabéns pela fic Ass.Lexi Malfoy 

    2013-12-30
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