Solitude Within
"Eu deveria chorar? Sofrer? Morrer? Pagar por meus pecados? Eu traí. Sim, eu fiz isto. Eu sou má e deveria estar nas montanhas, abaixo dos excrementos dos trasgos. Deveria limpá-los, os trasgos e suas bostas, para provar o quão terrível eu sou. E veja como ela sorri! Continua me amando sem saber o que eu fiz! Lily, se você sentisse como estou por dentro, esquecendo minhas piadas e meu habitual semblante afortunado, saberia o quanto eu errei e a quão arrasada estou. Mas eu ainda amo você, Lily, e nada pode mudar isso. Este nada, entretanto, também não pode e não consegue mudar meu amor pelo homem dos seus sonhos. Oh, Lily, perdoe-me por também amar James Potter!".
Dominique Earles olhou para o alto e recostou-se no espaldar da poltrona de veludo. Encarou o teto de pedras rústicas pela última vez em sua vida antes de deixar definitivamente a escola. Estava em um dos dormitórios femininos da Grifinória, onde cinco camas de dossel vermelho exibiam-se vazias. Aquele era o último dia do último ano e, naquele momento, todos os seus amigos aproveitavam os segundos na sala secreta que haviam descoberto próxima à ala da cozinha. Todos estavam lá: Lily Evans, Remus Lupin, Sirius Black, Peter Pettigrew e James Potter. Todos estavam lá, exceto ela.
"Não voltarei a vê-los; eu não quero estragar tudo. Penso haver desonrado-a muitas vezes e, após nossa partida, irei para longe, muito longe, tentando fazer da distância uma aliada, uma punição. Me desculpe, minha amiga".
Dominique cessou a escrita em seu caderno púrpura de anotações e arqueou as sobrancelhas. Ouvira algo além da janela, mas estava em uma das torres mais altas do castelo e ninguém poderia alcançá-la. Estranhamente vira um vulto na janela que existia diante dela, porém não conseguiu identificar absolutamente nada. Manteve-se sentada na poltrona, segurando firmemente seu caderno de anotações, imaginando o que poderia estar acontecendo. Foi então que, subitamente, ouviu uma voz que a congelou o sangue:
— Jogue suas tranças, Rapunzel! – gritou a voz no exterior da torre.
Dominique abriu um sorriso imenso e todo o seu corpo tremeu, quente e frio, exultante e ansioso. Ela se levantou da poltrona às pressas, largando seu caderno de anotações de qualquer modo e rumando à janela. Abriu-a e espiou, lançando a cabeça ao lado de fora e olhando para baixo. Pôde ver, então, um risonho James Potter flutuando em sua vassoura alguns metros abaixo.
— Eu não uso tranças, seu louco! – ela respondeu rindo.
James ergueu-se os metros que os distanciavam e ficou diante dela na janela. Dominique mordeu levemente seu próprio lábio, enviando um sorriso perverso e cômico ao amigo, balançando a cabeça de um lado a outro para mostrá-lo o quanto o achava pirado. James sorria para ela também, com sua expressão divertida e bela como sempre.
— Não vai me convidar para entrar? – ele indagou, ainda flutuando.
— Oh, desculpe, senhor – Dominique abriu espaço para ele. — Por favor, entre em meus aposentos!
James voou para dentro do quarto e pousou, deixando sua vassoura ao chão. Dominique voltou-se para ele, os braços cruzados diante ao peito e um sorriso chistoso nos lábios. James estava maravilhoso em seus trajes grifinórios; Dominique não cansava de ponderar sobre isto.
— E então, o que quer? – ela perguntou.
— Por que não se uniu aos outros? – ele questionou, indo sentar-se na poltrona de veludo. O rapaz afastou o caderno de anotações sem sequer olhá-lo e encarou Dominique.
— Eu precisei arrumar o que faltava ser arrumado – ela disse e sentou-se na própria cama, que ficava bem próxima de James.
Eles se entreolharam sorrindo e Dominique o viu desviar o olhar. Ele não parecia realmente feliz e encarou o chão por alguns instantes antes de indagar:
— Você irá embora para sempre, não é? – voltou à cabeça para olhá-la nos olhos.
— Sim, eu irei – ela respondeu simplesmente.
— Não faça isso – ele disse.
— James, eu farei! – Dominique exclamou, sua voz um pouco alterada.
O silêncio decaiu sobre eles. Dominique realmente os deixaria e não havia nada que James dissesse que seria capaz de fazê-la mudar de idéia. Ou quase nada.
— Nick, você ainda...
— Sim, James, eu ainda amo você – ela completou. — Me desculpe.
Novamente o silêncio dominou o quarto. Cada um entretido em seus pensamentos. Dominique, então, pôs-se de pé e, sob o olhar curioso do rapaz, foi até seu baú antigo de madeira velha e carcomida e abriu-o. Suas roupas estavam lá, porém o destino das mãos pálidas dela eram as cordas que guardara por três anos. Voltou-se a James e o entregou aquilo.
— O que diabos...?
— Lembra-se do nosso quarto ano, quando você apostou com Sirius sobre quem conseguiria fisgar mais garotas com as cordas conjuradas e eu servi a você como desempate?
— Como esquecer? – ele riu, uma risada saudosa que Dominique não conseguiu deixar de acompanhá-lo. — Foi assim que nos conhecemos – James lembrou, ainda rindo.
— Guardei a corda porque me apaixonei imediatamente. Talvez tenha sido isto o que me atou a você desde o primeiro dia e agora eu quero me livrar desta corda. Acho que não mais preciso dela – ela sorriu tristemente. — Veja bem, James, eu sou uma garota comum, como das inúmeras que caem de amores por você!
— Você é diferente de todas – James falou, o cenho franzido. — Do contrário não seria aceita por nós e não seria minha melhor amiga. Você é ótima, Nick. Não há nada de igual àquelas estúpidas garotas e eu não quero que pense desta maneira. Você é inteligente e tão bonita, além de...
Um choque desesperado emanou das veias de Dominique e a desesperou. Percebera que aquele era o último momento e que jamais tornaria a vê-lo. James era um homem agora, porém não menos atraente. Dominique sentia a dor corroer-lhe os ossos e a não-razão tomá-la. Impulsiva e desesperadamente ela lançou-se a James e o beijou, sentindo pela segunda vez aqueles lábios cálidos contra os seus. Ela o amaria por muitos anos e padeceria por trair sua melhor amiga. Tão veloz quanto o beijara, ela o largou, olhando-o firmemente nos olhos castanhos, enquanto os seus próprios jaziam molhados.
Dominique sorriu para James, tentando trazer um pouco de felicidade àquela cena trágica. Lágrimas ainda deixavam seus olhos verdes e ela não se importava. Manteve seu sorriso e, talvez por ele, James a puxou para um abraço carinhoso e quente. Dominique deixou sua cabeça cair sobre o ombro dele, ciente do amor que sentia e não sentindo vergonha disto. Levaria aquele segredo ao túmulo, assim como aquele amor. Sentia James tão dela, porém não quis iludir-se. Ele amava Lily e isto estava escrito em seus olhos. Dominique partiria certa do grande homem no qual ele se tornara. Ninguém no mundo, na mesma situação que ele, seria capaz de abraçá-la naquele momento, cedendo muita de sua paz para tranqüilizá-la. James Potter era imponente dentre todos e jamais Dominique conheceria alguém assim.
Sob a paz que recebera naquele abraço, a garota afastou-se e agradeceu mentalmente por ele existir. Aprendera demais nestes últimos anos e nunca esqueceria da importância dele em sua vida. Ainda o amava, ainda mais intensamente que antes, todavia, por respeito, deixaria-o e à sua melhor amiga para que eles pudessem formar uma família segura. Ela abdicaria daquele homem para sempre prezando a felicidade dele e de Lily e seguiria em frente, em outro país, em outro mundo, em outra vida.
— Escreva, se puder – James falou, sua voz baixa quase em um murmúrio. — Lily e eu gostaríamos de saber como você está.
— Eu escreverei, James – ela garantiu com um sorriso, em contraste às lágrimas teimosas e doloridas.
Um trovão ecoou lá fora, o brilho do relâmpago iluminando o quarto escurecido e os rostos daqueles dois jovens tão belos. Uma chuva intensa deixou as nuvens livres, como um retrato da alma de Dominique. James saiu em vôo novamente, não se importando com a água abundante e súbita que lavaria sua alma e levaria sua melhor amiga por todo o sempre. Dominique fechou o baú de madeira e, com magia, ateou fogo ao terrível caderno de anotações que lhe servira de confidente por muitos anos.
Mesmo após concluir o último jantar à presença dos amigos e de Lily, Dominique não conseguiu sentir uma felicidade real. Dividiu a carruagem com a melhor amiga, James e Sirius e despediu-se deles na estação King's Cross, tendo compartilhado do último instante com eles e os outros nos vagões do Expresso de Hogwarts, sua antiga escola. Mentiu sobre um reencontro nas férias e apenas James sabia a quão extenuada Dominique estava naquele momento. A chuva ainda caía e, graças à ela, as lágrimas de Dominique tornaram-se invisíveis. Abraçou forte cada um de seus amigos, dedicando a Lily o mais intenso dos abraços, e deixou-os com uma alegria mentirosa no rosto que sempre esteve exultante, porém não deixou escapar nenhuma de suas piadas habituais. Ela mesma era uma piada.
De onde estava, sentindo a cintura de Lily em seus braços, James acompanhou Dominique com o olhar certo de que nunca mais a veria, imaginando como ela faria suas piadas agora e sentindo-se culpado por apodrecer toda a alegria que ela sempre emanou da própria pele. Ninguém notara este súbito escurecimento da alma dela e apenas ele, James, era perito em conhecê-la. A viu se afastar sob um guarda-chuva rubro que, quando molhado, tornava-se infinitamente vivo e brilhante, e mentalizou proteção para ela, almejando que aquele artefato a protegesse do perigo de seus próprios pensamentos nostálgicos e lhe retirasse toda a culpa que fazia pesar seus ombros.
A chuva a levava e lavava, sob os olhares eternos de James Potter e, depois daquele amor, Dominique amadureceria para sempre e seria uma notável entendedora da vida. Ela respiraria sua liberdade e, embora sentisse saudades, jamais retiraria dos seus sonhos os amigos que conquistara. Dominique Earles definitivamente não retiraria nada de seus sonhos. E estava bem assim. Realmente.
*Íntima solidão – coincidentemente
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