Sobre o mesmo céu
Já fazia horas que os três dragões e Charles estavam em um salão trouxa de beleza. Depois de um tratamento exclusivo e completo pago por Doumajyd, a única coisa que faltava produzir no garoto era o seu cabelo. Mas nada parecia agradar ao líder do D4.
- Não dá para fazer melhor? – rosnou o dragão para o cabeleireiro, depois que esse finalmente concluiu o seu trabalho.
- É o máximo possível. – explicou ele pacientemente – Não tenho culpa dele ter um cabelo difícil.
Charles encarou o seu próprio reflexo no espelho não sabendo o que pensar. Estava muito parecido com um porco espinho precisando ser aparado e com mechas.
- Que tal se fizer assim? – Doumajyd apontou para o próprio cabelo.
- Igual ao seu?! – Nissenson decidiu que era hora de salvar o garoto – Não precisa chegar aos extremos, Chris... Que tal se fizer isso? – ele pegou disfarçadamente um frasco no bolso e passou um pouco do liquido na cabeça de Charles, e então conseguiu arrumá-lo de uma forma que ficasse mais para apresentável do que para estranho.
- Um toque mágico sempre ajuda. – comentou baixinho o dragão de poções, enquanto o cabeleireiro admirava o que ele conseguira fazer apenas bagunçando o cabelo de Charles.
- Está bom assim, Irmãzinho Trouxa? – perguntou o líder dos dragões.
- Eu gostei! – exclamou o garoto ainda admirado a sua imagem melhorada refletida no espelho.
- Então passamos pela primeira fase! – anunciou ele com um grande sorriso.
***
Depois de receber várias instruções de Nissenson e MacGilleain, Doumajyd mandou Charles escrever definitivamente a carta que iria entregar na semana seguinte. E assim, o garoto passou o resto da tarde rabiscando inúmeras folhas de papel, tentando escrever a carta perfeita para a sua menina da borracha.
Quando já estava começando a escurecer, a versão escolhida havia sido entregue para Doumajyd, depois de ter passado pelos outros dragões, e esse a avaliava.
- O que achou? – perguntou Nissenson quando o amigo terminou a leitura.
- Perfeito! – Doumajyd deu um tapa nas costas de Charles, quase o fazendo bater com a cabeça no tampo da mesa.
- Obrigado! – respondeu ele contente por ter passado na avaliação do dragão.
Nissenson pegou o envelope da carta e leu o destinatário:
- Para você que me emprestou a borracha... Nada mal.
- Vamos torcer por você, Charles! – ajudou MacGilleain.
- Nem sei como agradecer por tudo o que fizeram. – admitiu o garoto sem-graça.
- Não se preocupe, Cogumelo irmão. – Nissenson o tranqüilizou com um sorriso – Já estamos acostumados a ajudar Weeds.
***
- O quê? Você não vai estar lá? – perguntou Charles surpreso assim que Doumajyd lhe contou como ele deveria fazer no dia do resultado.
Os dois estavam no parquinho perto do prédio, aproveitando o último momento que teriam sem a irmã mais velha por perto para repassarem os detalhes finais do plano.
- Só posso fazer isso por você. – explicou Doumajyd – A partir daqui, você tem que agir sozinho. Mesmo que seja difícil, você tem que ser forte e não depender dos outros.
Charles olhou apreensivo para a carta, tentando achar coragem para completar o plano.
- Não se preocupe, Irmãozinho Trouxa! E eu vou estar com você de alguma forma. – Doumajyd passou um braço pelos ombros dele e com o outro apontou para cima –Afinal, estamos sobre o mesmo céu!
O garoto encarou o dragão como se dissesse que o céu era grande demais para que isso lhe confortasse de alguma forma.
- Seja confiante!... Vamos ensaiar mais uma vez.
- Aqui?
Doumajyd olhou em volta e avistou uma senhora idosa que vinha andando devagar com a ajuda de uma bengala.
- Fique parado aqui. – o dragão posicionou Charles na calçada – Ok, ali vem ela!
- O quê? – Charles olhou em volta assustado.
- Finja que a velhinha é ela! – disse ele empurrando o garoto para cima da senhora.
Ainda meio tropeçando, Charles fez o que ele mandou:
- É-é... po-posso falar com você um pouco?
A senhora o encarou confusa, como alguém que não entendia bem o que as pessoas diziam.
- Mesmo achando que isso é muito repentino, eu gostaria de lhe entregar essa carta. – ele ofereceu a carta para a senhora – Por favor, leia e me dê a sua resposta!
- O quê? – pediu a velhinha ainda mais confusa, olhando para a carta.
- ISSO! – Doumajyd quase pulou em cima dele – Muito bem! – então arrancou a carta das mãos da velhinha e devolveu para o garoto – Faça exatamente assim e tudo dará certo!
- Certo! – concordou Charles feliz por ter conseguido.
***
- O Doumajyd ainda está no apartamento vizinho? – perguntou Vicky.
- Tem sinais de alguém estar morando lá, mas eu não o vi mais. – respondeu Mary com um suspiro.
Ela estava no seu intervalo no serviço e aproveitou para encontrar um canto sem ninguém nos fundos do mercado para poder falar com a amiga pela esfera.
- E o seu Cavalheiro de Olhos Frios?
- Bom... não nos falamos mais também... Acho que ele está esperando que eu entre em contato... Mas eu realmente não sei o que dizer para ele...
- Eu acho que você não precisa dar a resposta tão cedo, e ele vai entender isso. Você está confusa, não está?... Mas, mesmo assim, acho bom você responder. Não ia ser legal deixar as coisas simplesmente como estão.
Mary deu outro grande suspiro.
- O que foi? – perguntou Vicky sabendo que deveria haver mais alguma coisa incomodando a amiga – Aconteceu algo mais?
- Não é bem que aconteceu, mas... depois que o Charles fez a prova, ele tem agido de uma maneira estranha e... Ele voltou para casa com um penteado novo, dizendo que ganhou um cupom grátis de um amigo... E... ultimamente, ele está mais charmoso... Não sei o que fazer, por que ele não me conta nada! Sei que está escondendo algo. E com ele estudando durante o dia e eu trabalhando até tarde, não sobra muito tempo para conversarmos...
- Vicky? – uma voz de alguém que não aparecia na esfera chamou por ela – A aula vai começar.
- Desculpa, Mary. A professora Hannah está chamando, preciso ir.
- Boa aula, Vicky.
- Bom trabalho! – e a sua imagem sumiu da esfera.
Mary deu mais um grande suspirou e procurou afastar os seus pensamentos de preocupação para poder voltar a se concentrar em seu trabalho.
Já do outro lado da conversa, a professora de Vicky lhe perguntou assim que a aluna guardou a esfera no bolso das vestes:
- Algum problema com a sua amiga?
- Problemas amorosos. – disse Vicky, e então perguntou como se fosse uma brilhante idéia –Talvez da próxima vez possa nos ajudar, não professora? A professora Karoline nem sempre é a melhor para pedirmos conselhos...
- Tudo bem. – concordou ela – Mas não sei se meus conselhos vão valer a pena. Só tive paixões tristes até agora... Mas vamos voltar para a aula!
Vicky queria que ela lhe falasse mais sobre o assunto, mas a professora não deu chances para que ficasse sabendo de mais nada.
***
Em Hogsmeade, no Três Vassouras, no dia antes de sair o resultado das provas de Charles, os três dragões se reuniram a pedido de Doumajyd para comemorar e desejar sorte ao garoto.
- Apesar de ele não poder chegar aos pés do Ilustríssimo Eu, agradeço a vocês por terem me ajudado! – falou o dragão, se mostrando contente como há tempos não ficava.
- Mas festejar agora não é precipitação? – perguntou Nissenson, como sempre cercado por bruxas sorridentes, felizes apenas por poderem estar perto de alguém do D4.
- Será que vai dar tudo certo? – perguntou MacGilleain também na mesma situação que o amigo.
- Claro que vai! – afirmou Doumajyd com um tom orgulhoso – Eu ‘mediquei’ os erros dele para ficar perfeito! Aquela menina não vai resistir a isso!
- Medicar não seria a melhor palavra... – resmungou Nissenson.
Mas Doumajyd não ouviu o que o amigo dissera, por que estava absorvido demais em se auto-felicitar pelo trabalho bem feito.
- Será que ele está fazendo isso pela Mary? – perguntou Nissenson baixinho para o outro dragão.
- Eu acho... – MacGilleain franziu a testa, apresentando a sua conclusão sobre a atitude do líder em ajudar o Irmãozinho Trouxa – Eu acho que o Chris fez algo que há muito tempo ele não fazia: um amigo.
Nissenson riu, concordando.
- Estou ansioso pelo resultado de amanhã! – disse Doumajyd para ninguém em especial.
- Eu estou mais é preocupado... – comentou MacGilleain.
- Eu também. – admitiu o outro.
***
Depois de ter ficado até escurecer no parquinho, treinando escondido o que deveria falar no dia seguinte, Charles finalmente voltou para casa. Mary já fazia o jantar para eles e correu para a porta assim que ouvi o irmão entrando.
- Você demorou! – reclamou ela se mostrando preocupada – Onde estava?
- Eu saí um pouco.
Mary o encarou enquanto ele tirava os tênis. Tinha pensado muito e chegara à conclusão que as atitudes estranhas do irmão naquela semana deveriam ser por causa da pressão dos resultados. Ela mesma se sentia apreensiva com os seus resultados. Só não pensava tanto neles por ter problemas mais urgentes, como o fato de ela estar morando sozinha com o seu irmão porque os pais foram tentar ganhar dinheiro em um outro lugar do país.
- Está com fome? O jantar já está quase pronto.
- Não vou comer hoje, Mary. – disse ele se levantando e indo para o seu quarto.
Depois que ele fechou a porta, ela pensou que talvez o melhor a se fazer fosse não insistir.
***
No dia seguinte, Mary acordou quando o sol ainda nem dava sinais de nascer, com o barulho de movimentação pelo apartamento. Assim que abriu cautelosamente a porta do seu quarto para verificar o que era, viu Charles andando de um lado para outro. Ele terminava de se trocar ao mesmo tempo em que tentava comer um pedaço de pão e murmurava seguidamente alguma coisa.
- Já está saindo? – perguntou ela, ainda tonta pelo sono.
Ele resmungou algo indecifrável por causa da boca cheia.
- Ligue no meu trabalho assim que souber o resultado, ok?
Ele balançou a cabeça positivamente, colocando a sua jaqueta ao contrário.
- ... Quer que eu vá junto com você? – ela perguntou o ajudando a colocar os braços nos lugares certos.
- Nã-não! – disse ele assustado finalmente engolindo o que mastigava.
- Charles, ultimamente você tem agido de uma forma muito estranha e eu-
- Tchau, Mary! – ele saiu sem dar ouvidos ao que a irmã falava.
Furiosa, ela correu até a porta e o ouviu descer as escadas repetindo ‘Posso falar’, várias vezes.
Mary respirou fundo se segurando na porta. Independente de ele passar ou não, esperava que seu irmão voltasse ao normal depois que aquele resultado saísse.
Então ela deu um grande bocejo e lembrou de algo de repente. Nas pontas do pé, seguiu silenciosamente até a porta vizinha e escutou atentamente. Mais uma vez, parecia não ter ninguém lá dentro.
- Miiiiiauuuu. – ela tentou, mas, mesmo com essa tentativa, não ouve sinal algum de vida do outro lado.
***
- Posso falar... Posso... Posso falar... – Charles corria e repetia a cada passo.
O sol estava quase nascendo e as ruas estavam praticamente desertas. Ele fechou a sua jaqueta para se proteger do ar frio e continuou se concentrando em repetir o que tanto ensaiara:
- Posso falar... Posso falar com você... Posso falar...
Chegou em frente aos portões da escola, ainda fechados e que só seriam abertos às oito horas, para que os alunos pudessem entrar e verem o edital com o resultado. O garoto encarou as grades de ferro por um tempo e então respirou fundo. Por ter chegado primeiro do que todos os outros alunos, a menina da borracha não poderia passar por ali sem ser vista por ele.
Mas agora, mesmo depois de ter se preparado tanto, ele sentia um frio na barriga. E se na hora se esquecesse de tudo o que iria falar? E se não tivesse a confiança de que Doumajyd tanto falara para ele? E se ela não viesse?
Diante de tudo isso, ele quase entrou em pânico e olhou em volta nervoso, pensando seriamente se deveria se esconder em algum lugar. Porém, a visão de alguém do outro lado da rua quase o fez cair para trás. Lá estava Doumajyd, escorado em um grande murro de pedra olhando para ele com o seu sorriso de dragão orgulhoso.
Se esquecendo completamente do pânico e voltando a se animar, Charles correu para o outro lado da rua para falar com ele.
- Chegou bem na hora, Irmãzinho Trouxa! – o dragão foi para bagunçar o cabelo dele, mas se lembrou que não deveria fazer isso, e limitou-se a lhe dar um tapa no ombro – Não fique ali na frente fazendo essa cara de choro!
- Sim.
- Você sabe exatamente o que fazer, não se preocupe! Lembre-se do que você aprendeu com o D4 e se esforce!
- Sim!
- Estarei a sua espera no parquinho, ok? Agora vai! – Doumajyd o virou e o empurrou para o portão – Não se esqueça que estamos sobre o mesmo céu!
Charles deu um grande sorriso e voltou para o seu posto de espera, enquanto Doumajyd fazia o caminho de volta em direção a onde moravam.
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