Godric’s Hollow



As escadas que levavam ao dormitório da Torre da Grifinória rangeram alto. Mia estancou com uma careta, o corpo inteiro enrijecendo. Usava uma capa comprida, que ajudava a encobrir seu cabelo vermelho vivo, e uma pequena mochila nas costas, contendo apenas o estritamente necessário: um agasalho, alguns produtos de higiene, pedaços de pão embrulhados em guardanapos de pano e uma garrafa com água.

Daniel vinha logo atrás e também parou com o barulho, fazendo com que Lúthien trombasse em suas costas. A menina carregava alguns livros da biblioteca de Hogwarts, bem como pedaços de pergaminho e algumas penas que ainda não havia colocado na mochila. Os objetos caíram com estrondo antes que ela pudesse impedir.

- Quem está aí?

- Somos... hã... nós! – foi Daniel quem respondeu, de maneira hesitante e com a voz bastante baixa.

Quando divisou a lareira do salão comunal, Mia, que estava logo à frente, viu os rostos contorcidos em desagrado. Tia Gina e Harry estavam vestindo capas de viagem e carregando pequenas mochilas com seus pertences, ela ainda sem o capuz que camuflaria seus cabelos tão característicos.

- Vocês estão fazendo barulho demais – reclamou, num sussurro quase inaudível, enquanto procurava os olhos de Harry por detrás das lentes.

- Sejam mais cuidados, meninos – disse, por fim, como se instigado por ela. – Não queremos acordar ninguém, lembrem-se do que já tivemos que fazer para que toda essa loucura desse certo.

Mia sabia que Harry se referia a Hagrid. Relutara muito em tomar certas atitudes com o meio-gigante, mas, por fim, não conseguiu encontrar outra saída que os pudesse dar tempo suficiente para passar o dia seguinte fora. O plano era simples, e partia de uma sucessão de idéias conjuntas de cada um deles: Lúthien sugerira um censo dos unicórnios e outros animais úteis dos arredores da Floresta Proibida durante o jantar daquela noite. Hagrid achou a idéia excelente, e nem sequer desconfiou do repentino interesse dos jovens no trabalho, e mesmo de Harry e Gina em quererem ajudar. O problema foi o senhor Longbottom, que demonstrou pronto interesse em acompanhá-los, bem como Luna. Harry os persuadiu com o argumento de que eles faziam parte da equipe de feitiços protetores dos arredores do castelo, que não poderia ficar tão desfalcada, já que Gina também participaria do censo e Carlinhos estava novamente na Romênia com seus amigos tratadores de dragões. O casal não pareceu muito convencido, mas não voltou a tocar no assunto durante a refeição.

Então, Daniel convenceu o pai a proceder com o restante do plano, idéia de Mia: a Poção do Sono, preparada habilmente pela menina, faria com que Hagrid dormisse por todo o dia. Seria a mesma poção ministrada à vovó Molly na ocasião em que a jovem precisou forjar uma doença para que, acompanhada de Hermes e Daniel, pudesse resgatar o senhor e a senhora Weasley em Azkaban. Seguindo com o plano, quando o meio-gigante acordasse, lembraria apenas que passou todo o dia com os amigos na Floresta, adormecendo assim que chegou em casa apenas por estar cansado. Quem procedeu com a falsa memória foi Daniel, que sabia exatamente como fazer o feitiço, para a surpresa de todos. Ele justificou apenas que havia aprendido aquilo em Hogwarts, nos tempos em que estudou na escola sob o domínio de Voldemort.

Para que o plano se tornasse ainda mais plausível, tia Gina foi a responsável pelo toque final: produzir uma lista com um censo falso dos animais da Floresta, que, naquele momento, descansava sobre a enorme mesa de madeira rústica da cabana de Hagrid.

Era madrugada e a luz da lua crescente entrava, tímida, pelas janelas do salão comunal. Quando se aproximaram do retrato da Mulher Gorda, Daniel agarrou o braço de Mia quase ao mesmo tempo em que foram surpreendidos por uma voz ligeiramente alta e um tanto quanto trêmula:

- Parem!

Mia não foi capaz de engolir a exclamação de susto. Parou de andar e olhou para os lados, mas percebeu que ninguém havia se virado. Talvez todos se sentiam como ela, os cérebros trabalhando rapidamente para encontrar o que fazer a seguir. Ela pousou seus olhos sobre os de Daniel, então. Ele sabia que havia alguém se aproximando ao tocar o braço dela momentos antes, ou teria sido apenas coincidência? Mas de uma coisa Mia tinha certeza: o plano estaria terrivelmente arruinado se sequer conseguissem abandonar a Torre da Grifinória sem causar confusão.

- Neville, não faça isso – era a voz de tia Gina, a primeira a se virar para encarar o rosto redondo e inquisidor do senhor Longbottom. Quando Mia também criou coragem para girar nos calcanhares, percebeu que o homem tinha a expressão semelhante a alguém que procurava encontrar uma saída para um desafio de xadrez de bruxo no qual o jogador adversário estava próximo do xeque-mate. Tia Gina tossiu, buscando o auxílio de Harry, mas o rosto do bruxo não estava em melhores condições. Começou a falar, hesitante: – Nós vamos... vamos...

- Encontrar Hagrid, papai – disse Lúthien com uma firmeza que ninguém sentia, mas como se fosse realmente o combinado durante o jantar. Ela se aproximou do pai, abraçando-o com delicadeza, enquanto continuava: – Ele sugeriu que fôssemos até a cabana ainda de madrugada, para começar o trabalho aos primeiros raios de sol. É mais fácil encontrar alguns animais nesse horário, e pretendemos começar por esses.

Os olhos de Harry se arregalaram por detrás das lentes na direção da loirinha, e Mia quase achou que ele fosse traí-los, embora também estivesse surpresa com a firmeza de Lúthien. Talvez a semi-escuridão do salão comunal pudesse ajudar a convencer parcialmente o senhor Longbottom, mas era perceptível que ele travava uma batalha interna, um lado querendo acreditar na filha, o outro absolutamente desconfiado daquela saída na calada da noite.

- Eu não sei... – falou o homem, por fim, passando a observar os olhos de Harry, enquanto continuava de braços dados com a filha. – Tenho quase certeza que vocês estão planejando algo, e essa história de censo não me convenceu. Eu vim verificar, mas não consigo encontrar a falha no plano. Preciso dizer que, se vocês vão se meter em alguma coisa maluca, devem consultar a Ordem primeiro e...

- Obliviate!

- Não!

Daniel havia retirado a varinha da capa e lançado o feitiço diretamente no rosto do senhor Longbottom. Lúthien tentou interrompê-lo, mas não conseguiu impedir que os olhos do pai saíssem de foco e ele ficasse estranhamente perdido, como se houvessem arrancado sua sanidade junto com o feitiço. A loira observava o pai com uma expressão preocupada. Em seguida, olhou para Daniel e exclamou, com lágrimas nos olhos:

- Você não precisava tê-lo enfeitiçado, Dan! Eu podia convencê-lo!

- O que você pensa que está fazendo? – assim que Harry se recuperou do choque, dirigiu-se para o filho e tomou-lhe a varinha das mãos. Estava irritado, e por um momento a luz da lua que entrava através da janela incidiu sobre sua cicatriz, tornando-a ainda mais acentuada pelo franzir da testa. Ele continuou – Eu sinceramente não sei o que te ensinaram aqui, mas determinadas coisas não se resolvem com um feitiço na cara dos outros! Neville é nosso amigo, e também faz parte dos Renegados. Não admito que você aja como se fosse um Comensal, Daniel!

- Como se fosse um Comensal? – a cólera pareceu tomar conta do rapaz, que saiu em direção ao retrato da Mulher Gorda pisando duro. Sua voz era baixa, mas estava enraivecida, e por um momento Mia sentiu medo de que Daniel tivesse se deixado dominar pelos ensinamentos recebidos do lado das trevas. Ele continuava: – O senhor Longbottom queria nos impedir de sair! Você sabe que precisamos ir, pai! E eu dirigi o feitiço de forma que apenas as memórias dessa conversa se apagassem. Ele não vai lembrar de ter saído da cama essa noite para nada, ok?

- O senhor Longbottom é meu pai – disse Lúthien, como se fosse preciso relembrar a Daniel sobre isso. Era claro que ela estava decepcionada com a atitude do amigo, e, mesmo sob a luz fraca do salão comunal, Mia percebeu que ele estava envergonhado.

- Nós ainda discutiremos sobre isso – falou Harry, dando por encerrada a conversa. – Você é meu filho e seu comportamento não me agradou nem um pouco, entendeu?

Era evidente que Harry não estava satisfeito com Daniel, mas seria imprudente que continuassem brigando naquele momento. Precisam se manter unidos se quisessem partir rumo a Godric’s Hollow sem causar mais problemas, e voltar no tempo determinado para que a ausência não fosse sequer percebida. Qualquer falha naquele plano colocaria os membros da OdRR em perigo, já que Mia tinha certeza de que sairiam para procurá-los ao menor indício de ausência prolongada.

Desde que haviam tomado Hogwarts, ninguém abandonara o castelo por mais que algumas horas, com exceção daqueles que não moravam ali, os novos recrutados. A ascendência do movimento de protesto contra o regime de Voldemort não era segredo no mundo bruxo, e cada um que se declarava abertamente membro da Ordem, como era o caso dos que viviam no castelo, tinha sobre a cabeça uma recompensa de milhares de galeões por parte do Ministério, e uma equipe exclusiva da Polícia Negra concentrada em sua captura. Mia sabia de tudo isso por causa das fantásticas orelhas extensivas das Gemialidades, que vinha utilizando para ouvir determinadas reuniões nas quais ela, Daniel e Lúthien não recebiam autorização para participar.

A jovem também sabia que não era seguro abandonar Hogwarts nem por alguns minutos, quanto mais se afastar tanto, e na direção de um povoado completamente bruxo. Entre os trouxas, em Londres, poderiam se camuflar. Mas estava certa de que encontrariam problemas em Godric´s Hollow, e tentava controlar seu nervosismo em relação a isso. Afinal, precisavam de Harry para levá-los, e se ele iria a Godric’s Hollow, iriam, então.

Antes de sair para os terrenos do castelo rumo à Floresta, tia Gina lançou sobre eles um Feitiço da Desilusão. Mia sentiu como se um cubo de gelo lhe descesse pelas costas, gelado e escorregadio. Olhou em volta e não conseguiu mais ver ninguém. Apenas percebeu que estavam ali quando se movimentaram, e achou que se pareciam com camaleões, refletindo as paredes e objetos do local onde estavam. Passou deles para suas próprias mãos estendidas diante dos olhos, as quais não conseguia mais ver, registrando como isso parecia estranho e, ao mesmo tempo, uma ótima maneira de se camuflar.

Quando finalmente deixaram o castelo, atravessando as pesadas portas de carvalho, as cinco figuras produziam longas sombras no gramado dos terrenos de Hogwarts. Com as capas sobre a cabeça e sob o efeito do feitiço, pareciam membros de alguma estranha seita invisível. Aproximaram-se da Floresta a passos largos e, num determinado ponto à sua orla, Harry retirou da mochila um pedaço de carne parecido com aquele que carregava pela manhã. Para Mia, aquelas poucas horas que haviam ficado para trás faziam parte de um outro mundo, uma outra vida, da qual ela tinha apenas uma vaga lembrança. Os momentos com Daniel saltaram em sua mente, misturados com um sentimento forte de saudades, mas quase como se enxergasse neles outra pessoa que não ela.

Logo os Testrálios se aproximaram. Mia e Lúthien eram as únicas que não conseguiam enxergá-los, mas Daniel as ajudou a subir no dorso dos animais. Em pouco tempo eles alçaram vôo, quase como se não estivessem carregando peso algum.

Mia não gostava de voar. Sempre sentia um enjôo estranho quando precisava fazê-lo, ainda mais sem enxergar a montaria. Eventualmente, fechava os olhos durante um movimento mais brusco, uma guinada mais audaciosa. Quando não o fazia, era possível antever alguns movimentos de seus companheiros, as expressões atentas a qualquer movimento anormal no céu ainda escuro. A exceção, como sempre, era Lúthien, que voava com os braços abertos e os olhos fechados, aproveitando o vento e os cabelos que esvoaçavam em seu rosto, estranhamente refletindo as estrelas. Parecia já ter se esquecido do que Daniel havia causado a seu pai, e aproveitava apenas o que vinha dali para frente. Por um momento, Mia se deixou sorrir observando a amiga. Talvez ela é que estivesse certa, afinal, vivia uma coisa de cada vez, sem se preocupar excessivamente com aquilo que ainda estava por vir. Por outro lado, Mia não conseguia se enxergar assim. Cada atitude que tomava no presente iria, fatalmente, se refletir no futuro, e não apenas dela, mas de todo o mundo bruxo. A sensação fazia com que o aperto no estômago ficasse ainda mais evidente.

Ao seu lado, Harry fez sinal e eles começaram a descida. Ao se virar para observar os companheiros, Mia teve a estranha impressão de ter visto um vulto escondido por entre as nuvens, em meio ao alvorecer que já despontava timidamente. Forçou os olhos, mas o Testrálio que montava começou a descer rapidamente, acompanhando o movimento dos outros, e ela se viu obrigada a se endireitar de forma a não escorregar pelo pescoço liso do animal.

Desceram exatamente diante da igreja, ao lado de um pequeno portão de ferro, que dava passagem apenas para uma pessoa por vez. O alvorecer estava silencioso no vilarejo, com exceção de alguns pássaros que cantavam, numa saudação alegre à primavera. Os primeiros raios de sol que incidiam sobre os vitrais da capela faziam doer os olhos, formando desenhos coloridos no chão de terra batida. A pouca neve que ainda havia era quase que apenas granizo, e derretia rapidamente, tornando o chão ligeiramente escorregadio. O lugar era muito bonito, embora imensamente triste.

Harry fez um floreio com a varinha e retirou deles o Feitiço da Desilusão. Era estranho voltar a enxergar a todos exatamente como eram. Tia Gina assumiu a dianteira, e o pequeno portão rangeu quando ela o abriu:

- Venham por aqui – ela hesitou, como se sua voz fosse subitamente calada por um feitiço. Em seguida, balançou a cabeça e prosseguiu, num tom baixo: - Vamos ter que caminhar um pouco pelas alamedas, o túmulo fica mais para trás, perto do muro.

- Eu vou com você – falou Harry, ultrapassando o portão e estendendo-lhe a mão. Ela observou os dedos dele se movimentarem, e ele hesitou por um momento, sem saber ao certo se deveria mantê-los próximos. Mia notou que estava ligeiramente tímido, mas tia Gina voltou o rosto novamente para o de Harry, ao mesmo tempo em que envolvia sua mão com firmeza. Deveria estar se sentindo péssima, afinal, e eram amigos. Que mal poderia haver naquilo? Ele tentou controlar a voz quando falou: - Meninos, sigam-nos por aqui. Os Testrálios costumam ficar por perto por causa da carne com a qual os alimento, portanto não se preocupem com eles. Estarão aqui quando voltarmos.

Mia assentiu, mas novamente sentiu a estranha sensação de que estavam sendo observados. Girou o pescoço por sobre o ombro, olhando para trás, e Lúthien, que estava ao seu lado, registrou o movimento com um leve franzir de testa, acompanhando o olhar da amiga.

- O que é que está acontecendo, Mia? Viu algo?

- Não sei, Lu – falou ela, observando ainda algumas árvores que se amontoavam próximas à Igreja. Lúthien também olhava para lá enquanto Daniel ultrapassava o portão, logo atrás de Harry e tia Gina. – Eu tenho a sensação de que estamos sendo seguidos desde quando saímos de Hogwarts. Parece que vi alguém montado numa vassoura, e uma movimentação estranha partiu daquelas árvores ali – apontou ela, meio sem graça. - Talvez seja só impressão mesmo, e eu esteja obsessiva com perigos. Por que, dessa vez, as coisas não podem dar certo? Só porque Harry disse que era perigoso, não quer dizer que realmente será.

Lúthien assentiu, sorrindo, e se virou para seguir logo atrás de Daniel pela alameda. Mia ia por último, virando-se eventualmente para observar o motivo de algum barulho diferente, apenas para constatar que se tratava de um pássaro alçando vôo ou algum inseto emitindo seus sons naturais. Estavam expostos demais ali, e isso fazia com que ela se sentisse em perigo. Não estavam mais sob o efeito do Feitiço da Desilusão, embora as capas ainda cobrissem seus rostos. Podiam muito bem se passar por uma família qualquer em visita ao túmulo de um parente perdido. Por que alguém julgaria o contrário? Ao menos que soubessem o que pretendiam... Ao menos que o planejamento também fosse realizado pelo outro lado.

Foi Harry quem primeiro alcançou os fundos do cemitério, a área nobre, reservada apenas às famílias mais influentes do mundo bruxo. Grandes mausoléus se erguiam altos, imponentes, e uma aura de tristeza pairava no ar ao redor, tornando-o pesado, difícil de respirar. A maior destas construções era também a mais antiga, de estilo gótico, cheia de arabescos e pequenos detalhes esculpidos em granito negro e mórbido. Mia reparou que o túmulo ia tão alto em direção aos céus que lhe dava a impressão de que ainda quisesse demonstrar, diante da morte, o que seus donos tinham sido em vida: ricos, nobres, puros-sangue. Talhado em prata trabalhada, o brasão da família Malfoy, já oxidado pelo tempo, ficava logo acima da entrada do mausoléu. Uma pequena placa prateada, no entanto, parecia destoar da antiguidade das peças e da própria construção, como se fosse polida magicamente. Mia se aproximou para enxergar melhor. Estava escrito:

Hermione Malfoy
13/07/2002 – 20/03/2003
Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós...


Mia observou o rosto contraído de tia Gina, a forma como ela mordia os lábios e como seus olhos brilhavam mesmo sem derramar lágrimas, as mãos ainda entre as de Harry. Tanto tempo havia se passado, quase 17 anos desde a morte da pequena Hermione, mas ela podia entender o quanto aquilo ainda era doloroso para a mulher. E o seria para sempre.

Sentiu as mãos de Daniel tocando as suas, e Lúthien se aproximou também, descansando a cabeça no ombro de Mia, todos em silêncio. O sol já despontava no horizonte quase completamente, iluminando os túmulos e produzindo um belíssimo efeito nas lúgubres construções.

“Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós”, repetiu Mia em pensamentos, e entendeu que aquilo também se aplicava a ela, a Harry, a todos que ali estavam. A única certeza que temos na vida é a morte, e ela é sempre dolorosa para aqueles que ficam. Morrer só faz sentido porque ficamos para sentir saudades de quem se vai.

O silêncio foi quebrado quando uma voz irrompeu atrás deles:

- Eu sabia que você viria. Sabia que estaria aqui. Tinha certeza de que não esqueceria do dia em que enterramos nossa filha. O equinócio de primavera...

Tia Gina se virou abruptamente, o rosto entorpecido pela raiva, e largou a mão de Harry no mesmo instante em que os olhos do senhor Malfoy pousavam sobre ela. Seu peito subia e descia rapidamente, num esforço para fazer o ar entrar, a outra mão apertava a varinha, bem como a de Harry, ambas apontadas para a figura diante deles:

- Interessante, Ginevra... Particularmente interessante – ele dizia enquanto se aproximava, retirando o capuz da longa e elegante capa negra e deixando à mostra seus cabelos muito claros. Estavam sem corte, quase caindo sobre os olhos, e ele parecia mais magro que da última vez em que haviam se visto, no dia da retomada de Hogwarts, quando reapareceu do lado inimigo. A varinha vinha na mão direita, e ele a apontava na direção de tia Gina enquanto continuava falando, sem tirar os olhos dela: - É muito interessante o fato de que, ao reencontrar o homem com quem se casou e a quem jurou amor eterno, você esteja de mãos dadas com outro diante do túmulo de nossa filha. E é mais interessante ainda que este outro seja justamente o Santo Potter, aquele que você jurou ter esquecido para sempre. É o mesmo que você afirmou que estaria melhor no mundo dos trouxas? Mas, claro, ele é “O menino que sobreviveu” , não é mesmo? Por que não sobreviveria a isso também? O que é uma trouxa maluca e beata para quem já enfrentou o Lorde das Trevas em pessoa?

A voz do senhor Malfoy saía carregada de ironia e rancor, seus olhos cinzentos e furiosos lembravam uma forte tempestade, daquelas que deixavam o céu carregado de nuvens escuras e ameaçadoras. O medo atravessou o corpo e os sentidos de Mia, gelado, intenso, e o sol que nascia se escondeu por entre as nuvens, como se o temporal que vinha daqueles olhos ganhasse também os céus. Sentiu que suas pernas bambeavam diante da nova presença no cemitério de Godric’s Hollow. Não se lembrava de ter sentido tanto medo de Draco Malfoy quanto naquele instante.

- Você armou para nós, Draco? – tia Gina perguntou, impetuosa, as palavras saindo atropeladas enquanto tentava conter a própria fúria. – Sabia que viríamos até aqui para que eu pudesse ver a nossa filha e simplesmente mandou a sua nojenta gangue de Comensais para nos pegar? Para destruir Harry? Você não vê que está do lado errado mais uma vez? Achei que havia te salvado disso com nosso amor. Achei que você me amava, Draco!

O desespero a dominou e ela tentou avançar mesmo diante da ameaça da varinha apontada para si. Porém, Harry estendeu o braço oposto ao que segurava sua varinha com rapidez, segurando-a pelos ombros. Aproximou-se de seu ouvido e disse algo que os outros não puderam escutar. Depois, virou a cabeça na direção do loiro e, em voz alta, falou:

- Nós vamos sair daqui, Malfoy, e não ouse nos impedir. Se o fizer, juro que vou matá-lo!

- Matar? – uma gargalhada bastante audível ecoou pelo silencioso cemitério, enquanto ele continuava se aproximando com a varinha firme na mão. Até mesmo os passarinhos haviam parado de cantar, e o ar estava muito mais frio do que antes. – Acho que você não está em uma posição muito confortável para me ameaçar, Potter. Dúzias de membros da Polícia Negra estão vindo para cá nesse momento, todos prontos para pegar você e seus companheiros, sem falar dos dementadores. Pode senti-los? Aliás, você não teve um dejà vu agora? Soa quase incrível que sempre haja alguém disposto a morrer por você!

Um barulho interrompeu a fala do senhor Malfoy e fez com que Mia, Lúthien e Daniel se virassem rapidamente para a esquerda. Por entre os túmulos altos, um vulto de capa negra, alto, encapuzado, aproximava-se pelas alamedas.

- Eles estão chegando! – o senhor Malfoy ria alto, e obrigou-os a voltar novamente os olhos para ele. Estavam encurralados: o loiro vinha por um lado, o vulto encapuzado pelo outro. Estavam condenados então? Tudo se acabaria naquele momento? Seriam todos capturados, inclusive Mia e Harry, destruindo qualquer chance de derrubar Voldemort e sua maldita ditadura? Não podia terminar assim... Não podia ser desse jeito, precisavam fazer alguma coisa!

O senhor Malfoy continuava empunhando a varinha, apontando-a diretamente para tia Gina. O vulto também vinha armado e estava cada vez mais próximo. Involuntariamente, Mia, Daniel e Lúthien se aproximaram de Harry e Gina até ficarem com as costas coladas, e impuseram suas mãos, prontos para se defender de qualquer ataque. Mia já não enxergava o rosto do pai de Hermes, mas ele continuava a falar:

- Eu deveria ter matado você enquanto pude, Potter. Você jamais seria uma ameaça para o meu casamento se eu tivesse feito isso.

Harry não chegou a responder, porque a voz do vulto encapuzado se sobressaiu a tudo o mais:

- Cale a boca, Draco! Você sabe qual é o plano, deixe-o ir.

Mia abriu a boca para perguntar o que ele queria dizer com aquilo, mas os acontecimentos que se seguiram foram demasiado rápidos para que ela pudesse articular o que dizer. O vulto encapuzado agarrou o braço de Lúthien com firmeza, e ela gritou, enquanto Daniel corria para tentar soltá-la. O jovem estava enlouquecido quando agarrou o braço do homem, como se não tivesse noção do perigo. O capuz caiu, relevando uma cabeleira negra, longa, pontuada aqui e ali por fios brancos. Daniel gritava:

- Largue-a, solte a minha amiga! Professor Snape, não faça isso, por favor!

Mia hesitou, virando-se para observar Draco agarrar o pulso de tia Gina enquanto ela também gritava. Ele falou, e sua voz ainda fazia com que o medo a dominasse:

- Vá embora, Potter! Saia daqui!

Mia não soube o que Harry fez, nem tão pouco o que aconteceu a tia Gina depois que Draco a tomou nos braços. Ela apenas sentiu que uma mão forte se fechava sobre a sua e então tudo girou, e era como se ela fosse espremida dentro de uma mangueira apertada demais, que a impedia de respirar. A última coisa que viu foi o rosto assustado de Daniel, e um nome ecoando em sua mente: Snape. Professor Snape.






N/A: Olá, pessoal! Espero que tenham tido um excelente Natal e fica aqui os meus votos de Feliz Ano Novo para todos, porque eu vou viajar e só voltarei a postar um novo capítulo em 2008 agora! Desejo a cada um de vocês um ano repleto de realizações, e que todos os seus sonhos se tornem realidade, inclusive o de estudar em Hogwarts! E se algum de vocês for, trate de me avisar para que eu possa ir também, ok? rsrsrsrsrs

Agora, umas palavrinhas sobre o capítulo. Ahá! He’s back, baby! Severo Snape, oh my God! Eu não agüentava mais ter que esperar o momento de trazê-lo para vocês! Acho que todos os leitores dessa fic sabiam que, mais dia, menos dia, ele voltaria, não é mesmo? Já que eu não sigo os acontecimentos do sétimo livro, ele continua vivo na Trilogia dos Feitiços! E não vou dizer mais nada sobre ele antes que eu mesma produza spoilers do próximo capítulo!

Vamos falar deste, então. O epitáfio de Hermione Malfoy, a frase “Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós...” é de autoria de Amando Nervo, pseudônimo de Juan Crisóstomo Ruiz de Nervo, um poeta mexicano que nasceu no século XIX, em Montevidéu. Achei que se encaixava perfeitamente no epitáfio da irmã gêmea de Hermes que ele sequer chegou a conhecer, espero que tenham gostado também.

A descrição do mausoléu da família Malfoy eu tomei emprestada de outra fic minha, uma short D/G chamada Solitude. Para ler, basta entrar nesse link: http://www.floreioseborroes.net/menufic.php?id=20965. Só aviso uma coisa: prepare o lencinho, especialmente se você gosta do Draco como eu gosto.

E antes que eu me esqueça, eu cometi um erro terrível e já fiz questão de arrumá-lo nos outros capítulos também. A mudança de estação, quando se trata da primavera e do outono, chama-se equinócio, e não solstício como eu havia citado nos capítulos anteriores! Desculpem a nossa falha, isso já foi alterado nos outros também.

Esse capítulo teve 9 páginas, pela Deusa! O.o
Vocês acham que eu ando escrevendo demais?

Felipe W. Jonsson, que bom que você curtiu o capítulo/presente de niver pra você, viu? A Mia e o Daniel também ficaram bem felizes com a cena, pode ter certeza! ;-)

Malu Chan, aí está o capítulo de Godric’s Hollow, mas ainda há algumas coisas a acontecer, principalmente agora que o Snape voltou. Ainda bem que a sua raiva do Dan diminuiu um tiquinho com o beijo, eu também gostei muito de escrever essa cena e é lindo saber que vocês curtiram!

Patricia Pampuri, agora é minha vez de perguntar se você ficou feliz com esse capítulo e te pedir pra comentar logo, logo, viu! rsrsrsr

Mi Evans, eu li seu comentário e lembrei de uma coisa: fazia muitooo tempo que eu não escrevia Harry/Gina, e agora eu estou escrevendo, sabia? Na verdade, eles são o casal secundário, mas é incrível como eu quase sempre escrevo Ron/Hermione com resquícios de Harry/Gina. Logo mais vocês terão uma fic nova da Mia, ainda sem nome, por enquanto...





E no próximo capítulo:

Uma última lembrança pode, enfim, determinar o rumo da última Horcrux a ser destruída. Até onde Daniel, Lúthien e Mia terão que ir para recuperar o pedaço maligno da alma do Lorde das Trevas?

E Severo Snape? Irá ajudá-los ou será mais uma dificuldade a ser enfrentada?

Não perca!

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