Apenas um beijo...
Apenas um beijo
Apenas um beijo... Mas apenas pensar nisso fez-la tremer como uma folha. Entretanto, sua mãe apertou as fitas do espartilho de modo que o vestido de casamento acentuasse sua cintura como uma luva. Ela estava tão linda que não parecia real.
- Meu Deus! – sua mãe suspirou com lagrimas de alegria nos olhos – Você parece um anjo...
Sua irmã franziu o cenho e saiu da sala sem dizer uma palavra. Ela sentia-se horrivelmente invejosa de sua irmã, de sua beleza, do seu futuro marido rico que ia deixa-la viver sem ter que trabalhar, da vida brilhante e promissora que os esperava. Se ela ao menos soubesse...
Ela começou a chorar silenciosamente enquanto sua mãe continuava a amarrar os arcos do vestido à sua cintura. Quando todos os convidados a vissem, eles certamente diriam que a noiva parecia um anjo, um cisne, uma deusa... Mas ela podia ver a verdade de baixo do virginal vestido branco. Traição.
- Eu chorei no dia que casei com seu pai também – sua mãe disse para conforta-la – Dizem que chorar no dia do casamento trás sorte.
Sorte? Ela sentia-se como a pessoa mais sem sorte em todo o mundo naquele momento. Tudo por causa de um beijo. Apenas um beijo... Ele tinha implorado. E ele tinha desencadeado algo dentro dela que era impossível de conter.
- Se você ama o Thiago, ainda que seja apenas metade do que ele te ama, você vai ser imensamente feliz.
Sim, ela pensou, eu amo Thiago, eu amo Thiago, eu amo Thiago... Eu amo Thiago? Então, por que ela não podia esquecer? Simplesmente apagar aquele instante de seus pensamentos. Apenas um beijo. Ela queria muito ter os olhos alegres de Thiago e o sorriso travesso de criança dele na frente dela, e mesmo que ela não pudesse tirar de sua mente aquele olhar negro e fura-la como um punhal.
Quando eles se conheceram não havia nenhum vestígio do jovem lânguido e calmo que ela conhecia. Aquele homem severo, triste e pálido como o mármore de um mausoléu. Sua proteção de gelo tinha rachado e despejado as ultimas gotas de sua alma. Apenas um beijo, ele implorou, apenas um. Ela, que nunca tinha visto ele derramar uma lágrima, mesmo nos momentos mais difíceis de sua vida, primeiro resistiu com todo o seu coração depois ela lutou contra qualquer duvida. “Não peça para mim, eu não sou livre”. Mas era muito tarde, ela estava envenenada, intoxicada. Ela drenou o veneno dos lábios de mármore dele e ele a envolveu como ninguém nunca havia envolvido-a antes, com uma força que parecia sobre humana. Apenas um beijo... Apenas um beijo pode apagar a memória de todos os outros?
- De pressa, querida – sua mãe aconselhou-a, dando os toques finais ao seu penteado – Seu noivo já deve estar esperando por você na igreja.
Sua mãe saiu, deixando-a sozinha. Ela olhou para o seu reflexo no espelho da sala onde se vestia. Ela sequer tinha notado que elas tinham feito o seu grosso e avermelhado cabelo numa cascada de cachos e que ela usava uma tiara de lírios ao redor de sua testa. Mesmo chorando e olhos vermelhos, ela certamente era uma bela garota. Ela pensou nela e em Thiago, o casal perfeito, a personificação da felicidade. Que sorte aquele espelho não ser o espelho de Ojesed. Ela tinha certeza absoluta que estaria mostrando a ela uma imagem muito diferente naquele momento: mãos pálidas e sutis sobre sua pele, olhos de ébano, lábios gelados que estariam queimando-a e revivendo-a de suas próprias cinzas como uma fênix. Apenas um beijo.
A vida com Thiago irá ser maravilhosa, ela disse a si mesma, ele vai me dar filhos, uma linda casa, tudo o que eu sempre quis. Thiago é um bom homem, honesto e bravo. Ele sempre faz o que é certo. Sempre? Sua memórias foram oprimidas por gargalhadas ferozes e zombarias implacáveis, cochichadas com malicia. Pelo mais cruel insulto. Seus olhos caíram em lagrimas novamente. Quão diferente as coisas poderiam ser se aquele insulto nunca tivesse deixado os lábios dele... Mas não havia nenhuma maneira de voltar no tempo e desfazer o caminho que cada um tinha escolhido. E o que ele poderia oferece-la se ela deixou de acompanha-lo neste caminho ao longo do seu? Nada que ela tinha sonhado para o seu futuro: luz e estabilidade. Só o calor daqueles lábios que ela havia provado apenas uma vez, mas que ela nunca iria esquecer, mesmo se ela trocasse de pele como uma cobra. Um único abraço, apenas um beijo...
À distância, os sinos da igreja tocaram alegremente chamando o convidados para o casamento dela, embora ela tivesse a sensação de que estava indo para o seu próprio funeral. Sentiu o vestido sobre seus ossos como se fosse uma mortalha. Um pequeno lírio desprendeu-se do seu arranjo de cabelo e caiu no chão como um mau presságio. Ela o pegou e o pôs sob o decote do vestido, sobre o coração, ela podia sentir as batias, um toque fresco, como suas mãos. Ela olhou sua imagem no espelho pela ultima vez, limpou as lágrimas com as costas da mão e treinou um sorriso alegre em si mesma. Ninguém notaria. Todas as noivas choram no dia de seus casamentos. Ela levantou e alisou seu vestido de modo que nem sequer um vinque revelasse que ela não era a noiva perfeita que todos esperavam.
Ela pegou o deslumbrante buquê de casamento feito de lírios, que sua mãe teve o cuidado de deixar em cima de um pano molhado assim elas permaneceriam frescas e deixou a casa na qual tinha vivido toda sua infância. Uma brilhante limusine preta decorada com fitas brancas esperava por ela, para leva-la à igreja. Sorte ela não ter olhado para trás, em direção à esquina de sua rua e outras que levaram até Spinner’s End. Se ela tivesse, quem sabe, talvez ela nunca teria alcançado a igreja onde Thiago estava esperando por ela, numa pilha de nervos. Um homem alto e magro de cabelos pretos e um rosto de uma palidez morta assistiu ela entrar no carro, a metade dele oculta nas sombras do beco.
Quando a porta do carro fechou com um barulho, o homem enterrou seu rosto em suas mãos, que era tão pálidas quanto seu rosto e tão elegantes quanto as de um musico. Ela estava errada. O tempo pode torcer como um cacho de cabelo. Aquela cena já tinha acontecido antes, muitos anos atrás. Ele estava vendo-a de novo como no dia no parque, como alguém irremediavelmente predestinado para ser feliz, iluminado e não endereçado a ele. Ele, que só poderia observa-la da escuridão.
O que ele nunca soube foi que, se ela tivesse dirigido seu olhar para onde ele estava e o visto lá, talvez ela teria largado o buquê de casamento no chão e corrido em direção a ele para limpar suas lagrimas e quebrar a escuridão da onde ele tinha a observado a vida toda. Por que enquanto ela estava entrando no carro, que estava levando-a para a sua nova vida, enquanto ela enchia o corredor central da igreja com pétalas de rosas até o altar onde o seu futuro marido perfeito estava esperando por ela, enquanto ela colocava a aliança de casamento no dedo dele e pronunciava os juramentos e dizia “Sim, eu aceito”, ela só podia pensar no gosto dos lábios dele e o toque de suas mãos e aquele único beijo.
Apenas um beijo.
FIM
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