Luz e trevas.






Capítulo 25: Luz e Trevas


*


 


 


 


 


De todas as coisas que Rony poderia fazer, isso era o que ele menos fazia questão. Não que ele não gostasse de conversar com Hermione, mas o assunto da qual eles tratariam não lhe parecia nem um pouco atraente. Muito pelo contrário, pois ele vinha fugindo desse momento com a mesma determinação com que um pelúcio cava buracos para encontrar ouro.


- Toma! – Rony, automaticamente, entregou uma toalha para que Hermione enxugasse os cabelos e os pés.


Ele franziu o cenho quando ela aceitou a toalha, pois, normalmente, ela a teria recusado e se secado com a varinha, o que ela sempre justificava como sendo “mais prático”. Rony resolveu não questionar e ficou apenas a observá-la passar a toalha em mechas grandes de seus cabelos cacheados. Hermione ainda tremia, embora o quarto estivesse com uma temperatura bastante agradável, então ele caminhou até seu armário de roupas para pegar um cobertor. Rony sentia os olhos de Hermione cravados em suas costas, mas fingiu não perceber. Quando encontrou o que procurava e virou-se, Hermione estava sentada e calada, apenas esperando.


- Pode se cobrir com isso, se quiser.


Ela aceitou o cobertor e cobriu seus ombros. Rony se sentou ao lado dela na cama.


- Agora eu já posso brigar com você? – perguntou, com um meio sorriso – Sabe como é, né? Eu tenho de aproveitar a oportunidade, pois não é todo dia que Hermione Granger faz besteiras.


Hermione não riu. Ela sequer mexeu um músculo do rosto.


Mas Rony a conhecia há muitos anos, e seu olhar dizia que vinha coisa ruim pela frente.


- Eu decidi aceitar a bolsa de estudos. – ela disse repentinamente.


Rony sentiu seus lábios se afastarem lentamente, e as palavras dela pareceram confusas demais para que ele as compreendesse. Relutou contra a vontade de pedir que ela explicasse sobre o que estava falando, afinal, ele sabia muito bem. Não quebrou o contato visual com Hermione, por isso viu seus olhos se encherem de lágrimas. Ainda assim, ela parecia impassível em sua postura, mas Rony sabia o quanto aquilo estava sendo difícil, e, pela primeira vez, sentiu o medo dela como se fosse dele próprio. Ela estava assustada, receosa. Isso, mais do que qualquer outra coisa, ajudou-o a se acalmar.


- Agora eu estou sendo o primeiro a saber? – ele perguntou esboçando um sorriso de compreensão.


Dessa vez Hermione riu. Riu e chorou ao mesmo tempo, como se a parede de vidro que escondia seus verdadeiros sentimentos houvesse se quebrado. Assentiu com a cabeça enquanto limpava as lágrimas com as costas das mãos. Ela deu alguns soluços, que se misturaram com as risadas, finalmente deixando transparecer seu nervosismo e parecendo igualmente aliviada com a reação aparentemente positiva de Rony.


Rony procurou as mãos dela por dentro do cobertor e as segurou com delicadeza. Estavam frias e tremiam. Ele começou a se perguntar se seria somente o frio que estava causando aquilo em Hermione.


- Mione, eu não vou dizer que estou surpreso. Qualquer pessoa que te conheça saberia que você aceitaria essa proposta. – desabafou com sinceridade - Mas eu também não posso dizer que não tive esperanças de que você recusasse tudo isso.


- Eu pensei em recusar! Juro! Pensei e quase decidi fazer isso! – Hermione puxou uma das mãos para tirar uma mecha de cabelo do rosto, depois tornou a colocá-la sobre a mão de Rony; ela já não chorava – Mas depois eu percebi que eu poderia me arrepender e passar o resto da vida frustrada, me culpando ou mesmo culpando você por isso!


- Me culpando?


- É! Eu sei que seria injusto, mas eu me conheço. Se eu decidisse não ir, seria por sua causa, Rony. Seria para não me afastar de você! – Hermione suspirou profundamente – Foi tão difícil decidir. Eu queria que tivéssemos conversado hoje mais cedo, mas não tive coragem e imaginei que fazer isso no meio das comemorações de Natal não seria certo. – ela buscou os olhos dele – Pra ser sincera, eu adiaria mais essa conversa se pudesse. É difícil pensar em abrir mão de você por tanto tempo.


Rony soltou as mãos dela bruscamente, assustando-a. Ficou de pé e passou as mãos pelos cabelos. Ainda pôde sentir alguns flocos de neve presos ali se desfazendo entre seus dedos.


- Você disse que teria de dar sua resposta até a véspera de Natal, não foi? – ele perguntou de repente.


- É. - respondeu meio atordoada - Mas eu conversei com o Sr. Diggory ontem e pedi mais um tempo. – Hermione esfregou as mãos – Dessa vez eu tinha de conversar com você antes. Eu te devia isso.


- E quando você vai? – Rony perguntou encarando-a, já não parecendo tão calmo.


Os olhos de Hermione turvaram.


- Rony, quando eu...


- Hermione, por favor, seja direta!


Mesmo nervoso, Rony precisou suprimir uma risada quando viu Hermione se empertigar e crispar os lábios, certamente contrariada pelo tom imperativo que ele usara. Achou incrível que, mesmo numa situação como aquela, o orgulho de Hermione permanecesse igualmente sensível. Mas a sua vontade de rir cessou no mesmo instante em que o orgulho dela desandou, pois logo sua expressão desgostosa se alterou. Ela mordeu o lábio inferior, e Rony já se preparou pra uma resposta pouco agradável.


- Daqui a uma semana.


- Uma semana? – ele arregalou os olhos e começou a andar para um lado e outro – Uma semana? Hermione...


- Rony, tenta ver o lado positivo. Quanto mais cedo eu for, mais cedo eu volto. – disse ela, tentando conciliar.


- Há-há! Isso foi muito engraçado! – ele retrucou sarcasticamente, caminhando em círculos.


- Não era pra ser engraçado!


- E não foi mesmo! Acontece que nós passamos vários dias sem nos falarmos direito, agora temos apenas algum mísero tempo pra aproveitarmos antes de você viajar. – Rony parou e fitou a namorada gravemente – Agora só falta você dizer que vai passar um ano ao invés de oito meses.


- Eu... Eu acho que sim...


- Ótimo! Você vai! – ele disse sacudindo as mãos no ar nervosamente, e com a voz tão alterada que assustou Pichitinho.


- Escuta aqui, pare de distorcer o que eu digo ou tirar conclusões precipitadas! EU DISSE QUE ACHO...


- Não precisa gritar!


- NÃO PRECISA GRITAR? COMO ASSIM ‘NÃO PRECISA GRITAR’? – Hermione ficou de pé - É impossível ter uma conversa civilizada com você, Ronald!


- Então vamos acabar logo com a conversa! Responda apenas se vai ou não aceitar o prazo de um ano que te ofereceram.


Hermione abriu e fechou a boca várias vezes, mas nenhum som saiu dali. Quando finalmente uma palavra pareceu se formar, uma batida na porta fê-la permanecer em silêncio. Sem aguardar resposta ou permissão, a porta abriu e Gina colocou a cabeça para dentro do quarto.


- Eu não queria interromper, mas se vocês querem que essa conversa seja particular é melhor pararem de gritar! – Gina ergueu sua varinha e lançou um feitiço de imperturbabilidade na porta e nas paredes. Olhou rapidamente para Rony e Hermione e, sem se despedir, saiu.


Rony esfregou as mãos no rosto e tornou a sentar na cama. Encarou Hermione novamente e, com a voz mais contida, perguntou:


- Você vai ficar um ano longe, não vai?


Hermione sentou-se novamente e, aparentemente incapaz de encontrar palavras para responder de maneira apropriada, apenas confirmou com a cabeça.


- Harry me disse que se eu pedisse pra você ficar, você ficaria. Mas eu duvido muito, Hermione. Acredito que ainda não nasceu pessoa que te faria desistir de seus...


- Se existe alguém – ela o interrompeu – que teria meios de me fazer mudar de idéia, esse alguém seria você! Harry tinha razão!


Rony a observou com carinho. Aproximou-se e levou uma das mãos até o rosto dela.


- Eu vou respeitar sua decisão, Mione. Vou apoiar você.


Hermione pôs a mão sobre a dele, que estava em seu rosto, e sorriu.


- Eu não conseguiria ir sem isso, Ron!


Hermione aproximou seu rosto do de Rony, iniciando um beijo calmo. Rony hesitou no início, mas era impossível resistir. Ele sentiu um calafrio correr por seus braços, e uma mistura de sentimentos antagônicos travou uma batalha dentro dele, deixando-o confuso. Rony a segurou pelos ombros e a afastou delicadamente, quebrando o contato. Hermione permaneceu de olhos fechados por um tempo, e, quando os abriu, eles estavam indagadores.


- É melhor você ir agora, Mione. – Rony apontou para a pequena janela do quarto, de onde dava pra ver o céu colorido da aurora – Já está amanhecendo e seus pais vão ficar preocupados se não te encontrarem.


- Eu sei. – Hermione sorriu, tentando soar compreensiva, ciente de que Rony queria ficar sozinho – Bom, é melhor eu ir mesmo. – ela ficou de pé e deixou o cobertor sobre a cama – Mais tarde eu venho para o almoço.


- Eu vou te deixar lá embaixo. – disse Rony se levantando, mas Hermione o impediu.


- Não precisa! É melhor você descansar um pouco. Daqui a pouco sua mãe acorda e não te deixa mais dormir.


Rony concordou. Pegou o casaco que usara no dia anterior e entregou a Hermione.


- Vista isso! Está frio demais para você sair só com essa camisola.


- Ah, obrigada! - Hermione vestiu o casaco e abriu a porta – Até mais tarde então.


- Hermione! – Rony chamou, andou até ela e a abraçou – Pra mim também é difícil abrir mão de você por tanto tempo. Eu te amo!


Hermione o abraçou com força.


- Eu também te amo!


Os dois permaneceram abraçados, envolvidos em sentimentos antigos e novos. Ambos compartilhando sensações similares, e ao mesmo tempo completamente distintas.


Depois de um tempo, Hermione desfez o abraço, o beijou nos lábios e saiu sem dizer mais nada.


Rony segurou com força a maçaneta da porta, sentindo algo muito rígido e pesado se formando dentro dele. Um nó apertava seu peito com força, o deixando com um desejo mortal de gritar, gritar alto até sua garganta estourar. Cerrou os punhos com força, até suas veias saltarem sob sua pele, até sentir suas unhas ferirem a palma de sua mão. Era incontrolável... ele apenas levou a mão direita pra trás, e a trouxe de volta com força, chocando-a contra a parede, deixando o impacto produzir um som grave. Ele sentiu a pele de suas juntas se partindo quando socou a parede, mas não sentiu dor física naquele momento. Seu pesar era interno.


Olhou para a mão machucada e sangrando, que somente agora começava a latejar, então pronunciou a única palavra que encontrou para traduzir a situação toda.


- Merda!


 


 


 


 


 


-----------------------------


 


 


 




Harry andava distraído pelos corredores do ministério da magia, observando absorto o livro que Kingsley acabara de lhe entregar. Era um exemplar de aparência antiga, intitulado na capa, com letras grandes e prateadas: “A Legislação da Sociedade Mágica Contemporânea”. ‘Se essa é a legislação contemporânea, imagine o estado dos livros da legislação antiga’, Harry pensou, analisando criticamente a capa desgastada e empoeirada. O livro era pesado, condizente com sua quantidade generosa de páginas, que deveriam estar recheadas de informações que Hermione, provavelmente, julgaria interessantes, mas que para ele era sinônimo de horas de uma leitura maçante na companhia do tédio e de uma boa xícara de café forte.


Passou os dedos pelo objeto e, aleatoriamente, o abriu. A folha era um tanto amarelada e no topo da página estava escrito com letras miúdas: “Parágrafo 1: Toda sociedade mágica deve ser mantida em sigilo absoluto, sendo considerado delito grave qualquer ato considerado não-cumpridor deste tópico, o que leva os envolvidos a receberem advertência imediata e convocação a seus respectivos ministérios, onde deverão ser julgados por meio de órgão competente, sujeitos a receberem punições cabíveis ao nível de gravidade do delito, expostas no quadro “delitos de grande porte”, descritos no artigo IV...”. Harry fechou o livro com estrépito, suspirando resignado.


- O livro não tem culpa do seu mau humor.


Harry se assustou ao ouvir a voz de Hermione, que caminhava do seu lado. Deu um sorriso culpado.


- Eu não estou mal humorado. Acho que to’ sofrendo por antecipação. Não percebi você se aproximando. Já terminou seu expediente?


- Não, mas fui liberada mais cedo. Preciso dar uma saidinha agora pra resolver alguns detalhes da viagem.


Se Harry não conhecesse bem Hermione, até acreditaria que ela estivesse tão animada quanto estava tentando demonstrar, mas os anos de convivência com ela foram bastante frutíferos no que dizia respeito às reações dela. Ele sabia muito bem que toda aquela excitação que ela vinha carregando na voz ultimamente, bem como aquele sorriso demasiadamente exagerado, servia apenas para esconder seu verdadeiro estado de espírito.


- Preparada pra amanhã? – perguntou.


Hermione parou de andar, forçando Harry a fazer o mesmo. Harry olhou para o rosto da amiga e só lembrou tê-los visto tão opacos e preocupados na época em que ela precisou buscar os pais na Austrália.


- Não sei! – Hermione respondeu olhando para os próprios pés – Acho que estou um pouco assustada por deixar minha vida toda aqui por tanto tempo. – ela ergueu o rosto e esboçou um sorriso que, mesmo triste, permitiu a Harry vislumbrar um pouco mais de brilho em seu olhar – Mas acho que isso é algo para o que eu jamais estaria preparada, então, é melhor enfrentar.


- Fica tranqüila, Mione. Sua vida vai ficar aqui aguardando seu retorno ansiosamente, o tempo que for necessário.


Hermione sorriu mais abertamente e afagou os cabelos de Harry, num gesto de agradecimento.


- Rony ainda tá’ por aqui? – ela quis saber.


- Não, ele saiu correndo pra loja. Parece que Jorge não está nos seus melhores dias. Rony disse que tinham um monte de encomendas atrasadas que estavam chegando hoje, e eles precisam organizar tudo até o fim de semana.


- E por que você não foi ajudá-los?


Harry levantou o livro.


- Ganhei tarefa extra do ministro. – disse desanimado.


Hermione passou os olhos pela capa e ergueu as sobrancelhas num gesto de reconhecimento e aprovação que Harry conhecia bem.


- É um livro muito bom e essencial. Já li duas vezes. – ela sorriu novamente – Kingsley falava sério quando disse que o queria no comando do setor de aurores. E ele parece estar com pressa para isso, pois está querendo te preparar antes mesmo de você se formar.


- Sem chance! – Harry decretou – A julgar pelo que ele conversou comigo, a quantidade de coisas que preciso aprender e estudar faria eu me tornar chefe do setor de aurores somente aos cinqüenta anos, isso se eu mantiver um ritmo de estudos tão intenso quanto o seu.


- Ah, Harry, não seja ridículo! Daqui a poucos anos você já estará preparado para assumir o cargo – disse Hermione rindo, e ignorando a cara de descrença de Harry – Eu to’ indo ao Beco Diagonal agora – comentou olhando no relógio de pulso – e talvez passe na loja e convide o Rony para almoçar. Aliás, já estou atrasada.


Hermione se aproximou e deu um beijo rápido na bochecha do amigo, depois seguiu na direção dos elevadores. Harry havia retomado seu percurso quando ouviu a voz aguda da amiga novamente.


- Ei, você não gostaria de vir comigo? Poderíamos almoçar todos juntos.


Harry pensou seriamente em aceitar, mas o livro que levava na mão pareceu alguns quilos mais pesado nesse momento.


- Não posso! – disse erguendo novamente o objeto – Preciso ler tudo até a semana que vem.


Hermione deu de ombros.


- Que pena! Até amanhã então... – ela se deteve novamente – Ah, a propósito, Gina irá encontrar comigo no Beco Diagonal, quer mandar recado?


Antes mesmo de obter qualquer resposta, Hermione entrou contente no elevador que acabara de chegar. Ainda acenou para o amigo, que nem teve tempo de retribuir o gesto.


 


 


 


 


 


 


------------------


 


 


 


 


 




Gina lambia com entusiasmo o pirulito que havia ganhado de Jorge na hora do almoço enquanto observava, distraidamente, Hermione caminhar entre as prateleiras cheias de livros da loja ‘Floreios e Borrões’. Intrigada com o sabor indistinguível do doce, ela mordeu um pedaço. Para sua surpresa, o gosto mudou completamente. Olhou para o doce colorido fazendo uma careta de curiosidade.


- Eu ainda me pergunto como Fred e Jorge conseguiram ser tão criativos. – Gina disse quando se aproximou de Hermione, que sequer tirou os olhos de uma fileira de livros culinários – Esse pirulito é delicioso. Se eu fosse você, comeria o seu. – disse apontando para a bolsa onde Hermione havia guardado seu doce.


- Não estou com muita vontade de comer doce agora. – disse puxando um livro fino e observando a capa – O que acha deste aqui? Parece estar cheio de receitas boas de bolos e tortas.


- Hermione, eu já disse que você não precisa de livros de receitas. Você cozinha bem.


- Não tão bem quanto você. – Hermione observou.


- Mas eu não aprendi a cozinhar com livros. Não tenho muita paciência.


- Eu tenho! E os livros dificilmente me deixam na mão.


Hermione colocou o livro na cesta que levava nos braços, sobre uma pilha pequena de outros livros diversos que já havia escolhido, dando a discussão por encerrada.


Gina ainda ajudou Hermione a escolher mais dois livros sobre criaturas mágicas antes da amiga se dar por satisfeita. Saíram da loja carregando duas sacolas cada uma.


- Não sei por que raios você comprou todos esses livros. – resmungou a ruiva.


- Não sei se você lembra, mas eu estou indo viajar a estudos, Gina. Preciso de livros pra isso.


- Você precisa de alguns poucos livros e de um bom orientador. Mas, sinceramente, acho que você não é a pessoa certa para eu discutir isso.


Hermione revirou os olhos e sacudiu a cabeça rindo.


- Então, falta mais alguma coisa? – Gina perguntou.


- Apenas buscar uma roupa que encomendei na Madame Malkin.


- Você não prefere deixar essas sacolas na loja com o Rony antes?


- Não, é melhor irmos logo. Estou cansada demais. Quanto antes terminarmos isso, melhor.


Gina concordou. As duas caminhavam um pouco rápido por entre os demais transeuntes, conversando amenidades e observando as vitrines. Sorriam enquanto comentavam o quanto era bom ver o Beco Diagonal movimentado novamente, e ver as crianças bruxas correrem pelas ruas enquanto os pais paravam para cumprimentar os conhecidos que encontravam para baterem um papo despreocupado, sem medo de que a qualquer momento uma maldição irrompesse dos becos escuros da Travessa do Tranco.


Quando chegaram à loja de Madame Malkin, Gina entrou na frente, fazendo com que o sininho da porta tilintasse anunciando sua chegada. Hermione, que veio logo atrás, se adiantou até o balcão, mas não havia ninguém lá para atendê-la. Gina ouviu vozes nos fundos da loja.


- Acho que ela está lá atrás. – disse para Hermione.


As duas foram até lá, e viram Madame Malkin marcando com alfinetes as barras de um belo vestido vermelho, que estava no corpo de uma moça loura muito bonita. Gina fez sinal para Hermione esperar.


- É ela! – Gina disse baixinho - Astória!


- Quem?


- A namorada do Malfoy!


Hermione olhou para a moça, que estava em pé sobre um banquinho de madeira, então a reconheceu.


- Ela é realmente parecida com a irmã.


- Irmã? Você conhece a irmã dela?


- De vista. – disse sem demonstrar empolgação – Dafne Greengrass era do mesmo ano que eu em Hogwarts e fazia parte do grupinho sonserino da Pansy Parkinson. Não me surpreende que o Malfoy namore uma delas, são de família rica e puro-sangue. Dafne era tão insuportável quanto a Parkinson.


- Astória não parece ser má pessoa. – Gina falou, lembrando das vezes que trocara palavras com a loura.


- Será que o Malfoy tá’ por aqui?


A resposta veio pela boca da própria Astória.


- Você gostou da cor? – a moça loura perguntou do alto do banquinho, olhando para sua esquerda.


Detrás de uma pilastra, Draco Malfoy surgiu, olhando para a moça. Parecia um tanto entediado, mas observou bem antes de responder com sua voz habitual:


- Ficou bem em você!


Astória sorriu pra ele, e fez sinal de aprovação para a velha costureira, que continuou a marcar a barra do vestido.


Gina olhou para Hermione.


- Então? – indagou.


- Então o que?


- Vá até lá! Esqueceu que ainda tem um monte de coisas pra arrumar?


Hermione sacudiu a cabeça, mas hesitou antes de se aproximar, com Gina em seu encalço. Os sons das sacolas que carregavam chamaram a atenção de Astória. Ao vê-las, a loura dirigiu um olhar rápido para Draco, que estava de costas olhando alguns tecidos, antes de dar um sorriso de reconhecimento.


Gina, que já havia falado com Astória em outra ocasião, retribuiu o sorriso com educação, mas Hermione se dirigiu diretamente à Madame Malkin.


- Boa tarde! – disse para a costureira, que olhou para ela sem largar a barra do vestido vermelho. Draco ficou rígido, provavelmente reconhecendo a voz de Hermione.


- Ah, veio buscar suas vestes? – Madame Malkin perguntou com um sorriso simpático.


- Sim, já estão prontas?


- Claro! Irei buscá-las. Só um instante, Srta. Greengrass. – a costureira disse, deixando os alfinetes no chão e sumindo por uma porta à direita.


- Como vai Weasley? – Astória cumprimentou - Granger?


- Tudo bem. – Gina respondeu, enquanto Hermione apenas acenou com a cabeça – O vestido é lindo. – disse apontando para a vestimenta.


- Obrigada! É para comemorar uma data especial na casa dos meus sogros, não é Draco?


Draco Malfoy não respondeu. Virou de frente para as garotas sem dizer uma palavra.


- Olá, Malfoy! – Hermione disse secamente.


- Há quanto tempo, Granger! – ele respondeu com um sorriso cínico – Veio buscar seu vestido de noiva? Ou será que o inútil do Weasley ainda não te pediu em casamento?


- Draco... – Astória disse, descendo do banco e se aproximando dele – Draco, não faça isso!


- Olha, eu juro que ‘to surpreso, pois poderia jurar que você casaria com o Potter. Aliás, Hogwarts inteira achava isso, não é Astória?


- Draco, pare com isso! – Astória disse com firmeza.


- Você não mudou nada, não é mesmo, Malfoy? – Hermione disse calmamente, aparentemente sem se abalar com as palavras dele.


- Deixe-as em paz! – Astória segurou o braço dele irritada. – Será que essa criancice nunca vai acabar?


- Eles destruíram a minha vida, Astória. Por causa deles minha vida é um inferno. – apesar das palavras, a voz dele soou fria. Ele proferiu tudo sem tirar os olhos de Gina e Hermione.


- Você sabe que isso não é verdade, meu amor. – a garota disse com firmeza, segurando o rosto dele com as mãos e solicitando o olhar dele – Você sabe disso, não é?


Draco já abria a boca pra responder, mas nesse instante Madame Malkin retornou com um embrulho roxo nas mãos.


- Aqui está, Srta. Granger!


- Obrigada! – Hermione pegou o embrulho e o colocou dentro de uma das sacolas que carregava.


- Senhorita Greengrass, o que está fazendo aí, arrastando o tecido no chão? – a velha bruxa perguntou aborrecida.


- Me desculpe, Madame. – Astória tornou a subir no banquinho.


- Bom, já vamos. Foi bom rever você, Astória. – Gina falou.


Hermione deu um seco ‘tchau’ e saiu com Gina, ignorando a presença de Draco. Quando estavam abrindo a porta, a voz arrastada dele ecoou dos fundos da loja.


- Granger, Weasley... – as duas pararam e olharam pra ele. Draco pareceu incapaz de dizer mais alguma coisa, e seu rosto se contorceu de desgosto. Mas logo ele concluiu: - Esqueçam o que eu disse! – e deu as costas, voltando sua atenção novamente para os tecidos próximos da parede.


Astória sorriu do alto do banquinho. Madame Malkin, sem entender nada, voltou a marcar as barras do vestido com alfinetes, resmungando sobre a dificuldade de se compreender os jovens de hoje.


Gina e Hermione saíram da loja impressionadas.


- Isso já foi muito vindo de um Malfoy. – Hermione comentou.


- Por um momento, eu achei que ele fosse pedir desculpas. – disse Gina, rindo logo em seguida do absurdo que havia acabado de dizer – Preciso evitar levar tantos balaços na cabeça, não está me fazendo nada bem.


- Mas você e Harry tinham razão, Gina. Tem algo diferente no Malfoy. Não é nada que me faça sentir alguma simpatia por ele, mas ainda assim... – Hermione franziu as sobrancelhas – A arrogância continua a mesma, mas aquele desprezo que eu sempre sentia na voz dele quando falava comigo... não sei, mas não é mais o mesmo. Ele parece meio perdido.


- Deu pra perceber?


- Deu sim. – Hermione suspirou – Apesar disso, eu gostaria de pelo menos sentir pena dele, mas não consigo. Continuo achando que ele merece sofrer pra diminuir a dívida por todo o mal que causou.


- Eu não a condeno por isso, Hermione. Penso da mesma forma. – Gina fez uma careta – Mas, mudando de assunto, você não acha estranho alguém chamar o Malfoy de ‘meu amor’?


Hermione riu e a puxou pelo braço em direção à loja de logros, dizendo:


- Um encontro com o Malfoy. Era o que eu precisava mesmo antes de viajar.


Gina riu.


 


 


 


 


 


 




-----------------


 


 


 


 


 


 




Era uma manhã nublada e fria em Londres. O sol já poderia ser visto alto se as nuvens acinzentadas não o estivessem cobrindo. O vento soprava ameno lá fora, sem pressa de chegar ao seu destino.


Hermione acordara cedo e bastante pensativa. Se alguém, nesse momento, lhe perguntasse como se sentia, ela não saberia dizer ao certo, e isso a assustava um pouco. Mas ela poderia garantir que estava bem mais serena e tranqüila para seguir rumo aos caminhos onde sua vida a estava levando do que jamais estivera durante toda a semana que havia passado, principalmente após a surpresa que tivera na noite anterior.


 


FLASHBACK ON


 


Hermione vinha andando pela calçada da rua onde morava, atolada de sacolas nos braços, com Gina e Rony, igualmente abarrotados de compras, ao seu lado.  Diferentemente dela, os dois irmãos não pareciam tão incomodados com o esforço com as sacolas, esforço que ela considerava desnecessário, afinal, eram bruxos, e poderiam muito bem ter simplesmente aparatado na porta de sua casa. Isso a fez lembrar que ainda estava irritada com Rony devido à discussão que travaram quando estavam de saída do Beco Diagonal, onde Rony, numa atitude muito estranha e suspeita, insistia que seria bom para ela voltar pra casa de metrô, pois, como ela mesma sempre fazia questão de lembrar, também fazia parte do mundo trouxa. O ápice de sua irritação veio quando Rony comentou que ela estava se tornando “muito mal-acostumada, preguiçosa e acomodada”, no que Hermione catou suas sacolas bufando e começou a caminhar batendo os pés na direção do Caldeirão Furado, ignorando o sorriso satisfeito de Rony e as risadinhas de Gina.


 Agora ela lutava para encontrar as chaves de casa na bolsa, pois seus pais, assim como ela própria, não achavam prudente sacar a varinha e utilizar feitiços em locais vulneráveis a olhares suspeitos. Pensou em tocar a campainha, mas, pela hora, seus pais ainda deveriam estar no trabalho. Transcorridos alguns minutos de muito esforço, Hermione finalmente puxou seu molho da bolsa, rodou a chave e girou a maçaneta.


- Rony, pode trazer essa sacola aqui pra mim, por favor? – disse já se precipitando para dentro da casa e apontando, desajeitada, para uma sacola no chão.


- SURPRESA!


Hermione levou um susto e, quando se virou, viu diversos pares de olhos brilhando na sua direção. Por um momento achou que eram seus parentes trouxas novamente, já que, na noite anterior, seus pais tinham organizado um jantar em sua casa para recebê-los e anunciar sua “bolsa de estudos numa importante faculdade Canadense de Direito”, bem como sua partida para o país distante. No entanto, duvidava que sua avó materna se atreveria a usar um vestido de veludo roxo e dourado com laços vermelhos, como o que Molly, que foi a primeira a vir abraçá-la, trajava. Hermione sorriu tanto quanto o peso das sacolas, o susto e a emoção permitiram, retribuindo o abraço afetuoso de Molly.


- Ah, querida! Todos aqui estamos muito felizes por você. – por cima dos ombros de Molly, Hermione encontrou o olhar e o sorriso doce de sua mãe, que deu uma piscadela pra ela enquanto se aproximava - Vamos sentir sua falta, e esperaremos, ansiosos, o seu retorno para casa.


- Obrigada senh... digo, Molly! – agora Hermione conseguiu sorrir de verdade.


Hermione viu a sala de estar da casa completamente enfeitada com cartazes e bandeirinhas de despedidas, demonstrações de afeto e felicitações. A mesa de jantar estava com todos os oito lugares arrumados para uma refeição, e, no canto de um armário, uma pilha extra de pratos e talheres. Um bolo de dois andares ocupava o centro da mesa, e tinha algo escrito sobre ele com glacê, mas àquela distância era impossível ler.


- Espero que tenha gostado da surpresa, filha. - disse a senhora Granger tomando a filha em um abraço e lhe dando um beijo na bochecha – A idéia foi de Ronald, de Gina e de Harry. Decidimos tudo muito rápido, e achamos que Ronald nem conseguiria segurá-la um pouco mais no Beco Diagonal. Mas confesso que a varinha de Molly ajudou a agilizar bastante as coisas. – terminou lançando um olhar cúmplice a senhora Weasley.


Hermione sorriu, mais uma vez admirada com a naturalidade com que sua mãe, tanto quanto seu pai, sempre lidou com a existência da magia. Deixou as sacolas no chão e olhou para Rony, que sorriu culpado.


- E eu quase não consigo mesmo, hum? – ele disse.


- Então foi por isso que você saiu cedo do ministério e Gina fez questão de ficar junto comigo o tempo todo no Beco Diagonal... – os olhos de Hermione brilharam quando ela virou de frente para Gina – Harry sabia que você estaria comigo, não é?


- Sabia sim. – Gina sorriu satisfeita.


- Me enganaram direitinho. Acreditei que ele precisava estudar. Eu deveria ter desconfiado.


- Eu tenho certeza que você desconfiou! – Rony falou com convicção.


- Sim, mas não disso! No final fiquei tão aborrecida por causa das sacolas que nem me preocupei mais em saber o que você estava aprontando – Hermione chegou mais perto, ficou na ponta dos pés e passou os braços ao redor do pescoço dele – Obrigada, Ron. E me desculpe por brigar com você.


- Ah, deixa pra lá. – ele disse meio sem jeito.


- Obrigada, Gina! – Hermione disse sorrindo para a cunhada, que apenas deu uma piscadela marota.


- Venha, filha! Tem mais gente querendo falar com você!


Hermione se permitiu ser puxada pela mãe, e ainda foi cumprimentada pelo pai, por Arthur Weasley, Percy e Audrey, Jorge e Angelina, por uma colega do ministério, e, para sua surpresa, por Neville.


- Harry quem me avisou sobre o jantar. Parabéns pela bolsa, Hermione. Não que eu esteja tão impressionado por você consegui-la.


- Obrigada, Neville! – Hermione sorriu e, de repente, se deu conta de algo – Então foi por isso que Harry não me acompanhou até o Beco Diagonal. Mas por falar nele, onde ele está?


- Deve estar pra chegar. Ele me disse que tinha de ir até em casa deixar um livro e pegar alguma coisa. – Neville explicou.


- Por que Anna não veio com você?


- Anna? Ah, porque... ela está viajando com os pais. – Neville disse, com as bochechas ficando repentinamente coradas e gaguejando, fazendo Hermione lembrar-se um pouco daquele colega desajeitado de Hogwarts – Ela volta na semana que vem.


Harry chegou quase meia hora depois, trazendo um pacote caprichosamente embrulhado nas mãos que, com certeza, não fora obra dele.


- Então, deu tudo certo? – Harry, que já havia sido calorosamente recepcionado por Gina, perguntou a Rony, que estava perto da sala de jantar com Hermione, Neville e Mary, a colega de trabalho de Hermione.


- Foi por muito pouco. Você conhece a Hermione e sabe que ela não é nada fácil. – ele disse, sem se preocupar com a olhadela desafiadora que Hermione lhe lançou – Mas deu tudo certo! – Rony apontou para o pacote – O que é isso?


- Ah, é pra você, Mione. – Harry estendeu o pacote para a amiga, que o tomou com olhar curioso – Gui e Fleur não puderam vir, pois Fleur anda sentindo algumas dores, mas quando souberam do jantar, me pediram pra te entregar isso.


Hermione abriu o presente sob o olhar dos demais.


- Oh, é lindo! – disse olhando para um belo porta-retratos retangular, aparentemente comum, todo emoldurado com conchas peroladas. – Diga a eles que adorei. Ah... – Hermione deixou o presente sobre a mesa de centro e, carinhosamente, abraçou o amigo – E obrigada por conseguir me enganar direitinho. Eu adorei a surpresa.


- Não foi nada que você não merecesse. – ele disse.


- E eu acreditei que você realmente iria estudar. – ela comentou rindo e se afastando.


Harry deixou de sorrir no mesmo instante e fez uma careta de desgosto.


- Eu adoraria ter mentido quando te disse que precisava ler aquele livro todo até a semana que vem, mas é a mais pura verdade. – Harry ignorou o olhar radiante da amiga. Ela sempre ficava assim quando sabia que algum deles teria de passar horas sob a sombra de um livro – Hoje mesmo vou começar a ler.


- Pelo menos disso eu escapei. – Rony comentou convencido.


- Escapará até eu virar seu chefe, caro amigo. – Harry revidou, e Rony nem teve tempo de replicar, pois Neville começou a tossir engasgado com um caroço de azeitona.


Hermione, após constatar que Neville já estava melhor, olhou ao redor e franziu o cenho. Viu sua mãe passar com uma travessa de purê nas mãos em direção a mesa, e foi até ela.


- Mamãe, onde está o papai? Faz tempo que não o vejo aqui.


- Ah, sabe aquela moto que está na garagem? Então, seu pai passou um longo tempo narrando as aventuras que já viveu ‘pilotando’ aquela moto, e, por fim, ele foi até lá mostrá-la a Arthur. – disse a senhora Granger deixando o prato na mesa.


- Aquela moto velha que ele ganhou na juventude? Mas ela nem funciona mais.


- Sim, mas Arthur pareceu ainda mais interessado em vê-la quando seu pai disse que estava pensando em levá-la para o ferro velho. – deu uma risadinha – Acho encantador o interesse que seu futuro sogro demonstra pelas... como ele chama mesmo? Ah, pelas invenções trouxas. Chega a ser ingênuo, pois as coisas que os trouxas criam são enormemente sem graça perto do que a magia dele pode fazer.


“Futuro sogro?”, Hermione pensou, agradecendo a facilidade com que seus pais assimilaram o fato dela já ser uma pessoa adulta. Sorriu ao ver a mãe sacudir a cabeça. Já conhecia esse fascínio do senhor Weasley há anos suficientes para saber que ele estava planejando alguma outra utilidade para a velha moto de seu pai.


- Mãe, faz um favor?


- O que?


- Não comente, por motivo algum, esse assunto com a Molly.


A mulher ergueu uma sobrancelha, desconfiada - e Hermione juraria que estava de frente para um espelho, se não fosse pelos traços da idade já levemente aparentes no rosto da mãe – mas concordou sem perguntar mais nada.


O jantar foi servido logo em seguida, e transcorreu tranquilamente em meio a conversas, risadas e, inclusive, algumas piadas de Jorge ou mesmo de Rony, o que levou Hermione a sentir como se estivessem em meio a uma tradicional refeição na Toca, dessa vez com a presença de seus pais. Isso já a fez sentir falta de tudo aquilo, mesmo sem ainda sequer ter partido. No entanto, ver todas aquelas pessoas reunidas ali por causa dela, fê-la sentir-se mais amada, mais confiante quanto a sua decisão, e mais segura a partir.


Tarde da noite, quando todos já tinham ido embora, Hermione subiu para seu quarto. Ficou um bom tempo terminando de preparar suas malas e a cesta de um desaparecido Bichento. Fazia quase dois dias que ela havia desistindo de procurá-lo e decidiu apenas torcer para que ele aparecesse antes do dia da viagem. No entanto, estava a poucas horas de partir e Bichento não havia dado sinal algum.


Sentou-se na cama com o presente que ganhara de Gui e Fleur nas mãos e, sem pensar duas vezes, abriu a gaveta de seu criado-mudo e pegou uma pilha de fotos. Procurava, uma a uma, a foto que queria. Via fotos bruxas e trouxas misturadas, cada uma registrando um momento em particular de sua vida. Quando estava quase na metade da pilha, encontrou a que desejava e guardou as restantes. Era a foto que havia tirado no dia que trouxera seus pais de volta da Austrália. Ela estava abraçada à mãe, e seu pai envolvia as duas em um abraço cheio de carinho e cuidado, todos sorrindo. Era uma foto trouxa, e, por isso, eles não se moviam. Mas para Hermione, não era necessário que eles se movessem para ela saber o quanto estavam felizes naquele dia, felizes e aliviados. Rony fora quem tirara a foto, admirado com o tamanho excessivamente pequeno da câmera, por isso não aparecia ali, mas Hermione também não precisava vê-lo para lembrar que ele participara de tudo aquilo, que sempre estivera ao seu lado, apoiando-a e lhe dando força e coragem para prosseguir. Tudo isso já fazia algum tempo, mas a lembrança de seus sentimentos era tão forte que parecia ter sido ontem.


Com os olhos úmidos, começou a colocar a foto no porta-retrato. Quando terminou, levou um susto com o que viu. A foto se movimentava. Não como acontecia com as fotos bruxas, pois ela e seus pais continuavam tão imóveis quanto antes, mas era como se tivesse mergulhado a foto dentro d’água, ou que a própria foto tivesse se liquefeito. Era lindo. Hermione tocou um dedo ali, e maravilhou-se ao ver uma série de ondinhas se formando no ponto em que tocara e a imagem se deformando no mesmo sentido, para depois acalmar-se novamente. Embora seu dedo não houvesse ficado úmido, era como se ela tivesse tocado na água.


Hermione enxugou os olhos e decidiu levar o retrato na bolsa. Estava tão maravilhada e distraída com o presente que tomou um susto enorme quando chamaram seu nome dentro do quarto, quase deixando a foto cair no chão. Era uma voz que ela conhecia bem.


- Te assustei? – Rony falou sorrindo maroto, pois sabia que sua pergunta havia sido desnecessária.


- Rony! – Hermione sussurrou apreensiva, deixou o porta-retratos sobre a cama e correu para fechar a porta do quarto – O que ‘tá fazendo aqui? Sabe que horas são?


Rony consultou despreocupadamente o relógio de pulso.


- São... espera aí... - ele estendeu a mão num gesto de contenção sem tirar os olhos do relógio - Só mais um pouquinho... – ele sorriu – Agora sim! É uma da manhã em ponto.


- Pois é, e isso não são horas para gracinhas, Rony! Se meus pais sonharem que você está aqui dentro...


- Não sei se você percebeu, mas eu entrei pela porta, não pela janela.


- O que você quer dizer? – Hermione cruzou os braços e o olhou desconfiada – Anda arrombando portas agora?


- Não seria difícil arrombar casas trouxas quando se tem isso, - ele ergueu a varinha – mas não foi necessário. Sua mãe abriu a porta pra mim.


- Minha mãe? Ela sabe que voc...


- Sabe! – Rony se aproximou de Hermione, dessa vez com um olhar urgente – Eu pedi a ela que me deixasse passar essa noite com você.


- Você o que?  - Hermione arregalou os olhos, chocada, com as bochechas corando – Ronald Weasley, você ‘tá perdendo o juízo?


- Não, eu apenas me dei conta que você já é uma pessoa adulta, Hermione. E sua mãe parece saber disso também, pois me deixou entrar, embora ela tenha me dito expressamente para não comentar nada com seu pai. – Rony riu – Como se houvesse esse risco... – comentou sarcástico, mas logo ele retomou a seriedade, se aproximou mais, e a segurou pela cintura – Mas eu não poderia e nem conseguiria passar essa noite longe de você.


Hermione deixou as barreiras se desfazerem, e jogou-se com força sobre ele, beijando-o com vontade, com necessidade. Rony a abraçou forte pela cintura e a suspendeu, carregando-a até a cama. Sentou-se com ela ali, e, no mesmo instante se afastou dela, tornando a ficar de pé rapidamente.


- Au! O que é isso? – ele havia sentado em cima do porta-retratos. Pegou o objeto e observou. Deu um leve sorriso de reconhecimento. – Por que ainda não guardou isso na mala?


- Eu vou levar junto comigo, na bolsa. É mais fácil de encontrar.


Rony sentou ao lado de Hermione, e entregou a foto a ela.


- Foi um dia importante pra você, não é?


- Mais que importante. Acho que eu renasci depois desse dia. – Hermione suspirou – O que eu vou perder nesse tempo, Rony? De quantas coisas eu estou abrindo mão?


- Você não pode pensar nisso, pois torna tudo mais difícil. Mas seja o que for, eu te avisarei. Se eu não o fizer, seus pais, Harry, Gina, mamãe ou outra pessoa irá fazer. Você não vai perder nada, mesmo estando longe.


Hermione concordou com a cabeça e tornou a fitar a foto que tinha nas mãos. Rony acompanhou o olhar dela.


- Eu imagino o quanto deve estar sendo duro pra você ter de se afastar deles novamente.


- Não é só deles, mas de todos! – disse Hermione com um olhar sereno. Passou os dedos sobre a foto e viu novas ondas se formando ali, fazendo a imagem dela e dos pais dançar o mesmo ritmo – Ron, por favor, não me odeie.


Rony, que observava a foto, puxou o rosto de Hermione para perto do dele, fazendo-a olhar para ele bem de perto.


- Hermione, se eu cometer erros com você, não será por odiá-la, mas por amá-la demais.


Sem mais resistir, Hermione tornou a beijá-lo, mas, dessa vez, não permitiria que nada o afastasse dela aquela noite.


 


FLASHBACK OFF


 


Hermione sorriu com a lembrança da noite maravilhosa que tivera e olhou para o ruivo que roncava, todo enrolado em seus lençóis, esparramado em sua cama. Talvez teria sido melhor se não tivessem passado a noite juntos, pois agora estava sendo duplamente difícil imaginar-se acordando, por vários meses, longe dele. Ela tinha certeza que levaria consigo cada sensação que descobrira com Rony, e se lembraria delas todos os dias.


De repente, ouviu ruídos na porta de seu quarto. Foi até lá e, ao abri-la, sorriu aliviada ao ver Bichento entrando, pomposo, com seu rabo de escovinha empinado, e circulando suas pernas. Feliz por vê-lo novamente, ela o pegou nos braços.


- Bichento, por onde você andou? Passou dois dias desaparecido, fiquei com medo de ir sem você! – ela disse o erguendo à altura dos olhos. O animal a encarou com sagacidade, ou assim ela achou – Não, Bichento é esperto, não é? Não deixaria a mamãe ir sozinha. – ela disse, fazendo carinho no pelo macio do animal, que ronronava satisfeito.


Hermione ouviu barulho no andar de baixo, e supôs que os pais já estivessem acordados, o que informava que estava na hora de se arrumar para sair. Relutante e com o coração apertado, deixou Bichento no chão, andou até a cama e se sentou ao lado de onde Rony dormia tentando despertá-lo, afinal, já estava ficando tarde e a hora de tomar sua chave de portal rumo ao Canadá se aproximava impiedosamente.


 




 


 


 


 


 


----------------------


 


 


 


 




 


Ministério da Magia, Nível Seis: Departamento de transportes mágicos. 10:50 a.m.


- Então, senhorita Granger, como eu já havia dito, haverá um funcionário a esperando no Ministério do Canadá. Assim que você chegar lá, procure por ele. – Amos Diggory entregou um cartão para Hermione, onde havia a foto do rosto de um homem, seguido de um nome e um endereço – Ele lhe dará todas as informações que você precisar e a auxiliará no início, até você se habituar.


O senhor Diggory levara Hermione até a sala onde ela tomaria a chave de portal com destino ao Canadá. Depois de se certificar que estava tudo - a papelada referente aos estudos de Hermione, bem como a autorização dos ministérios para liberação das chaves de portal, tanto do país de origem (ministério britânico) quanto do de destino (ministério canadense) - em ordem, ele se preocupou em passar as últimas informações antes da partida de uma de suas funcionárias mais promissoras.


Na sala estava, além de Amos Diggory e Hermione, Arthur Weasley, Harry, Rony, Gina, Percy, Katheryn e mais dois funcionários do ministério: um que fora responsável por despachar Bichento e a bagagem de Hermione, e outro que preparava a chave de portal. Hermione havia se despedido dos pais na entrada do ministério.


- Bom, então... – o senhor Diggory fez um sinal com as mãos – temos dez minutos.


- Ainda tem mais alguma coisa a dizer a ela, Amos? – perguntou o senhor Weasley.


- Não, não, não. Já disse tudo que ela precisava saber.


- Então, que tal deixarmos os jovens sozinhos para se despedirem mais à vontade? – sugeriu.


- Claro! Concordo Arthur! Bem, só me resta desejar boa viagem e boa sorte, não é? – Amos disse, sorrindo para Hermione e apertando sua mão – E não nos deixe sem notícias.


- Obrigada senhor Diggory! Pode ficar tranqüilo.


- Não deixe de aproveitar tudo o que os Canadenses têm a oferecer, Hermione. – disse Percy, como se falasse com uma moça ingênua e desinformada - Eles têm uma cultura maravilhosa e um vasto conhecimento em legislação. São ótimas fontes de informação.


- Você está falando com Hermione Granger, esqueceu, Perce? – disse Gina impaciente.


Arthur abraçou Hermione rapidamente e sorriu afetuosamente.


- Vamos todos sentir sua falta. Apenas cuide-se! – e lhe deu um beijo na testa. Hermione, emocionada, apenas confirmou com a cabeça, aparentemente sem condições de falar nada.


Os bruxos mais velhos deixaram a sala, acompanhados de Percy e dos dois funcionários do ministério, sendo que o responsável pela chave de portal, antes de sair, entregou a bolsa de mão de Hermione, confirmando que ela a levaria embora às onze.


Katheryn foi a próxima a abraçar Hermione.


- Não te conheço há muito tempo, mas já temos o suficiente para nos querermos bem. Eu vou ficar torcendo muito por você.


- Obrigada, Kathy! Obrigada também por deixar seus alunos para vir até aqui se despedir.


A auror a segurou pelos ombros.


- Eu não poderia deixar de te dar um abraço. Sei bem como é difícil nos afastarmos daqueles que amamos em prol dos nossos sonhos. – Katheryn sorriu mais uma vez – Bom, agora preciso voltar para os meus futuros aurores... Boa sorte, Hermione!


Katheryn também saiu, deixando os outros quatro sozinhos, calados e reflexivos. Gina foi a primeira a se manifestar.


- Não temos muito tempo para desperdiçar. – disse, abraçando a amiga com força – Não sei o que vou fazer todo esse tempo sem a minha melhor amiga.


- Não diz isso, Gina! Você tem o Harry, o Rony e toda sua família.


- É claro, mas eles não são você, sua boba!


As duas se afastaram, ambas com os olhos marejados. Hermione segurou firme nas mãos de Gina.


- Cuide desses dois pra mim, Gi.


- Pode deixar! Manter a ordem é comigo mesma!


Hermione riu, fazendo uma cara de descrença. Ainda sorrindo, ela caminhou até Harry e lhe beijou no rosto.


- Eu não vou te perdoar se você aprontar alguma coisa sem mim entendeu? Seja lá qual for a confusão que você pretenda se meter, me espere voltar!


Harry sorriu.


- E eu consigo fazer alguma coisa sem você?


Os dois se abraçaram como se estivessem abraçando o irmão que não possuíam. Harry sussurrou baixinho no ouvido dela:


- Fica tranqüila que eu cuido dele pra você.


- Você promete? – Hermione sussurrou de volta antes de encará-lo novamente. Ela tinha um tom de brincadeira na voz, mas Harry sentiu a seriedade da pergunta nos olhos dela.


- Eu prometo! – respondeu, tentando passar o máximo de confiança.


- Obrigada, Harry! – ela sussurrou de volta.


Dessa vez foi Harry quem a beijou na bochecha. Depois ele segurou a mão de Gina e se afastou com ela, abrindo espaço para Rony.


Hermione olhou no fundo dos olhos de Rony, confusa. Como ela poderia estar fazendo a coisa certa, se seu coração, a cada batida, doía mais? Por que ela estava sofrendo tanto? Ou não seria sofrimento? Talvez fosse um sentimento desconhecido? Ela não soube dizer.


- Rony...


Rony pôs dois dedos sobre os lábios dela.


- Não fala nada, Mione. Por favor! – então ele a abraçou, e sentiu, junto com ela, o quanto precisavam um do outro.


Ficaram abraçados segundos a fio, mas passasse o tempo que fosse, não seria suficiente para eles. Permaneceram daquele mesmo jeito, unidos um ao outro, até que a bolsa de Hermione começou a emitir um brilho prateado.


Harry observava, achando a cena bonita e triste em igual proporção, mas não tinha como achar outra coisa. Era por uma causa muito boa, porém muito difícil, que viam Hermione partir. Não quis nem pensar em se colocar no lugar dos amigos, e abraçou Gina mais forte.


A bolsa brilhou ainda mais na mão de Hermione, e ela, relutante, beijou o namorado nos lábios e o soltou rapidamente.


- Eu amo vocês! – ela disse chorosa, olhando para cada um, quando sentiu sua bolsa começar a vibrar e fazer uma pressão em seu braço. Olhou para Rony mais uma vez, sorriu e fechou os olhos, pois aquela era a imagem que ela queria levar consigo. Apertou as pálpebras com mais força quando sentiu um solavanco na barriga, até que, por fim, se sentiu puxada pelo umbigo, capturada para outra dimensão cheia de ruídos desconexos. Sentiu-se nauseada, e, quando achou que ia vomitar, seus pés bateram com força em algo sólido, fazendo seus joelhos cederem com o impacto. Equilibrou-se melhor e, lentamente, se ergueu e abriu os olhos.


Um homem, com olhos muito azuis, estava parado à sua frente lhe oferecendo a mão. Por um instante fugaz, de milésimos de segundo, a esperança lhe roubou o ar. Mas logo seus ombros murcharam, e uma sensação de vazio tornou seu peito oco. Seus ouvidos ainda zumbiam.


- Olá! Você deve ser Hermione Granger, não é?


Um homem, com olhos muito azuis, sorriu para ela novamente. Um homem que não era Rony. O seu Rony.


 


 


 


-------------------


 




 


Gina tamborilava os dedos sobre o apoio de braços do sofá impacientemente. Já eram quase uma hora da tarde e nem sinal de Harry e Rony. Depois que Hermione partiu, Harry sugeriu que ela e Rony almoçassem na casa dele. Como eles ainda tinham aulas no ministério, e, como não tinha nada pra fazer aquele dia, Gina se ofereceu para ir até o apartamento preparar o almoço. Depois de horas tentando se virar sem magia na casa do namorado, Gina esperava, na companhia do aroma de uma deliciosa macarronada de cogumelos com frango que vinha do forno, a chegada dos dois.


Acomodou-se melhor no sofá, fungando. Seus pensamentos não demoraram a convergir para Harry novamente. Era tortuoso esperar por Harry. Seja onde e como fosse ela sempre ficava ansiosa para que ele chegasse logo e a abraçasse, ou simplesmente desejava que ele estivesse perto o suficiente para que seus olhos capturassem a imagem dele. Já fazia tantos meses que estava sendo “obrigada” a estar longe de Harry, e quase sempre, quando se viam, estavam na companhia de mais alguém. Daria tudo para poder ficar sozinha com ele agora, mas ela e Harry, em consenso, acharam melhor não deixar Rony sozinho, pelo menos por enquanto.


Mesmo que Rony e Gina tivessem suas diferenças, muitas devido ao excessivo instinto protetor de Rony para com ela, fora impossível para ela não sentir um impulso de dar carinho ao irmão quando viu aquele olhar, com um vazio devastador, brilhar no rosto dele no momento em que Hermione sumiu daquela sala. Rony tentara disfarçar de inúmeras formas, mas Harry e ela conheciam-no bem demais para serem enganados tão facilmente.


Deixando seus pensamentos convergirem para outro fato, um sorriso malicioso se esticou levemente no canto esquerdo dos lábios de Gina quando ela recordou que tinha o resto da semana livre antes de voltar para o centro de treinamento das Harpias. ‘Talvez esteja na hora de fazer uma surpresinha noturna para alguém’, pensou.


Um barulho agudo, porém agradável, veio de algum lugar da casa que Gina não soube definir. Um pouco assustada, Gina chegou a olhar para um lado e outro, levando a mão em direção a sua varinha, que estava na mesa de centro. O som voltou a soar, parecendo vir da cozinha, mas, no mesmo instante, Gina ouviu a voz de Harry por trás da porta da sala. Correu até a porta e a abriu com rapidez.


- Harry! – ela disse o abraçando – Que bom que chegou!


- Bom saber o quanto sou significante pra você. – Rony resmungou, já entrando no apartamento. Harry e Gina o ignoraram completamente.


- O que foi, Gi? – Harry perguntou a ela enquanto seguiam atrás de Rony – Parece um pouco assustada.


- O que foi, maninha? Não vai me dizer que também se assusta com a campainha? – Rony perguntou zombeteiro.


Gina lançou um olhar insolente a ele.


- Também? Quer dizer que você também se assusta?


- Não! – Rony disse calmo, mas sem o sorriso cínico de antes – A Hermione que costumava se assustar com o barulho da campainha da casa dela. - ele completou enquanto tirava o casaco. Rony largou o casaco no sofá e se jogou sobre a poltrona ao lado fechando os olhos e parecendo pensativo.


Gina olhou para Harry, preocupada.


- Toda vez que tocarmos no nome dela ele vai ficar assim? – Gina perguntou de forma que somente Harry ouvisse.


- Acho que os ouvidos de Rony estarão sensíveis ao nome ‘Hermione’ por um tempo. – Harry respondeu, mas logo a beijou na bochecha e sorriu, mudando de assunto - Mas, me diz, o que minha segunda cozinheira favorita preparou para o almoço?


- Segunda? – ela se fez de ofendida.


- É claro! – Harry fechou a porta – Eu jamais trairia a confiança da sua mãe.


- Hum... Se for assim eu deixo! – Gina sorriu – Mas venha ver com seus próprios olhos.


- Não é necessário, o cheiro já denuncia. É frango! – Rony disse do sofá, ainda com os olhos fechados.


Harry fitou Gina com olhos curiosos, aguardando a confirmação. Gina deu de ombros, misteriosa.


- Vamos logo comer!


Mesmo que o ambiente estivesse agradável, o almoço foi extremamente silencioso. Harry e Gina conversavam em alguns momentos, mas, embora se esforçasse, Rony não obtinha muito sucesso em prolongar as conversas. Gina se assustou quando notou que o prato de macarronada de frango de Rony quase não havia sido mexido.


- Hermione poderia estar aqui. Ela adora macarronada. – ele disse mexendo no macarrão com o garfo distraidamente.


Gina procurou os olhos de Harry, mas eles estavam voltados para Rony.


- Rony, a Hermione estará aqui logo. – Harry disse, tentando soar consolador, mas Rony se ergueu da cadeira, sobressaltando-o.


- Não faz nem três horas que ela partiu! – ele disse, encarando Harry como se ele fosse culpado por alguma coisa. Os dois se olharam por um breve momento, antes de Rony baixar os olhos para o prato – Ainda assim, ela já está fazendo tanta falta. – Rony falou baixinho, como se dissesse para si mesmo.


- Todos nós vamos sentir falta dela, Rony! – Gina o lembrou.


Rony catou seu guardanapo, passou-o nos lábios e o jogou de volta sobre a mesa.


- Estava uma delícia, Gi. Agora eu preciso sair um pouco.


Sem dizer mais nada, ele se virou, pegou seu casaco e saiu, batendo a porta atrás de si.


- Rony é mesmo muito cabeça-oca! - Gina falou aborrecida, mas com os olhos cheios de preocupação. Ela fitava o prato quase intacto que o irmão deixara – Eu só espero que esse idiota fique bem, ou eu juro que volto a treinar o feitiço para rebater bicho-papão e tento repor um pouco de juízo naquela cachola inútil que ele carrega sobre o pescoço.


Harry viu Gina voltar a comer, sem vontade nenhuma. Ele estava tão preocupado com Rony quanto ela, mas sabia que, por hora, não poderia fazer nada pelo amigo.


 


 


 


----------------


 




 


 Harry Potter bocejou novamente. Consultou seu relógio de pulso pela vigésima vez. Os minutos pareciam estar pingando preguiçosamente aquela noite. Resmungou desconsolado, ajeitando melhor o grosso livro “A Legislação Mágica Contemporânea” sobre a mesa. Começara a lê-lo desde o início da noite e ainda eram oito e meia, mas estava achando a leitura tão chata e maçante que poderia jurar estar a várias horas ali. Já alcançara a página cinqüenta e oito, mas duvidava que houvesse compreendido pelo menos metade delas.


Mal humorado, levantou para tomar um copo d’água, imaginando se Hermione lhe faria um resumo, ou lhe explicaria o conteúdo do livro caso ela estivesse ali. Provavelmente não, vide o fato dela sempre demonstrar profundo júbilo quando o via estudando ou atarefado. Podia até imaginar com perfeição o sorriso radiante que ela exibiria se o estivesse vendo agora. Pensar na amiga fez-lo lembrar de Rony. Não tivera mais notícias dele desde a hora que ele saíra no almoço.


A campainha o despertou de seus pensamentos. Talvez fosse Rony.


Harry abriu a porta, mas não viu ninguém ali. Franziu o cenho, desconfiado, e já estava fechando a porta quando ouviu um ruído no corredor. Olhou novamente, mas não havia ninguém. Sem ao menos buscar sua varinha na cozinha, ele saiu e deu uma olhada no corredor do elevador. Nada.


Ainda mais mal humorado do que antes, imaginando se seria um de seus vizinhos que estaria fazendo uma brincadeira, voltou para sua nada atrativa tarefa. Tentou encontrar a linha que estava lendo, mas sua vista parecia estar embaralhando as palavras. Ajeitou melhor os óculos no rosto, mas isso não ajudou em nada.


- Desisto!


Juntou tudo agilmente e largou de qualquer jeito numa gaveta da estante da sala de estar. Desligou todas as luzes, pegou sua varinha e seguiu, preguiçoso, para seu quarto. Quando entrou, estranhou o fato da luz estar desligada, pois tinha certeza que a havia deixado acesa quando viera buscar um rolo de pergaminho. Procurou o interruptor e, quando o pressionou para cima, levou um susto quando a luz iluminou a moça que estava sentada em sua cama.


- Oi! – ela disse sorrindo marotamente.


- Gina, o que você ‘tá fazendo aqui?


- Eu estava te devendo uma visita noturna, não é? – ela disse batendo no colchão, num pedido para que ele se aproximasse; pedido esse que ele atendeu prontamente.


- Mas como você entrou? O feitiço anti-aparatação é um dos poucos que existem aqui!


- Bom, pra entrar eu precisei de uma ajudinha. – Gina, sorridente, apontou para a poltrona do canto, onde, sobre ela, estava dobrada a capa da invisibilidade de Harry.


- Você usou... mas... como?


- Eu peguei emprestada hoje, durante o almoço.


- Emprestada... – Harry riu – Foi você quem tocou a campainha, não foi?


Gina deu um sorriso orgulhoso.


- Arquitetei este plano maquiavélico sozinha, senhor Potter.


- É, quase a mentalidade de uma comensal da morte. – Harry disse divertido, e Gina riu. – Mas preciso fazer uma colocação. Eu não estou conseguindo encontrar a maldade desse plano.


Gina ergueu uma sobrancelha e se aproximou dele, um sorriso sedutor e perigoso nos lábios.


- É claro! Eu ainda não mostrei o que vim fazer. – e capturou os lábios dele.


Os dois trocaram um beijo calmo, mas cheio de paixão.


- Eu insisto: não consigo encontrar a maldade desse plano. – Harry tornou a dizer.


- Não me provoque Harry. – Gina o beijou na curva do pescoço – Você não tem idéia do quanto eu posso ser perigosa. Hum, vem cá! – ela o puxou para que deitassem e tomou a varinha da mão dele, largando-a sobre o criado-mudo. Repousou a cabeça sobre seu peito e ficou satisfeita por ouvir as batidas, um pouco mais aceleradas que o normal, de seu coração – Harry, por que você não permite que usemos magia aqui dentro? Precisei me desdobrar para preparar o almoço sem magia. Quase não consegui acender aquele forno.


- Acontece que magia em excesso causa interferência em alguns eletrodomésticos trouxas. Descobri isso na terceira vez que a geladeira daqui queimou. Desde então, evito usar magia. Como aqui não é tão grande, e pelos apartamentos serem muito perto uns dos outros, poderia causar prejuízos aos demais moradores daqui.


- Hmmm... – Gina resmungou, parecendo não ter compreendido tudo muito bem - Então, conseguiu ler bastante?


- Eu tentei! Mas minha tarde foi muito cheia, e estou cansado. E também, o tema da leitura não ajuda muito a tornar a tarefa mais agradável.


- Eu te entendo. - Gina comentou compreensiva - Tirando Hermione, não consigo imaginar alguém sentindo prazer em ler um livro de legislação bruxa daquele tamanho.


- Talvez a Katheryn. – Harry comentou e Gina se remexeu um pouco desconfortável – Mas sabe, agradeço todos os dias por você ser tão compreensiva. Tenho pena do Rony.


- Por falar no Rony... – Gina se ergueu para que pudesse olhar para Harry - Teve notícias dele?


- Não! Ele não voltou mais aqui.


Gina tornou a se recostar em Harry, suspirando.


- Conversei com a mamãe hoje e contei o que aconteceu. – Gina esperou que Harry fizesse algum comentário, talvez a repreendendo, mas ele permaneceu em silêncio – Ela me disse uma coisa que me fez pensar. Falou que eu deveria ser mais compreensiva com Rony, uma vez que eu passo por uma situação parecida com a dele.


- Parecida?  - Harry perguntou bocejando.


- É! Se pensarmos bem, nossa situação é um pouco parecida. Nós dois também temos sentido o peso da distância. Mesmo que jamais tenhamos de ficar mais de um mês sem nos vermos, temos muito pouco tempo juntos; ao contrário, nosso tempo é muito limitado. Passamos semanas sem nos vermos, tendo apenas cartas como meio de comunicação. – Gina franziu um pouco a testa – Eu pensei nisso, sabe? Fiz essa comparação. Mas acabei me identificando melhor com a Mione, pois a situação dela é muito mais parecida com a minha. Longe da família, isolada em um lugar desconhecido, cheio de gente desconhecida... Mas mamãe me fez relembrar como foi difícil pra mim no início. Quando eu tinha minhas crises de solidão, sentia vontade de ficar só com meus pensamentos, sem ninguém para interferi-los ou criticá-los. Passava horas em silêncio, curtindo minhas lembranças e minha saudade. Era isso que me fazia bem, no início. – Gina sorriu levemente – Depois, com o passar do tempo, as coisas começaram a ficar mais fáceis, comecei a conversar melhor com minhas companheiras de time e me permiti acostumar com as mudanças, com a nova realidade. Porém, minha saudade continuava ali, mas me lembrar dela deixou de ser bom, e passou a me fazer mal. Foi só então que me entreguei de vez ao time e dei verdadeiras oportunidades para fazer novas amizades, pois isso me distraia e me impedia de pensar na minha família ou em você. Não que eu não quisesse mais pensar em vocês, mas fazê-lo só me levava a sentir mais vontade de voltar, de largar tudo, e eu não podia, não queria.


Gina passou a mão sobre o abdômen de Harry distraidamente, com os olhos distantes. Então continuou:


- Depois de pensar nisso conversando com a mamãe, passei a entender melhor o Rony. Nós dois temos um gênio muito parecido em alguns aspectos. Se esse for um deles, então é exatamente de isolamento que Rony precisa. O melhor que podemos fazer é respeitarmos o seu tempo. Quando se sentir melhor, Rony vai voltar ao normal. Você concorda?


- Hu-hum. – Harry murmurou num resmungo quase inaudível.


Gina ergueu o rosto e viu que Harry estava com os olhos fechados, parecendo distante. Talvez estivesse cochilando.


- Harry? – ela chamou, e se assustou quando ele repentinamente abriu os olhos.


- Não se preocupe, eu ouvi tudo o que você disse. – ele falou.


- É mesmo? – Gina ergueu a sobrancelha direita num ângulo estranho, demonstrando todo seu ceticismo.


- Sim, é! Eu apenas estava pensando: se para nós vai ser tão difícil ficar sem a Mione por todo esse tempo, imagine o quanto será para ela?


- É! – Gina concordou, convencida de que Harry realmente estava prestando atenção em suas palavras – Para mim, que estou num time local, já é muito difícil estar fora de casa. Para ela, em um país com uma cultura tão diferente da nossa, sem conhecer ninguém... – Gina parou. Coçou o queixo de Harry com o dedo – Está preocupado com ela?


- Um pouco. Hermione sabe se cuidar. Aliás, quase sempre era ela quem cuidava de todos nós também. – Harry sorriu de um jeito que fez Gina sorrir também – Lembro-me que no nosso primeiro dia de aulas em Hogwarts, ainda estávamos no Expresso quando ela chegou com Neville, que estava procurando seu sapo perdido. – Harry riu – Ela parecia tão à vontade ali, num trem cheio de aprendizes de bruxos, numa vida nova e ainda desconhecida... Ela até já sabia fazer feitiços simples. Hermione se saiu bem demais para uma menina trouxa, muito melhor do que eu, que já havia passado muitas horas ao lado de Hagrid. Eu estava muito mais assustado e deslumbrado. – ele sacudiu a cabeça de leve - Acho que estou me preocupando à toa.


Gina acariciou o rosto dele, encantada com o carinho que ele demonstrava ter por Hermione. Um carinho e um cuidado muito parecidos com os que ela via nos olhos de Hermione quando esta se referia a Harry.


Harry fechou os olhos sob as carícias de Gina, e sem conseguir refrear, bocejou longamente.


- Você parece mesmo cansado. – Gina comentou – É melhor dormir agora.


- Mas e você? – Harry perguntou cheio de esperança, ainda com as pálpebras cerradas, curtindo o carinho que recebia.


- Eu? – Gina sussurrou baixinho, e delicadamente tronou a recostar a cabeça sobre o peito dele, fechando os olhos – Eu pretendo ficar exatamente onde estou.


Harry deu um sorriso inclinado, apertando melhor Gina em seu braço. Sem se importar com eletrodomésticos ou vizinhos, tateou até sua varinha no criado-mudo e desligou a luz com um feitiço, pois, nesse momento, não havia nada que o levantasse daquela cama.


 


 


 


 


 


----------------------


 


 




 


 


Nos dias que se seguiram, o humor de Rony andou muito oscilante. Ora ele conseguia se distrair e recuperava seu bom-humor habitual – geralmente acontecia nos dias em que ele recebia cartas de Hermione -, ora estava carrancudo e irritadiço, e ora parecia triste e distante – e passava minutos incontáveis olhando para o nada com a expressão vazia.


Harry e Neil aprenderam rapidamente, durante as aulas, que deixá-lo quieto era a melhor solução para manterem a amizade. Segundo Katheryn, o melhor comentário que ouvira sobre o comportamento inconstante de Rony viera de Jeff Robinson, o auror canadense que os estava orientando neste módulo. Segundo ela, Jeff comentara que Rony nunca estivera tão empenhado como agora, e que era notável sua evolução.


A comprovação deste fato se deu na penúltima semana do mês de janeiro, quando os testes de fim de módulo chegaram. Rony conseguiu, pela primeira vez, acertar 100% do teste teórico, e por muito pouco não tirou uma nota mais alta que Harry no teste prático, algo que surpreendeu mais a si  próprio do que qualquer outra pessoa. Esse resultado garantiu vários dias de trégua ao seu temperamento, que seguiu tranqüilo e contagiante, até Neil fazer um comentário que, na opinião de Harry, fora “impróprio e incrivelmente imbecil”. Neil, num dos arroubos de contentamento de Rony, dissera inocentemente que “a ausência de Hermione parecia estar fazendo bem a ele”. A observação imprópria lhe renderia um ou dois dentes quebrados se não fosse por Harry e Allegra Nzama – auror sul-africana e nova orientadora do trio – que seguraram Rony a tempo.


O mau comportamento rendeu a Rony cinco dias de suspensão – o que lhe faria perder a primeira semana de aula do novo módulo, visto que a confusão ocorreu em seu segundo dia -, uma advertência dada pessoalmente pelo ministro, e – o pior de todos, na opinião de Rony – uma esculhambação de dar medo de Molly. No dia seguinte, Rony fora até o ministério apenas para pedir desculpas a Neil, que também se desculpou. Tudo pareceu ficar às boas entre eles, mas o fato não diminuiu em nenhuma hora sequer a sua suspensão, e nem a carranca que a senhora Weasley ostentou pelo resto da semana, sempre ameaçando escrever para Hermione contando o que acontecera. Rony gelava em pensar que o orgulho que Hermione estava sentindo por saber que ele vinha se saindo bem nos estudos – como ela dizia nas cartas que enviava – poderia desmoronar.


Durante toda a semana em que esteve suspenso, Rony se mostrou envergonhado e arrependido da forma como vinha agindo nos últimos dias, e terminou até se desculpando com Harry. Rony melhorou bastante desde então, embora ainda não tivesse voltado completamente ao normal. Continuava estudando durante a noite, na companhia de Harry, que lhe passava o conteúdo das aulas e o ajudava na parte prática. E, durante o dia, se trancava no escritório da loja de logros, enterrando-se no trabalho. Se não fosse tudo muito incomum e a peso de um grande sofrimento para Rony, Harry até diria que o amigo tinha se tornado um homem exemplar.


No último dia do mês, que caíra exatamente numa segunda-feira, Rony retornou as aulas. E mesmo com toda a sua altura e corpulência, pareceu encolher sob o olhar severo de Allegra.


A auror - que não deveria ter mais do que trinta anos - tinha estatura média, a pele morena escura, e os cabelos negros e cacheados sempre enrolados em um coque no alto da cabeça, preso por um rústico prendedor de madeira. Seus cílios compridos se ergueram quando os olhos muito negros e atentos se voltaram para Rony. Ela o examinou atenta e intimidadoramente até que ele se acomodasse, amuado, entre Harry e Neil.


- Está mais calmo hoje, Weasley? – ela perguntou rudemente, com sua voz grave e atraente – Espero que cinco dias tenham sido suficiente para acalmar os nervos.


- Eu estou bem. – foi só o que Rony conseguiu dizer, com a voz falhando. Harry e Neil faziam força para não rir.


Allegra o avaliou por exatos quinze segundos antes de abrir seu sorriso branco e brilhante. Rony pareceu ter voltado a sua estatura normal.


- Então, deixe-me ver se o Potter é bom professor. Venha! – ela fez sinal com as mãos – Ande, mostre-me o que aprendeu; daí veremos se podemos seguir em frente. – ela tornou a sorrir, desta vez amistosamente, o que encorajou Rony.


No fim da aula, Neil fora convidado para jantar com Harry e Rony, e passou metade do caminho tagarelando o quanto as mulheres – embora poucas - do corpo de aurores eram lindas.


- Agora já sabemos onde as garotas mais bonitas da escola vão parar após os estudos. Ou no corpo de aurores, ou nos times de quadribol.


Harry olhou para ele de soslaio, constatando se havia algo a mais no comentário. Lembrava-se muito bem do dia em que soube que o irmão de Neil gostava de Gina. Achou melhor ignorar os ciúmes, afinal, Neil não tinha responsabilidade nenhuma por seu irmão ter gostado de Gina na escola, e não o culpava por isso. Aliás, o único que ele culpava era a si mesmo por não tê-la notado antes.


 


 




------------------------








 


A manhã de terça feira recepcionou o mês de Fevereiro com muita neve. Flocos leves e brancos desciam sem pressa do céu acinzentado, e foi esse o cenário durante toda a semana.


O domingo não fez com que Harry despertasse tão animado, pois deveria aproveitar todo e qualquer tempo livre para ler os livros que Kingsley vinha lhe indicando. Ainda por cima, Harry acordara cedo demais aquele dia, pois tivera um sonho estranho no qual Hermione voltava do Canadá de avião para buscar Gina, dizendo que não queria mais ser bruxa e convidando Gina a abandonar a vida mágica. Confuso, Harry despertou calmamente, e não conseguiu mais dormir.


Harry gemeu enquanto olhava a rua pela janela da sala. Agora, estava completamente vestido esperando que Rony chegasse, pois o amigo prometera estudar os livros junto com ele, por pura solidariedade. Aborrecido, sabia que ainda era muito cedo para esperar Rony. Entediado, sentou no sofá pensando em ligar a TV e assistir ao noticiário matinal, mas nem mesmo disso estava com vontade. Já tinha o controle remoto na mão quando um cachorro prateado se materializou no meio da sala, fazendo a lâmpada piscar com a interferência mágica. O animal analisou-o por um momento antes de abrir a boca. Harry sabia muito bem a voz que ouviria.


- Venha para a Toca agora! – disse a voz de Rony.


E puff!


O patrono se desfez numa nuvem breve de fumaça. A lâmpada parou de piscar e Harry, frustrado pela falta de informação na mensagem, largou o controle remoto desistindo da preguiça e decidindo vencer a vontade de permanecer na segurança morna de sua casa. Levantou-se e deu mais uma olhada pela janela antes de sair.


 --


Harry observou a casa torta e coberta de neve e lembrou-se que Gina estaria lá, pois ela dormira ali – pelo menos era isso que dizia a carta que recebera à noite. Hoje era aniversário de Arthur, e Gina avisara que estaria ali para ajudar Molly a organizar o almoço de aniversário do pai.


“Talvez ela ainda esteja dormindo e eu nem a veja agora”, repetia a si mesmo, tentando se convencer de que não havia ficado tão ansioso assim para vê-la agora que estava ali. Ouviu a neve triturar-se sob a sola de seus sapatos enquanto caminhava até a porta, rindo de si mesmo e do quanto as pessoas podem ficar ridículas e bobas quando estão apaixonadas.


A porta estava apenas encostada. Harry entrou e estranhou encontrar a cozinha vazia. Viu uma xícara quebrada no chão, perto da mesa, e no mesmo instante um alerta se acendeu em sua cabeça. Seu coração começou a palpitar com força em seu peito enquanto uma série de bobagens começava a surgir em sua mente, fazendo seu estômago se contrair de temor. Sua mão correu para a varinha instantaneamente.


Harry apurou os ouvidos, e tentou dar passos silenciosos até a sala. Só então ouviu ruídos e uma movimentação vinda dos andares superiores. Aproximou-se da escada, e praguejou impropérios silenciosos aos degraus desgastados e barulhentos. Subiu devagar, amaldiçoando os rangidos da madeira velha. A varinha estava firme em sua mão quando chegou ao primeiro andar. A porta do quarto de Gina também estava encostada, e a pequena abertura só permitia que a claridade advinda do interior do quarto pudesse ser notada, iluminando precariamente o corredor estreito e curto. Harry, com o coração martelando dolorosamente nas costelas, estendeu a mão sobre a porta, e, quando ia empurrá-la, ela se escancarou, sobressaltando-o de tal forma que ele quase rolou escada abaixo.


Gina arregalou os olhos por um breve momento antes de abrir um enorme sorriso.


- Harry! – ela se jogou sobre ele – Que bom que já está aqui!


- Gina... Está tudo bem? – Harry segurou o rosto dela entre as mãos e esquadrinhou-o com cuidado, como se quisesse constatar que cada sarda estava em seu devido lugar – O que aconteceu?


Gina olhou-o com olhos confusos e já abria a boca para responder quando a senhora Weasley surgiu, afobada, carregando uma sacola grande e puída no ombro.


- Oh, Harry! Que bom que chegou! – ela sorriu brevemente e já começou a descer as escadas – Agora vamos! Já estamos atrasados.


Gina rolou os olhos.


- Mamãe é tão exagerada.


- Mas o que está acontecendo? – Harry guardou a varinha no bolso traseiro dos jeans, e só então Gina pareceu notar que ele esteve com a varinha nas mãos – Eu cheguei aqui e encontrei a cozinha vazia, com uma xícara quebrada... pensei... eu...


- Não aconteceu nada, Harry. – Gina o abraçou, entendendo tudo – Pelo menos não aconteceu nada de ruim.


- Como assim? – Harry perguntou, aspirando o cheiro dos cabelos dela, o que ajudou seu coração a desacelerar.


- Mamãe largou a xícara assim que o patrono de Gui apareceu dizendo que teríamos de comemorar o aniversário do papai no Saint Mungus.


Harry tornou a afastá-la de si, a fim de olhá-la nos olhos. Gina apenas sorriu para tranqüilizá-lo e completou:


- Não sei mais se irei entregar o presente que comprei para o papai, pois parece que Fleur vai dar um presente de aniversário muito melhor que o meu para ele. O bebê vai nascer. – Gina riu ao ver a cara que Harry fez - Rony está se arrumando. Parece que vocês vão ter de deixar os estudos para outra hora, pois papai nos quer lá agora. Todos nós.


- Inclusive, Carlinhos vai pedir autorização para vir. – Rony, que vinha descendo as escadas, avisou – Ele deve chegar quase na hora do almoço. E por falar no papai... Cadê ele? – perguntou.


- Já foi para o Saint Mungus. – Gina deu um sorriso torto – Eu nunca vi papai tão contente. Aliás, só vejo papai tão empolgado assim quando está metido com aquelas invenções trouxas que ele adora.


- VAMOS MENINOS! – a voz da senhora Weasley ecoou do andar inferior – O BEBÊ NÃO VAI ESPERAR VOCÊS CHEGAREM PARA NASCER!


- Sinceramente... Mamãe teve sete filhos. Ela já deveria saber o quanto pode demorar um parto. – Gina disse enquanto fechava a porta do quarto.


- Dá uma trégua, Gi. É o primeiro neto dela. – Harry falou.


Os olhos de Gina brilharam e ela deu um sorriso radiante.


- Meu primeiro sobrinho. Eu vou ser titia! - ela disse animada e desceu as escadas apressada.


Rony fez uma careta e seguiu com Harry atrás dela.


 


--


 


O Saint Mungus estava particularmente lotado naquele dia, e Harry teve muita vontade de dar meia volta e retornar à Toca. Pelo menos lá ele não se sentia como um objeto estranho em exposição, e, também, as pessoas lá - que considerava sua família - pareciam bem mais acostumadas com sua presença para ficarem fuxicando umas com as outras e apontando o dedo na sua direção.


Foi um alívio quando uma funcionária do hospital os levou para uma sala de espera bem afastada e isolada. Quando entraram lá, encontraram Arthur, Percy e Audrey sentados. O senhor Weasley pareceu recuperar a cor quando viu a esposa. Correu até ela.


- Por que demoraram? Fleur já está em trabalho de parto avançado. Gui esteve aqui há menos de dez minutos, dizendo que o curandeiro informou que o bebê deve nascer em no máximo uma hora.


- Já? Oh, céus! – Molly largou a sacola no chão - E Fleur? Como está?


- Gui disse que ela está bem, Molly. – Audrey se aproximou e segurou as mãos da sogra, levando-a até uma cadeira e empurrando-a ali delicadamente - Apenas aquela ansiedade natural, mas está resistindo bem às contrações.


- Pobrezinha. – Molly disse com os olhos distantes – Ela parece tão delicada, tão frágil. Oh, Mérlin, faça com que tudo corra bem... – Molly cruzou uma mão na outra e as deitou sobre o colo.


Percy passou o braço sobre os ombros da mãe, mas não falou nada. O senhor Weasley sentou-se ao lado da esposa e pousou a mão sobre a dela. Os dois se olharam ternamente e sorriram um para o outro, com os olhos marejados.


Gina apertou a mão de Harry e ficou observando os pais, sorrindo ao ver a emoção e felicidade estampada naqueles rostos tão amados. Audrey ficou de pé, ao lado de Rony, e ambos pareciam estar fazendo o mesmo que Gina.


Harry observou Audrey, achando estranho ela estar tão quieta e parecer tão abatida, visto que ela sempre fora muito comunicativa e vivaz. Olhou para Percy discretamente, pensando que os dois talvez estivessem com algum problema.


O silêncio predominou por quase meia hora, pois quando Jorge chegou com Angelina, os Weasley começaram a conversar calorosamente sobre o nascimento de cada um dos sete filhos. Molly era a narradora principal, e, cada vez que fazia um relato, um brilho diferente iluminava seus olhos. O nascimento de Gina foi inteiramente narrado por Arthur, e uma emoção especial tomou a voz dele.


Harry notou que Gina fora mesmo muito desejada por Arthur e Molly. Isso fez-lo lembrar o quanto ela era especial para todos eles. Deu-se conta do quanto era importante para a família que Gina fosse feliz.


Estranhamente, Harry sentiu-se invejoso. Queria tanto que alguém pudesse lhe contar detalhes da vida breve que levou ao lado dos pais, mas sua vida já fora transtornada antes mesmo que ele saísse da barriga de sua mãe. Seus pais viveram tão isolados, pelo medo de que algo acontecesse a ele, que nem mesmo Merina, que fora a melhor amiga de sua mãe, poderia lhe contar alguma coisa. Nem mesmo Sirius ou Lupin poderiam, caso estivessem vivos.


- Está tudo bem? – Gina perguntou, percebendo seu olhar melancólico e arrancando-o de seus pensamentos soturnos.


Harry apenas sacudiu a cabeça e mexeu os lábios dizendo para ela não se preocupar.


O senhor Weasley estava dizendo o quanto Gina era calma quando bebê, quando Gui irrompeu da porta dos fundos. Os que estavam sentados se ergueram, e todos viraram de frente para ele, ansiosos. Gui – com algumas cicatrizes ainda perceptíveis no rosto juvenil – parou no meio da sala, com a respiração ofegante de alguém que havia acabado de correr, e uma expressão estranha, quase indecifrável. Ficou calado, olhando para cada um dos presentes; para desespero de Molly, que levou as mãos ao peito e correu até ele.


- O que aconteceu, filho? – ela perguntou aflita.


Os olhos de Gui se encheram de lágrimas quando ele segurou nos ombros da mãe.


- Ela... – Gui finalmente sorriu – Ela é a coisa mais linda do mundo, mãe! – completou suavemente, antes de ser fortemente abraçado pela mãe e pelo pai, que havia corrido até eles. – É uma menina! Uma menina linda!


Jorge, Rony, Percy e Gina correram para se juntarem ao abraço coletivo, muito felizes e emocionados. Molly soluçava no meio dos filhos. Audrey e Angelina também se abraçaram antes de correrem para abraçar Harry.


Arthur levantou a cabeça.


- Venham! – ele fez sinal para Harry, Audrey e Angelina – Quero todos os meus filhos aqui.


Quando todos estavam num estranho bolo humano de braços, Gui olhou para trás. Só então os demais notaram que havia dois curandeiros, um homem e uma mulher, parados na porta, sorrindo enquanto assistiam.


- Elas já estão prontas? – Gui perguntou a eles.


- Sim, estão. – respondeu o homem.


- Podemos entrar? – indagou sinalizando a família – Todos nós? – emendou.


Os dois curandeiros se olharam, consultando-se. A mulher quem respondeu.


- Não é aconselhável. – ela parou para contar os presentes, e pensou mais um pouco – Dez é gente demais para entrar de uma vez, mas podem entrar de cinco.


Gui agradeceu. Como Molly estava deveras ansiosa e Gina comprou uma briga feia com Jorge para ir primeiro, ficou decidido que as duas entrariam logo. O senhor Weasley, Gui e Harry entraram também.


O quarto era bem iluminado, e estava cheio de brinquedinhos coloridos. Uma das paredes era totalmente tomada por figuras de pássaros, árvores e flores, e havia a pintura de um balanço onde uma menina, com duas trancinhas louras de cada lado do ombro, se balançava despreocupada. Todas as figuras se mexiam, dando a impressão de que um vento ameno vinha do oeste. As trancinhas e o vestido da menina se movimentavam de acordo com o trajeto do balanço. Era uma bela arte, que até chamaria muito a atenção se não fosse Fleur, com toda sua aura, que estivesse dormitando na cama próxima a janela.


- Deve estar tão cansada. – sussurrou a senhora Weasley, olhando ternamente para a nora.


Todos esperaram perto da porta quando perceberam que a moça dormia. Gui chegou perto lentamente e se inclinou para beijar a esposa na testa. Depois, se aproximou de um berço todo decorado em rosa e estendeu os braços lá dentro. Quando tirou os braços dali, ele carregava, com cuidado e um belo sorriso no rosto, um embrulhinho pequeno. Gui passou carinhosamente o nariz na bochecha rosada do bebê, aconchegou-a em seu peito e se aproximou dos visitantes.


A senhora Weasley soltou um gemidinho de emoção e tapou a boca com as mãos quando olhou para o rosto sereno e branquinho de sua neta que dormia.


- É um anjinho! – ela disse com a voz embargada, as lágrimas escorregavam por suas bochechas.


- Gui. – Gina se aproximou da criança, com os olhos repletos de uma serenidade que Harry nunca havia visto – Ela é tão linda.


Molly estendeu os braços.


- Posso? – perguntou para o filho mais velho.


Gui apenas sorriu e entregou cuidadosamente o bebê para a mãe. A menina mexeu um pouco a boca, como se estivesse sugando algo, quando Molly a segurou no colo.


- Veja Arthur. Nossa neta! Somos avós!


- É! É nossa Victoire! – Fleur, já desperta, falou sorrindo, nem parecendo estar cansada tamanha era a felicidade em seu rosto. Gui foi para junto da esposa e segurou sua mão.


- Victoire. – repetiu o senhor Weasley, observando cada respiração da neta - Nossa pequena Victoire Weasley.


O senhor Weasley tirou os óculos e passou um lenço no rosto, enxugando-o. Harry se aproximou dele e lhe deu um abraço franco.


- Feliz aniversário, Arthur. – Harry disse, e o senhor Weasley retribuiu o abraço com entusiasmo.


- Obrigado, filho!


 


 


No meio da tarde, a família de Fleur chegou ao hospital. O senhor e a senhora Delacour cumprimentaram a todos, mas, ansiosos demais para verem a filha e a neta, praticamente correram com Gui até o quarto. Gabrielle, irmã caçula de Fleur, acompanhou-os, e Harry surpreendeu-se por ela já estar tão crescida, tão bonita quanto a irmã mais velha.


A senhora Weasley fora até a Toca buscar o bolo que havia preparado na noite anterior para que pudessem comê-lo ali no hospital, visto que todos já estavam conformados que as comemorações do aniversário de Arthur seriam ali mesmo.


Antes de anoitecer, Carlinhos chegou e deu um abraço forte e cúmplice no irmão mais velho, ambos sorridentes.


Audrey se levantou nesse momento, e sem mesmo aguardar que Carlinhos cumprimentasse o restante da família, tomou a palavra.


- Bom, agora que estamos todos aqui, acho que posso falar. – todos, sem exceção alguma, olharam para ela. Audrey sorriu para Molly quando viu seu olhar preocupado – Eu pensei em preparar um presente, com minhas próprias mãos para você, Arthur. – ela olhou pra ele e recebeu um sorriso de volta – Mas ha alguns dias eu mesma recebi o maior presente da minha vida, e adoraria compartilhar com todos vocês. – ela corou e se aproximou do senhor Weasley. Segurou a mão direita dele e, lentamente, a levou até seu ventre. Audrey sorriu – Parabéns, Arthur.


A senhora Weasley cambaleou, e só não caiu por que Jorge a segurou. Porém, ninguém se preocupou com Percy, que simplesmente desabou no chão.


Audrey correu até ele, mas Carlinhos e Harry já o sentavam em uma cadeira, ainda desacordado. Rony correu para chamar algum curandeiro.


- Audrey, ele não sabia? – perguntou Molly, com o rosto dividido numa expressão de felicidade e preocupação.


Audrey negou com a cabeça. Sentou-se ao lado de Percy e deu um tapinha na bochecha dele. Todos os outros se posicionaram ao redor deles.


- Percy! – ela revirou os olhos e suspirou – Por que não estou surpresa? – ela se ajeitou melhor na cadeira e segurou o rosto dele - Não seja bobo, meu amor. Não feche os olhos agora, não nesse momento. – Audrey sorriu e lhe beijou na bochecha – Vamos, quero ver seu sorriso.


Como se ele a estivesse escutando, começou a abrir os olhos. O silêncio era notável.


Quando Percy abriu os olhos, com os óculos tortos no rosto, pareceu perdido por um momento, mas aos poucos seus olhos focalizaram Audrey e um sorriso de incredulidade se abriu. Ele a puxou para um abraço.


- Você está, ‘Dry? Está mesmo? – ele perguntou gaguejando.


- Grávida. Quase oito semanas. – Audrey respondeu, depois deu um de seus sorrisos travessos – Eu não contei antes pois achei mais seguro estarmos todos juntos.


Percy se afastou e olhou pra ela, confuso.


- Mais seguro? – perguntou, finalmente ajustando os óculos no rosto.


- É, mais seguro pra mim. Foi difícil esconder de você, mas eu sabia que não conseguiria te carregar sozinha.


Percy corou, mas acompanhou as risadas dos irmãos e tornou a abraçar a esposa.


- Hoje é mesmo um dia iluminado! – a senhora Weasley choramingou, limpando o rosto na manga do vestido.


- Desse jeito, vamos ter de fazer uma reforma n’A Toca. – Gina disse baixinho para Harry, sorrindo contente. Depois deu um suspiro – Agora sim, desisti de vez de dar meu presente pro papai. Não tem como competir.


- Sua boba! – Harry disse rindo, dando um beijo estalado na bochecha dela.


Quando o curandeiro chegou com Rony, Percy já havia recobrado a cor e estava muito bem disposto enquanto recebia abraços entusiasmados da família.


- Por que com Percy tem que ser tudo tão dramático?  – Rony perguntou, com a testa franzida.


 


 


 


-----------------------


 


 


 


 


 




Para Harry, o mês de março fora extraordinariamente irritante e abril começou da mesma forma. Com a proximidade de seus testes com Allegra Nzama, que até agora fora, em sua opinião, a mais exigente de todos os que já haviam lhe orientado, a estafa física e mental só se intensificava a cada aula, e o estresse da chegada dos testes, que prometiam ser ainda mais árduos e difíceis, era de aterrorizar qualquer um e desordenar qualquer sistema nervoso. Até mesmo Neil, que fora quem mais se identificara com Allegra, parecia à beira de uma síncope. Rony estava menos falante do que nunca, e mesmo que estivesse mais sociável do que há algumas semanas, ainda conservava o seu estranho e recém-adquirido hábito de dedicação ao trabalho e estudos intensivos. Parecia estar se tornando um clone masculino de Hermione, o que era alarmante para Harry.


Para completar a chateação, fazia quase três semanas que Harry não via Gina, pois ela estava exilada no centro de treinamento devido a proximidade da Liga Britânica e Irlandesa, que teria seu primeiro jogo no próximo fim de semana, véspera dos testes de Harry. Ele prometera a ela que iria ao jogo, por isso, intensificou suas horas de estudo e, mais uma vez, adiou a leitura dos livros - que mais pareciam enciclopédias legislativas – que Kingsley lhe indicara.


Harry não acreditava que o mundo mágico pudesse ter tantas leis, a julgar pela personalidade bagunceira dos bruxos. Se tudo que estivesse escrito naqueles livros fosse realmente pra valer, então a maioria dos bruxos violava as próprias leis deliberadamente. Ele mesmo já infringira algumas delas. Algumas regras eram duramente supervisionadas, com punições rigorosas; porém, outras, com menos fiscalização, deixavam espaço para a transgressão, bem como o seu infrator impune. Após refletir um pouco, Harry se deu conta do quanto devia ser difícil governar o mundo mágico, e entendeu a preocupação de Kingsley em prepará-lo adequadamente. Deu-se conta da importância de sua dedicação em estudar e sentiu seu respeito e admiração por Kingsley aumentar.


No dia do jogo de Gina, Harry recebera uma carta de Hermione, desejando-lhe sorte nos testes e dizendo sentir saudades. Harry sentia muita falta da melhor amiga, e quase seria solidário ao tormento de Rony se este não estivesse tão chato. Era como se o Rony de verdade, seu melhor amigo, tivesse viajado com Hermione e fizesse apenas algumas visitinhas ocasionais. Harry nunca se sentira tão sozinho naquele apartamento.


Carlinhos Weasley, que finalmente tirara dois meses de férias, fora com Harry e Rony até o estádio assistir ao jogo da irmã. O estádio estava praticamente lotados, apinhados de bruxos animados e barulhentos, felizes por participarem do evento, que seria o jogo oficial de abertura da Liga Britânica e Irlandesa.


O adversário das Harpias de Holyhead era o perigoso Morcegos de Ballycastle, mais popular e famoso time da Irlanda do Norte. A torcida estava equilibrada para os dois times. Bandeirinhas das duas equipes, a maioria comprada dos vendedores ambulantes nos arredores do estádio, eram balançadas de todos os lugares, com a torcida misturada. Harry franziu o cenho.


- Por que as torcidas estão misturadas? – Harry perguntou enquanto observava a animação no estádio – Não é perigoso?


Carlinhos sorriu e ergueu uma sobrancelha.


- De certa forma. – respondeu – Mas a distância não faz tanta diferença assim, Harry. Bruxos são encrenqueiros por natureza, e, tendo uma varinha na mão, são capazes de provocar bagunça e confusão de qualquer lugar.


Harry não discutiu e sabia muito bem que isso era verdade, apesar de achar que muita dor de cabeça poderia ser evitada caso separassem as torcidas no estádio como faziam em alguns esportes trouxas e como vira em todas as outras partidas de quadribol às quais assistiu.


- Mas em todas as outras partidas que presenciei, cada torcida ocupava um lado do campo. – Harry comentou, batendo palmas automaticamente juntamente com o restante do estádio quando Ludo Bagman saldou a todos – a voz magicamente amplificada - com um entusiasmado grito de “Prontos para o bom e velho quadribol?”


- Era para ser assim hoje também. – Carlinhos colocou as mãos no bolso do casaco. Não nevava, mas o frio ainda era penetrante – Me parece que foi uma tática da própria torcida, pelo que ouvi falar.


Rony se inclinou para falar de forma que o ouvissem, pois o barulho das torcidas era intenso enquanto Bagman continuava seu discurso sobre o início da Liga.


- Me parece ser uma estratégia para intimidar o time dos Tornados. Eles venceram as três últimas edições da Liga Britânica e Irlandesa e conseguiram vencer o último campeonato da Taça da Liga. Os outros times estão tentando uma forma de abalar um pouco a moral e a confiança deles. Da última vez que eles estavam em tão boa forma, conseguiram vencer a Taça da Liga cinco vezes seguidas. Até hoje, nenhum outro time conseguiu esse feito.


- Mas a Taça da Liga só começa em Agosto, não é?


- É, mas a Liga Britânica e Irlandesa é como um aperitivo para a Taça da Liga. – Carlinhos enfiou a mão numa pequena sacola de papel e tirou dois onióculos de lá. Entregou um a Harry e um a Rony. - Como são os mesmos times que participam dos dois campeonatos, dá pra se ter um bom panorama do que pode vir a acontecer na Taça da Liga.


 Harry deu de ombros. Fosse qual fosse o campeonato, duvidava muito que essa pudesse ser uma boa estratégia, uma vez que, apesar da dor de cotovelo para com os Tornados, isso não diminuíria tanto a rivalidade entre os demais times – e consequentemente entre as torcidas. Afinal, todos desejavam o título. Achou melhor se concentrar na voz de Ludo Bagman, que acabara de anunciar a entrada do time das Harpias.


As garotas do time entraram em campo sob o grito estridente das duas torcidas, que agitavam as bandeiras e gritavam o nome das jogadoras.


Harry imaginou que talvez a tática das torcidas fosse mais séria do que parecia, e que a vontade de tirar o título dos Tornados de Tutshill fosse possivelmente maior, independentemente de qual time ficasse com o campeonato. Era emocionante ver aquilo.


Harry achou Gina facilmente. Seus cabelos vermelhos e longos balançavam com o vento frio, presos no alto da cabeça. Ela flutuava na vassoura, parada ao lado das companheiras, enquanto aguardava a entrada da equipe adversária. Parecia concentrada como nunca a havia visto antes. Harry achou que os treinos intensivos das últimas semanas talvez tivessem surtido um bom efeito. Agora os jogos eram pra valer, e o verdadeiro quadribol estava a um passo de se apresentar. Engoliu em seco, lembrando das palavras de Molly quando esta se recusou a assistir ao jogo.


“Eu não vou até lá ver minha filha ser perseguida por balaços desgovernados e ser bloqueada por brutamontes gigantes cujo maior desejo é jogá-la da vassoura. Nós, pais, não somos obrigados a acompanhar isso, por mais talentosos que sejam nossos filhos! Prefiro privar meus olhos e meu coração disso, e apenas comemorar depois, se for o caso.”, ela dissera antes de seguir para a casa de Fleur, para visitar Victoire, arrastando Arthur junto com ela.


Harry procurou tirar isso da cabeça, principalmente quando viu o tamanho dos jogadores dos Morcegos de Ballycastle, que agora voavam pelo campo, enfileirados. Mas fora difícil livrar-se da imagem de Gina, com seu corpo frágil e delicado, sendo atropelada por aqueles trasgos. Precisou de muito esforço para bloquear aqueles pensamentos e focar sua atenção no campo. Nem percebeu quando Bagman dera início a partida.


O jogo começou eletrizante sob os gritos de milhares de bruxos.


Os jogadores dos Morcegos eram muito grandes e fortes, e venciam facilmente o quesito força bruta; mas as Harpias eram táticas e incrivelmente velozes. Pareciam borrões voando de um lado para outro com as artilheiras passando a goles umas para as outras rapidamente, ou as batedoras chegando primeiro nos balaços. Harry percebeu que a tática das batedoras era justamente essa, perseguir os balaços de modo a não permitir que os batedores dos Morcegos os alcançassem, pois, se o fizessem, poderiam facilmente fraturar o crânio de alguma das suas companheiras, tamanha era a força de suas rebatidas. Havia apenas uma mulher no time dos Morcegos, e esta era apanhadora da equipe. Ela era a única figura delicada naquele time, e quase tão pequenina quanto rápida sobrevoando o campo, com seus olhos de águia girando para todos os lados.


Gina jogava bem, mesmo estando marcada de perto por um dos batedores grandalhões do time adversário, e fez oito dos dezoito gols de sua equipe. No entanto, foi graças à atuação brilhante da goleira galesa que o resultado não foi tão desastroso. Embora o ataque das Harpias estivesse imbatível, quem estragou a festa foi a apanhadora miúda dos Morcegos, que capturou o pomo e garantiu a vitória do time Irlandês por 210 x 180. Todo o estádio aplaudiu o time dos Morcegos, mas saíram gritando o nome das jogadoras das Harpias, pois foram superiores durante todas as três horas e meia de jogo.


Mesmo com a derrota, Gina parecia satisfeita quando encontrou com os irmãos e Harry próximo ao vestiário.


- Não fomos tão otimistas a ponto de achar que sairíamos desse jogo sem algumas costelas quebradas. – ela disse abraçada a Harry – A fama deles não é muito boa, por isso estamos felizes por estarmos inteiras.


- Você foram ótimas! – Rony falou, cutucando o ombro da irmã.


Gina sorriu convencida.


- É! Eu sei! – ela disse, bagunçando o cabelo do irmão.


 


 


 


 


--------------------------------














Fora exatamente como ele esperava: Terrível!


Harry não estava decepcionado com o nível de dificuldade que tiveram os testes de Allegra. O teórico quase lhe derretera o cérebro, tamanho era seu esforço para se lembrar de detalhes que ele jamais sonharia que cairiam no teste. O prático literalmente lhe rachou o crânio, quando Allegra o pegou com a guarda baixa numa simulação de seqüestro e lhe lançou um feitiço que o fez voar de encontro à parede dura da sala. A própria auror o socorreu e cuidou de seu hematoma.


- Não pense que seus inimigos vão parar para prestar os primeiros-socorros quando lhe acertarem um feitiço. – ela disse com o rosto sério, mas com uma pontada de diversão na voz – Eu estou sendo a única exceção.


Harry limitou-se a resmungar e fazer uma careta de dor quando sentiu o feitiço curando a ferida de sua nuca.


Apesar disso, Harry pareceu menos deprimido quando viu Neil e seu olho roxo saindo da sala, bem como Rony acompanhado de um enorme galo no meio da testa. Os três parecendo mais cansados do que nunca.


Incrivelmente, todos eles passaram para o próximo módulo – que, segundo Hélida Vaugh, chefe da seção de aurores, seria ministrado por Anwar Duailib, um auror libanês. De todos os trios formados no ano passado, apenas o deles e mais outro ainda permanecia preservado. O restante já estava desfalcado de pelo menos um integrante, o que Vaugh considerava animador. Segundo ela, era o melhor desempenho dos últimos cento e vinte anos. Harry achou que, talvez, o medo de Voldemort tivesse feito os bruxos jovens se prepararem melhor para enfrentar a guerra.


Depois de Allegra, Harry chegou a duvidar que outro auror pudesse ser tão exigente, mas constatou que o pior ainda não havia passado. Allegra quase parecia boazinha perto de Anwar Duailib. O homem, além de corpulento e cheio de cicatrizes no rosto tenso, tinha um ritmo de treinamento frenético e impetuoso. A parte positiva era que, por baixo daquela máscara ofensiva, havia uma pessoa dedicada e preocupada em fazer com que seus aprendizes entendessem tudo que era ensinado. Ele, apesar de mais rude e agressivo com feitiços, era infinitamente mais paciente que Allegra, e não se importava em explicar um assunto quantas vezes fosse necessário. Diferente de Allegra, ele não tinha o olhar frio, e sim em chamas, como se tivesse sede de repassar o que sabia. Depois de algumas semanas, Harry, Rony e Neil perderam um pouco o medo dele, e passaram a respeitá-lo. Souberam, pelo próprio Anwar, que seu país também sofria bastante com bruxos ambiciosos e sedentos de poder, embora o corpo de aurores de lá, bem como seu ministério, fosse muito mais rigoroso com relação a isso, tanto que no Líbano era permitido que os aurores usassem as maldições imperdoáveis.


Os meses foram passando num ritmo aceitável. Nem rápidos, nem lentos demais. O clima primaveril permitiu que as temperaturas subissem um pouco, levando os últimos resquícios de neve.


Os quatro últimos jogos de Gina foram um pouco mais difíceis do que o primeiro, contra os Morcegos de Ballycastle, mas as Harpias de Holyhead saíram vencedoras nos quatro. No momento, era considerado forte candidato na briga pelo campeonato, embora o time ainda não tivesse enfrentado o União de Puddlemere – seu maior rival – e os Tornados de Tutshill – grande favorito ao título e único time invicto na liga até o momento.


Harry estava tentando ser o mais compreensível e paciente possível com a ausência de Gina. Nunca mais tiveram um tempo a sós, pois a garota corria para a Toca quando tinha folga, o que vinha ocorrendo somente em alguns sábados e durante a parte do dia. À noite ela precisava retornar ao centro de treinamento. Fora isso, somente a via nos dias de jogos. A saudade chegava a ser tão dolorosa que ele não sabia quanto mais conseguiria suportar. Gina parecia sofrer da mesma forma, embora não hesitasse admitir o quanto estava feliz com o quadribol.


Rony aparentava estar cada vez mais adaptado à ausência de Hermione e aos poucos recuperava seu senso de humor, para alívio de Harry, que estava sentindo demasiada falta do amigo.


A convivência com Anwar Duailib estava fazendo bem a Harry e Rony. O auror, além de competente orientador, era um homem dotado de uma humanidade incrível. Rony ficara chocado quando soube que o mundo mágico, no país de Anwar, era mais pacífico do que o trouxa, onde, segundo o auror, conflitos religiosos, violentos e sangrentos, se arrastavam por décadas, atravessando gerações.


- Os trouxas sempre me pareceram tão inofensivos. – comentara Rony inocentemente, o que fez com que Anwar desse uma gargalhada trovejante e lhe aconselhasse a assistir os noticiários trouxas.


Mesmo com todas as características a favor de seu atual orientador, Harry não mudava de opinião no que dizia respeito aos treinos. Eram extenuantes. E, quando chegava em casa no fim do dia, estava no ápice de sua exaustão. Algumas vezes, não tinha disposição nem mesmo para jantar - apenas tomava uma ducha quente e se jogava na cama, dormindo instantaneamente com a toalha enrolada na cintura.


Rony também andava com uma aparência imprestável, pois nem mesmo nos fins de semana tinha tempo de folga, visto que precisava cumprir com suas obrigações na loja de logros. Assim como Harry, andava exibindo olheiras escuras sob as pálpebras e seu olhar era cansado. A barba estava por fazer e os cabelos cresciam sem que sequer notasse ou se preocupasse. A senhora Weasley, no entanto, já vinha demonstrando os primeiros indícios de que iria tomar providências quanto a isso. Até mesmo Gina lhe chamara a atenção por seu desleixo na última vez que se viram.


Molly faltava ter um acesso quando Harry e Rony apareciam n’A Toca, pois ela constatava com os próprios olhos o estado deplorável de ambos. Algumas vezes ela obrigava Arthur a levar os dois consigo para o almoço n’A Toca, e os enchia de comida e mimos. Fazia tudo resmungando sobre o quanto eram desumanos esses treinos, e se lamentava por, com exceção de Gui e Percy, todos os seus outros filhos terem optado por seguirem profissões de alto risco e que não davam garantia nenhuma de que voltariam inteiros para casa no fim do dia.


- Veja só, vocês ainda estão no treinamento. Não quero imaginar quando se formarem e começarem a trabalhar de fato. Nem mesmo você tomou outro caminho, Harry. – ela dizia criticamente, servindo-lhe macarronada pela terceira vez. Harry estava tão cheio que duvidou que conseguisse aparatar de volta ao ministério estando tão pesado e triste. Mas não impediu Molly de lhe servir, até por que ela parecia tão absorta nas próprias palavras que duvidou que ela o escutasse. – Justo você, que teve uma vida difícil desde a infância. Era de se esperar que desejasse um pouco de descanso e sossego depois de dar cabo de Você-sabe-quem. – a senhora Weasley soltou um muxoxo – Com esses empregos que você e Gina arrumaram, seus filhos vão ter sorte de não ficarem órfãos antes de começarem a andar.


Arthur quase deixou cair o copo de suco das suas mãos quando ouviu a esposa, mas Molly não notou, pois já dera as costas à mesa e estava na beira do fogão resmungando algo inaudível enquanto provava uma sopa. Harry ainda estava engasgado com a macarronada, e sentiu seu rosto esquentar furiosamente quando percebeu que o senhor Weasley estava olhando para ele. Rony riu da cara de Harry e lhe passou um copo com água, que Harry bebeu em dois goles, sem erguer a cabeça.


- O-o que ... Erm... O que quer dizer, Molly? – o senhor Weasley perguntou, virando a cabeça na direção da esposa.


- Como assim ‘o que eu quero dizer’? – ela rebateu mexendo o caldeirão de sopa – Nossos filhos devem começar a entender que as decisões deles no dia de hoje vai interferir diretamente na vida deles amanhã. – Molly virou o rosto para o marido, e completou displicentemente: - Como vão conseguir dormir à noite sem saber se no outro dia estarão ali para o marido, a esposa, ou os filhos? Será que conseguirão? – dessa vez ela não encarou apenas Harry. Deu uma olhadela questionadora a Rony também.


- M-mas, você não acha muito cedo para falar de filhos com o Harry e o Rony? – o senhor Weasley perguntou um tanto sem jeito. Harry, e até mesmo Rony, estavam quase escorregando para baixo da mesa.


- Não! – ela respondeu taxativa – É melhor aconselharmos enquanto podemos. Se nós dois tivéssemos tido um pouco mais de juízo quando jovens poderíamos ter dado uma vida melhor para nossos filhos.


- Mas nossos filhos foram muito bem criados, Molly.


O olhar da senhora Weasley suavizou. Ela largou o caldeirão fervente e se sentou ao lado do marido.


- Eu sei que sim. – ela sorriu – Nós criamos bem nossos filhos, apesar das dificuldades. Mas só conseguimos isso por que estávamos sempre aqui para eles. – Molly baixou os olhos - Mas veja Gui, e agora Percy. Todos dois já constituindo família. Parece que tudo está acontecendo tão rápido.


O senhor Weasley deu um sorriso fraco, parecendo ter entendido onde Molly queria chegar. Ele envolveu os ombros dela com seu braço.


- Molly... Não temos mais controle sobre eles. Agora eles são adultos e devem viver a própria vida, fazer as próprias escolhas. Tenho certeza que fizemos tudo certo com nossos filhos. – ele pareceu pensar – Bom, talvez tenhamos esquecido alguma coisa com Fred e Jorge. – Molly deu uma risadinha esganiçada – Você sabe que pode confiar neles, não sabe?


- Eu sei disso. – ela suspirou – É tão difícil não poder mais tomar as decisões por eles. Ah, se eu pudesse, iria agora mesmo naquele centro de treinamento buscar minha menina. Tenho tanto medo que ela se machuque. O quadribol em Hogwarts é muito diferente do que ela está jogando agora; é muito mais perigoso.


- Tenho certeza que ela sabe disso, Molly. – o senhor Weasley achou graça da preocupação da esposa.


Harry, ainda muito vermelho, teve um arrepio. Lembrou-se do último jogo, contra o Orgulho de Portree, onde Gina fora duramente cotovelada no rosto por um dos artilheiros adversários. Gina só não caiu da vassoura por que Guga Jones, experiente batedora e capitã do time, estava próxima e a sustentou. No fim do jogo, o lábio superior de Gina praticamente não estava mais inchado, mas ela quase implorou a Harry e Rony que não dissessem nada a Molly.


O rosto de Harry ardeu, e Rony parecia se sentir igualmente culpado, a julgar pelas orelhas coradas.


Depois do almoço, os dois seguiram para o ministério, onde receberam a notícia de que teriam férias no mês de Julho. Harry se animou apenas por poder descansar um pouco, mas o brilho nos olhos de Rony transpareceu uma emoção completamente diferente.


No fim da aula, os dois foram até um restaurante trouxa comer e beber alguma coisa. Lá Harry soube do que se tratava.


- Eu vou visitar a Mione. – Rony dissera de boca cheia.


Harry não disse nada, apenas enrugou a testa, processando melhor a informação. Rony continuou:


- Digo, agora, nas nossas férias. Vou aproveitar para ir vê-la. Quero fazer surpresa.


- Hum... Legal, Rony! Tenho certeza que ela vai adorar.


Rony olhou para Harry desconfiado.


- Você ‘ta legal, cara?


Harry deu de ombros. Achou que não teria coragem de revelar a imensa inveja que estava sentindo de Rony. Passar um tempo com Gina era algo pela qual ele pagaria milhões de galeões se pudesse, mas ela não teria folga para estar com ele. Faltavam poucos jogos para o fim da Liga Britânica e Irlandesa, e assim que o campeonato acabasse o time já iria engatar intensos treinos preparatórios para a Taça da Liga, o mais importante campeonato de quadribol do mundo.


- Como você acha que serão os testes do Duailib? – Harry tentou desconversar.


Rony mastigou lentamente a comida que tinha na boca, observando Harry com os olhos semicerrados. Engoliu com força antes de responder a pergunta, consentindo a mudança de assunto.


- Sinceramente, prefiro nem pensar nisso. Ainda tenho traumas psicológicos desde os testes da Nzama. – Rony coçou o queixo, sentindo a barba rala pinicar na ponta de seus dedos – Como se não bastasse termos de aprender em tempo recorde uma quantidade de coisas que levaríamos anos num sistema de aprendizado normal, ainda temos de conviver com os sotaques desses orientadores. Não tive dificuldades com a Katheryn e o Robinson, mas com Nzama e o Duailib... – Rony estalou a língua.


- E o pior era que a Nzama ficava extremamente aborrecida quando pedíamos para explicar alguma coisa mais de uma vez. Pelo menos com o Duailib não temos esse problema.


Rony concordou com um aceno de cabeça.


Os dois ficaram em silêncio em meio a mastigadas e engolidas. Rony olhava de esguelha para Harry algumas vezes, mas Harry parecia ou fingia não notar.


- Qual o problema, Harry? – Rony perguntou, largando os talheres no prato.


Harry ergueu o rosto e olhou para Rony como se estivesse confuso.


- O quê? – perguntou colocando a mão sobre a boca cheia.


- Não me venha com idiotices, Harry. Você sabe do que eu ‘to falando. Quero saber por que você ficou todo estranho quando eu disse que ia ver a Hermione.


Harry mastigou sem pressa.


- Eu não fiquei estranho.


- Ah, Claro! E Hagrid provavelmente nunca teve piolhos. – Rony debochou quase fazendo Harry rir. Seu tom saiu mais calmo quando ele continuou: – Qual é cara? Somos amigos ou não?


Harry olhou para seu prato, soltando o ar dos pulmões com força.


- Tem certeza de que quer saber?


- Tenho!


- A verdade?


- Só ela!


- Ok! Acontece que eu ’to com inveja, muita inveja de você.


- Inveja de mim? – Rony ergueu as sobrancelhas, incrédulo. Pensou um pouco. Não demorou até sua expressão mudar de surpresa para compreensiva – Ah, cara, não faz drama. Você sabe que pode vir comigo.


Agora Harry riu. Uma moça, que estava na mesa ao lado, sorriu pra ele. Harry parou de rir no mesmo instante, com as bochechas vermelhas. Pigarreou antes de falar.


- Rony, eu estou morrendo de saudades da Hermione, mas se tem uma coisa que eu não quero é atrapalhar vocês. O que acontece é que... bom... eu também iria adora ter um tempo com a Gina. – ele disse, não superando totalmente o embaraço que sempre lhe acompanhava quando falava com Rony sobre Gina.


- Ah.


- O pior de tudo é que eu só vejo as coisas piorando pra nós. – Harry continuou – Nosso treinamento para aurores só vai ficando mais difícil a cada dia, e ainda nem estamos na metade. Gina também tem cada vez menos tempo, e o pouco tempo que surge ela precisa dividir com toda sua família. – Harry aumentou a voz quando Rony começou a retrucar – Eu não sou tão tonto a ponto de condená-la por querer ficar junto dos pais, Rony. Muito pelo contrário. Mas se põe no meu lugar e acho que você vai entender.


Rony ficou calado, mas não precisou refletir muito. Ele fez uma careta.


- É! Acho que entendi. Mas o que podemos fazer? Parece que quando uma mulher toma uma decisão, ninguém consegue fazê-la mudar de idéia.


- Eu jamais pediria pra Gina largar o trabalho dela! – Harry disse com firmeza – Não acho certo e duvido muito que ela cederia!


- Então, só resta se conformar, pois não vejo outra saída.


Harry respirou fundo, trançou uma mão na outra sobre a mesa e encarou o amigo. Parecia nervoso.


- Durante o almoço lá na sua casa, sua mãe me mostrou uma alternativa.


- Minha mãe? – Rony franziu a testa – Bom, pelo que me lembro, ela pretendia arrancar a Gina do time se pudesse.


- Hum-hum. – Harry balançou a cabeça, irrequieto – Não é isso! É outra coisa, bem mais justa, porém muito complicada no momento.


Rony mudou a expressão, passando de intrigado a desconfiado. Vasculhou a memória em busca de detalhes do almoço que pudessem delatar as intenções de Harry. Alguns segundo depois, seu queixo caiu. Harry fingia estar achando uma delícia a água que bebia.


- Harry! Você não... O que você... – Rony sacudiu a cabeça – Não! Só pode ser brincadeira!


- Não é brincadeira! Eu sei que é complicado, mas não vejo outra saída.


- Mas ainda é muito cedo!


- Eu também sei disso. – Harry pareceu murchar na cadeira – E, infelizmente, tenho consciência suficiente para saber que ainda não será para agora. É inviável! Mas eu já vou começar a pensar nisso seriamente.


Rony estudou Harry atentamente.


Apesar de desconfortável, Harry parecia aliviado. Rony somente imaginou o quanto deveria ser complicado para o amigo falar com ele sobre isso. Não queria que Harry hesitasse em conversar sobre o que precisasse por sentir-se embaraçado pelo fato de namorar sua irmã, afinal, eram amigos acima de tudo. Embora, obviamente, Rony ainda preferisse desprezar alguns detalhes desse relacionamento para manter a saúde da amizade em dia. Pensou um pouco, e facilmente concluiu que a idéia não era tão absurda, e sim o oposto. Talvez realmente fosse a única opção que ele tivesse. A perspectiva era muito boa, na verdade. Mas, sobretudo, a atitude de Harry lhe reforçou a certeza incondicional de um fato.


- Você gosta mesmo da Gina, não é? – ele perguntou com a voz séria, mas um leve sorriso despontando no canto de seus lábios.


- Eu amo a Gina! – Harry disse com convicção, sua testa ruborizando levemente.


Rony riu e deu um empurrão no ombro de Harry com o punho fechado.


- Sabe o que é mais trágico? – ele carregou ironia na voz, voltando a atenção para seu prato de comida quase vazio – É que eu tenho certeza que a tonta da Gina vai aceitar. Ela sonha com isso desde que tinha onze anos.


Harry sorriu fracamente, e seus lábios tremeram um pouco, incertos.


- Será? – perguntou bobamente, numa tola demonstração de insegurança.


- Não seja burro, Harry! – Rony estava novamente de boca cheia – Mas não haja por impulso. Espere pra fazer tudo na hora e da maneira certa.


Por mais bizarro que parecesse, o conselho de Rony fora muito apropriado, restando a Harry apenas concordar com a cabeça.


 


 


 


 


 


------------------------


 


 


 




 


 


Harry andava pelos corredores do ministério tranquilamente, com as mãos enfiadas nos bolsos. Era sábado, e por isso não havia muita gente transitando pelo lugar, que geralmente era abarrotado de bruxos. Não havia nada de interessante para fazer ali, mas o tédio não permitira que ele passasse o dia trancafiado em casa. Teria ido para a Toca, mas, como geralmente acontecia quando Gina não tinha folga, Molly e Arthur seguiam para o Chalé das Conchas, onde passavam o dia com Gui, Fleur e Victoire. Rony partira no dia anterior para o Canadá, após uma longa conversa com Jorge para conseguir uma licença da loja.


Harry aproveitara para ir até a biblioteca que havia no Ministério da Magia, na intenção de adiantar seu trabalho de leitura. Adoraria dizer que estava sendo dedicado, mas seria uma mentira despudorada. Não se culpava por isso, visto que ele nunca fora um exemplo de estudante, principalmente no que dizia respeito a teorias. O fato lhe fazia sentir-se culpado, irresponsável e mal-agradecido para com a confiança de Kingsley, mas no momento não havia nada que pudesse fazer para se motivar.


Ocupar a cabeça era uma das suas maiores dificuldades desde que entrara de férias na semana passada. O tempo vago lhe era ocioso, quase contraproducente e lhe revelava um monumental espaço para pensamentos inoportunos. Isso o estava exasperando descomedidamente.


Olhou no relógio e assoviou quando viu que eram quase seis horas da noite. Passara mais tempo do que imaginara ali. Estava caminhando pelo átrio em direção da saída de visitantes quando viu um rosto conhecido. Katheryn estava de pé, parada perto das lareiras, absorta na leitura de um livro. Fazia tempo que não conversava muito bem com ela, e um pouco de companhia lhe parecia oportuno.


- Oi! – ele a cumprimentou.


Katheryn ergueu o rosto e disparou seu belo sorriso.


- Olá! Puxa, Harry! Jamais imaginei que te encontraria aqui, e a esse horário.


- Se eu estivesse atrás de mim, esse seria o último lugar em que eu me procuraria, pode ter certeza.


Katheryn sorriu, e o encarou com curiosidade.


- Por que está tão aborrecido?


Harry sabia que seria perda de tempo tentar desmenti-la. Esse era um dos piores fatores em se conversar com Katheryn: quase nada escapava dos olhos dela.


- Tédio! – disse sinceramente, achando que só essa resposta a satisfaria.


- Quer dizer que as férias não foram bem-vindas?


- Foram sim. O que não estão sendo muito bem-vindas são as coisas que vêm junto as férias.


- Quer conversar sobre isso? – ela deu um sorriso fraco – Já que Rony viajou para encontrar Hermione, e Gina anda tão ocupada, posso te fazer companhia se você quiser.


Harry não precisou pensar duas vezes. A idéia de ocupar seus pensamentos era tentadora, e Katheryn sempre fora excelente companhia.


- Vai se ocupar agora? Você parecia estar prestes a ir embora. – ele apontou para uma lareira acesa.


- Eu já deveria ter ido, na verdade. Vou passar o domingo na casa da Nina e ela já deve estar louca com a minha demora. – Katheryn ergueu o livro e deu um sorriso culpado – Eu não consegui resistir ao charme dele.


Harry riu.


- Certo! Então, nos falamos outro dia? – ele perguntou.


Katheryn olhou mais um pouco para ele e deixou seus ombros caírem, derrotada.


- Ah, Harry! Não é justo ficar me olhando com essa cara. - ela pegou um punhado de pó-de-flu de dentro de uma bolsa de couro que estava pendurada próximo à lareira – Espera só um pouquinho que já resolvo isso.


- Mas... – Harry começou, porém ela já havia sumido nas chamas esmeraldinas.


Harry cruzou os braços sobre o peito, aguardando. Ele mal completou dez ciclos respiratórios e a lareira voltou a emitir um brilho esverdeado. Katheryn surgiu novamente, cheia de fuligem.


- Pronto! Eu tinha razão, Nina estava uma fera comigo. Mas eu tinha certeza que ela não iria se opor em esperar mais um pouco por mim. – Katheryn, desistindo de espanar a poeira da roupa com as mãos, pegou a varinha e começou a sugar a sujeira – Acredita que ela me disse para não chegar tarde? – ela revirou os olhos.


- Faz bem o estilo dela.


- Nina chega a ser mais pegajosa e protetora que a minha mãe, e isso não é pouca coisa. – Katheryn guardou a varinha e segurou nos quadris, encarando Harry – Então, quais os planos?


- Você se importa de irmos pra casa?


Katheryn sentiu os lábios tremerem um pouco.


- Pra sua casa? – perguntou rápido demais.


- É! Algum problema?


- Claro que não. – ela respondeu, disfarçando a hesitação – Seria uma honra conhecer a casa do famoso Harry Potter.


Harry fez uma careta.


- Sem essa!


Katheryn riu e o acompanhou à cabine telefônica que os levaria até a saída de visitantes.


 


--


 


Quando o botão redondo que marcava o número ‘17’ se apagou, a porta de arrastou para o lado e Harry e Katheryn saíram do elevador conversando tranquilamente. Harry enfiou a mão nos bolsos procurando as chaves.


- Qual o apartamento? – Katheryn perguntou olhando para as duas portas visíveis no corredor largo.


- Aquele! – Harry apontou distraidamente para a porta da esquerda, ainda engajado na procura das chaves.


Katheryn observou a porta e franziu o cenho, parecendo ter visto algo estranho.


- Hum... Parece que você ganhou um presente.


- O que? – ele finalmente puxou o molho de chaves de um dos bolsos.


- Olhe! – Katheryn apontou para a porta, começando a se aproximar de lá.


Harry olhou para onde ela apontava e também franziu a testa. No chão, logo em frente à porta, havia uma caixa quadrada, caprichosamente embrulhada, com um grande e requintado laçarote de cetim adornando-a.


- O porteiro não falou nada sobre presentes quando entramos, e ele não deixaria ninguém subir aqui sem minha autorização. – Harry se aproximou e pegou a caixa do chão. Percebeu que não era muito pesada.


- Pode ter sido algum vizinho... Ou vizinha. – Katheryn completou, não achando a última probabilidade muito divertida.


Harry franziu o nariz, entregando a caixa para Katheryn segurar enquanto abria a porta.


- Acho que não. – disse girando a chave e destravando a porta – Nunca conversei com nenhum vizinho desde que cheguei.


Harry acendeu as luzes e segurou a porta aberta para que Katheryn entrasse primeiro.


- Quem sabe eles estejam justamente tomando a iniciativa para conhecê-lo. – ela sugeriu.


- É! Quem sabe? – Harry concordou.


Katheryn sacudiu a caixa de leve, curiosa, mas nada pareceu se mexer ou emitir algum barulho de dentro. Deu de ombros e repousou o presente sobre a mesa de centro da sala de estar.


- Quer tomar alguma coisa? – Harry já caminhava até a cozinha quando perguntou.


- Não, obrigada!


Katheryn sentou-se no sofá e analisou o ambiente. Conseguiu vislumbrar alguns detalhes rapidamente, e um rápido sorriso despontou de seus lábios.


- Nossa! Que bom gosto! – ela observou a estante da sala e os móveis – É um lugar tipicamente trouxa. Jamais suspeitaria que fosse o lar de um bruxo.


- Eu vivi minha infância como trouxa. – Harry voltara da cozinha e se sentou no braço do sofá com um copo de água na mão – Quando descobri que era bruxo, ainda precisei passar todos os verões com meus tios trouxas. – Harry torceu o rosto em desagrado.


- Parece não serem boas lembranças. – Katheryn constatou – Então por que não ficava em outro lugar?


- Não era que eu quisesse, mas eles eram meus únicos parentes vivos e... Bom, tinha mais uma coisa. Mas é complicado.


Katheryn olhou bem para ele. Estava muito claro que este era um assunto que ele queria evitar, então ela achou melhor não insistir. Quando Harry olhou para ela e sorriu timidamente, Katheryn baixou os olhos.


- Hã, então... Por que decidiu viver como trouxa depois de tudo?


- Eu preferi assim. – Harry escorregou do braço do sofá para o lado de Katheryn – Eu adoro viver como bruxo e gosto de tudo que envolve magia, mas... Eu também pertenço a esse mundo, sabe? O mundo trouxa. E depois de tudo que passei quando entrei em Hogwarts e descobri quem eu realmente era, minha vida mágica não foi exatamente tranqüila.


- Você diz isso por causa da sua fama ou pela sombra de Voldemort estar sempre por perto?


- As duas coisas. Aliás, ambas estavam intimamente ligadas, não é?


Katheryn deu um sorriso de compreensão. Lembrou-se de algumas coisas que lera sobre ele quando morava na França – tinha certeza que metade delas era pura calúnia – e deu-se conta do quão deve ter sido difícil conviver com um fardo tão pesado sobre as costas sendo ainda tão jovem.


Harry continuou:


- A verdade é que, depois de tudo, achei que aqui seria o único lugar onde poderia ter um pouco de paz e privacidade.


- Acho que fez muito bem. Hoje você é a pessoa mais famosa do mundo mágico, e por isso sua vida é muito exposta por lá. Tenho certeza que você já teve oportunidade de descobrir que discrição não é uma qualidade muito comum nos bruxos, não é?


Harry sorriu, concordando.


- Acho espantoso ver como os bruxos vêm conseguindo se esconder por tanto tempo dos trouxas. Na realidade, me pergunto o que seriamos de nós sem o bom e velho feitiço de memória. – Katheryn dramatizou, rindo junto com Harry em seguida – Mas é sério, Harry. Viver entre os trouxas pode te dar um pouco mais de tranquilidade, pelo menos até Rita Skeeter descobrir onde você mora.


- Gina e Hermione me disseram a mesma coisa.


Katheryn enrolou os longos cabelos e os prendeu com a varinha no alto da cabeça.


- Por falar em Gina... Não é amanhã o jogo das Harpias de Holyhead contra os Tornados de Tutshill?


- É! Se as Harpias vencerem, eliminarão os Tornados e estarão garantidas na grande final da semana que vem. O outro time finalista sairá do jogo de hoje entre os Morcegos de Ballycastle e o União de Puddlemere.


- Hum, só espero que os Morcegos não decepcionem.


- Gosta de quadribol? – Harry indagou, tomando um gole de água em seguida.


- O que você acha? – Katheryn ergueu uma sobrancelha.


- Tenho certeza que sim. – ele disse, e Katheryn confirmou com um vigoroso aceno de cabeça – Então, você poderia ir comigo ver o jogo amanhã.


Katheryn hesitou, se remexendo no sofá.


- Poder, eu poderia. Mas acho melhor não. – Katheryn suspirou – Harry, você sabe que Gina não simpatiza muito comigo, e não sei se ela gostaria de me ver lá, ainda por cima junto com você.


Harry baixou a cabeça, parecendo envergonhado.


- Me desculpe pela Gina, Katheryn. Ela é muito geniosa, mas não costuma agir assim com as pessoas. – ele encarou o copo em suas mãos – Não sei de onde ela tirou essa cisma absurda com você.


- Não a culpe, Harry! Você mesmo não confiou em mim no início.


Harry corou levemente.


- Eu sei, mas também não tranquei as portas. Abri espaço para te conhecer, e hoje somos amigos.


- É! – Katheryn confirmou com um sorriso fraco – Somos amigos. Bons amigos, na verdade. – ela reafirmou em voz baixa, como que para se convencer disso.


- Teve um tempo em que ela insistiu que... – Harry pareceu ficar desconfortável, quase arrependido de ter começado a falar nisso - Bom, ela dizia ter certeza que você gostava de mim, acredita? – ele riu sarcástico, para mostrar o quanto achava ridícula a insinuação.


Katheryn deu um meio sorriso.


- Mas eu gosto de você, Harry. Como eu havia dito, você é um bom amigo. – ela completou rapidamente, e sentiu um aperto doloroso no peito ao ver o alívio estampado no rosto dele – Bom, agora, que tal descobrirmos que belo presente se esconde aqui? – Katheryn indicou a caixa de presente com o queixo, forçando um sorriso.


Harry retribuiu o sorriso e se ajoelhou em frente à mesa de centro. Deixou o copo de água ali e tomou a caixa nas mãos, virando-a de um lado para outro, como se procurasse algo.


- Também não tem nenhum cartão. – ele disse com uma expressão desconfiada.


- Talvez esteja dentro. – Katheryn arriscou um palpite, já se ajoelhando ao lado de Harry, curiosa.


- E se não for para mim? E se tiverem deixado aqui por engano?


- É, você pode ter razão. Deveria haver um cartão, pelo menos. – Katheryn enrugou a testa, pensativa – Estranho... – sussurrou baixinho.


- Eu abro? – Harry perguntou, com um sorriso travesso.


Katheryn fez uma careta maldosa.


- Que crime você estaria cometendo por abrir um presente misterioso deixado na porta da sua casa?


Era a deixa que Harry estava esperando. Ele pôs a mão numa das pontas do laço, começando a desfazer o invólucro. O cetim deslizou sem resistência, desmontando-se facilmente sob seus dedos.


A curiosidade dominou Harry, e ele deixou o pedaço de tecido cair até o chão antes de começar a rasgar o embrulho. No mesmo instante em que rasgou uma pequena fração do papel, sentiu um arrepio correr de seus dedos até sua espinha, como se uma descarga elétrica tivesse se desprendido do pedaço de papel em que tocara. Largou a caixa no mesmo instante, e alarmou-se ao perceber que o embrulho continuou se desfazendo sozinho. A corrente elétrica parecia se intensificar cada vez que mais pedaços do papel se desprendiam da caixa. Harry queria se afastar, correr, sair dali, mas sua mente estava ficando embaçada, confusa. A energia que vinha da caixa era estranhamente envolvente. De repente, não havia nada mais importante do que saber o que havia escondido ali.


Para Katheryn tudo sucedeu como se estivesse sendo rodado em câmera lenta, e ao mesmo tempo pareceu ter sido tão rápido que a impediu de tomar providências a tempo. No instante que Harry tocara no tecido acetinado do laço, uma energia gélida, de congelar ossos, lhe arrepiou os cabelos da nuca. Katheryn, no mesmo instante, reconheceu a sensação. Suas suspeitas sobre o conteúdo da caixa se confirmaram quando viu que o embrulho continuou se abrindo, mesmo Harry tendo-o largado. Katheryn se jogou para o lado, assustada, arrancando a varinha dos cabelos com uma velocidade impressionante.


- Droga! – gritou, se arrastando para mais longe – Harry! Harry, se afasta disso!


Mas, para seu desespero, Harry não se moveu. Ele permaneceu como estava: imóvel, olhando fixamente para a caixa que se desembrulhava. O papel rasgava como se dedos invisíveis o puxassem, sem pressa, com movimentos fascinantes. A energia emitida se tornava mais potente e presente no ambiente a cada novo pedaço do envoltório que se desprendia, revelando a caixa que se escondia sob ele.


Incrivelmente, Katheryn teve condições de lembrar que estavam em um local cheio de trouxas, e achou melhor tomar as devidas providências, afinal, não queria nem pensar no quanto a situação se agravaria caso os trouxas percebessem a anormalidade. Lançou alguns feitiços simples de proteção no local, bem como o feitiço de imperturbabilidade.


Katheryn sabia que tinha de agir antes do embrulho estar completamente desmanchado, e não perdeu mais tempo. Arriscou afastar a caixa com um feitiço, mas o objeto sequer se moveu. Tentou convocá-la e levitá-la. Nada. O pacote parecia imune a qualquer magia. Ela começou a sentir o fantasma do desespero se aproximando enquanto sua mente fervilhava, trabalhando em alguma solução plausível, mas a única saída que surgia em sua mente era a que ela preferia descartar por hora, pois, mesmo não tendo certeza das implicações que ela traria para si, sabia que não seriam nada boas.


- Droga, Harry! Pelo amor de Deus, sai daí! – ela tentou, num fio renovado de esperança, que ele se virasse de repente e começasse a correr dali. Mas nada aconteceu.


Tentando encontrar força nas pernas, Katheryn correu até Harry. Foi como se houvesse segurado num fio de alta tensão. O choque foi tão intenso que seus punhos e seu maxilar travaram, e ela foi atirada contra a parede com violência. Katheryn desabou no chão, arfando e tremendo, sentindo as batidas irregulares de seu coração. Tentou aspirar o ar com força, a respiração entrecortada. Ainda tonta, se pôs de pé. Não podia ficar jogada ali, perdendo tempo. Nunca ficara tão nervosa frente ao perigo, mas ela sabia a origem de seu temor.


Tornou a observar o embrulho, agora quase completamente desfeito. A caixa desprendia uma energia tão forte que a fazia levitar a alguns centímetros da superfície da mesa. Katheryn olhou para Harry novamente. Os cabelos e as roupas dele balançavam, como se uma brisa constante os movimentasse, embora não houvesse vento nenhum ali, pois todas as janelas estavam fechadas.


- Harry... por favor! – pediu mais uma vez, com a voz fraca e suplicante, mas Harry não deu sinal nenhum de que a escutara.


O queixo de Katheryn tremeu quando ela percebeu que não havia mais tempo para hesitação, pois a caixa, outrora caprichosamente embrulhada, estava inteiramente à mostra. As luzes do apartamento piscavam com a interferência mágica. Os retalhos do papel rasgado flutuavam ao redor dela como um escudo. Quando a tampa da caixa começou a se abrir, o sinal de alerta piscou na cabeça de Katheryn. Ela, sem tempo a perder, correu até o objeto e, sem vacilar, o segurou com as duas mãos.


Foi como se ela tivesse perdido a consciência. Não sabia se ainda respirava, ou se estava gritando. Só o que tinha capacidade de perceber eram suas mãos ardendo, queimando com o contato recente. De repente, a necessidade de se livrar da dor sobrepujou o torpor cruciante, e o fio de consciência que isso lhe trouxe fez Katheryn concentrar todas as suas forças em seus braços antes de lançar a caixa para o outro lado.


Quando estava no meio do caminho, o objeto explodiu, lançando uma intensa lufada de vento no local, destruindo alguns móveis e um pedaço da parede da cozinha. Pedaços de madeira e vidro estilhaçados voaram para todos os lados. Katheryn tentou proteger o rosto com os braços, e sentiu os fragmentos pontiagudos lhe rasgando a carne. Ela ignorou as novas dores que vieram se somar às outras, e passou a procurar Harry, ciente de que era impossível que ele não houvesse se machucado.


Katheryn não conseguia enxergar nada, e custou a perceber que a escuridão era decorrente da falta de energia no local. Tateou no escuro, passando por cima dos escombros, inconsciente da extensão do estrago, e temporariamente indiferente a isso. Ela só queria encontrar Harry.


Era noite, mas a escassa claridade que vinha de fora, provavelmente dos prédios mais próximos, começava a ajudar a iluminar um pouco a penumbra. Katheryn, que havia perdido a varinha em algum momento, contituou com os braços esticados à frente, tropeçando na bagunça.


De repente, um barulho a fez parar, alerta. Era como um assovio baixo, triste. Não conseguia dizer de onde vinha, pois parecia vir de todas as direções. O som foi se intensificando rapidamente, tornando-se mais e mais agudo. Suplicante. Sofrido. Ensurdecedor.


As pernas de Katheryn ameaçaram ceder, e ela buscou um apoio com urgência. Escorou-se em algo que parecia ser uma parede, trincando os dentes enquanto o assovio ficava tão intenso a ponto de lhe ameaçar estourar os tímpanos. Era um som insuportável, como se milhares de cacos de vidro estivessem sendo friccionados com força sobre uma superfície de aço. Era perturbador demais, e Katheryn não teve dúvidas de que estava a ponto de enlouquecer. Ela teve vontade de tapar os ouvidos com as mãos na tentativa vã de fugir da tortura, mas suas mãos ainda latejavam com uma dor pungente. Cambaleou até escorar suas costas na parede, para então permitir que suas pernas cedessem; ela deslizou até o chão, fraca demais até para respirar. Ela tinha certeza que estava chorando, gemendo; mas não conseguia ouvir o próprio pranto.


Quando percebeu que estava em seu limite - que não resistiria mais, que precisava gritar com a sobra de força que lhe restava, para ver se a dor cedia - tudo silenciou. Um silêncio igualmente torturante. Seu grito, preso na garganta, morreu ali. A precária luz que vinha de fora a estava abandonando. Estava ficando escuro...  Muito escuro e frio. Seu corpo ficou fraco e mole. Nunca imaginou que seria tão bom ser engolida pelas trevas. Se isso era a morte, então ela agradecia por morrer, agradecia pela morte arrancá-la da agonia.


Sua cabeça tombou de lado no chão, e tudo sumiu no breu.


 






______________*************_______________________**************____________________


 








N.B: (Bella)




Entãao, pessoas! Para os que se lembram de mim, estou de volta depois de quase (ou mais, não me lembro direito quando foi) um ano! Para os que não se lembram/não me conhecem, eu betava a fic ano passado e tive que parar para estudar (¬¬’), mas agora voltei.


Como dizem, “quem é vivo sempre aparece”, hahaha.


Mais um capítulo enorme (81 páginas não é pouca coisa...) e maravilhoso da nossa cara Lore, que, claro, continua a brilhante autora de quem eu me lembrava. Parabéns, cara!


Até mais! o/


 


 


****


 


 


 


N.A:(Lore) 




Aí está!  Como eu disse, deveria ser maior e dividido em dois, mas manter o suspense faz bem a saúde! Como eu também já disse, o próximo já está bem adiantado, e minha onda de inspiração ainda não me abandonou, portanto, vocês vão esperar menos do que imaginam pelo 26, ok?




Bom, eu posso pedir coments gigânticos de presente de niver, não posso??? E vocês vão me dar esse presente, não vão? Please??? *.* 


No mais, parabéns a todos os aniversariantes do mês de setembro. E não somos poucos, hein?


Amo vocês e, desculpem pela demora do capítulo! Espero que não me abandonem...


Supercheirogostoso...
 


FUI!!!




*Lore rodopia na ponta dos pés e solta um beijinho*




CRACK!



25


 


De todas as coisas que Rony poderia fazer, isso era o que ele menos fazia questão. Não que ele não gostasse de conversar com Hermione, mas o assunto da qual eles tratariam não lhe parecia nem um pouco atraente. Muito pelo contrário, pois ele vinha fugindo desse momento com a mesma determinação com que um pelúcio cava buracos para encontrar ouro.


- Toma! – Rony, automaticamente, entregou uma toalha para que Hermione enxugasse os cabelos e os pés.


Ele franziu o cenho quando ela aceitou a toalha, pois, normalmente, ela a teria recusado e se secado com a varinha, o que ela sempre justificava como sendo “mais prático”. Rony resolveu não questionar e ficou apenas observando-a passar a toalha em mechas grandes de seus cabelos cacheados. Hermione ainda tremia, embora o quarto estivesse com uma temperatura bastante agradável, então ele caminhou até seu armário de roupas e começou a catar um cobertor. Rony sentia os olhos de Hermione cravados em suas costas, mas fingiu não perceber. Quando encontrou o que procurava e virou-se, Hermione estava sentada e calada, apenas esperando.


- É melhor você se cobrir com isso!


Ela aceitou o cobertor e cobriu seus ombros. Rony sentou ao lado dela na cama.


- Agora eu já posso brigar com você? – perguntou com um meio sorriso – Sabe como é, né? Eu tenho de aproveitar a oportunidade, pois não é todo dia que Hermione Granger faz besteiras.


Hermione não riu. Ela sequer mexeu um músculo do rosto.


Mas Rony a conhecia há muitos anos, e o olhar dela dizia que vinha coisa ruim pela frente.


- Eu decidi aceitar a bolsa de estudos! – ela disse repentinamente.


Rony sentiu seus lábios se afastarem lentamente, e as palavras dela pareceram confusas demais para que ele as compreendesse. Relutou contra a vontade de pedir que ela explicasse sobre o que estava falando, afinal, ele sabia muito bem. Não quebrou o contato visual com Hermione, por isso viu os olhos dela encherem de lágrimas. Apesar disso, Hermione parecia impassível em sua postura, mas Rony sabia o quanto aquilo estava sendo difícil, e, pela primeira vez, sentiu o medo dela como se fosse dele próprio. Ela estava assustada, receosa. Isso, mais do que qualquer outra coisa, ajudou-o a acalmar-se.


- Agora eu estou sendo o primeiro a saber? – ele perguntou esboçando um sorriso de compreensão.


Dessa vez Hermione riu, riu e chorou ao mesmo tempo, como se a parede de vidro que escondia seus verdadeiros sentimentos houvesse quebrado. Fez sinal de positivo com a cabeça enquanto limpava as lágrimas com as costas das mãos. Ela deu alguns soluços, que se misturaram com as risadas, finalmente deixando transparecer seu nervosismo e parecendo igualmente aliviada com a reação aparentemente positiva de Rony.


Rony procurou as mãos dela por dentro do cobertor e as segurou com delicadeza. Estavam frias e tremiam. Ele começou a se perguntar se seria somente o frio que estava causando aquilo em Hermione.


- Mione, eu não vou dizer que estou surpreso. Qualquer pessoa que te conheça saberia que você aceitaria essa proposta. – desabafou com sinceridade - Mas eu também não posso dizer que não tive esperanças de que você recusasse tudo isso.


- Eu pensei em recusar! Juro! Pensei e quase decidi fazer isso! – Hermione puxou uma das mãos para tirar uma mecha de cabelo do rosto, depois tornou a colocá-la sobre a mão de Rony; ela já não chorava – Mas depois eu percebi que eu poderia me arrepender e passar o resto da vida frustrada, me culpando ou mesmo culpando você por isso!


- Me culpando?


- É! Eu sei que seria injusto, mas eu me conheço. Se eu decidisse não ir, seria por sua causa, Rony. Seria para não me afastar de você! – Hermione suspirou profundamente – Foi tão difícil decidir. Eu queria que tivéssemos conversado hoje mais cedo, mas não tive coragem e imaginei que fazer isso no meio das comemorações de Natal não seria certo. – ela buscou os olhos dele – Pra ser sincera, eu adiaria mais essa conversa se pudesse. É difícil pensar em abrir mão de você por tanto tempo.


Rony soltou as mãos dela, bruscamente, assustando-a. Ficou de pé e passou as mãos pelos cabelos. Ainda pôde sentir alguns flocos de neve presos ali, se desfazendo entre seus dedos.


- Você disse que teria de dar sua resposta até a véspera de Natal, não foi? – ele perguntou de repente.


- É. - respondeu meio atordoada - Mas eu conversei com o Sr. Diggory ontem e pedi mais um tempo. – Hermione esfregou as mãos – Dessa vez eu tinha de conversar com você antes. Eu te devia isso.


- E quando você vai? – Rony perguntou a encarando, já não parecendo tão calmo.


Os olhos de Hermione turvaram.


- Rony, quando eu...


- Hermione, por favor, seja direta!


Mesmo nervoso, Rony, subitamente, precisou suprimir uma risada quando viu Hermione se empertigar e crispar os lábios, certamente contrariada pelo tom imperativo que ele usara. Achou incrível que, mesmo numa situação como aquela, o orgulho de Hermione permanecesse igualmente sensível. Mas a sua vontade de rir cessou no mesmo instante em que o orgulho dela desandou, pois logo sua expressão desgostosa se alterou. Ela mordeu o lábio inferior, e Rony já se preparou pra uma resposta pouco agradável.


- Daqui a uma semana!


- Uma semana? – ele arregalou os olhos e começou a andar para um lado e outro – Uma semana? Hermione...


- Rony, tenta ver o lado positivo. Quanto mais cedo eu for, mais cedo eu volto. – disse ela, tentando conciliar.


- Há-há! Isso foi muito engraçado! – ele retrucou sarcasticamente, caminhando em círculos.


- Não era pra ser engraçado!


- E não foi mesmo! Acontece que nós passamos vários dias sem nos falarmos direito, agora temos apenas algum mísero tempo pra aproveitarmos antes de você viajar. – Rony parou e fitou a namorada gravemente – Agora só falta você dizer que vai passar um ano ao invés de oito meses.


- Eu... Eu acho que sim...


- Ótimo! Você vai! – ele disse sacudindo as mãos no ar nervosamente, e com a voz tão alterada que assustou Pichitinho.


- Escuta aqui, pare de distorcer o que eu digo ou tirar conclusões precipitadas! EU DISSE QUE ACHO...


- Não precisa gritar!


- NÃO PRECISA GRITAR? COMO ASSIM ‘NÃO PRECISA GRITAR’? – Hermione ficou de pé - É impossível ter uma conversa civilizada com você, Ronald!


- Então vamos acabar logo com a conversa! Responda apenas se vai ou não aceitar o prazo de um ano que te ofereceram.


Hermione abriu e fechou a boca várias vezes, mas nenhum som saiu dali. Quando finalmente uma palavra pareceu se formar, uma batida na porta fez-la permanecer em silêncio. Sem aguardar resposta ou permissão, a porta abriu e Gina colocou a cabeça para dentro do quarto.


- Eu não queria interromper, mas se vocês querem que essa conversa seja particular é melhor pararem de gritar! – Gina ergueu sua varinha e lançou um feitiço de imperturbabilidade na porta e nas paredes. Olhou rapidamente para Rony e Hermione e, sem se despedir, saiu.


Rony esfregou as mãos no rosto e tornou a sentar na cama. Encarou Hermione novamente e, com a voz mais contida, perguntou:


- Você vai ficar um ano longe, não vai?


Hermione sentou-se novamente e, aparentemente incapaz de encontrar palavras para responder de maneira apropriada, apenas confirmou com a cabeça.


- Harry me disse que se eu pedisse pra você ficar, você ficaria. Mas eu duvido muito, Hermione. Acredito que ainda não nasceu pessoa que te faria desistir de seus...


- Se existe alguém – ela o interrompeu – que teria meios de me fazer mudar de idéia, esse alguém seria você! Harry tinha razão!


Rony a observou com carinho. Aproximou-se e levou uma das mãos até o rosto dela.


- Eu vou respeitar sua decisão, Mione! Vou apoiar você!


Hermione pôs a mão sobre a dele, que estava em seu rosto, e sorriu.


- Eu não conseguiria ir sem isso, Ron!


Hermione aproximou seu rosto do de Rony, iniciando um beijo calmo. Rony hesitou no início, mas era impossível resistir. Ele sentiu um calafrio correr por seus braços, e uma mistura de sentimentos antagônicos travou uma batalha dentro dele, deixando-o confuso. Rony a segurou pelos ombros e a afastou delicadamente, quebrando o contato. Hermione permaneceu de olhos fechados por um tempo, e quando os abriu, eles estavam indagadores.


- É melhor você ir agora, Mione. – Rony apontou para a pequena janela do quarto, de onde dava pra ver o céu colorido da aurora – Já está amanhecendo e seus pais vão ficar preocupados se não te encontrarem.


- Eu sei! – Hermione sorriu compreensiva, ciente de que Rony queria ficar sozinho – Bom, é melhor eu ir mesmo. – ela ficou de pé e deixou o cobertor sobre a cama – Mais tarde eu venho para o almoço.


- Eu vou te deixar lá embaixo. – disse Rony se levantando, mas Hermione o impediu.


- Não precisa! É melhor você descansar um pouco. Daqui a pouco sua mãe acorda e não te deixa mais dormir.


Rony concordou. Pegou o casaco que usara no dia anterior e entregou a Hermione.


- Vista isso! Está frio demais para você sair só com essa camisola.


- Ah, obrigada! - Hermione vestiu o casaco e abriu a porta – Até mais tarde então.


- Hermione! – Rony chamou, andou até ela e a abraçou – Pra mim também é difícil abrir mão de você por tanto tempo. Eu te amo!


Hermione o abraçou com força.


- Eu também te amo!


Os dois permaneceram abraçados, envolvidos em sentimentos antigos e novos. Ambos compartilhando sensações similares, e ao mesmo tempo completamente distintas.


Depois de um tempo, Hermione desfez o abraço, o beijou nos lábios e saiu sem dizer mais nada.


Rony segurou com força a maçaneta da porta, sentindo algo muito rígido e pesado se formando dentro dele. Um nó apertava seu peito com força, o deixando com um desejo mortal de gritar, gritar alto até sua garganta estourar. Cerrou os punhos com força, até suas veias saltarem sob sua pele, até sentir suas unhas ferirem a palma de sua mão. Era incontrolável... ele apenas levou a mão direita pra trás, e a trouxe de volta com força, chocando-a contra a parede, deixando o impacto produzir um som grave. Ele sentiu a pele de suas juntas se partindo quando socou a parede, mas não sentiu dor física naquele momento. Seu pesar era interno.


Olhou para a mão machucada e sangrando, que somente agora começava a latejar, então pronunciou a única palavra que encontrou para traduzir a situação toda.


- Merda!



 



Compartilhe!

anúncio

Comentários (3)

  • Mariabenzinha

    Mas que final absurdo é esse????? Caracoles!!!!!  Quer me matar, Lore? Ah, graças a Deus o próximo já está pronto! -corre para o próximo capítulo com o coração aos pulos-

    2011-08-02
  • Elisa Carvalho

    Essa é a melhor fic do mundo, não me canso de dizer isso, né?  Lore essa capitulo ficou incrivel, mas pra falar a verdade Lore todos são tão maravilhosos e surpreendentes que fica difícil decidir o melhor e como eu também sei que virão muito outros pela frente *leitora dá uma piscadela sugestiva* não posso dizer ainda que esse é o melhor de todos. Mas tenha certeza Lore que eu amo muito essa fic ela é super demais, vc escreve incrivelmente bem minha J. K. Lore!!! Beijos da sua fã!

    2011-06-27
  • Micheli Malfoy Potter

    vc é uma escritora maravilhosa deveria continuar o mais rapido possivel!!!amei amei amei fic simplesmente ótima!!!

    2011-06-27
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.