Unforgiven



“Unforgiven”



As portas de carvalho que davam para os jardins de Hogwarts abriram de par em par, rangendo lenta e sinistramente, lembrando o crocitar de um corvo que, tal como ele sempre fora um prenúncio de desgraça.

Os lábios finos contraem-se em um esgar de amargura, quando sente o antebraço esquerdo queimar - o que deveria ser um chamado imperioso de seu Mestre– algo que estaria para sempre vivamente gravado em sua essência, mesmo que Severus soubesse que algo ainda muito maior fora capaz de deter aquele horror.

Era certo que naquela noite alguém estava sendo castigado, mas era ele, o servo mais competente de seu mestre; aquele que já estava tão absolutamente condenado, que nem mil anos de penitência seriam capazes de apagar os seus muitos erros.

Endurecido por dentro, nem mesmo a capacidade de demonstrar algo que denotasse a sua humanidade, Severus julga possuir.

Era tão ou mais desumano que o próprio Lorde das Trevas, porque ele tivera a capacidade de amar, contudo acabou por trair o seu amor por algo tão pobre e vazio: nenhum poder no mundo seria capaz de trazer Lily de volta, fazer a sua magia tão pura e única encantar sua vida novamente.

O caminho por entre as centenárias paredes de Hogwarts parecia tão longo quanto o caminho que um condenado segue até a sua própria forca.

Era como se cada mínimo detalhe daquele lugar lhe trouxesse uma lembrança. E todas eram dolorosas, mesmo as que estavam docemente gravadas no lugar mais especial de seu ser. Porque ele sempre soube que amar era sofrido e dolorido e que seu coração sangrava quando seus olhos pousavam sobre Lily e que a consciência de sua inferioridade perante ela era mais do que ele, Severus, podia suportar.

Amar machucava.

O ressonar suave dos quadros soava aos seus ouvidos como a cantiga macabra da Morte, a única que possui o poder de fasciná-lo, além daquela a quem ele entregara o seu coração, mesmo que ele tivesse alcançado essa consciência tardiamente.

Inevitavelmente, ele dera a sua alma para pagar pelos seus muitos crimes. Por ela, Severus iria ao inferno, beberia da taça da Última Amante, ainda que o seu flerte com a Morte fosse a doce a ilusão de que veria Lily outra vez.

Mas agora era tarde demais e a morte não lhe traria alívio.

Ele seria para sempre o seu serviçal, buscando em seu caminho tortuoso, uma forma de se redimir de suas falhas. Teria apenas uma semi-vida amaldiçoada por anos sem fim, onde até mesmo o seu reflexo no espelho causava-lhe o mais puro horror.

O seu amor doentio e deformado condenou-o ao inferno, que era a perspectiva de viver sem vê-la outra vez. E condenou-a também, sem que ele se desse conta disso.

Só lhe restava transitar por entre os dois mundos, algo mais vago do que o mais medíocre fantasma. Iria para sempre comungar com os vivos e continuar com o seu joguinho de ilusões, vivendo eternamente em busca de perdão.

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N/A: era pra ser uma ficlet inspirada no poema O Corvo do Edgar Allan Poe. Mas ela foi mudando, mudando e ficou assim. (Benditas madrugadas em que eu fico rascunhando coisas no caderno)
Obrigada à deviliciouss novamente pela betagem informal e os comentários fofíssimos.

See ya!

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