Lar



"Is where your heart is"

O garoto se sentiu acordando vagarosamente e esforçou-se para manter os olhos fechados, pois julgava estar sonhando algo tão bom, que não queria acordar nunca mais. O sol aos poucos ia subindo pela cama e aquecendo levemente suas pernas, coisa que nunca aconteciam em seu quarto escuro em Grimmauld Place. Também podia ouvir palavras de pouco sentido sendo sussurradas entre travesseiros e isso o fazia querer sorrir mais ainda.
Sirius puxou os cobertores em direção ao rosto, mais pelo costume do que pelo frio, e se sentiu ligeiramente incomodado pelos pêlos macios da manta roçando em seu nariz. Tudo naquela casa tinha um cheiro agradável de sândalo, que parecia o deixar um pouco menos agitado, o que todas as babás que ele tivera quando criança consideravam uma tarefa impossível. Mas a calma interna que o jovem bruxo sentia não era devida a nenhuma outra fonte se não a felicidade extrema que sentia no peito naquele momento, e ele suspirou longamente, sentindo-se plenamente agradecido pelo que vivera no último dia.
Há apenas um metro dele, James estava estirado, dormindo também sobre o macio colchão de ar que o pai do garoto havia colocado ali para os dois. O dia anterior havia sido repleto de brincadeiras e andanças pela propriedade dos Potter, enorme e florida, a alguns longos quilômetros longe de Londres. Ele havia passado toda a manhã conhecendo cada canto da casa, e também todos os refúgios do amigo, assim como suas passagens secretas, e lugares que este acreditava nunca haverem sido descobertos pelos pais, no bosque em torno da propriedade. E então, veio a tarde, cheia de gritaria e machucados nas pernas e nos braços, causados pela correria e incontáveis tombos de vassoura, enquanto os dois tentavam jogar um quadribol de duas pessoas, secretamente ambiciosos para integrar o time da escola, e berrando elogios e xingamentos um outro, enquanto se seguravam para não cair na gargalhada.
Exausto. Sirius nunca se sentira assim tão exausto nas férias. Férias no Largo Grimmauld significavam horas e horas de tédio profundo, trancado no quarto, lendo, insultando Monstro algumas vezes... Mas naquele momento, naquele momento Sirius tinha seus recém completos doze anos, e um grande amigo, o melhor amigo que ele um dia já tivera. Havia sido difícil convencer os pais, de deixá-lo passar uma semana na casa dos Potter, mas no fim, com algumas intervenções e sacrifícios, havia valido completamente a pena. Era como ele se sentia enquanto se preparava para jantar pela primeira vez com os Potter. Um estranho sentimento despertara dentro dele, o de querer agradar, de querer que gostassem dele, e o nervosismo o fazia passar as mãos no cabelo nervosamente, abaixando-os, e verificar se sua roupa não estava amassada ou suja.
E então, ele os conheceu. Ele nervosamente estendeu a mão para Christopher Potter, tentando demonstrar todo o respeito possível, e surpreendeu-se ao que homem alto e corpulento o puxou pelo braço, bagunçando seus cabelos e sorrindo para ele. “É...uma honra conhecê-lo Sr.Black” ele comentou com sua voz potente, “Não é sempre que temos um Black em nossa casa, não é mesmo Calista?
“Não querido...” Calista Potter se fez presente, e o garoto teve certeza de que nunca mais haveria de esquecê-la. Sua voz era suave e doce, contrastando com a do marido “É realmente um prazer.” Agora ele entendia o que o amigo havia lhe dito mais cedo, ao que ele perguntara novamente o nome dela. “É um nome de fada...” o garoto dissera, e ela parecia realmente feérica aos olhos do jovem Sirius Black. Seus cabelos já tinham alguns fios brilhantemente grisalhos, que se misturavam da forma mais bela possível com sua longa cabeleira preta, presos numa trança atrás da cabeça, e seu sorriso... seu sorriso era agradável e sincero, assim como o abraço que ele lhe deu, cheia de amor. James com certeza esquecera de mencionar o quão gentis eles eram. Era difícil para a cabeça do jovem bruxo entender como duas pessoas poderiam ser tão gentis com ele, se eles mal o conheciam.
Secretamente, ele se sentiu melancólico por sempre pensar em pais como figuras de repressão e desgosto. Internamente, ele desejava não ter passado boa parte da vida num casa escura, sob olhares atentos e maldosos. Sua casa era fria, sua família cheia de rancor. E agora ele mal sabia como se portar, enquanto os três conversavam sobre a recente viagem do casal e o fim do ano escolar. Não sabia como reagir ao pai do garoto colocando mais comida em seu prato e dizendo o quão magros estavam os dois. Estava acostumado a jantares silenciosos, formais, a comida que tinha gosto de angustia.
“Você está calado querido... Algum problema?” Calista perguntou.
O jovem bruxo negou rápido, balançando a cabeça negativamente e limpando a boca com o guardanapo. Ele se sentia estranhamente observado, como se a mãe do amigo fosse capaz de enxergar toda mágoa que ardia em seu peito. Mas ela não pareceu se manifestar a respeito disso.
“Então enquanto Christhoper tira a mesa...” Ela dirigiu-se aos garotos “Vocês dois vão para a cama...E eu vou contar uma história...”
James fez um barulho estranho, e pareceu subitamente envergonhado.
“Mãããe...” ele grunhiu, enquanto Sirius ria disfarçadamente. O embaraço do amigo perante aquela situação era deliciosamente engraçado e, internamente, ele tinha que admitir, ficara subitamente interessado em ouvir uma história contada por uma mãe, aos pés da cama.
“Você não quer...?” A mãe inquiriu o menino, parecendo surpresa.
“É que...” o garoto respondeu embaraçado “Nós já somos grandes e... talvez...o Sirius não...”
“Então vamos perguntar a ele...” Calista o interrompeu “Você tem alguma problema com isto, Sirius?”
O garoto procurou não demonstrar sua empolgação respondendo que sim logo de súbito. Apenas inclinou a cabeça.
“É uma tradição? Porque se for... Hum... Nós, hum...eu, acho que... devemos dar valor a elas não é?”
A maga sorriu realizada e abraçou os dois pelo ombro enquanto iam se dirigindo ao quarto.
“Podemos dizer que é... é uma tradição” terminou e Sirius e James se entreolharam, rindo. Ambos sabiam, a tremenda ansiedade que havia para aquele momento, embora não desejassem admitir aquilo com palavras.
Assim, aos doze anos de idade, quando pensava que tudo que ele mais desejava era se tornar um homem, Sirius Black se sentiu, uma vez mais, um menino. E quando ganhou um beijo, enquanto Calista arrumava as cobertas, e ouviu a voz de Christopher desejando-lhes boa noite, ele não pode deixar de pensar que bom seria, viver numa casa como aquela.
“Sirius...” o amigo sussurrou um pouco antes que cair no sono
”Oi?”
“É muito legal... que você esteja aqui...É como ter...um irmão.”
Pela primeira vez então, o garoto soube que estava em paz consigo mesmo, e seu coração finalmente se enchera de serenidade e alegria. Ele havia encontrado uma família, e um lar.

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