Butterfly
Ao seu lado o sol sempre foi escondido pelas nuvens, e o verão infernal se transformava no mais terrível dos invernos. Mas era uma sensação boa, afinal. Tão boa que eu daria tudo para voltar a sentir toda a nostalgia a que ela me levava.
Ela gostava de ficar em frente à janela, ora olhando a neve cair, ora tentando olhar para os raios de sol sem sentir os olhos lacrimejarem. Acho que ela gostaria de ser o sol, que em toda a sua beleza não deixava com que meros humanos o admirassem por muito tempo sem desviar o olhar e não suportar tanta luz. Nunca teve a luz do sol, apenas o pequeno brilho das estrelas; pouco, se comparado ao que ela queria ser. Sempre quis ser uma coisa que não era.
Na maldita mansão, que todos insistiam em chamar de casa, ela chorava fingidamente por saudade dos terrenos verdes e livres de Hogwarts. Sempre sentava-se perto das árvores da escola, com a sua postura invejável, e toda aquela classe aristocrata que ela tinha. Tão diferente de quando não mantinha o controle e era a mais vulgar das mulheres. Mas, quando estava andando pelos corredores do castelo, tudo o que mais queria era voltar para o terror, voltar para as mentiras e máscaras.
Sempre usava uma máscara.
Cheguei a cogitar a hipótese de ela não querer ser livre, já que com toda a sua perseverança em conseguir o poder que desejava, ela iria para onde quisesse. Mas nunca tentou ser livre, por mais que clamasse e chorasse por liberdade quando precisava de mim. Como se algum dia fosse precisar de mim para alguma coisa.
Mas mesmo que soubesse que ela nunca precisaria de mim para nada, eu continuei a ajudá-la naquela luta silenciosa por liberdade. Naquela luta silenciosa pela dignidade que a nossa família havia perdido há tanto tempo, na busca pelo poder e dinheiro. E mesmo que ela quisesse a mesma coisa que os outros, eu continuava a lhe dar o mínimo de integridade que fosse.
Dizia-me que um dia teríamos o mais belo de todos os finais felizes, e que iríamos embora do Largo Grimmauld em uma linda carruagem. Era assim que todos os romances intensos e fortes como o nosso deveriam terminar. Mas, não, nunca acreditei nisso. Nem mesmo o mais tolo dos apaixonados – o que certamente eu era – acreditaria em tal mentira. Éramos Black, nunca teríamos um final como o das histórias que ela recitava infantilmente.
Mesmo assim, continuava a lhe tratar como a mais delicada de todas as princesas, ao mesmo tempo em que ela comportava-se como a pior mercenária. Por mais que ela sempre se mostrasse o contrário do que eu queria, eu gostava do nosso conto de fadas completamente falso e cínico. De qualquer forma, sempre seríamos completamente falsos e cínicos. Estava no sangue que corria em nossas veias, estava na falta de caráter que sempre teríamos; e, se não fosse assim, não teria a mesma graça e emoção, não teria o mesmo gosto de ódio e a consciência de que era errado e completamente impossível. Era isso que nos atraia, e era isso que nos fazia sentir toda aquela paixão inconseqüente.
Revivíamos contos de fadas, ou passagens de livros, ou cenas de filmes, ou qualquer outra coisa que pudesse existir. Revivíamos a cada vez que sorriamos daquela forma completamente maliciosa, toda vez que os nossos olhares se cruzavam pelo Salão Principal. Revivíamos a cada vez que a Sala Precisa se tornava um novo lugar, cheio de surpresas e revelações. E, principalmente, revivíamos a cada vez em que nada mais importava, nada que não fosse aquele momento, aquele lugar.
Sempre havia algum momento em que a falsidade tornava-se excessiva demais, até mesmo para nós que havíamos nascido nela. Ela dizia que não se importava em não ser a única, assim como eu não deveria me importar em ter que dividi-la com os pretendentes que a nossa família arrumava. Mas, por mais que houvesse outras, ela sempre seria a única. De uma forma completamente incoerente, mas sempre seria. E, mesmo que não tenha sido a única que passou pela minha vida, foi a única que permaneceu nela, mesmo que tenha me deixado as piores lembranças que poderia deixar. Querendo ou não, ela também deixou as melhores.
Depois, quando o nível de cinismo voltava a ser suportável, ela voltava com a sua obsessão e todos os seus sentimentos doentios. Sempre nas suas idas e vindas. Sempre foi assim: quando a vida tornava-se real demais para ela agüentar, queimava-se com o seu próprio fogo, para logo depois renascer das cinzas, com uma nova máscara. Cada dia com uma nova máscara, cada dia um novo desejo.
Ela podia ser comparada ao inverno, ou então com a chuva; ela amava qualquer um dos dois. Gostava de sair do castelo em um dia de temporal e ficar simplesmente sentindo a chuva caindo no seu corpo, tentando pegar um pouco da pureza da água que caia dos céus. Como se quisesse pegar uma pneumonia e ficar alguns dias na enfermaria. Com alguma sorte ela pegaria alguma doença mais forte e morreria, sei que era esse o seu desejo. E por isso sempre tentava chegar perto da morte, fosse vivendo com mais intensidade do que seria recomendável, fosse aliando-se a grupos que tiravam a vida dos outros. Mas ela tinha tudo, tudo a perder, e exatamente por isso que não perdia nada.
Acho que o que ela queria juntando-se aos Comensais da Morte era que, depois de matar muita gente, alguém tivesse coragem de fazer o mesmo com ela. Gostava de se machucar, e sentir dor, e sempre fazer com que os outros a fizessem sofrer, apenas pelo prazer que aquilo lhe dava. Apenas para saber que estava viva. Viva no meio de todos aqueles fantasmas que nos cercaram por tanto tempo. Fantasmas que eu tenho certeza que continuaram a assombrá-la pelo resto da vida dela.
Sempre haveria alguém lá, para a lembrar das vidas que ela tirou, das pessoas que ela torturou, das risadas que ela deu, e das mentiras que ela inventou. E de todas as vezes que ela pisou em alguém para chegar ao tão cobiçado topo. Mudou tanto com o passar dos anos, tanto que eu nem a reconheceria. Tanto que eu passei a ser mais um dos fantasmas que a assombravam.
Tanto que no final tornou-se uma borboleta, linda e esplendorosa, mas que nunca fica perto de ninguém. Sempre levanta vôo antes que alguém se aproxime tempo demais; antes que alguém fique perto dela por tempo suficiente para fazê-la mudar, para mostrar os sentimentos que havia perdido no decorrer do caminho.
Bellatrix era a borboleta que voa pelos mais belos lugares, mas nunca pousa em nenhuma flor, e acaba por não aproveitar nada do que a sua condição lhe proporciona. E vive tão pouco. Tão pouco para usufruir de todo o poder que conquistou. Tão pouco que acaba vendo a vida passar, imaginando como seria bom tornar-se o sol, já que não se contenta mais com o brilho das estrelas. Bellatrix era a pessoa que sonha a vida inteira em fazer coisas gloriosas, mas acaba sonhando por tanto tempo que quando acorda percebe que tudo se foi.
E, no final, ela pode não ter perdido tudo, e nem todos devem ter ido. No fim teve muito poder, teve beleza, teve riquezas e teve o poder de decidir qual peça deveria morrer no jogo de xadrez que as vidas eram para ela. Mas, mesmo que ainda tivesse tudo, ela permanecia com nada.
Ela havia perdido tudo no dia em que levantou vôo e decidiu conhecer outros pores-do-sol. E eu não fiz nada, já que não poderia mais prendê-la num vidro e não deixá-la ir. Ela queria ser livre, tão livre que sempre dependeria de uma outra pessoa. Mas não queria mais depender de mim, enquanto eu sempre dependeria dela.
Quando não tínhamos nada a perder, perdemos tudo. Perdemos as falsidades e máscaras, e ela ganhou uma nova face. Aquela face brilhante, que fazia todos a desejarem, mas que por dentro seria eternamente amarga. Mas eu, e unicamente eu, havia a conhecido quando o nada que havíamos construído ainda não havia sido perdido, e nessa época ela ainda era completamente negra por fora – o que afugentava inúmeros pretendentes, o que sempre a levava de volta para mim – mas, por dentro, era a pessoa mais radiante que eu havia conhecido.
Mas isso foi antes, antes dela perder tudo e tornar-se apenas uma livre e fria borboleta.
(N/A):
Mais uma =;]
Inspirada na música do Lifehouse, Butterfly. E, hãn, só isso. Ah, claro, insistem em dizer que eu não perdi o jeito, mas eu acho que perdi sim =[
Eeenfim, comentem e talz
Beijos
Lisi Black
anúncio
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!