A JOIA PRECIOSA
As orelhas de Monstro sacudiram em desagrado, agitando os enormes pelos brancos que saíam por suas cavidades. Ele farejou o ar com seu nariz de tromba, fixando os olhos injetados em Harry.
- O Mestre chamou? – Resmungou com sua voz desafinada e rouca, fazendo uma mesura debochada. Depois olhou com saudade e desgosto à sua volta, fixando-se na imagem de sua antiga senhora. Emendou, ainda mais baixo. – Minha pobre senhora, veja o que Monstro é obrigado a fazer! A quem é obrigado a obedecer... Pobre Monstro!...Que vergonha!...
- Sem lamentações, Monstro! Quero lhe fazer algumas perguntas...
O elfo abandonou a expressão de sarcasmo, atendo-se ao puro rancor.
- O que meu Senhor deseja saber? Monstro nada sabe que lhe interesse, pequeno e imundo farsante... – Encarando outra vez o ensurdecedor retrato da Sra. Black, lamentou-se alto. - Óh, minha Senhora! Que falta faz a Monstro!...
- Chega! Preciso de respostas, e as quero sem embromações!
O velho elfo fungou, puxando sua imunda tanga para cima, mas ficou em silêncio, aguardando. Dobby postou-se ameaçadoramente, tanto quanto um elfo doméstico pode ser, às suas costas, murmurando:
- Dobby faz o elfo mau obedecer a meu Senhor Harry Potter, de qualquer maneira!...
- Monstro, o que há atrás desse quadro?
O elfo dos Black não pareceu preparado para essa pergunta, e seus olhos cinzentos arregalaram-se, fitando o retrato da Sra. Black e Harry, alternadamente. Os finos lábios comprimiram-se, e ele agarrou as próprias orelhas, lutando contra si mesmo para não responder. Mas a magia que rege os elfos domésticos foi mais forte, e ele obedeceu a seu amo.
- Há uma pedra solta na parede... – Respondeu, resumindo ao máximo que pôde a informação.
Harry olhou para os amigos. A expectativa girava em espiral entre o grupo.
- E o que há atrás dessa pedra?
Monstro ajoelhou-se, os olhos fechados em uma careta, arrancando os pelos brancos das orelhas. Parecia estar chorando.
- Perdão, Senhora! Não posso resistir... – A Sra. Black berrou ainda mais alto, e Ron fechou firmemente o punho sobre sua figura, arrancando mais lamentos da pequena criatura.
- O que há atrás da pedra?– Harry questionou novamente.
- Uma antiga caixa de jóias de minha nobre senhora. – Soluçou o elfo, balançando-se angustiado, as mãos torcendo o trapo imundo que o vestia.
- Você sabe como a Sra. Black fixou o quadro?
Monstro exibiu alguma satisfação e não respondeu. Seus olhos se iluminaram, novamente irônicos. Hermione adiantou-se.
- Harry, talvez não seja essa a pergunta...
- Sangue ruim intrometida! Monstro não é obrigado a aturar o que sua boca suja cospe...
Ron segurou o velho elfo pelos braços, soltando-o de Dobby e levantando-o à altura de seus olhos, enquanto o sacudia com força.
- Nunca mais ouse insultar Hermione, ou eu aparo essas suas orelhas de morcego até sua cabeça parecer um balaço!...
- Ron, solte-o! Tudo bem! Eu não ligo... – Sussurrou Hermione urgentemente, pousando a mão em seu braço. Ron o largou, muito a contragosto, e Monstro sorriu com falsa inocência. Mas sua satisfação durou pouco. Os olhos verdes de Harry aguardavam furiosos por ele.
- A partir de hoje, só irá se dirigir a qualquer um de meus amigos com educação e respeito. Está proibido de insultá-los! Ou, por Merlin, eu juro que o colocarei para trabalhar na casa de meus tios trouxas... – Monstro curvou-se, o enorme e trombudo nariz encostando emburrado no peito, e não retrucou. Harry mudou a pergunta anterior.
- Sabe quem fixou o retrato da Sra. Black?
- Sim!... Perdão, minha Senhora.... Minha senhora...
- Ela não é mais sua senhora! E isto é só um quadro! Agora diga quem foi!
- Monstro! Foi Monstro! – Admitiu, derrotado. Rony socou o ar, satisfeito.
- Se colocou, saberá tirar! E talvez calar a boca dessa velha bruxa...
Harry concordou. Encarando o angustiado elfo, ordenou:
- Silencie o retrato, e solte-o dali. Já!
Monstro não se moveu no primeiro momento, agarrando-se ao antigo tapete do hall de entrada. Mas Dobby entrou em ação novamente, e o empurrou em direção ao retrato.
- Deve obedecer ao Senhor Harry Potter. Sem embromações ele disse! Já!
As grotescas mãos de Monstro tocaram o quadro, quase com carinho. De cabeça baixa, o elfo murmurou novamente desculpas à Sra. Black, para depois recitar mais alto algumas palavras estranhas aos garotos. Imediatamente a figura da bruxa aquietou, e ouviu-se um estalo baixo, como uma porta abrindo-se. Pranteando fracamente, Monstro enrodilhou-se no chão, abraçado a si mesmo, e ali ficou, sob os olhos vigilantes de Dobby.
Harry aproximou-se do quadro e os amigos vieram junto, todos ansiosos pelo que viria. Segurando as bordas laterais, forçou a moldura para cima, e ela deslocou-se suavemente para fora de seu lugar. As pedras que compunham a parede eram largas e altas, e o espaço por trás do quadro era preenchido por quatro pedras acinzentadas. Nenhuma delas parecia estar solta. Tanto Harry quanto Ron empurraram e puxaram, mas elas não se moveram um único milímetro. Gina colocou-se entre os rapazes, e pediu, séria.
- Posso tentar?
- AH, Gina! Você acha mesmo que é mais forte que nós?... – Suspirou Ron, enquanto Harry cedia espaço para a ruiva.
- Mais forte, não. Melhor na matéria de Feitiços, talvez... – Puxando a varinha, e apontando para a parede, ordenou:
- Revele seus segredos!
Diante dos olhos surpresos de Ron e Harry, uma quinta pedra foi crescendo gradualmente, exatamente no centro das outras quatro. E essa foi facilmente removida por Harry, que depois de depositá-la ao chão, beijou a mão de Gina, piscando para ela em elogioso agradecimento.
- Vamos ver o que há aqui, afinal...
As garotas prenderam a respiração, enquanto Harry enfiava os dois braços, até a altura dos ombros, pelo buraco escuro que se abrira. Tateando cegamente, sentiu apenas a rocha fria e áspera com os dedos, até que no canto mais distante, sua mão esquerda se fechou sobre uma pequena caixa de madeira. Respirando aliviado, ele a puxou para fora.
A caixinha era baixa e estreita, mas compensava no comprimento. Era um estojo próprio para guardar colares, parecido com os que os trouxas usavam. Harry sentou-se no segundo degrau da escada, o olhar perdido na peça de madeira em suas mãos. Os amigos o rodeavam. Lentamente, o êxito de provavelmente estar na posse de mais um dos retalhos da alma de Riddle tomou conta de seu ser. Ron debruçou-se no corrimão, ao seu lado, e incentivou.
- Abra logo! Precisamos ter certeza...
Harry forçou o fecho, que protestou ruidosamente, devido à ferrugem, mas abriu. No interior forrado de veludo vermelho escuro descansava placidamente um pesado camafeu, o mesmo que Sirius um dia tentara jogar fora. Vários instantes de absoluto silêncio se seguiram.
- Deus do céu!... – Sussurrou finalmente Hermione, agitada. – É ele mesmo! – Todos os olhos voltaram-se outra vez para Monstro, e Harry, com a corrente bem segura na mão, o chamou a responder.
- Monstro, foi você que o escondeu ali?
- Sim... – Respondeu abafadamente o elfo, as faces escondidas nas mãos. – Monstro sabia que no quadro de sua senhora nenhum dos bruxos invasores poderia mexer, só Monstro... Pobre Monstro! Não pensou que seu novo mestre descobriria...
- Então, foi você que o achou, no esconderijo de Mundungo?
- Monstro viu quando o ladrãozinho se apossou da jóia, sim!... No dia em que o filho ingrato e traidor tentou livrar-se da corrente de minha senhora...Monstro conversou com o reles Mundungo, fez ele esconder bem...Convenceu o bruxo mal cheiroso de que ele ganharia dinheiro com algo tão valioso! Mostrou o velho relógio como esconderijo...Depois Monstro foi lá e pegou de volta! Monstro não deixa as posses de sua senhora nas mãos do bruxo que fede a esgoto... Então, quando ninguém estava olhando, Monstro guardou o colar no antigo esconderijo das jóias de minha senhora, para que ela pudesse vigiá-lo... – Seu olhar vítreo caiu sobre o retrato silencioso, e ele voltou a chorar, balbuciando palavras indefinidas.
- Esse medalhão era da Sra. Black? Desde quando?
As orelhas do elfo abanaram freneticamente, e seu olhar piscou maldoso para Harry.
- Esse aí sempre foi de honrada e nobre dona dessa casa, desde que Monstro nasceu!
Todas as respirações se prenderam, e o elfo tornou-se ainda mais satisfeito. Harry deixou a corrente demasiadamente pesada correr entre seus dedos, o camafeu batendo com um baque surdo no degrau de baixo. Sentiu a decepção tomar forma em seu peito, enquanto olhava fixamente a jóia antiga e escurecida em sua mão. Não haveria feitiço que pudesse retornar sua imagem para o belo e dourado medalhão de Slytherin... Foi o peso pressionando seus dedos que o alertou para uma possibilidade.
- Monstro, você consegue abri-lo? – Questionou, erguendo o medalhão à sua frente. – Faça-o!
Toda a maldade sumiu do olhar do elfo. Cheio de amargura, ele pegou a corrente dos dedos de Harry, e novamente murmurando palavras estranhas, fez o antigo fecho abrir-se. Devolveu-o ao rapaz, com os olhos baixos. Enquanto removia a tampa cuidadosamente para o lado, os olhos de Harry brilharam intensamente para o interior da jóia, antes dele retirar o conteúdo e expô-lo, na palma de sua mão, para os amigos, que quedaram-se perplexos.
Pedaços de corrente dourada circulavam o arredondado pingente de ouro, semi derretido, onde outrora enroscava-se uma cobra finamente desenhada. Mesmo com as modificações obtidas no intuito de destruí-lo, Harry não teve dificuldades em reconhecer a relíquia que vira na casa de Hepzibah Smith. Aquele era o Medalhão de Slytherin! E já se encontrava desprovido de sua forma original. Quem quer que o tivesse tirado da caverna, conseguira também destruí-lo, como havia prometido no malfadado bilhete. Alívio e ansiedade passaram por seu peito, enquanto admirava cada detalhe do Horcrux. Mais um se fora! Faltavam três... A necessidade de descobrir quem era RAB emergiu com urgência em seu cérebro. Talvez ele tivesse encontrado mais de um...
Antes que pudesse emitir uma palavra aos amigos, Bull, Sprout, o casal Weasley e Moody vieram da cozinha. Enquanto os primeiros conversavam normalmente, a Senhora Weasley anunciando o jantar, Olho Tonto mancava silencioso, e parando junto à montanha de tesouros dos Pelúcios, passeou os olhos pela cena, detendo-se na mão de Harry.
- O que está acontecendo por aqui? - Rugiu, chamando a atenção dos demais para os jovens. Harry voltou a colocar os restos dourados dentro do camafeu maior, fechando-o . Virando-se para Dobby, ordenou:
- Leve Monstro para o meu quarto, e não o deixe sair de lá! Vou chamá-los em breve.
- Sim, meu Senhor Harry Potter! Dobby fica de olho no elfo mau! – E agarrando o outro pelos farrapos, sumiu.
Harry passou as mãos pelos cabelos, cansado. No entanto, sorriu largamente, olhando para os vários rostos cheios de curiosidade ao redor.
- Temos muito a conversar...
==*==
Os quatro jovens e Moody estavam reunidos na sala de estar, levados para lá por Harry, logo após a refeição, que nenhum deles conseguira engolir. Os outros haviam ficado na cozinha, discretamente deixando-os conversarem à vontade sobre os detalhes da descoberta, com o chefe da Ordem da Fênix.
- Então... - O olho azul elétrico de Moody girou alucinado em sua órbita. - ... existe alguém à solta, inteligente o suficiente para descobrir um segredo de Voldemort, e perigoso o bastante para saber como sobreviver a isso!...
- Não sabemos se sobreviveu! – Atalhou Harry. – Se foi Régulus...
- O elfo não sabe?
- Não chegamos a perguntar...
- Então chame-o logo! – Comandou o ex-auror, olhando quase em êxtase para o medalhão depositado sobre a mesa. – Quem o terá achado?... Por que não anunciou aos sete ventos sua façanha?...
- Dobby! Monstro! – Harry chamou novamente.
Enquanto Dobby curvava-se em respeitosa reverência, Monstro novamente sentou-se no chão, demonstrando toda sua revolta.
- O que o mestre quer agora? Monstro já lhe entregou o que o Mestre procurava...
- Quem trouxe o medalhão dourado para essa casa? E por que?
O elfo sorriu enviesado, e Harry temeu a resposta.
- O medalhão veio com o amado filho de minha senhora, o único que fez jus à nobreza do seu sobrenome... Era para minha senhora guardá-lo, nem ela sabia com que razão.
- O que Régulus falou sobre ele?
- Nada...- As orelhas murcharam, e ele voltou a fungar. – Nosso pequeno senhor estava doente... Não conseguia falar... Logo morreu.
- E como ele conseguiu chegar até aqui, se estava tão doente? – Questionou Moody, e antes que Monstro o ofendesse, Harry repetiu a pergunta.
- É, como?
Monstro olhou raivosamente em volta, procurando uma saída. Sem encontrá-la, novamente a magia dos elfos o fez obedecer.
- O bruxo importante o trouxe. Ele e o velho.
Harry reteve a respiração. Haviam três pessoas então...
- Os nomes, Monstro. Diga os nomes!
- Eu jurei solenemente à minha senhora, jamais revelar os nomes a quem quer que fosse! Nem o senhorzinho a quem agora pertenço pode me fazer quebrar esse juramento!
Harry olhou para Moody, e este confirmou com a cabeça.
- Infelizmente, é verdade...
Ron xingou alto, as meninas suspiraram, e Harry sentou-se, os pensamentos correndo à toda velocidade. Monstro agora embalava-se, quase feliz, ainda sentado no chão.
- Harry, pergunte de outra maneira. – Rosnou Moody. – Trabalhe com eliminatórias...
O rapaz o olhou sem entender por um momento, mas logo algo luziu em seus olhos.
- Monstro, você sabe o que significam as letras RAB?
O elfo começou a se contorcer.
- Sei... – Harry teve de adivinhar a resposta, tão baixa ela era. Dobby cutucou as costelas do outro elfo.
- Sei! – Grosnou Monstro.
- E o que querem dizer?
- São iniciais. – As orelhas agora estavam quase sendo arrancadas pelas enormes mãos.
- As iniciais de Régulus Black?
- Harry, e se for mais que um nome? – Perguntou Gina, e o olhar alucinado de Monstro voltou-se ameaçador para ela.
- Nem pense nisso! – Harry dardejou ao elfo. - Muito bem, de quais nomes são as iniciais?
O elfo agora parecia próximo à insanidade. O olhar irradiando loucura.
- Régulus... – Murmurou. – ... Bartolomeu...
- Por Merlin!...- Hermione ecoou a surpresa do próprio Harry. Gina e Ron tinham os olhos saltando das órbitas e Moody rosnou algo incompreensível. O pensamento na sala era o mesmo: Bartolomeu? Aquele Bartolomeu?
Monstro parou de se embalar, e sua expressão era pura maldade quando ele coçou o queixo, antevendo a reação que o próximo nome despertaria. Harry o conhecia bem para saber que dali não viria boa coisa, e aguardou, dividido entre a raiva e o temor.
- E o velho Dumbledore... – Sibilou, feliz e maldoso, o velho elfo dos Black, cinco segundos antes das mãos coléricas de Harry o alcançarem.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!