≈. O espelho perdido.
Os dias que se passavam cada vez mais rápidos não ajudavam nem um pouco na vida corrida de Amanda. Harry quase descobrira um de seus maiores segredos na semana anterior, e isso era o que mais a preocupava. Todos eram suspeitos no caso do roubo da esmeralda da sala do professor Slughorn, que ainda estava desaparecida. Além disso, tinha que aturar a presença incômoda do professor Snape que a observava sempre que estava ao lado de Draco.
Ela tinha que usar a Oclumência quando Snape estava por perto, para se proteger do professor, que a perseguia por uma razão que ela desconhecia. Somente Vallery criticava Amanda pelo modo agressivo que tratava o professor, que era o seu favorito.
Porém o assunto "Snape" não foi comentado naquela manhã, em que as duas garotas estavam jogando fora cartas antigas, pergaminhos e livros rabiscados acumulados pelo tempo (e preguiça de jogá-los fora) no quarto de Vallery.
- É desagradável e emocionante ter que revirar toda essa bagunça denovo! - disse Vallery com um sorriso sarcástico ao pegar uma foto em que um feio bruxo sardento acenava para ela em frente ao Coliseu de Roma, logo abaixo dos dizeres "para a minha adorável noiva". - Esse cara eu também dispensei.
- Credo - gritou Amanda rindo escandalosamente, jogando a foto no monte de papéis inúteis e sentindo uma curiosidade fora do comum ao perguntar: - Por que seus pais querem que você se case tão cedo?
- Eles não querem que eu me case, não é esse o objetivo - retrucou ela enquanto amarrava os cabelos longos por causa do calor -, o que eles querem é que eu arranje um cara de sangue puro o mais rápido possível.
- Ah, sim... não entendi. - Amanda ergueu a sobrancelha.
- Existem poucos bruxos de sangue puro hoje em dia, e eu sou um deles - Vallery voltou a remexer no fundo da gaveta. - Meus pais me deserdariam se eu me casasse com um trouxa, ou pior, o matariam. Sempre foi assim. Quase todas as famílias bruxas são ligadas, por exemplo, eu sou prima distante da Mia e da Alexandra - ela se recusou a chamá-la de Alexy - assim como Sabrina era prima da Natalie.
Amanda sorriu. Não sabia desse parentesco que era quase uma coincidência. Mas uma coisa não estava certa.
- Matariam? Não acho que isso seria verdade, mas eu não me casaria com um trouxa - disse Amanda distraída, agora olhando para a enorme pilha de papéis que se formava atrás dela.
- Se eu fosse um trouxa eu assumiria o risco e não teria medo de morrer - Vallery deu um sorriso triste e jogou para trás um embrulho que por centímetros não atingiu Amanda em cheio. - Eu não tenho medo de morrer por alguém que eu amo.
- Nem eu. O Draco é um bom partido, o que acha? - perguntou, rindo.
Vallery resmungou alguma coisa ininteligível e atirou para trás algumas cartas. Amanda pegou uma ainda no ar. Estava fechada.
Era uma carta de quase três anos atrás e não havia sido entregue. Pela letra, era Vallery que teria escrito. Para Sabrina Jeffs, Dublin, Irlanda era o que estava escrito, ás pressas, no verso. Amanda entendeu: não havia tido tempo para entregá-la. Sabrina tinha desaparecido misteriosamente naquele dia.
- Vai jogar isso... fora, Val? - perguntou ela hesitante.
Vallery olhou para ela através dos óculos de aros coloridos e ficou pálida. Um segundo depois já tinha arrancado a carta das mãos dela e guardado com tanta rapidez que podeira ter trancado a gaveta e jogado a chave dentro.
- Desculpa, você não pode ler isso - murmurou ela um tanto sem-graça, e com um gesto da varinha ordenou limpar! e os papéis desapareceram. - E aí? Vamos ver o treino de quadribol da Mia? Garanto que você vai rir muito.
Amanda a acompanhou para fora do quarto, mas a proibição de ler a carta tinha aumentado ainda mais a sua curiosidade.
Estava tudo frio e escuro, muito escuro. Ela não sabia onde estava.
Isso sempre acontecia nas horas mais impróprias. Repentinamente Natalie era obrigada a presenciar uma cena que ainda não havia acontecido, como havia visto, muitos meses antes, Luna ser atacada na floresta proibida.
Natalie Smith poderia ser uma garota normal, bonita e ruiva, com belos olhos verde claros que podiam passar para um azul intenso dependendo de seu humor. Poderia ser só mais uma bruxa com seus quase desessete anos, vivendo em Hogwarts assim como todas as suas amigas, mas não. Natalie tinha um dom especial.
Aos catorze anos ela descobriu que era uma vidente. Uma vidente incomum. Tinha visões espontâneas do futuro, geralmente quando algo de ruim iria acontecer, mas não sabia quem seria a vítima. Natalie tivera uma dessas visões, em que uma garota era perseguida na floresta. Duas semanas depois, naquele mesmo lugar, Sabrina iria desaparecer.
O que estava acontecendo agora não era muito diferente. Do quarto claro em que estivera, foi transportada para um corredor estreito, frio e escuro.
A luz fraca, esverdeada e bruxuleante de uma vela iluminava uma pequena parte da tapeçaria ao longe.
- Tem alguém aí? - perguntou Natalie, mas sabia que não teria resposta. Não estava com medo, mas disposta a se controlar, ela seguiu até a luz que cada vez mais parecia distante, enquanto se apoiava na parede do corredor.
Ela se aproximou. O tom forte de laranja dos próprios cabelos ficou mais nítido. Tudo parecia familiar. E nada, ao mesmo tempo. Se eu continuar a ter essas visões vou acabar enlouquecendo, pensou Natalie, olhando para os lados, onde havia uma parede lisa e escorregadia. Uma lembrança aflorou num canto da sua mente. Sonserina.
O som de uma porta batendo cortou os ares. Logo depois, outro som, como o de correntes sendo arrastadas. Alguém estava trancando uma porta mais á frente. Natalie parou, muda, e observou apreensiva a cena da própria visão.
Então apareceu alguém além da chama da vela. Pela fisionomia, era uma garota. E era estranhamente familiar, sentia isso, embora Natalie não ter conseguido reconhecê-la pela voz:
- O que você quer? - perguntou para alguém que Natalie não podia ver, a dona da voz sonolenta e irreconhecível. - Você é da Sonserina?
Natalie compreendeu: aquele lugar era o corredor que levava á sala comunal da Sonserina. Com o coração aos pulos, ela se esgueirou pela parede para conseguir ouvir mais. Conhecia aquela garota, mas de onde...?
- Você? O que veio fazer aqui?
A garota perguntava com insegurança na voz, mas a outra pessoa não respondia. Natalie ficou observando em silêncio as outras duas pessoas ao longe, sem saber o que fazer ou como voltar para o presente. Ela enterrou as unhas na pele pálida dos braços, porque sabia, infelizmente sabia o que estava prestes a acontecer.
- Que tipo de brincadeira é essa?
A outra pessoa, que até então estivera calada, repondeu numa voz gutural, também irreconhecível:
- Uma brincadeira das mais perversas... Avada Kedavra!
Houve um jorro brilhante de luz verde produzido pela Maldição da morte, e o silêncio.
Natalie voltara para o presente. Saíra do corredor frio e escuro da Sonserina e estava agora em seu quarto quente e confortável na Corvinal. Olhou para os lados, para ver que o pesadelo realmente acabara, então pôs-se a roer as unhas com ansiedade.
Acabara de presenciar um assassinato. Alguma garota vai ser morta. Uma das Venom.
A mente calculista de Natalie analisou instantaneamente os dados sobre as cinco garotas, incluindo ela mesma. Alexy Bloom, Mia Dawson, Vallery Stevens, Amanda Hartwell e Natalie Smith. Acho que sei qual delas vai morrer. Natalie sorriu com o olhar frio, sentindo uma onda de curiosidade perversa. Vou esperar e ver se acertei.
Harry continuava pensando no que presenciara na floresta proibida. Amanda teria falado a verdade ou a essa hora estaria rindo dele? Ela também havia sobrevivido a uma Maldição da Morte? Isso parecia impossível para qualquer um, menos para Amanda. A história dela era impressionante demais para se acreditar, apesar das provas, e verdadeira demais para se ter dúvida, o que deixava Harry particularmente indeciso.
Naquela manhã, Harry acordou de repente, mais cedo do que costumava fazer. Se sentou na beirada da cama, aturdido, sem ligar para os roncos de Rony na cama ao lado.
Como podia ter esquecido? Quanto tempo fazia desde que havia visto aquela estranha névoa no espelho de Sirius?
Sentindo uma grande aflição e culpa, Harry se atirou embaixo da cama, puxou o malão e começou a revirá-lo tão energicamente que acordou Rony.
- Que foi? - perguntou Rony um pouco agressivo, mas se acalmou ao ver um prato de torradas com manteiga feito por Hermione posto cuidadosamente em cima da mesinha.
- Amanda me disse uma coisa curiosa - começou Harry, atirando para trás um par de meias coloridas. - Ela me disse que também sobreviveu a uma Maldição da Morte.
- O quê? - berrou Rony, se engasgando com a quantidade descomunal de torradas ingeridas. - Não pode ser verda... quando foi que ela te falou isso?
- Faz pouco tempo - Harry hestou. Não podia contar que eles se encontraram por acaso na floresta proibida. - Então, você acha...?
- Que ela mentiu pra você? Sem dúvida! - completou Rony, num tom de quem sabe das coisas. - De tudo o que a Amanda faz com perfeição, depois de fazer ameaças, é mentir.
- Mas e se isso for verdade? - retrucou Harry, atirando no chão, sem querer, um frasco de vidro. - Quer dizer, você sabe que os pais dela morreram com a Avada Kedavra, e se ela sobreviveu...?
Rony não teve tempo de dar a sua resposta contrária; a porta foi violentamente escancarada e uma garota sorridente de faces coradas e cabelos bicolores adentrou no quarto, sem aviso prévio. Rony puxou as cobertas até a altura dos olhos para se proteger do eminente ataque terrorista.
- Harry! - gritou Mia felicíssima, indo até ele, parecendo não se importar com a bagunça dos objetos fora do malão. - Me mandaram entregar isso pra você!
Harry pegou, assustado, o estranho cartão que Mia lhe estendera. Ele olhou para ela e a reconheceu como a amiga elétrica de Gina e Amanda, artilheira do time de quadribol da Lufa-Lufa e conhecida em Hogwarts por ser ocasionalmente infantil e criadora de confusões. Mia olhou para Harry e deu um sorriso radiante, e depois, um interrogativo e não tão entusiasmado, para Rony, e saiu.
- Maluca - resmungou Rony, sacudindo o farelo de torrada de cima das cobertas. - O que ela te deu, Harry?
- Um cartão de Natal - falou ele confuso, fitando a foto de um papai noel com dois esquilos segurando azevinhos. - Em maio?
Embaixo da foto dos dois esquilos estava escrito um poema:
O Natal é um dia especial
De riso, amor e animação
Para compartilhar momentos felizes
Com as pessoas que você tem no coração.
Rony e Harry se entreolharam com uma expressão idiotamente cômica.
- Tem alguma coisa escrita aqui - disse Harry depois de algum tempo examinando o outro lado do cartão. - É da Luna!
Querido Harry,
Desculpe pelo cartão, não achei pergaminho aqui. Foi tudo muito estranho, acordei hoje no St. Mungus. Estou me lembrando aos poucos por que eu estou aqui, mas ainda preciso de algumas respostas.
Não se preocupe, está tudo bem. Devo voltar em poucas semanas.
Mande minhas lembranças para Gina, Rony, Hermione e Neville.
Até mais.
Harry sorriu e colocou o cartão em cima da cama. Momentaneamente, por causa da felicidade de receber um simples cartão de natal em época errada, ele esqueceu que estavam discutindo sobre Amanda e que estava procurando algo importante, até Rony perguntar:
- Por que tirou tudo isso de dentro do malão?
Harry acordou do devaneio e se atirou novamente ao monte de inutilidades, sacudindo o malão com força, como se quisesse que o que estivesse ali saísse por conta própria.
- É algo sentimental? - Rony tornou a perguntar, debochando. - Tá procurando alguma carta de amor?
- Não - murmurou Harry, acrescentando maliciosamente: -, mas falando em amor, parece que você e Hermione andaram se entendendo, não? Torradas com manteiga no café da manhã preparadas por ela? Que romântico - debochou.
Rony corou violentamente e colocou o resto de torrada na boca para não ter que responder. Harry estacou. Pareceu paralisado por algum momento.
- Não... pode... ser... - ofegou Harry.
- Calma, não foi nada de mais, ela disse que ia pensar no assunto...
- Não Rony! - Harry tinha no rosto uma expressão séria e amedrontada. - O espelho de Sirius! Não está aqui! Eu o perdi!
Fazia uma tarde nublada e calma quando Amanda saiu dos arredores da floresta proibida; passara quase o dia inteiro lá e havia perdido todas as aulas. Como se ela se importasse com isso.
Amanda sentou atrás de uma árvore, perto do lago. Já estava abrindo a mochila quando ouviu uma voz familiar que a fez largar a mochila no chão.
- Você não estava na aula de Herbologia.
Um arrepio percorreu o seu corpo. Ela se virou e viu Draco no lado oposto da árvore, segurando o que parecia ser um pergaminho com quilômetros de dever de casa. Ele não estava nem um pouco feliz.
- Oi pra você também - disse ela calmamente para ocultar o medo que sentira ao saber que ele quase descobrira o seu segredo. - O que foi?
- Onde você estava? - perguntou ele conservando a voz fria. - Ou isso é uma das coisas que você também não pode me contar?
Amanda estranhou o jeito dele. Era o mesmo modo que ele falava quando a garota se recusava a dizer algo.
- O que foi? - ela tornou a perguntar, com sentimento de urgência, mas ele a ignorou. - Eu estava na escola...
- Não, você não estava! - retrucou Draco, encarando-a seriamente. Amanda teve aquela sensação desagradável que antecede uma discussão. - Vai passar a mentir pra mim agora?
- Não - Amanda retribuiu o olhar com a mesma intensidade, mas no fundo adorava observá-lo. Gostava demais dele e por isso não conseguia mentir. - Draco, entenda, tem certas coisas...
- ... Que eu não posso contar pra você - terminou ele num tom debochado, imitando-a. - E por que não? Porque a Mandy quer fazer as coisas sozinha, a Mandy não aceita ajuda nem do próprio namorado... - Draco jogou o pergaminho no chão e fitou os olhos azuis dela com voracidade. - É que você não sabe o quanto que eu suspeito que você esteja atrás de tudo isso que está acontecendo em Hogwarts...
Amanda não demonstrou reação. Sorriu tristemente, olhando para o céu nublado. Sabia que um dia isso iria acontecer. Não dava para esconder tudo de Draco.
- Eu só queria saber - murmurou Draco irritado, agora olhando para o pergaminho no chão como se ele fosse dar todas as respostas - quem são os seus pais, o que você foi fazer na Borgin & Burkes e com quem você estava falando ontem, dentro do armário de vassouras, se você saiu de lá sozinha?
Ela desviou o olhar rapidamente. Ele estava pedindo demais, o que aconteceria se ele soubesse a verdade? Draco pensou ter visto um lampejo prateado nos olhos dela quando começou a falar:
- Draco, meus pais... - disse ela em voz baixa, apertando os mãos contra a grama verde que florescia em volta. - ...minha mãe morreu há um ano, e meu pai... bem, eu não... o conheci - Isso era uma meia-verdade, já que não se lembrava de quem ele era. - Por favor, pare com isso...
Draco resmungou alguma coisa inaudível. Amanda só então percebeu o quanto era difícil mentir para a pessoa que mais amava. Subitamente ela se lembrou do que ouvira atrás da porta, aos treze anos, quando o sr. Borgin havia dito "ela tem um tipo mestiço perigoso, mas não é impossível de controlar". O que ele estaria querendo dizer com isso? Que tipo seria esse?
- Minha mãe era puro-sangue, mas meu pai... não tenho certeza. Kate Hartwell não era do tipo que se casaria com um trouxa... ou talvez sim... - Amanda hesitou. Deu um suspiro e acrescentou, preocupada. - Isso não faz diferença pra você, não é?
- Não - disse Draco. Rápido demais. Frio demais. - Mas não podemos...
Amanda se levantou; estava se sentindo mal. Entendera a verdade. Draco não queria saber do seu passado, e sim se tinha sangue puro ou não. Sentiu um aperto no coração, era como se Vallery estivesse ali, dizendo " Ele não mudou nem vai mudar. Espero que você tenha sangue puro, pro seu próprio bem". Por que tinha sido tão ingênua?
- Patético - disse Amanda com o máximo de desprezo que pôde colocar na voz. Não impediu as lágrimas quentes de rolarem pelo rosto; queria que ele as visse. - Você é um idiota patético e preconceituoso, Draco Malfoy!
Ele se levantou e olhou nos olhos de Amanda. As lágrimas rolavam, mas ela ainda estava bonita. Draco estava lembrando da sensação do seu beijo, queria que ela entendesse que não estava fazendo aquilo por vontade própria... Draco tinha os olhos vermelhos como os dela, a lágrima desceu sem aviso...
- Amo você, Mandy...
Ele não chegou a dizer. Ela já se fora.
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