Prólogo
Dizia-se que o conde Richard não era humano, que era, na verdade, um demônio que conseguira escapar do Inferno e assumir a forma humana. Seu tamanho descomunal seria uma prova de que não se tratava de um nativo deste mundo, ao passo que as cicatrizes profundas em suas feições rudes dariam testamento da luta feroz que ele empreendera para sair do abismo de fogo eterno. Harry, o conde dos Potter, jamais dera ouvidos aos boatos ridículos. Até agora.
A intimação que recebera de Richard uma hora antes, ainda que ele houvesse usado o termo intimação por educação, pois na verdade fora uma ameaça, representara a menor de suas surpresas naquela noite. A escuridão lúgubre da enorme e elegante mansão dos Granger, Wilborn Place, bem no meio do bairro mais badalado de Londres, certamente dera-lhe vantagem, bem como a visão dos muitos veículos de alguns dos nobres mais importantes da Inglaterra estacionados em frente.
O fato de os criados serem capazes de desaparecer rapidamente nas sombras também causara um pouco de discussão. Lorde Ronald, que estivera presente quando a intimação chegara e então insistira em acompanhar Harry, murmurou, enquanto seguiam o soturno mordomo por um corredor escuro:
- Se eu soubesse que estaríamos cercados de fantasmas, teria trazido um padre.
Mas o choque maior fora a visão do próprio Richard, quando ele finalmente adentrou as portas do estúdio em que Harry e Rony o aguardavam.
Despenteado, com a barba por fazer e tão mal vestido quanto um estivador, parecendo aborrecido e cansado, o homem contemplou os convidados de sua altura superior e, sem preâmbulo, comentou grosseiro:
- Trouxe um amiguinho para segurar sua mão, Potter? Tudo bem. Acho a maioria dos almofadinhas como vocês insuportável, mas Weasley ao menos sabe lutar.
- Não com o senhor - observou Rony, respeitoso. - Na última vez que tive a honra de enfrentá-lo no Jackson's, quase me fez perder todos os dentes. Passei uma semana comendo mingau de aveia.
Com uma risada rara, Richard foi pegar uma garrafa de conhaque junto à maciça escrivaninha que ocupava todo um lado da sala.
- Sentem-se - convidou, servindo-se um drinque. - Tenho pouco tempo antes de retomar assuntos mais importantes.
- Não, obrigado, meu senhor - replicou Harry, vendo o homem acomodar-se numa espaçosa cadeira atrás da escrivaninha. - Temos um compromisso na casa de lorde e lady Patil. Só passamos aqui primeiro porque sua missiva era urgente.
- Urgente - repetiu Richard, reparando nas roupas elegantes dos convidados com óbvio divertimento. - De fato, Potter, é uma questão urgente que o traz aqui esta noite. Mas para mim a etiqueta tem menos serventia do que almofadinhas, de modo que vou dispensá-la e ir direto ao ponto. Você veio porque mandei-o vir. Porque comprei todas as suas dívidas, penhores e hipotecas, incluindo a de Godric's Hollow. - Fez uma pausa para bebericar o drinque, os olhos fixos nos de Harry por sobre a borda do cálice. - Que imprudência. Não percebeu como a propriedade de sua família ficou vulnerável ao oferecê-la em garantia de um empréstimo tão vultoso?
- Foi uma atitude infeliz mas necessária - justificou Harry, alerta. - O contrato vence no próximo trimestre. Se de fato está com a promissória da hipoteca, receberá o valor devido. Todo o valor.
- Não. – Richard Granger pousou o cálice na mesa. - Não aceitarei pagamento em dinheiro. Não aceitarei dinheiro para nenhuma de suas dívidas. - Inclinando-se para a frente, passando os dedos no queixo. - Quero pagamento de um outro tipo.
Harry não expressou surpresa.
- Comprou todas as minhas dívidas para me ter em suas mãos? Devo adverti-lo, meu senhor, de que isso se chama chantagem e pode muito bem conduzi-lo à prisão de Newgate.
Richard alargou o sorriso indolente.
- Oh, não, meu rapaz, essa não é uma das suas opções! O que sabe a meu respeito não é suficiente nem para que comece a entender o que posso lhe fazer sem medo de retaliação. Garanto que não perderia um minuto de sono por sua causa. Caso não queira ver-se arruinado e sua querida mãe e lindas irmãs, despejadas do castelo ancestral, sugiro que se sente e ouça minha proposta. Depois, poderá gritar e esbravejar o quanto quiser.
- É melhor nos sentarmos, Harry - decidiu Rony, com resignação prática. Quando Graydon o olhou nervosamente, teve de completar - A menos que queira passar a noite toda discutindo em pé.
Assim que os dois se acomodaram, Richard começou:
- Vou dizer exatamente o que quero e assim não nos cansaremos brincando de gato e rato. Minha irmã, Hermione, e minha sobrinha, Luna, vêm a Londres no próximo mês para debutar. Quero que acompanhe Hermione enquanto ela estiver aqui e garanta que ela e Luna sejam totalmente aceitas na sociedade.
Um silêncio sepulcral se instalou enquanto Richard olhava de um rapaz para outro.
- Nunca pensei que fosse chegar o dia em que veria uns janotas como vocês mudos de choque, mas ei-lo. É péssimo ter de colocar minha própria irmã aos cuidados de alguém assim, mas você a tratará com toda a consideração, se não quiser sofrer as consequências. É o melhor que posso fazer, exceto comprar-lhe um marido.
Com esforço, Harry recuperou a voz:
- Meu senhor, o que sugere é um absurdo.
- Não pensará assim quando estiver se correspondendo com sua família e amigos de dentro de uma cela - retrucou Richard.
- Mas por que quer fazer isso? - questionou Harry. - E por que eu? Não posso de repente começar a cortejar uma moça que nunca vi antes.
- Por que não? - Richard movimentou os ombros maciços. - Assim como seus colegas, aprendeu no berço como manipular os outros. Pode conseguir quase tudo, se se esforçar um pouco. E não pense que não sei. Venho do mesmo tipo de gente, com seus títulos, sangue e emoções ancestrais. - Recostou-se confortavelmente na cadeira. - Os Granger remontam à época anterior aos romanos, tanto tempo atrás que bem poderíamos ter água em nossas veias, a esta altura, em vez de sangue, de tão diluído. Alguns de nós são meio loucos, outros, quase inumanos. Abandonei minha família aos catorze anos e jamais teria voltado se meu irmão não houvesse morrido sem deixar um herdeiro para seu título e propriedades, e se Hermione não houvesse precisado de mim. Amei poucas almas em minha vida, Potter, mas minha irmã é a mais preciosa de todas. Poupei-a de todo mal ao longo de todos esses anos, mantendo-a no campo, o mais longe possível dos abutres da sociedade, mas agora imagino que talvez a tenha prejudicado. Aos vinte e um anos, é vulnerável como um bebê. Vir para Londres é seu sonho. Uma resposta a suas preces. Não permitirei que se decepcione. Entenda isso. - Adotou uma expressão um tanto ameaçadora, tão gentil e firme quanto a voz. - Hermione terá tudo com que sonhou. Exatamente como sonhou. Você irá garantir isso, ou perder tudo o que lhe é mais caro. Dou minha palavra de honra.
- Por quê? - insistiu Harry, balançando a cabeça. - Deve haver dúzias de homens mais adequados que poderia ter escolhido.
- Engana-se. - Richard abriu uma gaveta e pegou uma folha de papel coberta de texto. - Segundo minhas fontes, você é um ótimo esportista, criador de moda, poder ascendente no Parlamento, considerado o melhor dos partidos pelas mães das donzelas casadouras e, de acordo com minha amante - encarou-o - bonito o bastante para fazer mocinhas desmaiarem se lhes sorrir. Não que eu queira que dê em cima de Hermione, é claro, ela é sensata demais para esse tipo de comportamento. - Inclinando-se, ofereceu o relatório a Harry, que o leu com olhar estreito. - Está tudo correto?
- Está. - Harry passou o papel a Rony. - Incluindo o nome e endereço da minha amante. - Relaxado, passou os dedos pelas dobras da gravata. - Gostaria de saber como descobriu tanto a respeito de minhas irmãs, incluindo suas datas de nascimento, mas nem vou perguntar.
Richard deu um sorriso gélido.
- É... você não aprovaria meus meios.
- Céus - murmurou Rony, jogando o papel sobre a escrivaninha. - Até eu sou citado como uma de suas companhias frequentes. Nunca imaginei que poderia ser perigoso andar por aí com você, Harry.
- Se bem que falta uma informação - declarou Harry. - Passei os últimos meses cortejando abertamente a srta. Parvati Patil e todos comentam que estamos nos entendendo, embora eu não lhe tenha feito uma proposta formal ainda. Não posso fazer o que me pede sem dar margem a comentários desagradáveis, talvez até afastando a srta. Patil, mesmo que eu lhe explique a situação.
O conde Granger ficou sério.
- Não vai revelar a ninguém nosso acordo. Nenhum dos dois. - Pousou o olhar carrancudo em Rony, que lhe sorriu alegre. - Se Hermione souber disto, ficarei muito chateado. Pouco me importa a reação da srta. Patil. Para mim, ela não existe. Só me interessa que Hermione se divirta em sua primeira temporada em Londres e seja poupada de desfeitas por parte da sociedade. Se ela quiser ir a festas, você fará com que seja convidada. Se ela quiser dançar, você fará com que a tirem para dançar. Quando chegar a hora de ela voltar para Granger Hall, quero vê-la sorrindo.
- Se ama tanto sua irmã, por que não a acompanha pessoalmente? - indagou Harry.
Richard levantou-se e pousou as manoplas no tampo da escrivaninha.
- Que pergunta idiota, Potter! Se eu acompanhasse Hermione, ela seria tratada com respeito apenas por terem medo de mim, enquanto que a nossas costas aquelas matronas de língua ferina não a poupariam. Já se o cavalheiro mais cobiçado de Londres demonstrar interesse por lady Hermione Granger, a sociedade a receberá de braços abertos. - De sua elevada estatura, olhou-os como uma pantera olharia para sua presa indefesa. - Hermione e Luna chegam em três semanas, com minha cunhada, lady Isabelle. A primeira saída será ao Almack's, onde já fiz reservas para elas. É bom que se apresente a Hermione nessa ocasião, Potter, pois dali a um mês ela e Luna terão seu baile de debutantes, aqui em Wilborn Place, e espero vê-lo tirando Hermione para a primeira dança. - A lorde Weasley, acrescentou: - Se nutre algum afeto por seu amigo, faça o que puder para ajudá-lo nessa empreitada. Caso contrário, terá de levar-lhe conforto quando ele estiver cumprindo pena por calote. Será, prometo-lhes, um longo período em que se provará a força de sua amizade.
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