Capítulo I
Eu adorava seu sorriso comum. Acho que o fato de todo o seu rosto parecer sorrir junto, em sincronia com os seus lábios, sempre me afetou de uma forma profunda. Muito mais profunda do que era de se esperar. Prometi pra mim mesmo que deixaria de pensar em você. Mas meus sentimentos com relação à sua pessoa sempre foram muito obsessivos, quase como uma doença. Quando eu me julgava apto a pensar em você como amigo, vinham os seus sorrisos me mostrando o quanto disso era mentira, e que eu estava apenas me enganando. E isso era assustador. Porque, por mais que eu tentasse fugir da sua presença, jamais conseguiria fugir de mim mesmo.
Procurei em muitos rostos a simplicidade do seu, mas sempre me frustrava ao me deparar com tantas máscaras diferentes. Era na sua face marcada de dor e tristezas que eu abandonava os princípios, que eu tentava me afogar. Em cada uma de suas cicatrizes, que eu via como um convite para um toque mais demorado, eu imaginava uma chance de mostrar que existem cortes muito mais profundos e cicatrizes muito mais grosseiras do que as que preenchiam sua face depois de cada transformação.
Você dizia abandonar a razão a cada lua cheia. Pobre de mim, que abandonava a minha a cada vez que meus olhos batiam em você...
* * *
Perguntava-me: Quando?. Quando tudo isso começou? Talvez naquela primeira manhã como animago, quando acordei cansado e extasiado pela nossa aventura da noite anterior e me deparei com o seu corpo nú, deitado ao meu lado. Você não sorria naquela ocasião, é óbvio. Mas seu rosto ainda mantinha algo de casual, como se tivesse sido desenhado ao acaso. Essa aura de inocência velada me machucava. E eu me senti tonto quando vi sua tão desprotegida alma ali repousando. O sono dos justos, pensei. O sono dos inocentes, corrigi. Porque você sempre foi um inocente. Inocentemente condenado ao horror. Mas pensando em tudo isso, agora, percebi que a única vítima na nossa história fui eu: a vítima oculta de um sentimento tão obscuro quanto meu próprio nome.
Talvez, naquele instante, eu tenha deixado de lado o meu orgulho e admitido, por alguns instantes, que eu te amara desde a primeira vez que bati meus olhos em você. Muito além de aparências, muito além do sangue ou da condição. Apaixonei-me perdidamente pela face marcada e pela visível angústia, que lhe corroía como um veneno. Apaixonei-me, primeiramente, pela sua idéia, e não pela sua pessoa. Acho que eu via em você uma forma desprotegida daquilo que eu não era mais: uma alma pura.
E foi essa paixão descomedida que nos ligou pela amizade. Mas enquanto o seu corpo jazia ao meu lado, lentamente se tornando dourado pelos fracos raios de sol que se permitiam atravessar o ambiente empoeirado, eu não desejava apenas a sua amizade. Eu admiti, deixando meu ego estilhaçado ao chão, que eu te amava mais que tudo nesta vida, porque você havia me mostrado o real valor dos sentimentos. Os mais puros e desconexos que eu jamais fora capaz de sentir antes.
Mas você tinha disso: tocar no mais profundo de mim. Porém, a cada vez que eu me permitia aceitar tudo o que você me proporcionava, uma parte de mim era arrancada. Eu sabia que estava pecando. E isso doía. Não por mim, que já era um condenado sem volta. Mas eu não teria a coragem de lhe arrastar ao Inferno junto comigo.
E antes que todos acordassem, eu senti medo por nós. Senti-me culpado por lhe desejar. Mas a verdade é que não havia castigo pior do que estar tão próximo de você e não poder lhe tocar. Eu já estava no Inferno.
Eu não sorri quando seus olhos se abriram, mas conjurei um cobertor para esconder seu corpo, tentando com isso esconder tudo o que você fazia em mim. Tentando me esconder da verdade que se apresentava na minha frente através de suas formas pálidas e magras, machucadas. Você suspirou com o contato do cobertor sobre sua pele castigada, e eu me senti fraco. Lembrei-me de tudo o que você havia enfrentado naquela noite, e em todas as que já se foram. Amaldiçoei-me por não poder aplacar a fúria da fera que lhe rasgava, dilacerando sua pele, seus sonhos.
- Quão injusta a vida pode ser, Moony? - perguntei entre sussurros. E ouvi não mais que um sussurro de sua boca:
- Obrigado por tudo.
E eu me deixei levar pelos seus olhos cor de âmbar. E me afoguei em sentimentos ímpares, julgando-me débil demais para continuar ali. Levantei-me, deixando para trás seu rosto indagador e os outros Marotos adormecidos. E quando achei que já estava a uma boa distância de você, eu desabei no chão. A vida era muito injusta com todos nós. E a minha máscara se partiu, junto com tudo o que eu acreditava ser certo nesta vida. Dei-me conta de que quando beijara todos aqueles lábios, sedento, eram os seus que eu procurava. Eram os seus lábios que eu procurava, era o seu corpo, era o seu amor. Por quanto tempo eu tinha me enganado, desejando outras pessoas apenas para comprovar que nenhuma delas era tão importante quanto você?
Sabia que aquele momento de fraqueza, enquanto eu aceitava tudo o que eu realmente sentia, jamais deixaria que a vida continuasse sendo o que era antes. E por um momento eu sorri: talvez o peso de tudo pudesse se dissipar, agora. Mas eu me julgava muito mais pesado e cansado do que no dia anterior.
Eu me enganara com a intenção de me redimir da dor que futuramente causaria a nós dois. Eu mentira para mim mesmo porque a verdade era muito mais cruel do que qualquer invenção. Mas eu estava atado à esta realidade, irremediavelmente. E com isso, atado à você.
~oOo~
Muito obrigada pelo apoio, Juliana.
N/A: Este é o primeiro capítulo do meu quarteto de análises de Sirius Black. Publico os outros três assim que tiver feito a devida correção...
Enquanto isso, o blog está a disposição...
=]
http://morganaonirica.blogspot.com/
Comentários sempre são bem-vindos.
Obrigada,
Morgana Onirica.
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