Tarde Demais...



Nevava muito lá fora e Daisy Evans entrou em casa afobada, carregada de presentes. Petunia mal esperou ela entrar para gritar bem alto, da cozinha:

- Mãe, os biscoitos de gengibre queimaram.

Daisy respirou fundo. Colocou os presentes em cima do sofá. Depois os arrumaria.

Petunia apareceu rapidamente, mais uma vez reclamando.

- Ela está lá em cima, não me ajuda em nada.

- Deixe sua irmã em paz, Tunia. Você sabe que ela não anda bem. Eu vou fazer outros biscoitos, não se preocupe.

Os olhos de Daisy pousaram na grande árvore de Natal, árvore que comprara quando Petunia completou um ano. Agora suas filhas estavam crescidas... Lily completaria dezoito anos em pouco mais de um mês. E em fevereiro faria dois anos que o pai delas, Anthony, morrera num trágico acidente no metrô.

Suspirou. Sua filha andava estranha, tinha voltado da escola há pouco, e anunciou estar namorando um colega da escola. Daisy sabia que não era Severus, o rapaz taciturno que costumava visitá-la nas férias. Ela sabia também que adolescentes "normais" geralmente tinham namoricos que começavam e acabavam como um "passe de mágica", e no mundo bruxo isso devia ser igual. Só não entendia porque não conseguia enxergar nos olhos de Lily aquela alegria e felicidade usual de quem estava apaixonada.

Moldou os bonecos e colocou-os no forno. Nunca gostara da noite de Natal, sempre achou a data deprimente e melancólica. Lily tinha puxado a seu pai, e adorava festas, alegria, troca de presentes. Subiu para o seu quarto e tomou um susto ao ver Petunia com o ouvido grudado na porta do quarto da irmã.

- Petunia! O que significa isso?

A filha abriu os olhos espantada, nem pediu desculpas e se trancou no quarto ao lado. Daisy se aproximou do quarto de Lily e percebeu que esta chorava. Seria pelo pai? Seria por algum problema na escola?

Não sabia o que fazer. Entrava e invadia a privacidade de Lily? Ou simplesmente deixava a filha em paz? Quando ela era menor, e não havia ainda descoberto ser uma bruxa, era tão fácil de se lidar. Mas com o tempo foi se tornando enigmática e escondendo tudo de todos, dos pais, da irmã, que não parecia fazer outra coisa senão importuná-la enquanto ela estava em casa... Decidiu descer à cozinha para ver os biscoitos. As meninas não perdoariam a falta de biscoitos de gengibre na noite de Natal.

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Todos já tinham ido dormir, quando ela ouviu vozes no quintal. Desceu, aflita, pensando tratar-se de ladrões. Encontrou Lily conversando com alguém, a porta dos fundos aberta, por onde entrava um vento frio e penetrante. Nunca fora de espionar as pessoas, mas a curiosidade foi maior do que ela. Ficou escondida atrás da porta da despensa, se sentindo um monstro, mas precisava saber mais sobre a filha, precisava saber o que se passava com ela, já que ela pouco a pouco se fechara para a família.

- Eu já disse - sussurrou Lily, zangada. - Ou você entra, ou vai embora. Está muito frio! E não vou ficar gritando com você aqui, os vizinhos podem ouvir, entra!

Era Severus... Severus Snape, o antigo amigo de infância, que fazia uns dois anos tinha sumido dali. Daisy conseguia ver o seu semblante sob a claridade artificial dos postes de luz. Lily acendeu a luz da cozinha, e agora ela não poderia mais fugir, escondeu-se rapidamente dentro do armário da despensa. Se Lily a visse ali...

Severus respirava com dificuldade.

- Senta, seu louco. Vou preparar um chocolate quente para você.

Daisy conseguia ver os dois pela fresta da porta. Severus parecia tão mais velho, Daisy teve um sobressalto ao ver seu rosto, sua agonia. Lily parecia feita de pedra, o rosto duro, a voz fria.

- Então você já está com essa marca nojenta no braço, como seus amiguinhos, não é? Sirius Black me contou como vocês se reconhecem.

Severus não respondeu. Ele olhava para Lily com tanta angústia, Daisy mordeu os lábios, facilmente se via que ele estava tomado de paixão.

- Sev, eu o avisei... Eu avisei sobre tudo que sabia, sobre os perigos, sobre o caráter desse monstro - disse Lily, colocando uma xícara de chocolate em frente ao rapaz. Ele ficou olhando para o conteúdo da xícara, incapaz de se mover.

- E então, não vai tomar? Quer morrer de frio? - disse ela, os braços cruzados, o rosto zangado, mas Daisy sabia, conseguia ver o que Lily realmente sentia através dos gestos da filha, de seus olhos, e Daisy reprimiu as lágrimas.

- Lily - disse Severus, sua voz suave entremeada de dor. - Ele não merece você...

- Quem não me merece? James? Então sou eu agora que digo: "ELE" não merece você também, aquele coisa ruim, o que-não-deve-ser-nomeado, tomou você como escravo, um escravo, Sev, assim como tomou Regulus Black, Malfoy, e todos que almejavam poder e tinham ambição suficiente para cair como patinhos na rede de maldade dele.

- Lily... James...

- James está do meu lado! James pode não ser perfeito mas ele quer lutar contra aquela coisa horrível que só cresce ao nosso redor. Dumbledore confia na gente, ele acha que poderemos nos tornar aurores...

- Você não o ama! - gritou Severus, derrubando a xícara de chocolate, intocada, e tentando se aproximar de Lily, que o repeliu.

- Quem é você para me falar sobre amor? - disse ela, tonta de ódio.

Severus segurou-a pelos braços, seu rosto implorava perdão, compaixão... Daisy sem querer derrubou uma lata de ervilhas, mas eles nem notaram.

Lily chorava.

- Você não entende, Sev? Há um abismo agora entre mim e você, e se antes eu estava chateada com o fato de você perseguir e menosprezar trouxas, agora é muito pior, muito pior...

Severus aproximou-se dela, carente, tentando abraçá-la. Lily não resistiu ao abraço, chorando.

- Por que? Por que você deixou isso acontecer?

- Eu fui um tolo - disse Severus, com a voz abafada, o rosto embrenhado nos cabelos de Lily. - Queria mostrar para todos do que eu era capaz... fui um tolo...

Então ele segurou o rosto de Lily e a beijou, docemente, trêmulo, tocando-a como quem segura uma preciosidade, e Daisy pensou que ela fosse reprimi-lo mas estava claro que ela o queria também, pois correspondeu ao beijo febrilmente. Desejou ser uma bruxa e poder desaparatar, como a filha havia contado que os bruxos faziam: sentia-se péssima, invasora.

Os dois ficaram abraçados durante muito tempo, até que Lily disse:

- Vá embora, Sev...

- Eu não posso...

- Vá...

Ele se soltou dos braços de Lily com dificuldade. Saiu devagar, como se caminhasse para a guilhotina.

Ao sair, disse, num murmúrio ardente, contrastante com o frio que fazia lá fora:

- Nunca esqueça que eu a amo, nunca... E a amarei até o fim dos meus dias...

Ela não se virou. Ele fechou a porta.

Daisy esperou que Lily subisse para o seu quarto mas a moça ficou ali, parada, as lágrimas escorrendo pelo rosto, sentou-se na mesa, cruzou os braços e escondeu o rosto, para abafar o choro.

Nervosa, a mãe mais uma vez derrubou alguma coisa da despensa, denunciando onde estava. Lily imediatamente voltou-se para a porta do quartinho, assustada.

- Petunia!

- Sou eu minha filha, desculpa, eu... eu não queria, mas... pensei que eram ladrões... não podia sair... Severus...

Mas Lily correu para ela, e a abraçou com força, continuando a chorar em seu ombro, como fazia quando era menina e alguma coisa que queria muito não tinha dado certo.

Pouco a pouco, ela se recompôs.

- Você o ama... - disse Daisy, suavemente.

- Sempre... - disse Lily, com um brilho triste nos olhos.

- E o outro rapaz, o tal James?

- Ele é como eu, eu gosto dele, poderá dar certo...

- E Severus?

- A vida, ou melhor, as escolhas de vida dele nos separaram, mãe.

Daisy pegou as mãos de Lily entre as suas e olhou-a nos olhos.

- Minha filha, não é sempre que vemos escolhas como a sua. Você é corajosa, menina. Você sabe o que quer. Mas nunca esqueça que podemos ser traídos pelo nosso coração quando menos esperamos...

Lily deu um meio-sorriso.

- Pode deixar, mãe. Estou preparada para uma luta. E vou lutar pelos meus ideais, mesmo que... mesmo que tenha que lutar contra o rapaz que amo...

Daisy a abraçou. Sentia orgulho da filha, e muita, muita pena.

Lá fora, um rapaz pálido, franzino, caminhava em direção a seu destino, e não chorava. Seu coração sangrava de dor, mas ele sabia que a culpa tinha sido toda dele, e essa culpa agora transtornava sua alma, e toda a esperança que teve em ser feliz um dia, foi-se, como a neve que derretia sob seus pés.

---- FIM -----

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