A maldição da sereiana
Draco Malfoy havia planejado dormir até mais tarde naquele dia quente de férias de verão, mas o calor era intenso e ficar na cama o estava incomodando. Em seu amplo e bem decorado quarto, raios de sol penetravam pelas frestas das cortinas verdes de seda indo de encontro ao rosto pálido de Draco. O garoto loiro sentia seu corpo muito quente sob grossos cobertores negros. Ele quis afasta-los, levantar e fechar as cortinas até não restar nenhum facho de luz solar, mas seu corpo não obedecia ao desejo de seu pensamento. O garoto apenas puxou um dos cobertores e tampou a cabeça. Faltava-lhe coragem e vontade para se levantar e enfrentar o longo dia de sol que nascia.
Às dez horas da manhã o sol implacável venceu o desejo de Draco de dormir até mais tarde. Ele retirou o cobertor da cabeça e abriu os olhos lentamente e eles arderam como se houvesse fogo em suas retinas. Levantou-se empurrando os cobertores com violência para o chão e passou as mãos pelos loiros. A blusa do pijama de seda estava grudada em sua pele suada e ele a tirou lançando-a para longe. De calças e tronco nu, Draco se dirigiu para o banheiro, que ficava dentro de seu quarto, abriu a torneira prateada da pia de mármore branco e lançou um pouco de água fresca no rosto. Levantou a cabeça e se deparou com sua imagem no espelho. Gotas de água rolavam pela sua face e seus olhos azuis cinzentos e frios estavam um pouco inchados. Draco ficou olhando dentro de seus próprios olhos por alguns instantes e começou a refletir o quanto aquelas férias de verão estavam sendo insuportáveis para ele. Seu pai, Lucius Malfoy, não poderia viajar por causa de seu trabalho no Ministério da Magia e sua mãe, Narcisa Malfoy, jamais viajava sem o marido, então, Draco estava condenado a passar férias entediantes dentro de sua casa até o início das aulas na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Ele odiava admitir, mas naquele momento, ali, sozinho, olhando dentro de seus olhos, reconheceu para si que em Hogwarts se sentia muito mais em casa do que dentro da luxuosa mansão de seus pais. Na escola havia quem dissesse que Draco Malfoy não tinha amigos, mas pelo menos tinha a compania de seus colegas. Em casa, tinha por compania a solidão de seu quarto bem decorado e ao mesmo tempo frio e vazio. Diante do espelho do banheiro, refletindo sobre todas essas coisas, Draco chegou a conclusão de que os alunos da escola tinham razão, ele vivia rodeado de colegas, mas sem nenhum amigo e tentou se lembrar se em sua vida conhecera alguém tão solitário quanto ele próprio. Naquela manhã, sentiu-se como portador de um enorme buraco no peito e seu coração pulsava de uma maneira estranha preenchendo-lhe de angústia e melancolia.
Meia hora depois, terminado seu banho matinal, Draco desceu as suntuosas escadas de tapete vermelho e corrimão dourado que levava à sala de jantar onde dois elfos cabisbaixos e maltrapilhos serviam o café da manhã. Aproximou-se da mesa desejando bom dia à sua mãe e beijou-a no rosto. Quando foi beijar o pai, este ergue a mão dispensando o cumprimento do filho sem tirar os olhos do jornal. Draco, desapontado, sentou-se em uma cadeira e imediatamente um dos elfos despejou chá de maçã em sua xícara. Ele percebeu que havia algo errado à mesa estranhamente silenciosa e por causa do semblante tenso dos pais não se atreveu a perguntar o que estava havendo. Depois de cinco longos minutos de silêncio, quebrado apenas pelo tilintar de xícaras e talheres Draco resolveu quebrar o gelo e perguntou para seu pai que continuava entretido em sua leitura no jornal:
_ Pai, você conseguiu saber se terá folga na semana que vem para viajarmos?
Lucius abaixou o jornal descobrindo seu rosto, olhou ironicamente para a esposa em seguida para o filho e disse:
_ Folga para viajar? Você deve estar brincando. Era só o que me faltava. Acha que vou largar o meu emprego e o conforto do meu lar para enfrentar uma viajenzinha ridícula de família para me deparar pelo caminho com uma multidão de bruxos imbecis e suas malas imundas em férias de verão? Pense no que está dizendo, Draco.
_ Você acha ridículo viajar com seu filho?
Lucius sentiu um abalo dentro do peito. Não estava pensando no que dizia ao filho, mas não demonstrou seus sentimentos.
_ Isso é uma besteira inútil, Draco.
_ Querido, acalme-se, disse Narcisa com uma voz falsamente calma e suave.
_ Me acalmar? Lucius sorriu ironicamente para a esposa e continuou. Tenho uma novidade para você Draco. Está vendo isso aqui?
Lucius se levantou e aproximou o jornal do rosto de Draco, os dois elfos se afastaram e foram para o canto da sala assustados com a voz intimidadora do seu senhor.
_ O que é isso? Perguntou Draco disfarçando o susto.
_ Não está vendo? Leia, “A nobre família Weasley”, disse Lucius debochadamente. Aquela família de esfomeados está milionária agora e enquanto você quer sair por aí esbanjando o meu dinheiro, o imbecil do Arthur Weasley está nadando em ouro.
Lucius atirou a edição do Profeta Diário sobre a mesa e deu as costas ao filho. Na foto, na coluna de bruxos celebres, Arthur e Molly Weasley sorriam largamente junto aos sete filhos em um magnífico jardim. Todos estavam felizes e se mexiam muito na imagem se abraçando e jogando beijos.
_ Arthur Weasley é um imbecil, um idiota completo. Pessoas como eu e que merecem as glórias do dinheiro e não ele com aquela família de mortos de fome. A essa hora devem estar gastando tudo em cochas de frango frito e bebidas de quinta categoria.
_ Mas, como o Weasley enriqueceu em tão pouco tempo, querido? Ao que me consta, o cargo dele no Ministério da Magia é insignificante, perguntou Narcisa pegando o jornal das mãos de Draco.
Lucius virou-se encarando o filho e respondeu:
_ O idiota do Weasley enriqueceu porque o filho mais jovem dele achou um tesouro valiosíssimo na floresta próxima ao chiqueiro onde eles moravam. Ele tentou guardar segredo sobre isso, mas eu ouvi o ministro dizer que uma elemental das águas deu ao filho caçula dele machados cravejados de pedras preciosas como recompensa por ele ter perdido um machado velho que pertencia ao pai.
_ Uma elemental das águas? Mas, faz muito tempo que esses seres não se comunicam com bruxos. Que sorte a dele não, querido?
_ Para você ver, querida. Enquanto filhos inúteis só querem causar prejuízos outros cobrem os pais de ouro e pedras preciosas, disse Lucius olhando para Draco que se levantou para disfarçar os olhos já cheios d’água. Ele encarou os olhos frios do pai antes de falar:
_ Se você acha errado viajar com sua família vá até a casa dos Weasley e bata na porta deles. Quem sabe Arthur Weasley não lhe dá um de seus filhos de presente.
_ Meu problema não é a família, é você.
_ Lamento lhe causar tanto incomodo, mas devo lembra-lo que não pedi para nascer. Eu não pedi para ser seu filho. Infelizmente eu não tive escolha.
Lucius ouvia de olhos arregalados a resposta do filho, seus lábios inferiores tremiam de nervosismo e mal Draco acabou de pronunciar as últimas palavras um forte estralo encheu a esplêndida sala de jantar da família Malfoy, os elfos correram para cozinha diante da cena de violência. Lucius havia acertado um forte tapa no rosto de Draco, Narcisa se levantou derrubando a cadeira, correu em direção ao filho e o abraçou. Draco chorava de raiva, sua mãe acariciava-lhe o rosto latejante.
_ Lucius, eu não acredito que fez isso, disse Narcisa com voz trêmula.
Draco se soltou dos braços da mãe e voltou-se para o pai com os olhos carregados de ódio e saiu correndo da sala em direção à saída da mansão. Lucius ficou parado, escorado em uma cadeira, com mão que usara para bater no filho tremula, seu coração parecia ter se rasgado dentro do peito depois daquele ato impensado.
Draco corria sem rumo pelas ruas nas proximidades de sua casa. As lágrimas rolavam quentes dos olhos, a garganta ardia e o coração batia descompassado dentro do peito. Em quinze anos Lucius nunca havia tocado no filho e de repente aquele tapa numa discussão estúpida. O rosto de Draco latejava sob o sol que lhe queimava a pele, mas dor maior estava por dentro. Maior que a dor física pelo tapa que levou era a dor em sua alma. Não se lembrava de seu pai ter lhe dito palavras tão duras em toda a sua vida. Pelo contrário, como filho único se sentia muito amado por ele e por sua mãe. Uma confusão de pensamentos enchia a cabeça de Draco enquanto ele caminhava sem rumo pelas ruas que não enxergava. Não conseguia entender a atitude de seu pai por mais que tentasse. Ele não achava possível que todo aquele ódio que seu pai sentia era simplesmente por ver os Weasley mais ricos que ele. Seria egoísmo e mesquinharia demais até para o Lucius Malfoy que Draco tanto admirava. Ele finalmente parou, sentou-se em um banco de madeira em uma pracinha redonda de gramado verde do bairro e ali ficou por todo o resto da manhã tentando entender o que acabara de acontecer.
Já passava do meio-dia quando as lágrimas cessaram nos olhos de Draco. O rosto ainda latejava, mas os pensamentos eram mais calmos e ele chegou a conclusão, pelo que conhecia do pai, que o ódio de Lucius era sim pelo fato de ver Weasley mais rico. Draco tinha de admitir, seu pai não suportava o sucesso de ninguém, muito menos o de alguém que ele julgava tão insignificante como Arthur Weasley. Draco se levantou do banco da praça, naquele momento com uma decisão tomada. Provaria para seu pai que ele não era um filho inútil que só pensava em gastar dinheiro com viagens idiotas. Iria procurar a elemental das águas, nem que passasse cem anos procurando na floresta, mas traria para seu pai todo o tesouro que entrasse e Lucius teria que retirar todas as palavras duras que disse a Draco. Ele se levantou do banco da praça e seguiu de volta para sua casa. Entrou escondido pelas portas do fundo da mansão. Na cozinha, encontrou o mais novo dos elfos domésticos e ordenou que não fizesse barulho e não dissesse a ninguém que ele estava em casa novamente. Foi até o armário de ferramentas que ficava no canto da cozinha e procurou por um machado. Havia três, Draco pegou o menor deles de cabo de madeira preta e lâmina prateada ainda nova e saiu com a mesma cautela que entrou para que não fosse visto por seus pais. Chegou até a rua, e se lembrando das duras palavras de Lucius, uma determinação brutal tomou conta de seus pensamentos e ele tirou sua varinha da cintura, concentrou-se na velha floresta próxima à Toca Weasley no vilarejo de Ottery St. Catchpole e desaparatou com estralo rápido.
Draco havia conseguido, aparatou em meio à floresta nos arredores da antiga Toca Weasley que havia se transformado em uma extraordinária mansão. Mas quando se deu conta disso, estava caído no chão, meio tonto e sua visão era um pouco embaçada. Desaparatar não era o seu forte e ele levou um tempo para se recuperar. Minutos depois se levantou e pegou o machado que estava caído a seu lado, com a visão um pouco melhor pode observar as grandes árvores que compunham a paisagem da floresta. Sem saber que direção tomar, Draco foi caminhando lentamente entre as árvores, varinha ainda em uma mão e o machado na outra, estudando o terreno e olhando para todos os lados de onde vinha um estralo, um cantar de pássaros ou outro barulho qualquer.
Três horas, era o tempo que Draco calculou que já havia caminhado sem rumo pela floresta cuja paisagem parecia se repetir entediosamente como se ele estivesse andando em círculos. Draco parou, encostou-se a uma árvore e enxugou o suor da testa com a camisa preta. Seu peito estava encharcado de suor e ele desejou despir-se, pelo menos retirando a camisa para refrescar-se. Abriu alguns botões e ficou embaixo da árvore. Um pouco da determinação que o envolveu horas antes já havia se esvaído, ele queria alcançar seu objetivo, mas estava muito cansado, o sol era forte, Draco não via nenhum sinal de água nas proximidades e sua garganta já estava seca. A imagem do semblante furioso do pai em sua mente foi motivo suficiente para Draco seguir sua caminhada sob o sol forte e impiedoso do verão.
A noite já havia caído quando, passado a euforia dos acontecimentos daquela manhã, Draco se deu conta que estava em uma floresta escura, no meio do nada, sem a menor idéia de para onde deveria seguir. E a raiva disfarçada de coragem deu lugar ao medo. Uma leve brisa corria a floresta sob o céu negro bastante estrelado. A luz prateada da lua ajudou Draco a procurar um lugar para dormir. Andava vagarosamente, tomado pelo cansaço e pela fome. Chegou em uma pequena clareira no meio da mata e já entregue aos limites de seu corpo deixou-se cair aos pés de uma árvore de tronco fino e encostou-se nele colocando o machado no chão escuro coberto por folhas secas. Um cheiro suave de maçã penetrou em suas narinas lembrando-lhe os deliciosos chás preparados pelos elfos domésticos da casa de seu pai. Olhou para cima e se deu conta que estava embaixo de uma macieira de pequenos e cheirosos frutos. Draco colheu algumas maçãnzinhas, sentou-se novamente e as comeu. A seiva dos pequenos frutos, além da fome, ajudou a matar um pouco de sua sede. Depois de saciado, Draco observou melhor à sua volta. Viu que, um pouco à sua frente, havia um montinho de lenha recentemente cortada empalidecida pela luz da lua. Levantou-se e se dirigiu até lá. Ficou um pouco mais confortado, pois se ali havia lenha cortada significava que provavelmente existiria alguma residência ali por perto e quando amanhecesse poderia pedir ajuda. Pegou alguns galhos secos que estavam no monte de lenha e levou para perto da pequena macieira. Com dois toques de sua varinha os galhos começaram a pegar fogo e Draco conseguiu assim, uma pequena fogueira. Não estava muito frio, mas o fogo ajudava a iluminar um pouco mais o lugar. Voltou a encostar-se no tronco da macieira e ficou ali observando o fogo consumir lentamente os finos galhos secos. As chamas na madeira dançavam vagarosas sob o toque suave da brisa noturna quando uma coruja marrom de grandes olhos âmbar pousou em um dos galhos da macieira fazendo Draco reabrir seus olhos recentemente fechados pelo sono. Ficou por alguns segundos observado-a e depois voltou seus olhos para as chamas da fogueira. Um uivo distante ecoou pelas entranhas da floresta fazendo a coruja marrom voar da macieira e sumir na escuridão da noite quase no mesmo instante em que Draco Malfoy se entregou a um sono profundo e repentino.
Muita luz, foi o que Draco viu quando reabriu seus olhos na manhã. Levantou-se, já sentia um pouco de calor, a lenha da pequena fogueira apagada estava totalmente consumida. Espreguiçou-se e sentiu dores em suas costas causadas pela má posição em que dormiu, encostado no tronco da macieira. Draco já sentia mais aliviado, pelo menos já era dia e ficaria mais fácil encontrar alguém na floresta que pudesse ajuda-lo a se localizar. Pegou mais uma maçã na macieira e percebeu que além do canto dos pássaros outro som lhe chegava aos ouvidos. Era mesmo um canto, mas não de aves, era um canto em voz feminina muito doce e suave que fez Draco começar lentamente a andar como que conduzido pela melodia. Pegou o machado no chão e continuou andando. A medida em que caminhava sentiu o ar mais fresco, o sol já não era mais tão intenso como estava perto da macieira. Começou então, a ouvir, além da doce melodia, o som reconfortante de água caindo e acelerou seus passos se dando conta de que a sede ainda o incomodava. Um pouco mais adiante se deparou com um rio largo que corria em meio à uma vegetação muito fechada que ornamentava a margem com plantas que possuíam diversas flores de variadas cores, formas e tamanhos. Sentiu sob seus pés, o chão macio coberto por gramíneas verdes e espessas. Uma pequena e bela cachoeira derramava suas águas claras sobre o rio iluminado pelos raios do sol matinal.
Draco ajoelhou-se à beira do rio, colocou o machado sobre uma grande pedra coberta de musgos, e começou furiosamente a beber da água sentindo-a muito fresca percorrendo a garganta, refrescando-o por inteiro. A melodia cessou, a única música que se podia ouvir era o canto alegre dos pássaros que saudavam a manhã. Olhou para o machado sobre a pedra, passou as mãos molhadas no rosto e pegou-o. Ficou por uns instantes admirando a beleza do rio com o machado nas mãos. Ele olhou minuciosamente para lados se certificando de que estava realmente sozinho. Subiu na pedra onde estava o machado e o atirou com toda a força dentro do rio formando pequenas ondas circulares sobre as águas. Sentou-se na pedra e ficou aguardando. “Só pode ser aqui”, ele pensou, se existisse uma elemental das águas naquela floresta seria ali, na bela cachoeira, que ela se esconderia. Draco havia estudado um pouco sobre os seres da natureza em Hogwarts e sabia que a melodia suave e atraente que ouvira minutos antes certamente vinha de uma elemental, pois, segundo o que havia lido, era através de seu canto que os elementais das águas costumavam atrair humanos para perto de si.
Subitamente, no meio do rio, se formou um violento redemoinho, árvores e plantas à margem se agitaram devido a uma repentina ventania que surgiu. Folhas e pétalas de flores se espalhavam pelo ar agitado, a cachoeira cessou a sua queda e o paredão de pedras, antes coberto pelo véu de água, ficou totalmente à mostra. Draco continuou sentado sobre a pedra, seus cabelos esvoaçavam no vento e ele protegia os olhos dos pequenos ciscos que se espalhavam pelo ar junto a pequenos pedaços de plantas. Do centro do redemoinho de água surgiu lentamente uma bela sereiana de longos cabelos azuis e pele muito branca. Um manto de água cristalina deslizou de sua cabeça descobrindo-lhe o rosto e revelando seus belos olhos tão azuis quanto os cabelos. Seu corpo era metade peixe, de escamas reluzentes e prateadas, e metade mulher. Os longos cabelos azuis, que lhe cobriam os seios, estavam enfeitados por pedrinhas brilhantes e pequenas flores brancas. A bela elemental manteve-se dentro da água com seu corpo à mostra apenas da cintura para cima e sua metade peixe submersa na água. O vento e as águas se acalmaram e a sereiana encarou os olhos de Draco e se aproximou dele deslizando na água. O olhar da sereiana deixou Draco sentindo uma mistura de medo e fascínio diante da beleza dela. Ele se levantou devagar sem tirar os olhos dela. Queria falar, mas não sabia o que dizer. Os olhos da sereiana percorreram todo o corpo de Draco e em seguida ela perguntou com voz suave:
_ O que o trás aqui, jovem bruxo.
Draco não hesitou diante daquela chance de finalmente falar com a elemental e, fingindo tristeza, falou:
_ Eu deixei o meu machado cair dentro deste rio e não consigo acha-lo.
_ Você não parece ser um lenhador, disse a sereiana com um olhar desconfiado.
_ Eu não sou mesmo. Eu só estava pegando um pouco de madeira para... para o meu pai.
_ Entendo. Aguarde um momento, jovem bruxo.
Com um mergulho suave a sereiana desapareceu em meio às águas calmas do rio. Draco ficou aguardando-a ansioso e ela não demorou a retornar. Ela ressurgiu na água com sua metade peixe submersa, em suas mãos havia um grande e belo machado de lâmina dourada e reluzente com um cabo de ouro decorado por fios de prata e cravejado de diamantes, esmeraldas e rubis. O brilho da lâmina e das pedras preciosas do machado veio de encontro ao rosto de Draco que ficou parado diante de toda aquela beleza, por ele, jamais vista. Imagens projetadas pela luz que vinha das pedras do machado se formaram à frente dele. Draco se viu em grande salão lotado de pilhas de moedas douradas, estava sentado em grande trono dourado e vários colegas de Hogwarts se curvavam diante dele ajoelhados a seus pés. Ao seu lado direito, Narcisa Malfoy lhe fazia carícias nos cabelos e a seu lado esquerdo, seu pai lhe servia uma taça de vinho tinto em uma bandeja de prata.
_ Você é maravilhoso, meu filho, tenho muito orgulho de você. À sua glória! Disse Lucius erguendo uma segunda taça em brinde a seu filho e os colegas, a seus pés, responderam em couro.
_ Salve Draco Malfoy!
As imagens se dissiparam e Draco se viu diante dos olhos azuis e impetuosos da elemental que o olhava tão profundamente que parecia enxergá-lo por dentro. Ela se aproximou da pedra onde Draco estava de pé e perguntou:
_ Seria esse o seu machado perdido, jovem bruxo?
O coração de Draco disparou. Pensou em tudo que poderia adquirir através daquele machado e não precisaria mais da casa e do dinheiro de seu pai que teria de retirar todas as palavras duras que havia dito na manhã do dia anterior. Sem hesitar respondeu:
_ É, respondeu Draco sorrindo, é esse o meu machado.
A sereiana de se aproximou de Draco e estendeu-lhe o machado que subitamente se transformou em uma bola de fogo nas mãos dela antes que o garoto pudesse toca-lo. A ventania recomeçou, as águas do rio se tornaram revoltas e o sorriso desapareceu dos lábios de Draco. O sol brilhante e intenso daquela manhã foi encoberto por uma nuvem negra tornando o lugar escuro e sombrio. O rosto belo e sereno da elemental das águas, emoldurado por seus longos cabelos azuis, se desfigurou tomando uma forma apavorante e a bola de fogo desapareceu de suas mãos. Seus olhos azuis tomaram o formato dos olhos de uma serpente e dentes grandes e pontiagudos surgiram em sua boca. Draco tentou correr, mas escorregou na pedra e caiu. Dos lábios da sereiana saiu uma voz, não doce e suave como antes, e sim assustadoramente alta e ameaçadora.
_ Maldito, ela gritou em meio às águas revoltas do rio, bruxo ambicioso e mau. Pensou que iria me enganar, não é? Vou fazer seu coração em trevas parar de pulsar. Vai pagar com vida por sua ganância e mentira.
As mãos pálidas de dedos longos e unhas enormes da sereiana agarram os pés de Draco sobre a pedra e começou a puxa-lo para dentro do rio em fúria. Draco gritou desesperadamente por socorro o mais alto que sua garganta podia suportar. Agarrou-se na pedra quando metade do seu corpo já estava dentro d’água. As mãos pavorosas da sereiana continuavam puxando-o com muita força e a dor em seus pés estava se tornando insuportável. Ele continuou a gritar lutando com toda a sua força para permanecer agarrado à pedra até não suportou mais e foi vencido pela força da sereiana. Draco afundou nas águas com as mãos para cima e respiração presa, mas sabia que não agüentaria por muito tempo e morreria afogado. No mesmo momento sentiu uma forte pressão em seu pulso direito e percebeu que algo ou alguém tentava puxa-lo para cima. A sereiana puxava-o para baixo e alguém puxava-o para cima com força semelhante. Draco sentia uma dor incrível nos pés e no pulso e parecia que partiriam seu corpo ao meio. Não estava conseguido mais prender a respiração quando por algum motivo a sereiana cedeu e Draco foi puxado para cima com violência. Ao sair da água Draco se deparou com o rosto pálido e assustado de seu pai que ainda segurava o pulso dele com muita força. Draco respirava descompassadamente tentando trazer para dentro de seus pulmões todo o ar que conseguisse aspirar.
_ Draco, olhe para mim. Você está bem? Fale comigo, disse Lucius deitando o filho sobre a pedra à beira do rio, os elfos me disseram que você pegou um machado na cozinha. Eu imaginei que você tivesse vindo para cá em busca do tesouro como o jovem Weasley.
As águas se acalmaram, a ventania cessou, mas o sol não voltou a brilhar. Draco, aos poucos, recuperou o seu fôlego, Lucius o olhava ainda assustado.
_ Draco, quem estava puxando você para dentro d’água?
Draco levantou sua trêmula mão direita com seu pulso arroxeado e apontou para o rio. Lucius virou-se viu uma criatura pavorosa de cabelos azuis, rosto pálido, olhos de serpente e dentes pontiagudos com apenas a cabeça fora da água, parada, em silêncio, com a cautela de uma cobra que aguarda o momento exato de dar o bote mortal, seus olhos estavam fixos em direção à pedra onde se encontravam pai e filho.
_ A elemental das águas, exclamou Lucius fitando-a. Você conseguiu? Conseguiu os machados de pedras preciosas? Draco não respondeu.
Um uivo apavorante saiu da boca da sereiana que se ergueu na água mostrando um pedaço de sua calda negra de peixe antes lindamente prateada.
_ Malditos gananciosos, ela disse. O que querem aqui?
_ Não quero nada. Só vim á procura de meu filho que havia desaparecido de casa, respondeu Lucius retirando cuidadosamente sua varinha da cintura.
_ Achou que poderia mandar seu filho aqui para me enganar, para tomar o tesouro das águas?
_ Não. Não queremos nada de você criatura estúpida, falou Lucius fingindo não estar com medo da aparência e da voz da estranha sereiana. Vamos embora daqui, Draco.
Lucius levantou Draco da pedra e deus as costas para a sereiana levando o filho manco apoiado em seu braço. Antes que Lucius tivesse tempo de descer da pedra e se afastar do rio sentiu um forte impacto em suas costas, foi arremessado, caiu de rosto no chão a dois metros da pedra e sua varinha voou para longe. Lucius levantou a cabeça, a horrível sereiana sorria sinistramente flutuando no meio do rio e sobre a pedra estava Draco, caído de peito para cima e braços abertos, desmaiado. Ele se levantou procurando a varinha com os olhos.
_ Seu filho tentou me enganar, disse sereiana, tentou me roubar. Não vai sair daqui sem ser castigado.
_ Quanto quer? Perguntou Lucius limpando a terra que sujara suas vestes negras na queda que levou e fingindo segurança.
_ Como disse?
_ Eu perguntei quanto quer para nos deixar ir em paz.
A sereiana deslizou pela água se aproximando da pedra onde estava Draco.
_ Quero tudo de mais valioso que tiver.
_ Eu tenho várias propriedades e muitas moedas de ouro em Gringotes. Como espera que eu traga tudo isso para cá? “Criatura idiota”, completou Lucius em seu pensamento.
_ Bem, se tem tudo isso não vai se importar se eu lhe tirar algo aparentemente menos valioso para você, falou a sereiana olhando para Draco ainda desmaiado sobre a pedra.
Lucius arregalou os olhos azuis, sentiu uma pontada forte dentro do peito, mas não demonstrou fraqueza diante da sereiana.
_ Não precisa dele. É só um garoto estúpido. Posso lhe oferecer muito mais.
_ Eu só quero, ele.
Da pedra brotou, rapidamente, cipós verdes que começaram a se enroscar em Draco que finalmente abriu os olhos. Os grossos cipós se enrolaram pelo corpo dele e foram lentamente apertando-o com força, ele olhou assustado para o pai e em seus olhos, lacrimejados e cheios de medo, havia um pedido de socorro.
_ Não. Espere. Não faça isso, suplicou Lucius deixando transparecer o seu medo.
_ O que houve com o bruxo arrogante e prepotente que estava aqui há segundos atrás?
Draco deu um grito de dor.
_ Por favor, sussurrou Lucius.
_ O que disse? Perguntou a sereiana, levando a mão á orelha ironicamente.
_ Por... Por favor.
_ Sim?
_ Por favor, não mate meu filho, não vou suportar vê-lo morto.
_ Continue, bruxo.
_ Ele é ... Ele é tudo para mim, lágrimas rolaram pelas fases de Lucius que não conseguia mais olhar para a sereiana e abaixou a cabeça.
A elemental soltou uma gargalhada aterrorizante e continuou:
_ Enfim, descobri seu ponto fraco, não é? O ponto fraco do bruxo de olhos arrogantes e nariz empinado é seu filho. Onde está toda a sua imponência agora, como se o mundo lhe pertencesse? Olhe para mim, ela gritou. Os cipós se contraíram ainda mais no corpo de Draco que gritou novamente.
_ Pare, gritou Lucius levantando a cabeça, por favor, pare com isso, vai mata-lo.
A sereiana encarou profundamente os olhos de Lucius e estralou os dedos. Os cipós deslizaram pela pedra e caíram dentro d’água, Draco respirou ofegante ainda caído.
_ Vejo que existe algo no mundo que você ama mais do que o dinheiro e o poder. Sei que suas lágrimas não são de arrependimento e sim ódio por está sendo humilhado, obrigado a se submeter a um ser que julga inferior para não perder o seu filho. Porém, o fio de amor que ainda existe em seu coração de pedra irá salvar a você e a ele da morte.
Lucius começou a caminhar lentamente em direção à pedra, estendeu a mão e puxou Draco pelo braço devagar, sem tirar os olhos da sereiana que acompanhava cada gesto dele com seus olhos frios de serpente.
_ Contudo, ela prosseguiu, deve saber que tudo tem seu preço. Seu filho terá de pagar por sua ganância. De hoje em diante, o jovem bruxo será atormentado todas as noites por espíritos das sombras que lhe roubaram a paz do sono. Ele não terá amigos verdadeiros e nem poderá ter alguém ao seu lado para amar e ser amado. E essa maldição só será quebrada no dia em que ele tiver a sua vida salva por seu pior inimigo.
Essas foram as últimas palavras da sereiana antes de ela retomar a sua bela aparência original e desaparecer em meio às águas do rio. O sol se abriu, tudo estava claro e as águas da cachoeira voltaram a cair sobre o rio. O ar ainda penetrava com dificuldade pelas narinas de Draco quando seu pai o puxou violentamente pelo braço, pegou sua varinha no chão e saiu correndo junto com o filho cambaleante. O calor fazia pai e filho transpirarem quando chegaram ofegantes na pequena macieira. Lucius apoiou Draco no tronco dela e falou:
_ Draco? Draco abra os olhos e olhe para mim. Draco obedeceu e olhou dentro dos olhos do pai. Ninguém, ele continuou, absolutamente ninguém, deve saber do que houve aqui hoje, entendeu?
Draco balançou a cabeça positivamente.
_ Jure.
Draco não respondeu, sentia-se ainda tonto.
_ Fala, ordenou Lucius.
_ Eu juro, respondeu Draco sussurrando.
Lucius acariciou a face de Draco em que havia batido no dia anterior e o abraçou. Então, ele soube que aquela era a forma de seu pai lhe pedir perdão. As palavras da sereiana ainda ecoavam na mente de Draco enquanto Lucius o abraçava e ele pensou o quanto seria infeliz até que tivesse sua vida salva por um inimigo que poderia levar anos para realizar tal feito. Fechou os olhos e ficou imaginando quando chegaria o dia em que Harry Potter, seu pior inimigo, salvaria a sua vida. Assim, a maldição acabaria e estaria salvo da morte, mas dever a vida a um inimigo como Harry seria humilhante demais para Draco. A sereiana realmente o enxergou por dentro. Draco não soube dizer a si mesmo qual das opções era a pior, morrer ou dever a vida a Harry Potter. Lucius apertou fortemente contra si o corpo dolorido de Draco que soltou um gemido de dor e os dois desaparataram num forte estralo, deixando para trás a velha floresta cheia de luz, brisa e sons harmoniosos que vinham das doces melodias entoadas pelas alegres aves de verão.
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