Capítulo 4



Ao ouvir a água do chuveiro correndo, Hermione largou o computador e sentou-se na poltrona em que Harry estivera. Ainda era possível sentir o seu cheiro e, suspirando, ela acariciou o tecido.
Era preciso dar um basta em tamanha tolice! Com raiva de si mesma, voltou ao trabalho.
A área que eles iriam pesquisar não passava de uma faixa de terra pequena, espremida entre a reserva apache e propriedades do governo. Ficara estabelecido que o melhor seria acamparem em lugares diferentes a cada dia, a fim de deixarem pistas falsas aos agentes inimigos.
Ela estava concentrada estudando os mapas, quando Harry saiu do banheiro usando apenas calça jeans. Ele era o homem mais atraente que Hermione jamais vira, porém não seria prudente deixá-lo saber disso, especialmente depois deter sentido seus dedos fortes roçando-lhe a boca...
— Encontrou o que procurava? — ele perguntou, de pé atrás da cadeira onde ela estava.
Harry inclinou-se um pouco mais para a frente interessado nos mapas que apareciam na tela do computador. Seus rostos estavam muito próximos e Hermione não conseguia reprimir o leve tre¬mor que a sacudia.
Ele a queria; era impossível negar a si mesmo. Nunca deveria ter concordado em acompanhá-la nessa expedição, porque tanta proximidade serviria apenas para enlouquecê-lo.
Harry não conseguia pensar em mais nada a não ser na fascinação que vira estampada naqueles olhos castanhos quando ele havia acariciado os lábios macios. Queria beijá-la com sofreguidão até ouvi-la gemer de prazer, implorando por mais.
Hermione sentia a mesma tensão tomar conta do corpo e sabia que a sua reação era evidente.
— Você me assustou — ela conseguiu murmurar num fio de voz.
Ele entendia muito bem o que se passava e, vagarosamente, inclinou-se ainda mais, seus rostos quase se tocando.
— Harry... — ele ouviu-a sussurrar num tom meigo.
Hermione podia sentir o cheiro daquele corpo másculo, adivinhar a força dos braços nus. Estava lânguida, ansiosa por um contato mais íntimo. Em apenas um segundo, seus sonhos se tornariam realidade e a boca de Harry estaria sobre a sua...
Uma batida repentina na porta quebrou o encanto.
Harry se amaldiçoou intimamente por ter estado a ponto de ceder. Estava perdendo o controle. Droga! Hermione parecia intoxicá-lo! E, no entanto, ele não devia passar de uma experiência nova na vida daquela mulher. Não podia perder a cabeça!
— Sr. Champ? — uma voz feminina perguntou com clareza — Sou Teresa Whitley.
Harry abriu a porta para uma mulher alta, morena e sorridente.
— Entre — ele falou quase retribuindo o sorriso, fazendo Hermione ter vontade de gritar de raiva.
— Srta. Granger? Prazer em conhecê-la. Trabalho sob as ordens do sr. Potter. Mas acho que o melhor, será chamá-los de sr. e sra. Champ quando estivermos em público.
— Boa idéia — Hermione respondeu de modo vago, ainda não tendo se recuperado dos momentos sensuais em que quase fora beijada.
— Trouxe algumas informações sobre a área a ser pesquisa¬da, gravadas neste disquete. Não entendo muita coisa de computadores, pois meu trabalho me põe em contato com pessoas e não com máquinas.
Não passou despercebido a Hermione a maneira apaixonada com que Teresa olhava para Harry, como se quisesse devorá-lo. Agora ela entendia a natureza do outro "projeto" que Harry havia dito estar desenvolvendo nesta região!
Hermione sentia-se irritada por não ter se arrumado com mais apuro, pelo menos não estaria se sentindo apagada diante daquela beleza morena, que numa voz muito doce estava dizendo ao chefe:
— Podíamos ir jantar agora, já está ficando tarde.
— Ótimo — Harry respondeu. — Deixe-me colocar uma camisa. Você ainda não conhecia Teresa, não é mesmo, Hermione?
— Não — ela respondeu forçando-se a sorrir.
— Ela é índia — Harry falou com satisfação, exibindo um ar de triunfo.
Hermione odiou aquele sorriso. Ela nunca havia ouvido uma palavra atenciosa vinda de Harry, entretanto Teresa parecia estar recebendo um tratamento especial, cheio de delicadezas. É claro que ela não era uma simples cientista branca! Mas Harry estava muito enganado se pretendia fazer a corte à agente índia bem na sua frente!
— Acho melhor que você fique aqui... — ele começou a falar, mas foi logo interrompido por Hermione.
— Estou com dor de cabeça. Se tiver fome, pedirei algo mais tarde. Passei muito tempo trabalhando no computador e meus olhos doem.
Só Deus sabia por que ela estava se dando ao trabalho de justificar a falsa dor de cabeça. Harry e a morena não iriam mesmo sentir a sua falta!
— Estimo as suas melhoras — Teresa falou sem muita convicção.
— Obrigada...
— Vamos, então? — Harry pegou uma jaqueta e, virando¬-se para Hermione, comentou: — Mantenha a porta trancada. Se pedir um lanche, cheque as credenciais do funcionário antes de abrir.
— Sim senhor — ela respondeu num tom resignado.
Teresa saiu e Harry olhou para Hermione por um longo momento.
— Não me espere acordada.
— Pode contar com isso, senhor.
Ele fechou a porta e Hermione atirou um sapato, cheio de raiva. Um segundo depois, a porta se abria outra vez.
— Esqueci a chave do carro.
Harry foi até a gaveta da cômoda e no caminho pegou o sa¬pato caído no chão.
— Estava praticando pontaria?
— E eu seria capaz de jogar um sapato em você? — ela perguntou com um ar inocente.
Harry a fitou como se lhe desvendasse a alma:
— Voltarei antes da meia-noite. Você estará segura.
— Muito mais segura do que Teresa Whitley — Hermione falou, arrependendo-se logo depois.
— É verdade. A maior parte dos homens costuma reagir quando provocado. Até mesmo eu.
Ela enrubesceu, notando um traço de raiva naquela voz profunda.
— Eu não...
— Sim, você me provocou. Mas não dará certo da próxima vez. Você não e o meu tipo, boneca — ele acrescentou com um sorriso cínico. — Gosto de mulher que tenha menos experiência do que eu, não mais.
Harry saiu sem olhar para trás, ignorando o ódio que acaba¬ra de despertar. Sim, ela o havia provocado, pois o desejava tanto que não sabia como esconder. E ele a considerava experiente, com uma vida sexual ativa! Que piada!
De qualquer modo, Harry a havia alertado e talvez isso fosse algo positivo, pois quem sabe assim ela conseguiria calar o próprio coração teimoso. Era compreensível que ele preferisse Teresa, já que ambos pertenciam ao mesmo mundo, enquanto ela, a mulher branca, não passava de uma diversão.
Hermione olhou-se no espelho, sentindo raiva de si mesma.
"Eu devia ter ficado em Missouri, casado com alguém de lá e ter tido dois filhos, em vez de ir trabalhar numa companhia de petróleo e terminar envolvida com um homem de pedra."
Recusando-se a pensar naquele momento de quase intimidade que haviam partilhado, ela resolveu pedir o jantar. Como ouvi¬ra, certa vez, que Harry odiava peixe, foi exatamente isso que decidiu comer como prato principal, na esperança de que o quarto ficasse impregnado pelo cheiro. Queria incomodá-lo bastante e esperava que a sua amiguinha índia lhe causasse uma indigestão!
Eram apenas dez horas quando Hermione colocou a camisola de algodão (que Harry pensasse o que quisesse da sua indumentária) e foi para a cama, apagando as luzes.
¬Embora não pretendesse dormir tão cedo, o sono acabou vencendo-a.
Harry chegou logo depois da meia-noite, cansado da óbvia adoração demonstrada por Teresa, e encontrou Hermione adormecida, metida num traje capaz de fazer subir a temperatura de uma estátua.
As cobertas estavam caídas para um lado, revelando um par de pernas perfeitas e o decote da camisola deixava entrever a curva suave dos seios firmes. Os cabelos ondulados, espalhados pelo travesseiro, eram uma moldura suave para o rosto delicado. Harry nunca a havia visto usando roupas ousadas, exceto o tal vestido vermelho que deixara bem claro o que ele estava perdendo.
Mas vê-la adormecida, num total abandono, era algo difícil de resistir.
A muito custo ele conseguiu afastar-se. Em silêncio, tirou to¬da a roupa, ficando apenas de cueca. Por um instante pensou em deitar-se nu, mas ao lembrar-se do comentário de Hermione sobre o pijama, decidiu não atormentá-la e, sorrindo para si mesmo, meteu-se sob as cobertas.
Embora cansado, Harry não conseguia conciliar o sono. A lembrança do acontecido, pouco antes de Teresa chegar, ainda o atormentava. Estivera a ponto de tomar Hermione nos braços e de beijá-la com avidez, sem dar a mínima para as conseqüências. Para uma mulher que, em algumas ocasiões, afirmara desprezá-lo, ela reagira com muito ardor á um simples toque seu. Ele precisava convencê-la de que não se sentia atraído por seus encantos, por mais que isso lhe custasse. A receptividade de Hermione aos seus carinhos poderia trazer resultados indesejados e perigosos.
***
Na manhã seguinte, Harry já estava de pé e inteiramente vestido quando Hermione acordou.
Ela sentou-se na cama e, notando que ele a olhava, apanhou algumas roupas e foi se vestir no banheiro.
Decidida a atrair a atenção de Harry, Hermione vestiu calça comprida branca e uma blusa vermelha, que lhe realçava a cintura fina e os seios firmes. Resolveu fazer uma leve maquiagem também, pois queria estar na sua melhor forma, caso Teresa Whitley aparecesse outra vez.
Ao voltar para o quarto, Harry falou com aspereza:
— O café está na garrafa térmica. Sirva-se.
— Obrigada.
Consciente da sua beleza e do efeito que estava causando naquele homem que insistia em aparentar indiferença, Hermione pôs-¬se a arrumar a mesa.
— Não vamos a nenhuma festa — ele observou com raiva.
— Calça jeans, blusa de mangas curtas e tênis não são, exata¬mente, os trajes adequados para uma festa.
— Eu não sou um eunuco e estamos de partida para o deserto, onde ficaremos a sós por vários dias. Portanto, não complique as coisas. Ontem você estava com uma aparência melhor.
— É mesmo? — ela indagou com frieza. — Comparada com o quê? Ou eu deveria perguntar, com quem?
Harry suspirou fundo e encostou-se no espaldar da cadeira, encarando a mulher à sua frente.
— Teresa é uma agente e, quando não está tentando competir para chamar atenção, é muito competente no que faz. Não sou amante dela, nem pretendo ser. Tampouco sou seu amante.
Hermione vacilou por um instante, achando que não ia ser capaz de controlar a raiva que a consumia.
— Eu não o estou convidando para que o seja. Simplesmente estava cansada de blusas grossas, que tendem a esquentar muito sob o sol do deserto. Esta roupa é mais fresca e, além do mais, o branco reflete o calor.
— Que Deus me proteja de explicações científicas antes do café da manhã! — Harry falou com sarcasmo. — O fato é que você viu em Teresa uma rival e quis me mostrar que seria capaz de vencê-la num concurso de beleza sem precisar fazer muita força. Você venceu, pode ficar tranqüila. Agora vista alguma coisa me¬nos sedutora e tome o café. Eu gostaria de que nos puséssemos a caminho o mais cedo possível.
Hermione estava trêmula de ódio e humilhação. Nunca ninguém a havia enfurecido tanto e com tamanha facilidade. Sentia-se capaz de atirar uma cadeira naquele homem impassível! Mas Harry estava certo. Ela havia visto em Teresa uma rival e quisera chamar a atenção dele sobre si. Só que não contara com a sua extrema perspicácia.
Hermione agarrou a mesma camiseta branca que usara no dia anterior e a vestiu sobre a blusa vermelha. Sem dizer mais uma pa¬lavra, sentou-se à mesa e se esforçou para comer. Mas não sentia o gosto de nada; Harry sempre conseguia fazê-la perder o apetite.
Ele terminou o prato de bacon e ovos e se recostou na cadeira, sorvendo o café lentamente. Sentia-se irritado por não ser capaz de sufocar o desejo e tornava-se agressivo.
— Emburrada? Você devia saber que não vale a pena atirar-¬se nos braços dos homens.
Os olhos castanhos de Hermione brilhavam com uma fúria mal contida, e deixando a xícara de café sobre a mesa, ela ficou de pé.
— Não estou emburrada. Também não preciso me atirar nos braços dos homens. Especialmente nos seus!
Harry levantou-se, dominando-a com toda a sua altura, os olhos verdes faiscando.
— Para o inferno com tudo! — ele murmurou com a voz rouca, puxando-a de encontro ao corpo forte. E embora se inclinas¬se para beijá-la, não tinha uma expressão amorosa no rosto.
— Harry, não... — Hermione sussurrou, agitada, tentando empurrá-lo para longe de si.
Com os lábios muito próximos aos dela, Harry falava com suavidade, mas sem qualquer emoção:
— Você pretende forçar a situação, não é? Bem, para aumentar os seus conhecimentos, é bom que saiba que os apaches não beijam as suas mulheres na boca. Mas como não sou inexperiente com as mulheres da sua raça, poderei lhe satisfazer a curiosidade.
Hermione sentiu os lábios dele sobre os seus, quentes, exigentes, ávidos. Porém, não havia sentimento naquele beijo. O corpo de Harry não mostrava sinal algum de excitação e ele comportava-¬se como se estivesse segurando uma estátua entre os braços, tal a ausência de calor .
Ela havia desejado este momento com tanta intensidade! Ha¬via esperado uma eternidade para ser abraçada, beijada...
Mas Harry não estava sentindo nada; Hermione percebeu com amargo desapontamento. Ela estava sedenta de carícias, porém não havia reciprocidade. Quase no mesmo instante ele levantou a cabeça e em seu rosto não se via nem desejo, nem amor. Apenas raiva.
Harry a soltou num movimento abrupto, colocando distância entre os dois.
— Se você conhece bem os homens, como eu presumo, isso serviu para deixar claro como me sinto a seu respeito. Não ouvi sinos tocando, nem a terra tremeu. Você tem uma boca bonita, mas eu não seria capaz de fazer qualquer loucura por ela. Agora que já esclarecemos as coisas, será que poderíamos começar a trabalhar?
Hermione engoliu o orgulho e a mágoa, num esforço para não per¬der a dignidade.
— Pois não. Vou apanhar a minha bagagem.
***
Ao escurecer, depois de instalar o equipamento capaz de monitorar os arredores por vários quilômetros, Harry armou a barraca no alto de uma pequena colina, sob os ramos de um pinheiro, reparando que Hermione fazia questão de dispor os sacos de dormir o mais distante possível um do outro. Ela ainda não dissera uma só palavra desde que haviam deixado o hotel e tentara se convencer, durante todo o trajeto, de que aquele homem frio não significava mais nada em sua vida. Afinal, não podia ornar alguém capaz de ser tão cruel.
Harry percebia o clima hostil, mas preferia essa pretensa in¬diferença aos olhares apaixonados que viera recebendo até então. Fora com uma frieza deliberada que ele a beijara, pois julgara necessário matar qualquer ilusão. E agora que a tinha convenci¬do de que não a desejava, sentia-se insatisfeito com o resultado. Hermione havia se isolado, entregando-se ao trabalho, ignorando-o por completo. Não que essa nova atitude fosse indesejável, mui¬to pelo contrário. Ele não podia se dar ao luxo de envolver-se com uma das mais conceituadas geólogas da empresa, pois uma relação mire ambos acabaria por interferir no seu próprio trabalho, especialmente depois que o caso terminasse. E o envolvimento iria chegar ao fim; tinha certeza que sim.
Hermione e ele eram tão diferentes quanto o dia da noite.
Ela o desejava e o sentimento era recíproco, mas desejo não seria o suficiente para mantê-los unidos, sua longa experiência de vida já havia se encarregado de prová-lo.
Até então eles nunca tinham estado a sós numa mesma mis¬são, pois sempre houvera mais pessoas em volta. Mas desta vez era diferente, e Harry pôde conhecer uma Hermione que jamais supusera existir. Uma mulher tímida, insegura, dona de uma inteligência extraordinária, capaz de suplantar a beleza do corpo.
— Você quer comer alguma coisa? — ele perguntou tentando quebrar o silêncio tenso que os envolvia.
— Não, obrigada. Tenho uma barra de chocolate — Hermione respondeu secamente.
— Eu trouxe provisões. Você pode comer o que quiser, até mesmo um bife.
— Não quero nada.
— Então fique com fome — ele falou dando-lhe as costas e aproximando-se do fogão portátil — Orgulho não é de fácil digestão.
— Nunca se sabe.
— Você tem que possuir todo homem que lhe desperta interesse? Será que o seu ego é tão grande que exige adoração cega?
Hermione fechou os olhos, tentando sufocar a dor insuportável que lhe cortava a alma.
— Por favor, pare. Já me desculpei. Não farei de novo.
Ao perceber que ela estava profundamente magoada, Harry ajoelhou-se ao seu lado:
— Não fará o quê?
— Eu não... como foi que você disse? Eu não tentarei chamar a sua atenção de novo. Nem mesmo sei por que o fiz.
Ele olhou as sombras da noite que se espalhavam ao redor e ficou em silêncio por alguns instantes, observando o vento brincar nos cabelos da mulher triste à sua frente.
— Quantos anos você tem?
— Vinte e sete — Hermione respondeu de má vontade, já que Harry não gostava de admitir a idade.
Harry não imaginara que ela já estivesse próxima dos trinta. Por que será que uma mulher tão linda se mantinha solitária?
— Você não namora.
— Andou levantando a minha ficha? Não, eu não namoro ninguém. Para que fazê-lo? Já fui quase noiva por duas vezes e tu¬do acabou quando eles perceberam que eu tinha um cérebro e que pretendia usá-lo. Eu não me contentaria em ser apenas um objeto decorativo e odiaria ter de abandonar a minha carreira. Já me acostumei a estar sozinha. E gosto da solidão.
— Exceto em algumas noites escuras, quando se sente desejo¬sa de estar nos braços de um homem — Harry falou com insolência.
Hermione sustentou o olhar penetrante sem baixar a cabeça.
— Suponho que você esteja numa posição que lhe permita chegar a essa conclusão. Tenho estado só por tempo demais, tanto assim que até você começou a me parecer desejável!
Ele não respondeu, admitindo para si mesmo que havia merecido a resposta. Não devia tê-la provocado, especialmente no que dizia respeito a algo tão difícil de lidar como a emoção e o desejo.
Hermione levantou-se e se afastou sem conseguir disfarçar a tensão.
— Venha comer alguma coisa.
— Já lhe disse que não estou com fome. Tenho sido incapaz de sentir o sabor da comida desde que Eugene nos impôs essa mis¬são ridícula. A única coisa que desejo é terminar tudo e me ver livre de você.
— Será verdade, Hermione?
A voz de Harry era suave, profunda e parecia penetrar até o âmago do seu ser. Não era justo que ele á tratasse assim. Temendo fazer papel de tola outra vez, ela se afastou dizendo:
— É melhor que eu dê uma olhada no equipamento.
Harry a fitava com intensidade, perguntando-se por que sentia tanta necessidade de magoá-la, como se quisesse descontar a frustração de não poder possuí-la.
— Você não tem necessidade de fugir. Não pretendo tocá-la de novo. Eu não te desejo. Será que você não percebeu?
— Sim — Hermione respondeu, sentindo a dor sufocá-la. — Sim, eu percebi.
O desalento que transparecia na voz dela o perturbou. Tinha a impressão de que Hermione sentia-se arrasada por ele não considerá-la desejável.. Na ocasião em que a beijara, havia lhe parecido uma boa idéia deixar suas intenções bem claras. Mas aquele beijo frio, cheio de raiva, não fora o que ele sonhara, pois sempre desejara dar a ela algo muito diferente, cheio de ternura e ardor.
Harry preparou o jantar e comeu sozinho, sentindo-se aborrecido consigo mesmo. Depois de lavar os utensílios, guardou tudo e entrou na barraca.
Ela já se encontrava no saco de dormir, completamente vesti¬da e tinha os olhos fechados. Mas não estava dormindo. Harry podia ouvir a sua respiração entrecortada, e, à luz da lanterna, era possível notar traços de lágrimas naquele rosto perfeito.
Com raiva de toda a situação, ele tirou as botas e deitou-se, a mente confusa num turbilhão de pensamentos.
Hermione estava chorando, podia ouvi-la bem. Porém, acercar-se dela, oferecer conforto, seria o maior erro de todos, já que gostaria de lhe dar mais do que palavras de consolo. Dizer que não a desejava era uma mentira. Ele a queria, sempre a quisera. Mas ela iria lhe pedir algo além do desejo, e desejo era tudo o que poderia lhe dar.
Hermione tentava sufocar as lágrimas, odiando-se por chorar. Por que aquele homem conseguia magoá-la tanto?
Um coiote uivou ao longe e ela sentiu-se enrijecer, temendo tratar-se de um lobo.
— É um coiote — Harry falou, como se adivinhando-lhe os pensamentos. — Coiotes ocupam um lugar especial nas nossas lendas e na nossa história. Não os menosprezamos, como os brancos costumam fazê-lo.
— Se você não gosta da raça branca, por que, então, trabalha conosco?
— O mundo é dominado pelos brancos.
— Não me culpe. Nenhum dos meus ancestrais participou da perseguição aos índios. Estavam ocupados com outras coisas. — Depois de uma longa pausa, Hermione observou: — Você não precisa se dar ao trabalho de conversar comigo. Acho que poderíamos nos comunicar através de sinais.
— Você sabe a linguagem dos sinais? — ele perguntou com aspereza.
— Algumas frases. Eugene me enviou para Montana em certa ocasião e eu precisei me comunicar com dois índios Sioux. Co¬mo não falávamos a mesma língua, tive de aprender a usar as mãos. Foi uma experiência educativa.
Ela era uma mulher cheia de surpresas e Harry parecia devorá-la com os olhos, protegido pela semi-escuridão.
— Eu poderia ensiná-la a falar apache.
— Eu não quero que você me ensine nada.
— Isso é mau — ele respondeu tentando não sentir-se ofendi¬do. — Alguns ensinamentos só iriam lhe fazer bem. Para uma mulher experiente, você não sabe muita coisa a respeito de beijos.
Hermione quase não podia acreditar no que havia escutado.
— É inadmissível ouvir isso vindo de um homem que afirmou não ser costume apache beijar as mulheres na boca!
— Mas era assim no século dezenove! Agora é tudo diferente.
Harry a olhava fixamente, sentindo o sangue latejar nas veias, fascinado por aquela beleza suave.
— Como você pode ter vinte e sete anos e não saber algo tão elementar como beijar?
— Você me beijou apenas para me humilhar...
— Mas você não sabia.
Ele lembrava-se de como Hermione respondera ao beijo com timidez, o que servia apenas para fazê-lo sentir-se pior. Aparentemente, os homens que haviam passado na sua vida estiveram mais interessados no próprio prazer do que no dela, porque Hermione dava impressão de ser inexperiente nos jogos do amor. Ele queria tocá-la, acariciá-la e sentia o corpo rígido de tanto desejo.
— Já lhe falei — ela respondeu, tentando salvar um resto de orgulho. - É que tenho estado sozinha por tempo...
— É mesmo? Por quê?
Ela não queria explicar nada. Harry, com as suas maneiras frias, já havia sido capaz de magoá-la o suficiente.
E agora a insultara, criticando-lhe a maneira de beijar. Sentir-¬se incapaz de despertar o interesse naquele homem era algo dolo¬roso demais.
— Estou cansada e preciso dormir. Foi um dia longo.
— Sim. E precisaremos mudar o local do acampamento amanhã.
— Será que não podíamos nos mudar para Marte? Não faria muita diferença, considerando a falta de vegetação.
— Você parece não enxergar. O deserto está vivo e é lindo. Tudo o que se precisa saber é como olhar ao redor.
— E você sabe, eu suponho.
— Sou índio, está lembrada? — ele comentou com orgulho e insolência.
— Como eu poderia esquecer? Você nunca deixa que alguém se esqueça...
— Durma.
Harry fechou os olhos sentindo-se impaciente e de mau humor. A proximidade daquele corpo bem feito estava a ponto de enlouquecê-lo. Maldito Eugene! Nunca iria perdoá-lo por tê-lo forçado a aceitar essa missão!
Hermione, por sua vez, pensava quase a mesma coisa. Ele a desorientava por completo: ora amigável, ora hostil, insinuante num momento, para depois desprezá-la. Como deveria agir? Como se relacionar com um homem tão instável?
Harry parecia se ressentir até da sua presença, chegando inclusive até a criticar o seu modo de beijar!
Mas o inferno iria congelar antes que ela o beijasse outra vez!
Talvez amanhã de manhã as coisas lhe parecessem melhores.

O Harry é tao complicado. tadinha da mione, tá tao magoada e sufucada pela dor... estes homens sao sempre a mesma coisa!! obrigado pelos comentários. proxima atualizacao: desejo incontrolável! bjao

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