Décimo Capítulo



Ele desceu para o hall e se encaminhou para o quarto, indo diretamente para o armário embutido. A maleta não estava lá. Não acreditando no que via, voltou-se para dar uma busca no restante do quarto.
A confusão de roupas espalhadas que anteriormente lhe alegrava os olhos deixara de existir, substituída por uma ordem fria e espartana.
Assim, alguns poucos objetos sobre a cama lhe chamaram a atenção. Aproximou-se e ficou olhando para o molho de chaves do apartamento, a corrente de ouro com o pendente de diamante os cartões de crédito e o telefone celular.
Sentiu-se constrangido. Será que ela imaginava valer tão pouco para ele? Até mesmo a cama parecia fazer parte daquele conjunto de objetos devolvidos.
O celular deu um sinal. Harry olhou para ele e viu que havia uma mensagem em inglês escrita no visor. Uma mensagem que ela havia deixado para ele. “Sinto muito”, era tudo.
Por vezes ele se esquecia de que ela falava inglês, tão bom era o seu italiano. Entretanto, dessa vez o sinto muito parecia dizer mais do que mi despiace.
Aquilo era pouco para ele. Queria saber mais. Será que ela não poderia ter confiado nele e esperado somente mais um dia?
—Quando foi que ela partiu? — Ele percebeu Carlotta de pé junto à porta, olhando-o ansiosamente. Obviamente, ela deveria ter algo para lhe dizer, já que o interrompera em um momento tão crucial.
—Logo depois que o signor saiu... — a governanta começou a dizer.
Signor? Harry se voltou rapidamente.
—O signor Malfoy? — ele perguntou ansiosamente.
Carlotta sacudiu a cabeça em um sinal de negação.
—Um tal de signor Gabrielli — ela respondeu. — Acho que discutiram — ela acrescentou, parecendo desconfortável ao dizer aquilo. — A signorina me pediu para acompanhá-lo até a porta. Foi quando ele me deu um cheque para que entregasse à signorina Hermione. —Seus olhos se voltaram e se fixaram no cesto de lixo ao lado da penteadeira. —Ela estava muito contrariada — ela acrescentou, enquanto Harry olhava para o mesmo lugar.
O interfone soou indicando que alguém estava querendo subir.
—Não quero receber ninguém — Harry lhe disse, com a expressão sombria.
Com um gesto de compreensão, Carlotta saiu, deixando-o sozinho para ir examinar o conteúdo da lixeira.

Naquele mesmo instante em que Draco estava tentando convencer Carlotta a deixá-lo subir, o vôo de Hermione finalmente fora anunciado.
Haviam sido duas horas de atraso e espera e, agora, seus nervos estavam em frangalhos. Reunindo suas poucas coisas, ela se ergueu, parou e inspirou profundamente. Chegara a hora, iria partir. Não haveria mais incertezas e nem contradições. Seria melhor ir embora enquanto tinha forças suficientes para fazê-lo. Melhor do que esperar para ser finalmente abandonada, tal como acontecera com sua mãe.
Cabisbaixa, seguiu a fila que se dirigia para a entrada de embarque, como se fosse uma turista qualquer, voltando para casa.
—Sem bagagem para embarcar, signorina?
Ela olhou para a maleta de mão quase vazia, mesmo depois de viver quase um ano em Milão. Quando partira de Londres, tinha em mente mandar vir mais coisas quando estivesse morando com Harry, mas ele não permitira, e lhe comprara coisas novas.
Ela sacudiu a cabeça em sinal negativo para o atendente que estava checando as passagens.
—Isso é tudo que levo — ela disse, e acrescentou silenciosa-mente para si mesma: e um coração cheio de tristeza.

Harry estava recostado na janela aberta que dava para o terraço, quando Draco Malfoy teve a petulância de entrar no quarto.
—Preciso falar com você — ele insistiu secamente. — Não sei o que aconteceu na noite passada depois que você saiu da galeria com Hermione. Mas...
—Anton Gabrielli — Harry o interrompeu, sem se virar.
Diante daquele nome, Malfoy permaneceu em silêncio, com uma expressão de espanto.
—O que ele queria? — Draco perguntou.
—Vejo que você também conhece aquele homem — Harry respondeu.
—O que ele queria? — Draco repetiu impaciente.
Harry apenas fez um aceno com a mão.
—Veja por si mesmo — ele disse, voltando-se para observar o rosto de Malfoy quando se aproximou para ver as coisas dispostas sobre a cama. O pingente de diamante, as chaves, os cartões de crédito e o celular ainda mostrando o recado no mostrador. E o cheque, em pedaços, cuidadosamente recomposto. Draco ficou olhando longamente, antes de falar.
—Eu o vi na galeria na noite passada — ele admitiu. — E intimamente desejei que vocês tivessem saído antes dele chegar.
—Eles se encontraram face a face, e ele a chamou de Anastasia...
Draco não fez comentários; apenas mordeu o lábio. Logo após perguntou:
—Quando foi que isso chegou?
—Anton veio entregar pessoalmente esta manhã, enquanto eu estava fora — Harry respondeu.
—Não foi à toa que ela se foi apressadamente. Ele a ofendeu? — Draco ergueu os olhos sombrios para Harry. — Você sabe quem ele é?
A pergunta foi respondida com um ar de suspeita.
—O pai dela, imagino.
—Ela lhe contou? — Draco demonstrou tanta surpresa que Harry não pôde evitar um sorriso.
—Não — ele respondeu. — Eu cheguei a essa conclusão. Ela parecia não confiar em mim — ele acrescentou laconicamente. Hermione nada lhe falara sobre a Mulher do Espelho, nem sobre o pai que ele desconhecia, e muito menos sobre o relacionamento inocente que mantinha com Malfoy.
Lá fora, no céu, ele viu o reflexo do sol na fuselagem de um avião que passava.
—Você sabe onde ela está? — ele perguntou baixinho, enfiando as mãos nos bolsos, em uma tentativa de conter as lágrimas. Apalpou a caixa do anel. — Eu vou atrás dela! — ele exclamou, evitando olhar para Malfoy e dirigindo-se para a porta do quarto.
—Vim aqui por uma razão — Draco o lembrou.
Harry deteve-se.
—Para a desforra? — ele sugeriu.
Draco deu um suspiro profundo.
—Vamos parar com isso, Harry — ele pediu entristecido. —Eu me preocupo com Hermione mais do que um pai. Isso significa que eu me preocupo com o que possa estar acontecendo com ela aqui! Ela foi me ver antes de ir embora — ele continuou. —Não gostei da expressão dela e agora sei por quê. Gabrielli esteve aqui —ele acrescentou, cinicamente. — Mas, o ponto é que ela me deu alguma coisa sobre a qual acho que você deve saber.
Harry se voltou.
—Chaves. — Draco as tirou do bolso. —E um endereço em Milão. Vim para saber se você está tão interessado quanto eu em descobrir que segredo é esse que ela mantinha tão guardado de nós dois!

Ela não podia fazer aquilo.
Parada na saída de embarque, com a passagem na mão e somente a alguns passos da liberdade, ela não podia dar mais nem um passo atrás!
As lágrimas toldavam-lhe a visão. Eu o amo!, ela gritava interiormente.
—A senhorita está se sentindo bem? — alguém lhe perguntou.
Outra pessoa tentou passar em sua frente, cheia de impaciência.
—A signorina não parece bem.
—Acabei de me lembrar de uma coisa. — Ela engoliu em seco, vendo a expressão espantada do atendente. — Pode retirar o meu nome da lista de passageiros, por favor? Esta é toda a bagagem que tenho.
Talvez fosse aquela a razão por que escolhera a menor mala possível. Talvez nunca tivesse realmente pretendido abandonar Harry! Talvez tivesse sido preciso levar as coisas até aquele ponto para finalmente aceitar o fato de que não poderia viver sem aquele homem. Não seria possível!
Deixando a passagem sobre o balcão, ela se voltou e saiu correndo. Precisava voltar para ele. E depressa!
Não me deixe preocupado, ele havia escrito. Esteja aqui quando eu voltar!
Ele a queria. Por Deus, estava evidente! Ele se preocupava com o fato de a mãe a haver ofendido! Havia até mesmo a pedido em casamento para que ela não fosse embora!
Oh, Deus. Por que tomara consciência disso tão tarde? Por que não o esperara voltar para lhe contar sobre Anton Gabrielli, ao invés de fugir sem lhe dar a chance de falar? E ele não se parecia com Gabrielli! Como ousara comparar os dois?
A fila de táxi era enorme. Depois de meia hora de espera, conseguiu embarcar no mesmo táxi que a havia levado até o aeroporto. Deu o endereço do apartamento, e o taxista ergueu a sobrancelha, olhando-a através do retrovisor.
—Esse é um endereço muito conhecido — ele disse. — Foi lá que a peguei hoje de manhã — ele se lembrou. — Depois levei outra pessoa para lá, esta tarde. Agora a estou levando de volta. A senhora acha que aquele senhor vai estar esperando para que eu o traga de volta para o aeroporto?
Ele achou graça, mas Hermione não.
—O senhor sabe o nome daquele passageiro? — ela perguntou, cheia de expectativa.
—De certo — ele respondeu. — Todos conhecem o signor Potter. Ele dá ótimas gorjetas.

Harry pagou ao taxista e saiu do táxi para esperar por Draco. A Ferrari não havia voltado da manutenção, e ele não quis usar o Lótus de Hermione. O carro ia ficar exatamente onde estava, até que ela voltasse para reclamá-lo.
—O que ela esteve fazendo em um lugar como este? — ele perguntou, demonstrando espanto.
Draco não respondeu. Caminhando até a porta, ele pegou a chave, abriu a porta e entrou. Acompanhado por Harry, subiu os vários lances de escada, passando por portas que tinham placas de natureza suspeita.
—Você sabe que este lugar faz parte da zona de prostituição?
—Harry perguntou a Draco.
—Sei — o outro homem respondeu. E, apesar de não ter a menor idéia, do que Hermione poderia estar fazendo ali, estava começando a se preocupar.
Chegaram ao último andar. Os dois mantiveram-se calados ao se depararem com a única porta. Draco girou a chave e entrou primeiro, dominado pela tensão.
Ficou parado por segundos, antes de murmurar:
—Bem isso é um alívio. — Depois começou a rir.
Para Harry a incógnita continuava. O que sabia sobre aquela mulher?, perguntou-se, ao ficar do lado de Draco olhando o que se poderia chamar de ateliê de pintura. A luz penetrava através das janelas amplas iluminando o local que cheirava a madeira, óleo e turpentina. Em todos os lugares havia pinturas. Algumas emolduradas ou esperando para serem emolduradas. Piazza Dei Duomo, La Scala, Pusteria di Sant’Ambrogio, Brera, com sua fileira de pequenas lojas e passantes, e os jardins da Vila Reale.
Em uma bancada, uma pilha de esboços a lápis. No cavalete, via-se semi-acabada a pintura do seu próprio terraço, com vista para Milão.
Harry não fazia a menor idéia de que Hermione pudesse até mesmo empunhar um pincel, quanto mais fazer quadros como aqueles.
— Olhe para estes — Draco murmurou. Ele se aproximara da bancada e estava examinando os esboços.
Esboços de figuras vivas feitos com traços seguros. Esboços de pessoas entretidas com os seus afazeres. Harry conteve a respiração ao imaginá-la ali, naquele lugar inseguro, desenhando, enquanto ele estava no escritório protegido tratando de negócios, acreditando que mulheres de homens ricos passavam a vida no ócio.
Draco separou um dos esboços onde Harry viu a própria face.
Espantou-se diante da acuidade com que ela havia captado o seu estado de ânimo naquele momento.
Encontrou inúmeros outros desenhos. Todos revelavam suas diferentes expressões com detalhes.
Depois, algo lhe atraiu a atenção. Era uma pintura semi-acabada de Franco e Nicola prestes a sair para a viagem de lua-de-mel. Percebia-se que Hermione não ficara satisfeita com o resultado, já que a pintura havia sido abandonada em um canto. Entretanto, não era a obra inacabada que lhe chamara a atenção. Era a constatação de que, pelo tamanho, coincidia exatamente com a pintura que ela havia embrulhado para dar de presente no aniversário de casamento dos dois.
Apesar de não lhe haver mostrado, havia pedido sua aprovação.
Aliás, ela não lhe havia pedido aprovação para nada que estivera fazendo naquele ateliê.
Sentiu tristeza.
—Por que ela não me disse nada? — ele murmurou quase inaudivelmente.
Voltando-se para ele, Draco o olhou longamente, sabedor da resposta. Ela deveria ter sentido medo de que Harry caçoasse dela, e portanto deixara de lhe contar.
— Não sou nenhum monstro — ele disse baixinho.

Hermione havia mudado de idéia no último instante. Não sabia por que havia feito aquilo, mas instintivamente, lembrou-se de que deveria evitar que Draco esvaziasse o seu ateliê, já que não iria mais embora. Assim, pediu ao motorista que mudasse de direção e se dirigisse para o estúdio. Entretanto, ao chegar, percebeu que não estava mais com as chaves para entrar no prédio.
Felizmente, um dos inquilinos estava saindo naquele momento.
Ele a reconheceu e, com um sorriso, cedeu passagem para que ela entrasse.
—A senhorita tem visitas — ele disse.
Draco!
Ela sorriu.
—Grazie — ela respondeu, deixando que ele fechasse a porta atrás dela.
Sua maleta não era pesada, mas ela arfava quando chegou no último andar. A porta estava semi-aberta. Abrindo-a totalmente, ela parou para pôr a maleta no chão, justamente no momento em que Harry dizia com um leve tom de censura.
—O que ela acha que eu ia fazer. Rir dos trabalhos dela?
Ela ficou parada, a boca seca e os olhos arregalados. Harry estava lá, juntamente com Draco. Parecia que o destino continuava a determinar a sua própria sorte.
—Bem — ela conseguiu sussurrar. — São vocês?
Ele se voltou para olhá-la. Fez-se silêncio. A tensão estava estampada no rosto de todos. A claridade do sol fazia brilhar os cabelos escuros e sedosos de Harry. Ele estava usando um terno cinzento combinando com camisa um tom mais claro e gravata quase preta. Sua pele tinha um brilho dourado, e os seus olhos, verdes, brilhavam de tristeza, paixão e orgulho ferido.
Ela sentiu vontade de chorar só em vê-lo. Queria correr para ele, abraçá-lo tão fortemente que ele nunca mais poderia se afastar dela.
Ao invés disso, simplesmente ergueu o rosto. Era uma questão de orgulho pessoal.
—Você devia estar em um avião! — ele exclamou.
Era a última coisa que Hermione esperava que ele dissesse.
—Não pude ir.
—Como vê, não estou rindo — ele respondeu.
—O que faço aqui é muito importante para mim — ela explicou, sem nem saber por que.
—Posso ver que sim — ele redargüiu. — Por que você não pôde ir?
Ela estremeceu, sentiu-se a ponto de perder os sentidos, o estômago nauseado.
—Porque você não queria — ela murmurou incerta. — Você confiou que eu ficasse, mas eu não confiei que você...
As palavras se perderam.
—O esboço que você está segurando não está muito semelhante —ela conseguiu acrescentar.
Ele olhou para as próprias mãos sem consciência de que estivesse segurando alguma coisa.
—Você acha que eu sou um monstro — ele murmurou, voltando a olhar para ela.
—Algumas vezes, sim — ela concordou.
—Vai entrar ou pretende fugir novamente?
—Oh. — Foi a vez de ela olhar para a maleta como se nao soubesse onde estava ou o que estava fazendo. Permanecia parada junto à soleira da porta, com a maleta no chão ao seu lado e a bolsa a tiracolo.
Hermione fez menção de se abaixar para pegar a maleta, mas Harry se adiantou rapidamente. A maleta foi erguida, e ela foi puxada para dentro na mesma rapidez em que a porta foi fechada.
Foi então que ela viu Draco, apoiado em uma parede, com os braços cruzados.
—Olá — ela murmurou, tentando se recompor.
—Olá — Draco respondeu. — Será que você gostaria de nos contar o que significa tudo isto? — ele perguntou diretamente.
—Ela não precisa explicar nada — Harry disse, segurando o braço de Hermione como se temesse que ela pudesse fugir mais uma vez.
Draco olhou desafiadoramente para Harry.
—Ela precisa explicar se é que você quer que eu me vá daqui —ele replicou, sem se importar em demonstrar sua intenção. Harry fez uma cara de desagrado e ficou quieto, permitindo que Draco continuasse com a pergunta.
Ainda trêmula e tentando pôr os pensamentos em ordem, Hermione inspirou profundamente.
—Você sabem... Eu pinto. Aliás, foi você quem me ensinou —ela respondeu.
—Você aprendeu sozinha — ele a corrigiu secamente. — Insistindo em colocar o seu cavalete ao lado do meu todas as vezes que eu trabalhava, imitando cada pincelada que eu dava.
—Então, foi com você que eu aprendi — ela concluiu.
—Mas não esta espécie de pintura — ele disse com ironia. —Isso é arte que se vende nas esquinas.
—É arte! — Harry exclamou, saindo em defesa de Hermione.
Ele estava sendo amável, pois Draco tinha razão.
—Em lojas — ela corrigiu.— Eu vendo essas pinturas para as lojas de Brera, que, por sua vez, revendem-nas para os turistas. Rende um pouco de dinheiro.
—Foi por isso que você pouco usou o dinheiro que eu lhe dava —Harry murmurou.
—E os seus trabalhos sérios? — Draco perguntou, recusando-se a ser posto de lado.
Ela ficou tensa. Harry também.
—Que trabalho sério? — ele perguntou.
—Você viu um exemplo na noite passada — Draco informou sem olhar para o rosto aflito de Hermione.
—Dio mio — Harry sussurrou, olhando-a espantado. — Quer dizer que você pintou o seu próprio corpo nu?
—As vezes eu o odeio — ela fuzilou Draco. Draco não se importou, saiu de onde estava e se encaminhou para eles.
—Pergunte a ela sobre aquele que ela mantém escondido ali —ele sugeriu a Harry, ao se aproximar deles. Depois, parou e se inclinou para beijar o rosto raivoso de Hermione. — Acabe com essas pinturas sem valor antes que elas a arruínem — ele a advertiu seriamente, antes de abrir a porta e se retirar, deixando-os a sós.
Hermione ficou tensa, ainda não se sentia pronta para o que estava para acontecer. Tentou distraí-lo.
—Harry, precisamos conversar.
Mas, já era tarde demais.
—Agora vamos ver o que temos aqui — ele murmurou vagarosamente. Com um alçar de mão, pegou a pintura e a levou para um cavalete.
Ela se manteve imóvel. Tinha o rosto em fogo. Afastando-se, ele se pôs a estudar a pintura do seu próprio corpo nu, pintado com todos os detalhes que só podiam ser conhecidos por alguém que o conhecesse muito intimamente.
Quando ele começou a rir, ela sentiu vontade de sair correndo atrás de Draco. Mas, a forma como ele se observava no quadro a deixou desconcertada.
—Está tudo errado — ela exclamou. —Está fora de proporção. O seu nariz está parecendo o de César, e o seu torso está muito longo!
—Acho que está perfeito.
Ele até poderia estar gostando, ela pensou, cheia de raiva.
—Odeio quando as pessoas olham para o que estou pintando, antes que esteja terminado!
—Você quer dizer que odeia que eu veja esta pintura? — O humor de Harry mudou tão rapidamente que a pegou desprevenida. Subitamente tomado de fúria, ele perguntou: —Por quê? Por que não podia me dizer que pintava assim? Pensei que a conhecesse, mas estive vivendo com uma completa desconhecida! Sua mãe está dependurada na minha parede, mas você não se importa em me dizer! O seu ex-amante nunca foi o seu ex-amante! Na realidade, aposto que você nunca teve amante algum antes de mim. Teve?
Ela enrubesceu e sacudiu a cabeça negativamente, o que o enfureceu ainda mais.
—O seu pai é um rato, e você tem um talento artístico que procura me esconder! — Harry esbravejou.
—Você possui um Rembrandt! — ela retrucou na defensiva.
—Eu também tenho um Malfoy! — ele respondeu. — E muitos trabalhos de artistas totalmente desconhecidos. E por que citou o Rembrandt! Está querendo dizer que além de ter todas as outras falhas, ainda sou um esnobe em termos de arte?
—A sua opinião me era muito valiosa! — ela exclamou. — Por isso achei melhor não lhe mostrar!
Naquele instante, ele a agarrou e a beijou. Não sem tempo, ela pensou, correspondendo ao beijo como uma mulher faminta.
—Dio mio — ele murmurou de encontro aos lábios sequiosos. —Tem idéia do que foi voltar para casa e não encontrá-la?
—Chorei durante toda a viagem para o aeroporto — ela confessou, como se aquilo o aliviasse.
—Não faça isso de novo!
—Não farei — ela prometeu.
Beijaram-se novamente, antes que ele acrescentasse cheio de ardor.
—Realmente, não poderá fazê-lo porque vou me garantir de que não tentará fugir outra vez! — Levou a mão ao bolso e retirou de lá uma pequena caixa preta de couro.
No momento em que a viu, Hermione já sabia do que se tratava.
Cheia de emoção, disse, escondendo as mãos atrás das costas.
—Não! Você não precisa fazer isso! — Tentou mesmo se afastar.
Ele a seguiu.
—De certo que preciso fazer isso.
—Não! — ela gritou, encostando-se na parede.
Harry tentou acalmá-la.
—Amore mio, isso é o que eu quero. O que ambos queremos!
Hermione continuava a sacudir a cabeça, sentia-se descontrolada.
—Eu voltei porque quis — ela repetiu. — Não é preciso isso para me manter aqui! Uma aliança vai tornar as coisas ainda mais complicadas! Preferia...
—Está bem — ele disse suavemente. — Falei com o meu pai, e ele...
Ela ficou olhando para ele com os lábios trêmulos.
—Falou com ele sobre mim? — Parecia tão horrorizada que dava pena. — Você não tinha o direito de incomodá-lo com esse assunto quando ele está doente!
—Doente — Harry concordou. — Mas não incapacitado! E foi sem qualquer desrespeito à sua doença que eu o procurei para obter a aprovação. Mesmo assim, você acha que eu sou homem que precisa da aprovação de quem quer que seja?
—Precisa da minha — ela respondeu. — E não estou preparada para me colocar entre você e os seus pais. Não preciso fazer isso. Estou perfeitamente feliz com as coisas como estão.
—Mas eu não! — ele exclamou, com uma súbita expressão de ansiedade. — Assim, fiz uma oferta irrecusável para o meu pai. —Seus olhos brilharam, cheios de intenção, enquanto ele erguia o estojo da aliança. — Que seria feito deste jeito, ou através de métodos menos convencionais.
—Não existem outros métodos...
E assim dizendo, ele a beijou e sussurrou junto ao ouvido de Hermione:
—Um Potter ilegítimo não é aceitável. Meu pai entendeu o recado e...
—Você está querendo dizer que ameaçou me engravidar? — ela perguntou. Depois, sua expressão modificou-se. — Acha honestamente que eu vou permitir que faça isso comigo?
Os olhos de Harry começaram a brilhar com uma mensagem explícita:
—Você não tem força suficiente para me impedir.
Mas ela tinha. De um jeito ou outro, ela tinha o poder de lhe dizer não. — Uma criança não é uma arma, Harry — ela disse desviando-se dele. — Não acredito que queira brincar com o futuro de um ser somente para vencer uma argumentação.
—Fala isso por experiência própria? — Harry perguntou, com uma expressão de curiosidade.
Ela não disse nada.
—Anton Gabrielli! — ele exclamou. — Ele lhe deu um cheque polpudo. Anton ou estava tentando pagar pela amante ou para comprar o silêncio — ele disse com um levantar de ombros. — E como tenho certeza de que você foi somente a minha amante, concluí que ele estava pretendendo comprar o seu silêncio. Não sabe como fiquei feliz com a sua atitude.
Entretanto, ela estava começando a perceber como um antigo sobrenome italiano poderia fazer a diferença entre ser aceita ou não.
—Eu não vou considerá-lo como meu pai, você sabe — ela avisou. — Mesmo que ele declarasse publicamente ser meu pai, eu negaria. Ele não me acompanharia pela nave da igreja somente para me tornar aceitável perante os olhos da sociedade. E se ele me deixasse os seus milhões, eu os devolveria imediatamente. Portanto, se isso... — ela olhou de maneira expressiva para o estojo do anel — que você quer fazer está baseado nessas presunções, você está perdendo tempo, Harry.
—Os bilhões irão para o filho e herdeiro dele — ele informou, notando a expressão de surpresa nos olhos de Hermione. — Vejo que você não sabe nada sobre ele. — Harry sorriu. — E um rapaz simpático, gosta das mulheres e toca os negócios com prazer, tal como o pai fazia. Casado — ele acrescentou sucintamente. — Tem dois filhos, um menino e uma menina. A esposa vive com o sogro na propriedade da ilha de Capri, enquanto o marido se diverte por aí. Quanto ao nome Gabrielli, você não precisa dele, já que vai adotar o nome de Potter, quando se casar comigo. E se você não o quer como pai, ótimo. — Ele encolheu os ombros. — Porque meu pai se sentirá muito bem em acompanhá-la. Além disso, apesar da opinião que você possa ter sobre os meus pais, posso lhe dizer que são bons. O único e grande problema é que eles me amam demasiadamente. Mas, com o tempo, pretendo fazer com que esse amor se divida pelos novos membros da família.
—Sua mãe me odeia...
—Minha mãe — Harry a interrompeu — estava tão arrependida quando a vi esta tarde, a ponto de querer vir comigo para se desculpar. Felizmente — ele acrescentou, — consegui dissuadi-la. Caso contrário, ela teria presenciado o que aconteceu. Isso diz alguma coisa? — ele perguntou baixinho.
Hermione sentiu os olhos se encherem de lágrimas de arrependimento, e sua boca começou a tremer.
Lutando contra o desejo de beijá-la, Harry pôs o anel no bolso.
Hermione ficou olhando e ele ficou muito feliz em perceber a expressão de desapontamento em seus olhos. Ela podia invocar todas as razões do mundo para justificar não querer o anel, mas estava mentindo. Desejava-o com a mesma intensidade com que o queria.
Entretanto, agora teria de esperar. Exceto se primeiro...
Ele pegou uma folha de papel marrom e um rolo de fita adesiva. Ela estava diante da janela vendo a paisagem que se descortinava e que lhe dera motivo para escolher aquele lugar. Ignorando-a ele pegou a pintura em que aparecia nu, e, com a eficiência de quem sabia manusear uma tela ainda sem moldura, embrulhou-a para ser transportada.
Voltando a cabeça, ela nem mesmo tentou protestar, dizendo apenas:
—Ainda não está terminado.
—Você terá todo o tempo do mundo para terminá-lo quando voltarmos ao apartamento — ele replicou. — Vamos transformar um dos quartos de hóspede em estúdio — ele disse, enquanto terminava de passar a fita adesiva no embrulho.
—Harry...
—Há alguma coisa que você queira levar consigo agora? — ele a interrompeu, olhando para ela.
Apesar dos raios de sol estarem esmaecidos naquele entardecer, a forma como incidia sobre a pele e os cabelos de Hermione, fazia-o se lembrar do auto-retrato que ela fizera. Entretanto, a expressão dos olhos poderia ser a da própria mãe. Era triste perceber que ela não acreditava que houvesse esperança para eles.
—Você voltou, cara — ele a lembrou. — Mas para uma nova ordem de coisas. E isso não pode ser evitado só porque você tem medo das mudanças que vão acontecer.
—Poderia ser evitado, se você permitisse — ela respondeu.
Ele sacudiu a cabeça.
—Eu não quero mais voltar à forma devida que tínhamos antes!
Harry exclamou determinado.
Era óbvio que ela estava ciente da escolha a que ele estava se referindo. Devia deixá-lo novamente ou encarar um futuro com todas as implicações.
Mas ela havia voltado, ele pensou aliviado, e essa era a única coisa que o impedia de prometer qualquer coisa em troca da presença dela.
Era uma sensação estranha, aquele medo de perdê-la.
—Está pronta? — ele perguntou.
Ela baixou os olhos, virou-se e se abraçou, deslizando as mãos braços acima em uma tentativa de se preservar. Coragem? Medo?
Amor que ele sabia que ela sentia por ele? A necessidade de acreditar que ele sentia a mesma coisa por ela?
Já era tempo de ela começar a acreditar no amor, ele pensou, melancolicamente. Já era tempo de começar a confiar nele.
—Sim, estou pronta — ela respondeu baixinho.
Ele sentiu um alívio, mas esforçou-se para não demonstrar a emoção.
—Então, vamos embora. — Ainda segurando o embrulho da pintura, ele foi pegar o pouco de bagagem que ela possuía. Quando Hermione se aproximou, Harry lhe passou a bolsa tiracolo pelo ombro. Depois, silenciosamente, encaminhou-se para a porta.


Será que eu demorei muito???!! Eu esqueci de avisar no capitulo anterior, mas , bem, este é o penultimo capitulo! O último é show. Que pensam acerca do segredo da Mione? Lembram-se dela, uma vez, se dirigir pra um local que Harry nao sabia? Pois, é isso aí. Ela pinta! Pintou o Harry inclusive. Espero que gostem. Em breve nos veremos de novo. Valeu todos os comentarios. De coração.

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