A Despedida



A noite já ia longa, e no horizonte conseguia-se vislumbrar uns ténues raios solares. O quarto estava imerso na escuridão, mas uns brilhantes olhos verde-esmeralda estavam abertos. O olhar perdido num ponto indefinido mostrava a leve tristeza que o seu espírito deixava transparecer.
Era assim desde a sua separação. Sabia que não podia queixar-se de injustiças, porque sabia que, em parte, a culpa era sua, mesmo não sabendo como. As imagens daquela tarde cavalgavam incessantemente na sua mente, atormentando-o cada vez mais.
O sol estava agora bem visível, e não demorou muito até o quarto ser invadido pela luz do dia. O homem de cabelos pretos despenteados e olhos verdes estava deitado de barriga para cima com a cabeça apoiada nos braços.
Relutantemente, levantou-se e dirigiu-se à casa de banho. Ligou o chuveiro e sentiu lentamente a água a percorrer-lhe o corpo. Fechou os olhos e inspirou profundamente, sentido um pouco da sua mágoa a abandoná-lo.
Vestiu umas jeans e uma camisola verde clara, colocou os óculos e foi até à cozinha. Preparava-se para tomar uma taça de cereais quando a campainha tocou com um som estridente. A amaldiçoar interiormente quem estivesse do outro lado da porta, dirigiu-se ao hall de entrada. Quando a abriu, viu um homem alto de cabelos ruivos pelos ombros e de olhos castanhos, com uma camisola azul escura e jeans desbotadas.
- Então Harry, tudo bem?
- Maravilhoso, até estava a pensar ir passear no jardim e cantar músicas para as criancinhas – disse ele irónico.
- Já estou a ver que o teu humor não está muito bom hoje.
- Desculpa Ron, mas sabes que a minha vida não está um mar de rosas –disse ele fechando a porta atrás do amigo, e convidando-o com um gesto de mão a ir até à sala.
- É por causa da minha irmã, não é? – perguntou Ron.
- Se não te importas, não me apetece falar disso.
Um silêncio constrangedor abateu-se sobre eles, com cada um perdido nos seus pensamentos.
- Então, como é que está a Hermione? – perguntou Harry quebrando o silêncio.
- Óptima – informou Ron, alegrando-se – está bastante contente com o trabalho no hospital. E como é que estão os homicídios?
-O costume.
Ron desde a primária, admirava o amigo. Ao contrário dele e de Hermione, Harry sempre soubera que queria ser investigador criminal. Conseguiu terminar o curso com médias excelentes, e desde cedo que era considerado um dos melhores jovens criminalistas de Inglaterra, principalmente pelo seu sangue-frio e sede de justiça.
Hermione optara pela medicina, e era uma cirurgiã de renome, conhecida internacionalmente. Ron, por sua vez, era jornalista de investigação. Tinham sido colegas desde a primária, e apenas se tinham separado no secundário por causa dos cursos.
Depois de horas de conversa, e um pequeno-almoço animado, Ron saiu da casa do amigo. Um pouco mais animado, Harry foi até ao quarto. Era um espaço de tamanho médio, de um leve tom de azul, mobilado de uma forma simples.
Uma cama de casal encostada à parede do fundo, uma mesa-de-cabeceira do lado esquerdo da cama, um armário perto da janela, e uma porta que dava acesso à casa de banho, perto de uma secretária em madeira clara.
Sentou-se à secretária e pegou numa pequena caixa de madeira escura, depositada nela. Abriu-a cuidadosamente. Eram várias as fotos que retratavam momentos de felicidade entre ele e ela. Imagens que marcaram dois anos de namoro. Entre todas elas, a que estava no cimo era a sua preferida, pois lembrava-lhe um dos momentos mais especiais que viveram.

Flashback

- Por onde estamos a ir? – perguntou ela pela décima vez.
- Se te dissesse não seria surpresa pois não? – disse ele enquanto guiava a ruiva, que sorria divertida.
Quando fora buscá-la a casa, tinha-lhe vendado os olhos com uma fita de seda azul, e encaminhara-a para fora, para minutos mais tarde se embrenharem no meio do mato. Harry divertia-se ao ouvir os pedidos dela para que a deixasse ver o caminho.
Ao fim de algum tempo de caminhada, Harry fez a ruiva parar ao seu lado.
- Pronta para a surpresa? – perguntou ele com a voz baixa e doce, provocando um arrepio na mulher ao seu lado.
- Claro que sim.
Cuidadosamente, ele colocou-se por trás dela e agilmente tirou-lhe a venda. Os olhos cor de âmbar arregalaram-se ao vislumbrar a paisagem.
- Então Ginny, gostas? – sussurrou ele ao ouvido dela.
- Harry...é magnífico – murmurou enquanto os seus olhos percorriam aquele lugar.
Era uma bonita clareira com o solo coberto por uma camada fina de relva, e um bonito lago de um azul profundo no meio. As árvores que habitavam no local davam agradáveis áreas de sombra, bastante propícias para o Verão. Os raios de sol invernais iluminavam timidamente o ambiente, dando-lhe um ar relaxante.
Ginny foi até ao lago e molhou os dedos infantilmente na água fria, enquanto ele a observava encantado.
Ela era um pouco mais baixa que ele, tinha uns bonitos olhos cor de âmbar que mudavam para um suave tom de mel no Verão. O seu rosto era salpicado por pequenas sardas, os seus lábios eram ligeiramente carnudos, e os seus longos cabelos ruivos cor de fogo, que lhe caíam até um pouco abaixo dos ombros, emolduravam-lhe o rosto numa perfeição quase angelical.
Ainda se arrependia amargamente de não se ter declarado a ela há mais cedo. Só tinha ganho coragem quando Luc, um colega de trabalho dela, a tinha pedido em namoro. Felizmente isso fora o suficiente para ele tomar uma atitude.
Agora, vendo-a ali, a caminhar alegremente pela clareira observando tudo com atenção, o seu coração apertava-se de satisfação. Ela era a mulher mais maravilhosa que conhecera. No auge dos seus vinte e cinco anos, Ginny era uma fantástica fotógrafa, e já recusara vários trabalhos no estrangeiro para poder estar ao lado dele.
Sabia que era egoísmo, mas saber que para ela, ele era mais importante, fazia com que Harry a quisesse compensar cada vez melhor. No ano passado tinha-lhe oferecido um anel de esmeraldas, mas ela gostara mais de uma planta rara da floresta Amazónica oferecida pelo irmão.
Ele culpou-se interiormente por essa falha. Já estavam juntos há um ano, e ele esquecera-se de que ela preferia a Natureza a um palácio. Muitos a consideravam estranha, mas para ele, era apenas mais uma coisa que o fascinava.
Perdido em pensamentos sobressaltou-se quando se viu abraçado pela namorada.
– Oh Harry. Esta foi a melhor prenda que me podias ter dado! – disse ela alegremente. Ele abraçou-a ainda com mais força, enquanto que o perfume a jasmim dela lhe entrava nos pulmões.
Se havia alguma coisa que o embriagava, essa era o perfume de Ginny.
– Ainda bem que gostastes.
- Senta-te ali ao pé do lago. – pediu ela apontando para uma rocha na margem direita.
Ele obedeceu-lhe e sentou-se no local que ela indicara. Ela tirou a mala que tinha às costas, e de lá retirou uma máquina fotográfica e um tripé desmontável.
- Tu nunca deixas isso em casa? – perguntou ele enquanto ria divertido pela obsessão que a namorada tinha pela máquina fotográfica.
- Não, e para já se não a tivesse comigo, não podia fotografar este lugar maravilhoso.
Após montar o tripé e colocar a máquina na posição adequada, programou-a para tirar a fotografia automaticamente. Correu até à rocha e sentou-se ao colo dele, e quando o flash disparou, os dois sorriam apaixonadamente...
Fim de Flashback

Ele deixou cair a imagem para dentro da caixa para depois fechá-la violentamente.

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O apartamento parecia mais vazio do que nunca, para grande tristeza dela. Já se habituara a ter os irmãos ou o namorado em casa. Saiu do escritório onde estivera a organizar os vários álbuns de fotografias e foi até ao correio para ver se a sua resposta já tinha chegado. Pegou nas várias cartas e viu os remetentes de cada uma. Contas, e mais contas. Já se começava a exasperar quando viu a morada que tanto queria encontrar.
Largando todas as outras, foi até ao quarto com o envelope de um leve tom de beije na mão. O quarto era de um rosa claro nas paredes, o tecto de branco pérola e o chão em madeira branca. Uma grande janela, que também era uma porta de acesso à varanda, estava na parede de fundo, e do seu lado direito, uma cama com colcha azul celeste produzia um bonito contraste com o cabelo ruivo que ela possuía. Um armário de madeira branca estava ao lado da cama, e uma mesa-de-cabeceira branca no canto do lado esquerdo da janela.
Não era das divisões mais mobiladas da casa, mas Ginny gostava da paz que aquele sítio lhe proporcionava. Sentou-se na cama de pernas cruzadas e abriu a carta com as mãos ligeiramente trémulas.

Ginny,
É com grande alegria que recebo uma resposta afirmativa da tua parte, após tantas tentativas de te persuadir. Tenho a certeza que não te irás arrepender, visto que é uma grande oportunidade na tua carreira. A data de início do curso é daqui a duas semanas, espero que não te cause problemas.
Ficarei ansiosamente à tua espera
John

Ela dobrou a carta e respirou profundamente. Uma estranha sensação apareceu-lhe no estômago, obrigando-a a recapitular mais uma vez o que dissera a si mesma nos últimos três dias: Tomaste uma decisão Virgínia, e não vais voltar atrás. Assim vai ser mais fácil para os dois. Ele não entenderia.
A última frase ecoava vezes sem conta na sua mente, causando-lhe uma sensação de desconforto. E, por mais duras que fossem as palavras, ela infelizmente sabia que era verdade, ele nunca entenderia.
Com os olhos embaçados por causa das lágrimas que se tinham começado a formar em seus olhos, Ginny abriu a gaveta da mesa-de-cabeceira e retirou de lá uma caixa de madeira clara. Abriu-a cuidadosamente e uma suave música chegou aos seus ouvidos.
No centro da caixa, encontrava-se uma bonita bola de vidro que podia dividir-se em dois, sendo possível retirar um delicado anel em ouro branco repleto de esmeraldas verdes. Ao som suave da música de embalar, colocou o anel no dedo anelar. Ainda se admirava pela forma perfeita de como aquele anel se encaixava no seu dedo.
Ao sentir uma lágrima percorrer o seu rosto, pôs novamente o anel dentro da bola, fechando-a levemente. Na parte interior da caixa podia-se ler uma inscrição “Não apenas unidos pelas palavras, mas pelos corações”.
Chorava agora em silêncio, sem se importar com mais nada à sua volta. Tinha terminado tudo. Essa tinha sido a decisão dela. E, por mais duro que fosse enfrentar a situação de cabeça erguida, ela iria fazê-lo.
Decididamente fechou a caixa com um leve clic e colocou-a novamente na gaveta.

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Saíra do laboratório mais cedo do que o habitual e dirigiu-se de carro até ao hospital. Estacionou o Mercedes preto, imaculadamente limpo, nas traseiras do edifício, e entrou pela porta da frente. Não era raro vê-lo ali, por isso a recepcionista dirigiu-lhe um simpático “bom dia” que ele se apressou a retribuir.
Entrou no elevador que o levou até ao quinto andar. As portas abriram-se dando acesso a um corredor de paredes brancas. Harry odiava aquele lugar, para ele era demasiado doentio. Chegando ao final do corredor, entrou através de uma porta de madeira clara num gabinete cor de areia. Podiam ver-se duas secretárias. Numa estava sentada uma mulher de cabelos loiros e longos, com bonitos olhos azuis, debruçada num relatório. Na secretária mais perto da janela, uma mulher de cabelos castanhos ondulados que lhe davam um pouco acima dos ombros, e com olhos castanhos, relia os muitos papéis espalhados na sua secretária.
- Será que posso interromper o trabalho das melhores cirurgiãs do país?
As duas olharam sobressaltadas para a porta, e quando o viram um sorriso apareceu nos lábios das duas. A morena caminhou até ele e abraçou-o amigavelmente
– Harry pensava que estavas numa nova investigação.
- E estou, mas isso não quer dizer que não tenha tempo para visitar a minha melhor amiga.
- Já percebi que ele quer pedir-te qualquer coisa. Vou entregar estes papeis lá embaixo, fiquem à vontade – disse a loira indo até à porta.
- Brigado Luna – disse Harry.
A loira sorriu suavemente aos dois e fechou a porta atrás de si. Quando se viram sozinhos, Hermione sentou-se à sua secretária, e indicou a Harry uma cadeira à sua frente. Este também se e foi directo ao assunto.
- Mione, estou a dar em doido – admitiu ele num desabafo – não me consigo concentrar, mal como e passo as noites às claras. Não faço ideia do que fazer.
A rapariga não respondeu nada durante um momento, esperando que ele continuasse a falar. Como isso não aconteceu, ela tomou a palavra – Não podes continuar assim...
- Achas que eu não sei disso?
-... tens duas hipóteses. – continuou ignorando a interrupção – Ou vais falar com ela e esclareces as coisas, ou partes para outra sem olhar para trás.
Ele cobriu a cara com as mãos e apoiou os cotovelos nas pernas, num acto de verdadeiro desespero.
- O que é que achas que eu devia fazer? –perguntou ele por fim, ainda de rosto tapado.
- Acho que devias falar com ela e esclarecer isto de uma vez por todas. – disse olhando o moreno. Conhecia-o muito bem, e em toda a amizade dos dois, nunca o vira daquela forma. – Harry... – chamou ela suavemente
O homem levantou a cabeça, deixando com que ela vislumbrasse os seus olhos. Deixavam transparecer saudade, desespero e dor.
-...vai falar com ela. Afinal, não tens nada a perder.
Ele olhou-a nos olhos e sabia que ela tinha razão. Sempre tivera. Levantou-se e abraçou a amiga, que retribui o abraço. Agradecendo com um sorriso, saiu do gabinete. Hermione viu o amigo sair, e a única coisa que pôde desejar interiormente foi um sincero boa sorte.

Quando Harry Potter saiu do hospital já tinha começado a entardecer. Ligou o automóvel e dirigiu-se para casa. Quando chegou, pegou no telefone, que repousava no balcão da cozinha, e marcou o número ansiosamente.

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Depois de um longo dia num estúdio fotográfico, não havia nada melhor para ela do que um bom banho de água quente. Já estava a pentear os cabelos molhados quando ouviu o telefone tocar.
Sabia que era um hábito terrível, mas desde pequena que deixava a chamada chegar ao voice-mail e só se o assunto lhe interessasse é que ela voltava a ligar ou atendia. Após um minuto de tentativa frustrada do telefone atrair a sua atenção, ouviu a mensagem que ela deixara no atendedor de chamadas.
- Sou a Ginny Weasley. Neste momento não posso atender, deixe a sua mensagem a seguir ao sinal e responderei o mais depressa possível. Obrigado.
Ouviu-se um leve apito, que deu lugar a uma voz grossa, reconhecida por ela automaticamente.
- Ginny, sou eu. Sei que tens muito trabalho, mas eu preciso mesmo de falar contigo... precisamos esclarecer as coisas... Vou ficar à tua espera no lugar de sempre, às oito. Aparece... por favor.
Ela pôde ouvi-lo desligar do outro lado da linha. Ginny conhecia-o suficientemente bem para saber que ele estava triste. Ela também estava a sofrer... "Pára com isso! Tu tomaste uma decisão!!!"
Aquela voz na sua cabeça começava a irritá-la profundamente, mas no fundo sabia que ela tinha razão, e era isso que mais a chateava. Olhou para o relógio na parede da cozinha de cor branca. Eram sete e meia da tarde. Demorava sensivelmente dez minutos a chegar ao restaurante.
Pegou no telefone e marcou o número da melhor amiga. Achava inacreditável o tempo que a mulher demorava para atender. Já estava prestes a desistir quando ouviu uma voz do outro lado da linha.
- Estou?
- Luna sinceramente não podias demorar mais tempo, pois não? – perguntou Ginny exasperada.
- Pois claro, tu então és a mais indicada para me falar disso. – respondeu Luna irónica.
- Tenho um grande problema!
- Estás à beira da morte?
- Não deve faltar muito.
- O que se passa? –perguntou Luna
- O Harry ligou-me.
- E...
- Convidou-me para jantar.
- Espera. O teu grande problema é que um homem como o Harry, lindo e simpático, te convide para jantar? Ouve rapariga, tens que começar a definir prioridades. – disse Luna rindo.
-Luna, isto é sério. Quase perdi a coragem de acabar tudo quando vi os olhos dele! Se ele tentar alguma coisa, eu tenho a certeza que não vou conseguir manter o que disse... – murmurou Ginny.
- Sabes que se isso acontecer é um sinal?
- De que eu nunca devia ter ido ao jantar?
- Não – respondeu Luna pacientemente – de que nunca devias ter tomado aquela decisão.
- Já te disse que vou! E não vai ser ele a impedir-me!
- Então acho que só me resta desejar-te boa sorte amiga.
Ginny desligou a chamada. "Se é isto que as melhores amigas dizem em momentos de crise, acho que não preciso de nenhuma."Foi até ao quarto e abriu o armário. Vestiu umas jeans azuis escuras e uma camisola branca. Deixou o cabelo solto, e sem sequer olhar-se no espelho, saiu de casa.
Já passava da hora marcada quando ela chegou ao estacionamento do restaurante. Numa mesa perto da janela o seu olhar recaiu sobre um moreno de cabelos negros e olhos verdes. Ele estava lindo, "como sempre". Obrigou-se a desviar o olhar. Ainda nem sequer falara com ele e o seu coração já a mandava correr para os braços do ex-namorado.
- Será que isto não pode piorar? – perguntou ela, enquanto olhava o céu.

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Se havia alguém que se enervava com encontros, esse alguém era ele. Tinha passado um quarto de hora a olhar-se ao espelho sem gostar do que via. Como já estava a começar a enlouquecer, saiu de casa com umas calças de ganga e um pólo azul celeste.
Já passava da hora combinada e ele estava cada vez mais impaciente. A ansiedade dele só acalmou quando viu uma ruiva atravessar la porta de entrada. O restaurante tinha um estilo rústico, mas suave, com as paredes feitas de pedra clara. Era inacreditável o contraste que ela fazia com o ambiente.
Ela aproximou-se dele, e num movimento provocado pelo nervosismo, ele ergueu-se da cadeira, e cumprimentou-a o mais calmamente que conseguiu.
- Olá Ginny.
- Olá Harry.
Ficaram em pé por alguns instantes, perdidos nos olhos um do outro, até que a mulher quebrou o contacto. Sentou-se e Harry seguiu-lhe o exemplo. Escolheram o prato sem trocarem uma única palavra, e quando terminaram a escolha, limitaram-se a olhar um ponto indefinido do jardim que rodeava o restaurante.
- Obrigado por teres vindo – disse ele quebrando o silêncio.
- Estava mesmo precisando de sair do estúdio... passei o dia todo lá fechada.
Novamente um silêncio incómodo recaiu sobre eles. Cada um a pensar no que diria a seguir.
- Preciso te dizer uma coisa –disseram os dois em uníssono, fazendo com que um sorriso aparecesse neles.
- Primeiro tu. – disse Ginny tentando fazer com que a vez de falar fosse adiada.
-Eu quero... eu preciso de saber se... –ele respirou fundo e continuou –Preciso saber a razão de termos acabado.
Ela não podia dizer que estava surpreendida. Na verdade, estava à espera daquela pergunta – Harry, eu já te disse... não acredito em relações à distância.
- Nem eu.
- Então percebes a razão de termos acabado? – perguntou ela esperançosa.
- Mas nós não precisamos de ter uma relação à distancia – começou ele. Vendo a ruiva a erguer uma sobrancelha em sinal inquisitivo ele continuou – porque não precisamos de nos separar.
Ela olhou para ele com uma cara de pura incredulidade. Ele não podia estar a pedir-lhe aquilo. Simplesmente não era justo!
- Tu estás a querer dizer-me que eu não devia ir-me embora? – perguntou ela com um tom de voz acima do necessário.
- Estou apenas a dizer-te que não é preciso partires. Há muitas oportunidades em Inglaterra...
- Não vás por aí Harry! – interrompeu-o Ginny despertando as atenções dos outros clientes para si – Já decidi que vou!
E num gesto brusco, levantou-se da mesa e saiu do restaurante. Sem pensar duas vezes, Harry apressou-se a segui-la. A chuva que ameaçara Londres durante os últimos dias tinha começado a cair. Mas Ginny parecia não se importar, pois caminhava decididamente para o carro.
Ele correu até ela segurando-a pelo braço, e obrigando-a a ficar de frente para si.
- Ainda não acabámos a conversa.
- Acabámo-la segundos atrás, se não te conseguires lembrar! –gritou ela, tentando livrar-se da mão dele.
- Ginny, tu não podes ir para o fim do mundo! Não é justo...
- Não é justo?! –repetiu ela – Não é justo para mim ou para ti?!
Ginny conseguiu soltar-se dele e continuou.
- Ouve bem, Harry. Durante dois anos desisti de inúmeras oportunidades para me tornar ainda melhor. E sabes porquê? Porque tu me pedias! Quando era chamada para fazer trabalhos fora de Inglaterra, recusava-os para poder estar mais perto de ti. Mas tu quando havia uma investigação, não te importavas em me deixar só o tempo que fosse necessário. Quando voltavas, pedias-me desculpas pela ausência, e eu estupidamente aceitava-as. E este ciclo tem se repetido durante todo este tempo. Agora recebi esta hipótese de subir mais alto e NÃO a vou desperdiçar.
As lágrimas teimavam em escorrer dos olhos dela, mas Ginny obrigava-as a continuarem armazenadas. Sentia a roupa colada ao corpo por causa da chuva, mas isso não a preocupava minimamente. Tinha os olhos fixos nele.
- Porquê? Harry, porquê que todas as vezes que tu te interessavas por alguma coisa eu te dava apoio, sabendo que tu farias precisamente o contrário quando a oportunidade fosse comigo? –as lágrimas após muita insistência, corriam agora livremente pelo seu rosto, confundindo-se com as gotas de chuva –Sempre te empurrei para cima, e torci para que realizasses os teus sonhos. Mas sempre que tentei voar mais alto, tu cortaste-me as asas.
- Ginny...
- Não digas nada. Só quero que saibas que acabei tudo porque cheguei a uma conclusão – ela respirou fundo antes de prosseguir – se me amasses verdadeiramente, nunca irias prender-me, e se o fizeste...
Ela não precisava de dizer mais nada. Ele percebera perfeitamente aonde é que ela queria chegar. As palavras dela eram piores do que qualquer tortura. Viu-a a retirar um objecto do bolso e depositá-lo nas mãos dele. Observou-a a entrar no carro, sem sequer tentar impedi-la. Não tinha esse direito. Nunca o tivera...

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Ginny entrou em casa e deitou-se no sofá, completamente encharcada. Sabia que o sofá manchado causaria uma despesa enorme, mas naquele instante não tinha capacidade de pensar. Estava demasiado exausta para isso, demasiado infeliz.
As lágrimas continuavam a escorrer, sem ninguém para impedi-las. Poucos minutos depois, entregava-se por completo a um sono profundo.





Já se tinham passado cinco dias depois do desastroso jantar entre Ginny e Harry, e até aquele momento nenhum dos dois se atrevera a falar um com o outro. Ginny estava particularmente nervosa, ocupando o tempo a fazer as malas para a viagem daquela mesma tarde.
Desde aquela noite que ela esperava ansiosamente pelo avião que a levaria até Sidney, onde John Peterson estaria à sua espera. Ele era como um pai para ela, apesar de ser seu professor. Na Universidade, tinha sido a ele a lhe dar o maior incentivo, e ela agradecia imenso por esse apoio.
Olhou ansiosamente para o relógio. Faltava uma hora para a partida. Tinha se encontrado com Luna no dia anterior para se despedir, visto que ela preferia que a amiga não a fosse levar ao aeroporto, pois seria mais dolorosa a separação.
Pegou nas malas e, ao chegar à porta, olhou pela última vez para o apartamento. Apesar da insistência de Ron de lhe pagar o aluger do apartamento enquanto ela estivesse fora, Ginny tinha recusado pacientemente, explicando que o curso demoraria tempo indeterminado.
O irmão, ainda que a contra-gosto, acabara por ceder e assegurara-lhe que o apartamento seria posto à venda quando ela fosse para o estrangeiro. Despediu-se silenciosamente e saiu do local que por tanto tempo ela chamara de lar.

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Durante os últimos cinco dias, ele limitou-se a ter o objecto que ela lhe dera entre as mãos. Um lindíssimo anel de ouro branco, feito especialmente para ela. Não havia dois iguais, pois ele assegurara a exclusividade. Agora via-se com ele nas mãos, como a prova de que aquela jóia nunca voltaria à mão da pessoa a que fora destinado.
A dor que sentia era maior do que qualquer outra, mas mesmo assim recusava-se a chorar. Ele merecia tudo o que estava a acontecer, enquanto as palavras dela ecoavam na mente dele "cheguei a uma conclusão: que se me amasses verdadeiramente, nunca irias prender-me, e se o fizeste..."
Ele abanou a cabeça na tentativa de afastar os pensamentos. Como era possível que ela pensasse que ele não a amava?
"Tu criaste a situação, agora vais ter que sair dela. Não podes ficar a lamentar-te pelo que não fizeste, mas pensar no que ainda podes fazer", dissera-lhe Hermione quando ele lhe telefonara a contar o que se tinha passado.
Mas para seu desespero, ela não lhe tinha dito como agir. Apenas o abandonara à sua sorte. Não conseguia raciocinar. Sem Ginny, ele era como um barco à deriva no mar, sem rumo nem destino.
Ligou o rádio numa tentativa de pensar em alguma coisa. Deitou-se na cama enquanto a música penetrava na sua mente. Não que estivesse verdadeiramente a ouvir, pois os seus ouvidos apenas eram capazes de captar algumas linhas que compunham a letra da canção.
Pensa Potter, nem que seja só uma vez na vida! Ela vai para o outro lado do planeta e provavelmente nunca mais a vês. Fechou os olhos com uma força desnecessária, e foi capaz de perceber a beleza que a canção tinha. Falava de perda, dor, amor e saudade.
“I just can't live without you and I want you to know
I need you like I've never needed anyone before”
As lembranças do passado voltaram à mente sua, obrigando-o a deter as lágrimas com uma força descomunal. Foi então que olhou novamente para o anel. Num momento de loucura ou sanidade, levantou-se da cama e saiu a correr do apartamento com o anel apertado com força na mão.
Olhou para o relógio de pulso, faltavam quinze minutos para o avião descolar. Carregou no acelerador assim que fechou a porta do carro e encaminhando-se para o aeroporto, apenas com um pedido no pensamento: "Que não seja tarde demais."

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Olhou impacientemente para o relógio. Dez minutos para sair de Inglaterra. Dez minutos para iniciar uma nova etapa na sua vida. Não teve coragem de dizer ao irmão que não estava nos seus planos regressar. Olhou pelo vidro. O aeroporto que ela escolheu, tinha-lhe sido aconselhado por Luna. Ginny maravilhou-se quando entrara.
Como era perto do mar, as paredes eram feitas de vidro , que proporcionava uma vista deslumbrante aos passageiros. Já era quase de noite e o Sol começara a aproximar-se do Oceano. Uma voz ecoou por todo o recinto, anunciando que o avião com destino a Sidney descolaria dentro de cinco minutos.
Ela segurou na mala que levaria ao seu lado na viagem, e encaminhou-se à porta que dava acesso às escadas do avião. Estava prestes a atravessá-la quando sentiu uma mão a segurar-lhe no braço.
Instintivamente, virou-se de frente para o oponente, pronta para lutar se fosse preciso. Mas, para seu espanto, deparou-se com os olhos verdes em que ela tantas vezes se perdera.
- Harry, se estás aqui para me tentar impedir… - começou ela, tentando manter-se fria.
- Não te vou tentar impedir – disse ele surpreendendo-a. Antes que perdesse a coragem que conseguira reunir, continuou – Eu sei que cometi muitos erros, e que tens todas as razões para me odiar, mas naquela altura nunca pensei que te tivesse a magoar. Só fiz tudo aquilo porque…
- Porque…. – incentivou ela suavemente.
- Não te queria perder.
Harry sentiu-a relaxar e largou-lhe o braço. Ele olhava-a fixamente, tentando que ela percebesse que estava a ser sincero.
- Então, parece que acabaste por fazer tudo ao contrário – disse Ginny suavemente.
- Parece que sim – disse ele num murmúrio.
Mantiveram-se em silêncio durante alguns momentos, perdidos nos olhos um do outro. Sabiam que nenhum estava a pôr barreiras. Cada um podia vislumbrar cada medo e desejo sem ter de pedir obrigação ao outro.
A voz que ressoou das colunas anunciando o pouco tempo que faltava para a partida despertou-os.
- Tenho que ir, o avi…
Mas não conseguiu terminar a frase. Os braços de Harry enlaçaram-lhe a cintura suavemente, obrigando-a a aproximar-se. Os rostos dos dois estavam próximos, permitindo que ela sentisse a respiração de Harry na face. Ele não avançava, mas também não parecia ter vontade de a soltar.
Harry afastou com o dedo uma madeixa de cabelo que caíra sobre o rosto dela e acariciou suavemente a face dela. Sem se aperceber, Ginny fechou os olhos entregando-se por completo aquele toque.
Com a mão, ergueu-lhe lentamente o queixo, e delicadamente encostou os seus lábios aos da ruiva. Ao sentir os lábios dele sobre os seus, ela enlaçou-lhe os braços à volta do pescoço. Lentamente, o beijo foi sendo aprofundado pelos dois.
A sirene de aviso soou nos ouvidos deles fazendo com que se separassem relutantemente. Os dois sorriam infantilmente, não se atrevendo a separarem-se com medo que tudo aquilo não passasse de um sonho, e que quando despertassem, iriam perceberiam que nada acontecera.
A diminuição da luz despertou a atenção de ambos, fazendo-os olharem o horizonte. Era a união perfeita entre a Natureza. O Sol descia cada vez mais em direcção ao mar, e, timidamente se tocavam. Pouco a pouco o Sol penetrava na imensidade do Oceano, fazendo surgir um arco-íris de cor, e provocando uma sensação de união total. Quando, finalmente, se tornavam um só, uma leve brisa percorria o ar, e o som das ondas, tornava-se cada vez mais baixo, até não passar apenas de um pequeno murmurar, que enfeitiçava quem estivesse a assistir.
O último aviso ressoou pelo aeroporto, fazendo com que os seus olhares se cruzassem.
- Harry…
Mas ele colocou um dedo sobre os lábios dela, num sinal para que ela nada dissesse. De dentro do casaco retirou um envelope e colocou-o nas mãos delas. Delicadamente beijou-a, e aproximando-se do ouvido dela murmurou.
– Boa sorte, e não te esqueças que estarei aqui à tua espera.
E com isso indicou-lhe o avião. Num passo apressado, Ginny correu até à escada que dava à porta do avião. Quando estava a entrar, virou-se para trás. Viu o homem que conquistara o seu coração sorrindo apaixonadamente para ela, tal como tantas vezes fizera. A porta fechou-se e ela foi até ao seu lugar.

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Harry manteve-se no mesmo sítio enquanto a via afastar-se. Observou-a a subir as escadas do avião apressadamente. Ginny virou-se e ele esboçou um sorriso de incentivo, apesar de sentir o seu coração apertado, causado pela partida inegável dela.
Ginny entrou no avião e, por mais que aquilo lhe doesse, ele sabia que era um sonho dela que se realizaria. Um sorriso desenhou-se nos seus lábios ao pensar na felicidade que ela sentiria ao acabar o curso.
A pouco e pouco o avião começou a ganhar velocidade e, segundos depois, levantava voo elegantemente. Quando o transporte não passava de um ponto no céu, Harry Potter virou as costas ao recinto, caminhando até ao carro, pronto para regressar a casa.

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Sentou-se no lugar reservado para ela e tentou controlar o coração, que batia descompassado. Depois de tudo o que lhe dissera, nunca pensara que Harry a quisesse voltar a ver. Olhou para o envelope que ele lhe tinha entregado. Abriu-o cuidadosamente.
Desdobrou a folha que se encontrava dentro do envelope e leu.

Ginny,
Só Deus sabe o quanto me arrependo de todos os erros, que me disseste ter cometido. Ao querer ter-te perto de mim, acabei por fazer sentir-te encurralada. Espero, sinceramente, que me consigas perdoar. Hoje ouvi uma música com que me identifiquei, não só pela necessidade estonteante de perdão, mas também pela intensidade de amor:
“Eu simplesmente não posso viver sem você
E quero que você saiba
Eu preciso de você
Como nunca precisei de ninguém antes”
Tal como o compositor desta letra, também eu me sinto insignificante perto da tua grandiosidade. Sou a tua sombra, porque sem ti eu não poderia existir.

PS: Ele foi feito para ti, e se não fores tu a usá-lo, mais ninguém o fará.

Com Amor,
Harry

Uma lágrima quente percorreu o seu rosto, enquanto os seus olhos percorriam incessantemente as linhas daquela carta. Parou de lê-la, e com a mão percorreu o interior do envelope. Os seus dedos fecharam-se em redor do objecto, retirando-o. Quando a sua mão se abriu, expôs aos seus olhos um maravilhoso anel de ouro branco detalhado por esmeraldas.
Colocou-o no dedo anelar e olhou para o oceano que sobrevoava. Se tivera dúvidas sobre regressar, todas elas se dissiparam. O beijo que os dois tinham trocado minutos atrás, não tinha sido de despedida, mas sim, do desejo de um dia mais tarde se voltarem a reencontrar…

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