Sul
Sul
Rony sentiu um gosto de sal em sua boca. Seus músculos estavam enrijecidos e sua cabeça doía. Devagar, sentou-se e abriu os olhos – havia uma mata a sua frente. Perplexo, Rony piscou várias vezes, esperando, em todas elas, que o cenário mudasse, o que não ocorreu. Às suas costas, o barulho de ondas chamou sua atenção, era o mar mais lindo que ele já vira.
Agora sabia de onde vinha o gosto de sal de sua boca, mas não lembrava-se de ter nadado. Aliás, a última coisa de que se lembrava era de ter discutido com Gina após o jantar, e ter ido deitar-se de mal com a irmã. Será que algo acontecera a ela? Porque agora que parara para pensar, tinha sido uma briguinha tão boba!
-“Gina?” – arriscou ele, baixinho – “Você está aí?”
Ninguém respondeu.
-“Gina!” – gritou.
Como resposta, somente o grito de algumas aves silvestres e o vento fazendo farfalhar as copas das árvores. Juntando todas as suas forças, Rony se levantou e correu em direção a mata. Precisava encontrar a irmã.
-“Gina!”
Estava quase alcançando a árvore mais próxima, quando viu um movimento nos arbustos à sua direita. Não havia tempo para parar de correr, a velocidade que atingira era muito grande. De repente, do meio do mato, surgiu um animal. Era um enorme cão preto, que parecia ter força suficiente para derrubar um boi. O animal correu na direção de Rony, que abaixou-se, protegendo a cabeça com os braços.
-“Então finalmente acordou!” – exclamou uma voz rouca.
Lentamente, o garoto virou-se para ver quem falara. No lugar do enorme cão, encontrava-se Sirius Black.
-“Sirius!” – disse Rony, aliviado – “Quase me matou de susto!”
-“Você também! Se continuasse dormindo, eu pensaria que você morreu!” – comentou ele, soltando uma gargalhada seca ao final.
Sirius não parecia tão mal quanto no dia em que Rony o conhecera. Ainda estava magro, mas seu rosto tinha perdido o quê de cavernoso e suas olheiras haviam diminuído consideravelmente.
-“E então, gritando pela irmã?”
-“Ah!” – fez o garoto, lembrando-se da atitude ridícula que tivera – “Foi a primeira pessoa de quem me lembrei, já que brigamos ontem à noite, sabe como é.”
-“Entendo.”
-“Você sabe onde estamos?” – perguntou Rony, desviando o assunto.
Sirius balançou a cabeça afirmativamente.
-“Não faço a menor idéia.” – disse ele – “Meu primeiro pensamento foi nos dementadores, imaginei que eles tivessem me largado aqui. Mas isso, é claro, foi antes de eu me lembrar que dementadores não seqüestram pessoas. Logo em seguida, encontrei você, estava desmaiado e não dava sinais de querer acordar, então decidi sair para procurar comida e água.”
Rony não disse nada, ao que Sirius continuou:
-“É engraçado como o nosso primeiro pensamento sempre vai para o que nos preocupa mais, nos momentos de dificuldade.”
-“Como assim?”
-“Veja bem, você pensou em Gina, já que brigou com ela ontem à noite e obviamente está preocupado com o ocorrido. Já eu, bem, não faz tanto tempo assim que fugi de Azkaban, portanto os dementadores ainda estão no meu encalço.”
Ele sorriu ao terminar sua explicação. Um sorriso amarelo, sim, mas um sorriso que parecia julgar a perseguição que sofria como uma simples conseqüência de mais uma marotice dos tempos de Hogwarts. Rony virou-se para olhar o mar, enquanto Sirius coçava a cabeça, ambos em silêncio, debatendo com suas próprias teorias.
-“Você encontrou água?” – disse o garoto, por fim – “Estou morto de sede.”
-“Por aqui.” – disse Sirius, com uma mesura.
Rony o seguiu mata adentro.
Não haviam andando muito, quando o garoto escutou um barulho de água correndo. Sirius o guiou por uma curva na floresta e finalmente eles avistaram um largo rio, em cujo topo havia uma pequena cachoeira.
-“Uau!” – fez Rony, correndo em direção à água.
-“Cuidado, a correnteza é forte!” – alertou Sirius – “Deve estar perto de desembocar no mar. Pelo que entendi, esse rio nasce mais para o norte.”
Rony agora bebia em grandes sorvos, parecia que não via água há anos. Rindo da pressa do garoto, Sirius aproximou-se para beber mais. Famintos, os dois encontraram meia dúzia de frutas tropicais, voltando, em seguida, para comerem à beira do mar.
-“Queria saber quem nos colocou nessa situação.” – comentou Rony, com a boca cheia de bananas.
-“Eu me preocuparia mais com um plano para escapar.” – disse Sirius, mirando o horizonte.
Rony olhou na mesma direção que ele, pensativo.
-“Hei!” – exclamou de repente – “Estou sem a minha varinha!”
-“Isso é mal...” – comentou Sirius, parecendo realmente preocupado.
-“Onde será que a perdi?” – perguntou Rony, vistoriando compulsivamente os bolsos e olhando ao redor, sem sucesso.
-“Não é possível não termos notado isso antes!” – exclamou Sirius –“Vamos procurar-la.”
Assim, os dois refizeram o caminho até o rio, olhando para todos os lados com a maior atenção possível. Como não obtiveram resultado algum, tiveram que desistir da busca e acabaram por retornar à praia.
-“Não acredito que isso aconteceu!” – resmungou Rony, sentando-se e dando socos na areia.
-“Talvez sua varinha tenha sido roubada antes de você vir para cá. Não sei o que, ou quem está nos causando isso, mas com certeza é alguém quer nos ver tentar sobreviver sem magia.”
O garoto não respondeu, ficou refletindo as palavras de Sirius. Tentar sobreviver sem magia . Será que conseguiriam?
-“Se pelo menos Hermione estivesse aqui...” – murmurou.
-“O que disse?” – perguntou Sirius, aproximando-se e sentando ao lado do garoto.
-“Nada,” – disfarçou Rony – “eu não disse nada.”
-“Engraçado,” – começou o outro, sorrindo – “pensei ter ouvido certo nome feminino no ar...”
Rony riu pelo nariz, não havia motivo para fechar-se.
-“Estava apenas pensando,” – disse ele – “que seria bom ter Hermione conosco.”
-“Huuum.” – fez Sirius, sugestivamente. Ele divertia-se em provocar o garoto.
-“Quer dizer, ela é inteligente! E nasceu trouxa, portanto não teria problemas para se virar sem magia.” - Rony tentou explicar, atrapalhando-se um pouco com as palavras.
-“Sim, é sempre bom ter uma garota inteligente por perto.” – ironizou Sirius, divertindo-se com o embaraço do outro – “Mas agora é a nossa vez de demonstrar inteligência! A noite está chegando e precisamos de um abrigo.”
Nisso, levantou-se e começou a caminhar em direção à mata. Perplexo com aquela atitude, Rony o seguiu.
Após algumas horas de trabalho e muito suor, os dois conseguiram improvisar um lugar para passarem a noite. Mais tarde, já deitados, começaram a pensar em diversos jeitos de saírem daquele lugar.
-“Poderíamos tentar aparatar.” – sugeriu Rony.
-“Não sei...” – refletiu Sirius – “Não sabemos onde estamos, pode ser perigoso.”
-“Então o que faremos?”
-“Seria bom se tivéssemos umas vassouras, ou mesmo Bicuço conosco.”
-“E se tentássemos caminhar para encontrar algum sinal de vida humana? Porque eu não acredito que sejamos os únicos nesse lugar...”
-“Talvez essa seja a nossa única chance, amanhã decidiremos.”
-“Certo. Boa noite, Sirius.”
-“Boa noite, garoto.”
No dia seguinte, Sirius acordou cedo. Um vento forte soprava do leste, arrastando a areia da praia consigo.
“É um milagre que esse garoto consiga dormir com um barulho desses.” - pensou ele, encarando Rony, que parecia semi-morto de tão adormecido que estava.
Assumindo sua forma canina, Sirius embrenhou-se na mata. Daquele modo, ele podia andar com uma maior agilidade por entre as árvores. Além disso, usava seu faro e seus sentidos caninos para captar qualquer sinal de comida, ou mesmo de um possível inimigo.
Após beber água e encontrar mais algumas frutas silvestres, ele voltou para o abrigo, onde encontrou Rony ainda adormecido. Enquanto aguardava que o garoto acordasse, ele sentou-se na areia e tentou imaginar onde estava, porém nenhuma idéia convincente lhe vinha à cabeça.
Quando Rony finalmente despertou, ele o levou para beber água e comer algo. Sentados na beira do rio, os dois voltaram a conversar sobre o plano que tinham.
-“Se vamos sair daqui, precisamos ter certeza de que não sofreremos nem por falta d’água nem por falta de comida durante o caminho.” – observou Sirius.
-“Mas como?”
-“É uma boa pergunta, Rony. Além disso, temos o problema do abrigo, não podemos carregá-lo com facilidade, mas precisaremos de um lugar para dormir à noite.”
-“Você acha que levaremos mais de um dia para encontrar alguém?”
-“Não sei, mas não podemos descartar essa possibilidade.”
Os dois ficaram em silêncio por um momento. Só o que se ouvia era o barulho da água correndo e o cantar ocasional de um pássaro.
-“Não... isso poderia nos deixar perdidos no meio da mata...” – murmurou Sirius.
-“O que disse?” – perguntou Rony.
-“O que?” – o outro se virou para encará-lo – “Você me ouviu?”
-“Você disse algo sobre a mata...”
-“Estava apenas pensando...” – começou Sirius – “que poderíamos seguir o curso do rio, mas corremos o risco de ficarmos perdidos no meio de uma mata sobre a qual nada sabemos, então talvez seja melhor permanecermos sempre próximos ao litoral.”
-“Mas se caminharmos pela praia, podemos não encontrar mais água.” – disse Rony, começando a preocupar-se seriamente com a situação.
-“Você está certo.”
-“Então, vamos arriscar?”
-“Não temos outra escolha.”
Então os dois levantaram-se, juntaram algumas frutas e improvisaram um modo de carregá-las usando folhas de bananeiras. Quando se consideraram prontos, iniciaram sua arriscada expedição.
O primeiro obstáculo que encontraram foi a subida da pequena cachoeira. Não que fosse muito alta, mas era íngreme e composta por pedras extremamente escorregadias, de modo que os dois gastaram quase metade do dia naquela pequena empreitada.
Tendo chegado ao topo, pararam para descansar e comeram sua segunda refeição do dia.
-“Eu poderia caçar, sabe.” – comentou Sirius, olhando de uma maneira enjoada para a banana que comia – “Mas sem fogo não nos adiantaria muito.”
Rony encarou-o, sem coragem de dizer nada. Sim, seria muito bom comer um pedaço de carne assada, mas estavam totalmente sem condições de gozar de um luxo como aquele.
-“Eu me pergunto se conseguiremos voltar para casa...” – soltou ele, melancólico.
Sirius riu pelo nariz.
-“Pelo menos você tem uma casa para onde voltar.” – disse, levantando-se para recomeçar a caminhar.
Assim, os dois andaram até o entardecer. Às vezes, o rio fazia uma curva para a esquerda, levando-os mais à oeste, para logo depois virar à direita, guiando-os para mais perto do leste. Quanto mais caminhavam, mais avistavam bichos estranhos. Moscas zumbiam em seus ouvidos, lagartas passeavam pelo chão, besouros do tamanho de um palmo voavam de um lado a outro. Até mesmo alguns macacos apareciam ocasionalmente.
Quando escureceu, eles pararam e improvisaram um novo abrigo. Àquela hora, com os mosquitos atacando impiedosamente, foi praticamente impossível pegar no sono.
Atordoado com a quantidade de zumbidos em sua cabeça, Rony revirava-se tentando dormir. Pensava em sua casa, e em Gina acima de tudo, onde estaria a irmã?
Ele voltaria a vê-la? Ele não sabia de nada e era justamente aquilo que o deixava deprimido.
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