Capítulo 7



Harry sentiu o gosto de Gina, antes mesmo de seus lábios se tocarem. Ouviu o gemido abafado, pedindo mais. Então, a boca de Harry devorou a dela, e o calor espalhou-se por seu corpo, penetrando nos ossos, como um fogo incontrolável.
— Gina — murmurou, e ela enterrou os dedos no peito dele, puxando-o para mais perto.
— Não devíamos... — As mãos dela deslizaram pelo peito forte, mas Harry segurou-lhe os pulsos, prendendo-os atrás das costas de Gina.
— Não — gritou ela, o desejo transformando-se em raiva. — Não posso — ofegou, afastando os lábios dos dele. — Não consigo viver assim. Se não confiar em mim, não pode haver nada entre nós.
Ela lutou para livrar-se, e imediatamente Harry soltou seus pulsos. Gina não olhou para trás, enquanto corria para a casa, o corpo ansiando pelo dele, o coração partido.
Harry viu-a afastar-se, tentando recuperar o fôlego. Aquilo não estava acontecendo, não podia ser, disse a si mesmo, o corpo ardendo de desejo. Mas, no mesmo instante, viu-se como uma imitação patética do homem que fora um dia. E detestou.
Depois de uma corrida que testou até o limite seus músculos doloridos, Harry voltou para casa, pegando um copo de água antes de subir. Ao passar pela sala, encontrou um dos desenhos de Gina sobre a mesinha de café. Era um esboço de Sophia, dormindo na poltrona, com a gatinha. Havia outro, da casa, e mais um, de Sophia sorrindo graciosamente. O que o surpreendeu não foi apenas o fato de que eram muito bem-feitos, mas o amor que era possível detectar em cada traço. E tinham sido feitos num bloco simples, a lápis. Harry pegou um dos desenhos de Sophia e dirigiu-se ao quarto, quase sem se importar em ser descoberto vagando pela casa. Sabia que Gina faria de tudo para evitá-lo.
Os dois dias seguintes provaram que estava certo.
Gina deixava as refeições na porta da suíte, com uma batida na porta, e não mais do que duas palavras. Sabia que, se falasse com ele, às lembranças voltariam, e o desejo também. Também sabia que não iria adiantar, mas precisava de tempo para pôr a cabeça e o coração, no lugar. No entanto, cada vez que pensava nele, ficava mais confusa.
Sophia parecia especialmente feliz naquele dia, e Gina tentou se concentrar na menina, para esquecer suas apreensões. Andaram na praia, catando conchas, que lavaram e colaram na moldura de um espelho antigo que ela encontrara na garagem. Um dos lados da garagem estava todo desarrumado, enquanto o outro estava em ordem e limpo. Gina imaginou que muitas daquelas caixas deviam ter pertencido à ex-mulher de Harry, e guardavam lembranças do casamento.
— Quer pintá-lo para combinar com seu quarto? — perguntou Gina, e Sophia negou, com um gesto de cabeça.
— Quero dá-lo para o papai.
Gina piscou, surpresa, mas logo sorriu.
— Aposto que ele vai adorar.
— Vou levar para ele.
— Querida, não sei se é uma boa idéia. — Mas Sophia já corria para a casa, o tesouro apertado contra o peito. Gina seguiu-a, alcançando-a na escada. — Espere, Sophia. Precisa secar. Por que não põe em seu quarto, por enquanto?
— Não! Quero dar para ele!
Sophia soltou-se da mão de Gina e correu escada acima. Mas Gina foi mais rápida e alcançou-a, abraçando-a contra o peito.
— Solte-me!
— Querida, não pode vê-lo. Ninguém pode.
Sophia começou a chorar e Gina sentou-se nos degraus, abraçando-a carinhosamente e pondo de lado o espelho. Algumas conchas caíram, e a menina passou os braços e pernas à volta de Gina, soluçando.
— O que está acontecendo aí?
Gina não respondeu à voz que soava no interfone, sussurrando palavras carinhosas para a menina e carregando-a escada acima, sem esquecer do tesouro. Os soluços de Sophia diminuíram quando Gina colocou-a na cama, tirando-lhe os sapatos. Embora fosse a hora em que costumava dormir, lutava contra o sono.
— Quero Serabi.
Afastando os cabelos do rosto da menina, Gina sorriu.
— Vou buscá-la.
Assim que saiu do quarto, Sophia sentou-se, desceu da cama, e empurrou a cadeira da escrivaninha até a parede. Equilibrando-se na ponta dos pés, apertou o botão do interfone.
— Papai? Tenho um presente para você. Eu mesma fiz. É um espelho.
Ele não respondeu.
— Papai?
— Foi muito gentil, querida. Tenho certeza de que é lindo.
— Você não quer?
— Quero, sim. Muito.
— Então venha buscá-lo — disse Sophia, em tom de choro.
— Não posso, querida.
— Pode, sim! — gritou Sophia. — Vi você na praia. Pode, sim.
Gina entrou, trazendo a gatinha. Ouvira o suficiente para saber o que estava acontecendo. O gemido doloroso de Harry ecoou no interfone.
— Venha, querida — disse, tirando Sophia da cadeira e carregando-a para a cama.
A menina começou a chorar outra vez, chutando as cobertas.
— Não vou lhe dar Serabi, se continuar assim.
A garotinha suspirou, fitando-a através da franja de cabelos escuros. Os lindos olhos verdes revelavam tristeza.
— Desculpe-me — murmurou.
— Não é sua culpa, meu bem. Sei que está zangada porque seu pai não veio até aqui. — E eu também, pensou Gina. — Mas precisa se acalmar. Prometo que darei o espelho a ele.
— Como pode vê-lo, e eu não?
— Também não o vi.
— Mas ele estava na cozinha com você!
— Estava escuro. Eu não o vi.
— Oh!
— Agora durma um pouco e descanse. Quem sabe mais tarde possamos dar uma volta de cavalo.
— Está bem — respondeu ela, pegando a gatinha. Gina sacudiu a cabeça.
— Acho que Serabi não está com sono. — E como se quisesse confirmar que ela tinha razão, a gatinha escapou para o chão e correu.
Sophia pareceu subitamente muito só. Não podia deixá-la sozinha.
Gina tomou-a nos braços, carregando-a para o próprio quarto, onde a colocou na cama. Tirando os sapatos, deitou-se ao lado da menina, que logo se aconchegou a ela. Colocando uma colcha sobre as duas, Gina continuou sussurrando palavras doces.
— Eu gosto muito de você, Sophia — sussurrou, antes de adormecer.
— Eu também de você — disse Sophia.
Harry ficou parado no quarto de Gina, observando-as enquanto dormiam. Queria deitar-se na cama com elas, abraçá-las. E amaldiçoou o momento em que vidro e metal haviam dilacerado seu corpo e sua vida.
Sentia-se como um monstro acorrentado, que magoava todos que gostavam dele, quando tentavam se aproximar. Estava tão feliz por ter as duas em sua vida, e só agora percebia como era solitário antes disso. A emoção, de repente, tomara conta do Castelo Potter. Podia senti-la no ar. E sabia que, quando Gina acordasse, haveria silêncio total, ou palavras duras. E não estava ansioso por isso.
Olhando para o espelho que segurava, observou a moldura coberta de conchas. Não havia espelhos no andar superior. Não precisava deles, nem mesmo para se barbear. Não queria recordar por que era melhor ficar longe dos outros, por que ninguém gostava de ver sua imagem.
Mas iria guardá-lo, vendo refletidas nele as imagens de Sophia e Gina, abraçadas, como mãe e filha. E saberia que jamais poderia tê-las.
Deixando um bilhete para Sophia, agradeceu pelo presente e saiu do quarto, sentindo no ar o perfume de Gina, que parecia estar preso às suas roupas. Subindo a escada que levava à torre, fechou a porta atrás de si, deixando o mundo do lado de fora e desejando que pudesse fazer o mesmo com seu coração.
Apesar de uma dor de cabeça insistente, Gina cumpriu a promessa e cavalgou com Sophia pela praia. A garotinha adorou e logo sorria novamente. Para ela, no entanto, sorrir exigia esforço.
Depois de um jantar leve, um banho e algumas histórias, Sophia adormeceu e Gina ficou sozinha no andar térreo, na biblioteca de Harry. Tinha encontrado uma caixa na garagem, com papéis e fotos antigas, e esperava encontrar uma foto do pai e da mãe juntos para dar a Sophia. Tinha certeza de que isso daria à menina mais segurança e conforto. Enroscada na poltrona de couro, com um copo de vinho a seu lado, examinou as pilhas de fotos e papéis. Alguns eram muito velhos, estavam grudados e estragados pela umidade. Então encontrou um envelope plástico com recortes de jornal. Espalhando-os sobre a escrivaninha, pegou o maior deles. A manchete dizia: Empresário Harry Potter envolvido em acidente de trem.
Havia a foto de um carro, todo retorcido e ainda preso às ferragens dianteiras do trem. Ela podia imaginar que pedaços do carro tinham sido cortados para tirá-lo de lá.
Então, leu o artigo sobre o acidente. Uma mulher grávida tinha sofrido um ataque epilético e o carro dela ficara preso nos trilhos. Harry tentara tirar a mulher, mas as pernas dela estavam presas, e não conseguiu. Testemunhas tinham relatado que ele voltara ao próprio carro, e com ele tentara empurrar o carro da mulher, para tirá-lo dos trilhos. Mas o tempo não fora suficiente para que escapasse. O trem tinha batido na traseira do carro de Harry com toda a força, e segundo as testemunhas, ele fora arrastado por mais de um quilômetro, até ser atirado pela janela.
As mãos de Gina tremiam ao ler o artigo, que falava dos negócios de Harry, dos prêmios que recebera e das atividades filantrópicas que costumava realizar.
No fim da página havia uma foto dele, incrivelmente bonito e atraente, de smoking, e ao lado, a foto da maca na qual fora transportado para a ambulância. O lado esquerdo e a cabeça estavam cobertos. O braço pendia, coberto de sangue, a na mão apenas era visível o anel de sinete.
Gina pegou outro artigo. Harry Potter gravemente ferido, dizia a manchete. Potter sai do hospital, dizia outra. Cirurgiões plásticos dizem que os danos foram grandes demais. Potter recusa-se a dar entrevistas. Havia outro artigo falando do prêmio que recebera da cidade de Charleston, com a foto da mulher e do bebê que ele salvara. Cho recebera o prêmio por ele, e suas únicas palavras tinham sido: A recuperação de meu marido será lenta e difícil. Ele não estava pensando nas conseqüências ao salvar a sra. Argyle, mas apesar dos ferimentos graves, não está arrependido.
Mesmo no jornal, o comentário de Cho pareceu amargo para Gina. Olhando dentro da caixa, encontrou a placa de metal. Pelo generoso ato de bravura, esquecendo da própria segurança... a cidade de Charleston homenageia seu filho mais corajoso...
Um herói. Havia mais prêmios e elogios nos outros recortes, e em nenhuma das ocasiões Harry aparecera para recebê-los.
Quem teria guardado tudo aquilo? Nem por um segundo imaginou que Harry o tivesse feito. Achava que Rony era o responsável, já que Cho o deixara, incapaz de viver com o homem que vira quando as ataduras tinham sido retiradas.
Ela suspirou, pensando que talvez não fosse bem assim. Talvez eles já estivessem enfrentando uma crise conjugal e o acidente fora apenas o pretexto final para separá-los. Mas tinha a sensação de que a atitude de Cho o afetara tão profundamente que por isso escolhera viver nas sombras. Gina imaginou como teria sido a vida dele se a esposa o tivesse aceitado como era e permanecido a seu lado. Ela deveria ter orgulho da coragem e generosidade do marido. Mas preferira abandoná-lo.
Pondo de lado os artigos, voltou à atenção para as fotos, tentando encontrar uma para Sophia. Por fim, achou uma que mostrava Cho e Harry juntos, e ao fitar os olhos dele na foto, viu Sophia. Será que o sorriso também era igual? Ela vira apenas parte do rosto dele, naquele dia em que rachava lenha.
De repente, sentiu que era observada.
— Isso é assustador, Harry. Pare, ou um dia desses vai acabar me apavorando de verdade, e acabarei machucando você para me defender. Onde você está? — insistiu, incapaz de vê-lo no escuro.
— Aqui. — Ele acenou, e ela o viu junto à armadura que ficava num canto. Era difícil dizer qual era o homem e qual era a estrutura de metal.
— Prefere que eu apague todas as luzes para poder se esconder melhor?
— Pelo jeito, hoje você está ainda mais sarcástica.
— Bem, então não é tão tolo quanto pensei.
— O que quer dizer com isso?
— Que não vou precisar lhe dizer mais uma vez como magoou Mayte.
Ele se mexeu, puxando uma cadeira de espaldar alto para a sombra e sentando-se.
— Devia ter me ajudado, Gina. Sabe que eu não queria magoá-la. — Um suspiro pesado ecoou na sala, e Gina pôde sentir o sofrimento dele. — Parece que não consigo fazer nada direito ultimamente.
— É porque ainda não se acostumou com intrusos no seu santuário.
— Mas isso não me impediu de magoar minha garotinha.
— Não foi de propósito, eu sei. Mas quero que entenda...
— Está bem. Continue.
— Esta rotina não está funcionando, e temos que pensar em outra coisa. Sophia vai perdoá-lo, Harry. Aliás, já perdoou.
— Um espelho, Gina... Pelo amor de Deus.
Gina piscou, surpresa.
— Oh, Harry... Eu não tinha pensado nisso.
Havia espelhos no quarto dela, nos banheiros, mas em nenhum outro lugar.
— Era apenas algo que estava aprendendo a fazer. E desejou dá-lo a você.
— Eu sei — disse ele, a voz revelando arrependimento. — Tenho que compensá-la de algum modo
— Sei que o fará. — Mas não sabia como. — Li sobre o acidente — declarou, indicando com um gesto os recortes.
— Não gosto que fique mexendo nas minhas coisas — retrucou ele, tenso.
— Poderia ter encontrado tudo na Internet, você sabe.
Ele concordou, mas mesmo assim não estava feliz por vê-la revolver o passado.
— O que você fez foi um ato generoso, cheio de coragem.
— Poderia ter matado a nós dois — resmungou ele.
— Pelo contrário. Sua ação rápida salvou vidas. Um ser humano por nascer e a mãe.
— Soube que ele nasceu poucas horas depois do acidente.
— Viu a sra. Argyle e o filho?
— Não. — Ele sacudiu a cabeça. — Os médicos disseram que ela foi ao hospital, mas Cho não permitiu que entrasse. Mais tarde ela me escreveu. Deu ao filho o meu nome. O menino deve ser poucos meses mais velho do que Sophia — comentou, só então dando-se conta disso.
— Cho não permitiu que ela agradecesse a você pessoalmente?
— Eu não estava com disposição para receber elogios.
— Você ou Cho?
— O quê?
O tom dele era defensivo, e deixava claro que era melhor parar por ali. Mas Gina insistiu.
— Como se sentiu ao acordar depois do acidente?
— Feliz por estar vivo. Feliz por eles estarem vivos. Mas estava tão dopado pelos sedativos, que mal me lembro das primeiras semanas.
Alguns momentos se passaram. Gina bebericava o vinho, e Harry continuava sentado no escuro. Ela podia ver o contorno da cadeira, e o abajur na escrivaninha oferecia uma visão parcial dele, da cintura para baixo, revelando a calça de seda preta e o roupão. Estava descalço, com os pés cruzados nos tornozelos. Pés perfeitos, pensou Gina, com um sorriso.
— E como Cho se sentiu?
— Ela não falava a respeito.
— Foi o que imaginei.
— O que esperava? O marido dela foi esmagado por um trem para salvar outra mulher.
— Isso é o que ela pensou, Harry. Não precisa defendê-la. Você nem conhecia a mulher e teria feito a mesma coisa se se tratasse de um homem. Seu gesto foi instintivo. Cho não se conformou por você ter arriscado sua vida. E mais ainda quando viu as conseqüências.
Houve uma longa pausa, e então ele falou: — Tem razão. — As palavras foram acompanhadas por um longo suspiro. — Lembro-me de que perguntou como pude fazer aquilo com ela... conosco. Foi então que a fiquei conhecendo realmente. Ela começou a trazer os melhores cirurgiões do país, pedindo uma opinião após a outra, sem obter a resposta que esperava.
— E qual era?
— Que meu rosto voltasse a ser como antes.
O egoísmo de Cho tinha se revelado nessa única frase, e Gina sentiu o coração apertar-se ao imaginar a dor de Harry.
— E então ela quis se separar?
— Não — continuou ele, num tom amargo. — Ainda Ficamos mais algum tempo juntos. Quero dizer, não exatamente juntos... Ela dormia no quarto de hóspedes, com a desculpa de que não queria bater nos meus ferimentos durante a noite.
Os sinais da gravidez já deviam estar aparecendo, e ela queria escondê-los, pensou Gina.
— E não deixou que a tocasse, não é?
Ele estava quieto, imóvel, e ela podia sentir a dor e a humilhação.
— Não. Mas não posso culpá-la. Não depois de ver minha imagem no espelho.
— Mas eu posso.
— Como?
— Se ela o amasse de verdade, não teria se importado.
— Eu não era exatamente o príncipe encantado.
— E daí? Agora também não é. Ele riu, baixinho.
— Essa é a franqueza que eu adoro.
A última palavra fez Gina estremecer.
— Continue, sei que não acabou.
— Você estava sofrendo, se recuperando de um trauma terrível. Eu li os artigos. — A voz dela não escondia a raiva da mulher que o abandonara num momento tão difícil. — Ficou semanas no hospital, enfrentou tratamentos prolongados, fisioterapia. Pelo que sofreu, tem sorte de estar vivo. — O osso da coxa fora substituído por uma placa de metal, o quadril esquerdo estilhaçado, assim como todo o lado esquerdo do corpo. O ombro tinha sido esmagado, e havia pinos de metal no braço, nos dedos e nas costelas. — Sua determinação para curar-se foi admirável.
Harry ergueu bruscamente a cabeça. Além dos médicos, ela era a primeira pessoa a dizer isso. Depois do acidente, ouvindo Cho culpá-lo pelo que sofrera e pelo que tinha feito com a vida dela, decidira lutar,
— Estava tentando provar a ela que nada mudara entre nós. Depois de algum tempo, percebi que não fazia diferença. Ela já me olhava de um modo diferente.
— Como?
— Como se eu não fosse um homem, mas uma criatura repulsiva.
— Oh, Harry.
A compreensão de Gina o atingiu, fazendo-o estremecer. Ainda assim, continuou:
— Ela dormia sozinha, comia sozinha, até que, numa manhã, eu estava sozinho. Ela não conseguiu me encarar nem para dizer adeus. — Ele se mexeu na cadeira. — Deixou uma carta.
Quanta frieza e crueldade, pensou Gina, mas não disse nada.
— Percebi que eu a levara a agir assim. Não. Não me defenda. Por favor, Gina.
Eu era o menino de ouro, que transformava em ouro tudo que tocava. E todos queriam estar perto de mim. — Era como se ele falasse de outra pessoa. — Tudo era fácil. A liberdade, o alto padrão de vida e o dinheiro. E só quando vi aquela mulher grávida presa nas ferragens, lutando para respirar, percebi quem realmente era. Naquele momento, percebi o que minha alma desejava. Era como se eu não tivesse vivido até então. — A voz tornou-se um sussurro. — Era a única coisa que eu podia fazer. A coisa certa. E Cho me acusava por tê-lo feito, e tentava me fazer voltar ao que era antes, trazendo um cirurgião atrás do outro, deixando claro como sentia repulsa pelo que eu me transformara. Eu estava com raiva do mundo, por me mostrar um homem que eu não tinha certeza se queria ser.
Discretamente ela enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto, tentando manter a voz firme:
— E agora?
— Sei que não mudaria nada que aconteceu naquela noite. — Ele riu, baixinho. — Exceto talvez, ter pisado mais forte no acelerador.
Gina tomou o resto do vinho e recolocou tudo na caixa. Harry ficou tenso ao vê-la levantar-se e caminhar para ele, o roupão fino moldando o corpo esguio.
— Não se aproxime — sussurrou ele, roucamente.
Ela não obedeceu, e ele pôde sentir o perfume na pele, nos cabelos dela.
— Gina...
Estava imóvel, e quando ela ergueu a mão, segurou-a no ar. Com um gesto rápido ela soltou-se e acariciou o lado do rosto que não tinha cicatrizes. Os dedos deslizaram para os cabelos macios, e ele gemeu, baixinho.
— Não sou Cho, e você não é Draco. — Os lábios dela tocaram levemente os dele, e Harry lutou contra o desejo de colocá-la no colo e saboreá-la com a boca, as mãos.
— Não tenho medo de você, dragão. — Ela se mexeu, os lábios tocando a orelha de Harry, a voz sedutora enchendo a noite. — Afinal, por que está sempre se aproximando de mim?
Antes que ele pudesse responder, afastou-se, escapando para a escuridão do corredor. Ele sabia por que. Estava começando a confiar nela. Tinha lhe contado coisas que jamais dissera a ninguém. E essas duas coisas eram perigosas. Porque quando estava perto dela o que menos lhe importava era a imagem que vira no espelho.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.