DIÁRIO DOS PUROS
O Expresso de Hogwarts saiu da Estação de Hogsmeade logo pela manhã. Alheia a alegria e comentários dos demais alunos, Luna Lovegood encaminhou-se para uma cabine vazia no final do corredor. Pôs seu malão no bagageiro com dificuldade e por pouco ele não abriu, espalhando todo o conteúdo pelo chão do compartimento. Ela não tivera tempo suficiente para arrumar tudo da melhor forma, pois passou os dois últimos dias na escola procurando pelas suas coisas, que alguns alunos acharam suficientemente engraçado espalharem pelo corujal.
Ela suspirou profundamente e lançou um olhar para o horizonte que começara a se movimentar devagar. Endireitou-se na poltrona, abriu o exemplar d’O Pasquim mais recente e passou a vista em uma reportagem sobre um Nundu ter sido visto na costa da Escócia. Pouco tempo depois, viu-se sem concentração e fitando o horizonte mais uma vez. Tinha sido um ano terrível para ela, os colegas a tratavam como maluca e, por vezes, parecia que ela tinha alguma doença que impedia os outros de se aproximarem. Nem a ameaça de petrificação fez com que as pessoas parassem de perturbá-la. Comentou uma vez que tinha certeza que era uma cobra gigante que estava atacando os alunos, razão para darem gargalhadas e aumentarem as zombarias. O pior de tudo é que ficou provado a existência de um Basilisco na escola e que ele fora o causador dos incidentes, no entanto, ninguém pareceu lembrar de suas afirmativas.
A garota abriu a revista e retirou um pedaço de papel rasgado. Jogou para o lado o exemplar d’O Pasquim e começou a ler as poucas palavras que restavam no papel.
“Querida Di-Lua...”.
O sol já estava bem alto no céu e eram poucas as nuvens que restaram para encobri-lo. O calor era quase insuportável, o que não significava que o parquinho estivesse vazio, muito pelo contrário, continuava a se encher de crianças mais e mais animadas. Três meninas estavam brigando por um dos lugares restantes do gira-gira. O escorregador tinha uma fila enorme. Havia crianças correndo por todos os lados, brincando de pega, polícia e ladrão e outras tantas brincadeiras que inventavam para não ficarem paradas. Algumas vezes caíam e choravam, mas logo se levantavam e voltavam a correr e pular como loucas. Uma garotinha loira, no entanto, encontrava-se sozinha, sentada de um dos lados da gangorra. Seus olhos grandes e atentos fitavam um dos balanços vazios e virava a vista rapidamente, como se alguém devolvesse o olhar.
Ela tentou dar um impulso na gangorra para, enfim, poder se divertir, mas, sem ninguém para manter o equilíbrio, o máximo que conseguiu foi levar um tombo. Olhou desconfiada a sua volta antes de se levantar, para ter certeza de que ninguém a vira cair. “Por que olhar?”, pensou, “Ninguém olha pra mim. Nem, ao menos, sabem que existo”. Para sua surpresa um garoto de camiseta cor de laranja a estava observando com curiosidade. Ela enrubesceu e tratou de se levantar o mais rápido possível, tirou rapidamente a areia de seu vestido de bolinhas azuis e, novamente, sentou-se na gangorra. Depois de três breves minutos, ela respirou fundo e voltou a vista para trás, na direção em que o menino se encontrava. Constatou, para sua inteira surpresa, que ele continuava a encará-la. Sentiu vergonha de si mesma e baixou a cabeça por mais alguns minutos.
- Por que você está aqui sozinha? – Uma voz rouca e calma falava às suas costas. O susto que a garota teve ao ouvir essas palavras foi suficiente para fazê-la cair mais uma vez da gangorra. O garoto tocou em seu ombro, ela enrubesceu.
- El... Eles não gostam de mim. – disse um pouco relutante, sem olhar pra trás.
- Quem? – Ele ficou de frente e se abaixou, suficientemente perto para encará-la face a face. A garota arregalou os olhos e virou o rosto, tentando olhar para qualquer outra coisa. – Quem poderia não gostar de você?
- Todos. – a menina demorou a responder e a sua voz quase não saiu quando o fez.
- Você tem os olhos lindos. – o menino disse sorrindo sem mais nem menos, tentando mudar o rumo da conversa e fingir não ter escutado a resposta.
- O que... – ela não tinha entendido o que fora dito, talvez por achar a colocação absurda. Sem querer Luna olhou-o de frente e percebeu um sorriso espontâneo em seu rosto. “Será que ele está brincando comigo?”, pensou e, rapidamente, voltou a desviar a vista.
- Qual o seu nome? – ele sentou na areia fofa e abraçou os joelhos, ainda a encarava com curiosidade sem tirar o sorriso dos lábios.
- Luu... na. – respondeu relutante.
- Luu-na? É um nome diferente. – Ele olhou para cima, tentando puxar alguma coisa da memória. – Hum... Em todo caso, meu nome é Gabriel. Gabriel Humbly.
Houve um breve momento de silêncio. Gabriel deu um suspiro e fez menção de se levantar.
- Não é Luu-na.
- Hã? – Olhou brevemente para ela, parando no movimento de se levantar.
- Meu nome! – Levantou o rosto. – Não é Luu-na. É Luna! Luna Lovegood.
- Bem, Luna não é um nome estranho. – Ele se levantou completamente e estendeu a mão para ela. – Vem de lua em latim. – ele sorriu para o olhar de surpresa que ela lhe conferiu. – Não olhe pra mim desse jeito. Eu sei disso porque... Bem, meu pai é professor de Latim na universidade.
Gabriel a ajudou a levantar. Luna sacudiu mais uma vez o vestido que estava usando e tornou a sentar-se na gangorra. Ela olhou para o garoto num tom de visível súplica e ele, logo, entendeu a deixa. O garoto sentou-se do lado oposto e equilibrou o brinquedo, mantendo-o no mesmo nível, deu um impulso para cima e viu pela primeira vez o sorriso de Luna; era como se fosse a primeira vez que ela brincava de verdade, tamanha sua alegria. Nem parecia a menina envergonhada de minutos atrás.
- A gente podia tentar os balanços se você quiser. – Gabriel falou de repente, depois de um longo tempo, não esperando a reação que veio a seguir.
A gangorra parou abruptamente, o que fez o garoto perder o equilíbrio e quase cair. Luna desceu do brinquedo e olhou de esguelha para o balanço, logo depois fez uma careta.
- O que foi que eu disse? – Gabriel veio falar com ela. – Alguma coisa errada?
- Não gosto de balanços.
- Você não gosta de balanços? – Ele ficou sério. - Mas... Por quê?
- Eu simplesmente prefiro as gangorras. – disse na maior tranqüilidade. – São mais seguras, sabe?
- Seguras? – Olhou para os balanços vazios desconfiado. - Não é medo de cair, é? – Gabriel retirou o tom sério de seu rosto e voltou a sorrir. – Porque se for isso, vi você caindo mais de cinco vezes desse brinquedo só esta manhã. – apontou para a gangorra que acabara de sair. – Pra mim ele não parece um brinquedo tão seguro assim, sabe?
Luna fechou a cara.
– Olhe... – Gabriel tentou amenizar. – Desculpa se disse alguma coisa que te deixou chateada, mas é que eu não entendo o que te faz dizer que os balanços não são seguros.
- Eles são perigosos. – Ela segurou a mão de Gabriel, que ficou ainda mais confuso, e o puxou para um canto numa tentativa aparente de fazer com que os balanços não ouvissem a conversa. – Eles atacam as pessoas despreparadas.
- Como assim? – O garoto olhou de Luna para os balanços vazios e de volta pra ela, com uma cara de espanto absurda.
- Foi o que minha mãe me disse. – disse num tom de sabedoria. – Um desses balanços aí, - e apontou para onde estavam. - uma vez, tentou arrancar todos os meus cabelos, quando eu era menorzinha. Eu não lembro bem como foi, mas, minha mãe me contou todos os detalhes. Eles são monstros disfarçados.
- Você está querendo me dizer que, deixa ver se entendi, um balanço tentou deixar você careca e que, por causa disso, você só brinca na gangorra. – Gabriel tentou raciocinar. Respirou fundo, talvez querendo se livrar de todas as imagens que lhe vieram à cabeça. – Imagina se você soubesse todas as coisas que eu sei sobre as gangorras. – brincou.
- Quais? – ela deu um pulo para longe da gangorra e puxou o amigo para junto de si.
- Eu tava de brincadeira. – caiu na gargalhada. – Acho que a sua mãe também. Os balanços nunca atacam ninguém... Pelo menos não que eu saiba.
- Está chamando minha mãe de mentirosa? – Luna fez cara de brava.
- Não. – sacudiu a cabeça fortemente. – O que eu estou tentando dizer é que, os balanços são inofensivos, e que, provavelmente, sua mãe estava brincando com você. Vem, – Ele tentou pegar na mão de Luna, como da vez que ela o puxara pro canto. – vou te mostrar.
Ao chegar perto dos balanços, a garota tentou se soltar das mãos de Gabriel e parou estagnada.
- Pode ir. Eu fico olhando daqui. – disse se livrando das mãos do garoto e olhando para o chão.
- Não seja criança. – Disse com cara séria.
- Se não percebeu, eu só tenho nove anos. – Fixou bem os olhos nele. – Eu e você somos crianças.
- Você entendeu o que eu quis dizer. – Gabriel ficou vermelho. – Tá bom, se você quer ficar aí... Mas me prometa que se ele – apontou para o balanço indefeso. – não me deixar careca, você vem?
- Vou pensar no seu caso.
Gabriel andou em direção aos balanços, sempre dava uma espiada pra trás para ver se ela estava olhando. Quando, finalmente, segurou a corrente, deu um grito e começou a tremer. Uma garotinha que corria despreocupada do lado teve um susto e fugiu para longe. Luna fez cara de desespero e tentou acudir o amigo, que estava sendo visivelmente atacado pelo balanço assassino.
- Eu estava brincando. – Gabriel se recompôs e caiu na gargalhada. – Não acredito que você caiu nessa.
- Não teve graça. – Luna ainda olhava as correntes com cara de medo. – Eu achei mesmo que você estivesse em perigo.
- Desculpe, - ele puxou a mão de Luna e a obrigou a sentar. – sente-se aí e segure na corrente, certo? Vou te empurrar.
- O quê? – Luna se levantou rapidamente.
- “Te empurrar”, – sem entender o espanto. – é assim que se brinca. Você senta, eu empurro e você se balança. É bem simples, não é? – Puxou ela mais uma vez. – Vamos, vamos. Senta logo pra gente começar.
- Não quero. – Luna se afastou.
- Eta, menina maluca. Você devia mudar de nome, sabia? Alguma coisa mais condizente com você. Você tem apelido ou coisa parecida? Tipo: Luna Maluquinha ou Aluadinha. – ele comentou enquanto seguiam em direção ao sorveteiro, que passava pouco adiante. Luna mantinha-se séria. – Moço, eu quero dois sorvetes de morango. Com bastaaaaaante calda de chocolate, ok? Hei, - virou para Luna. – você já provou o sorvete daqui?
Ela não respondeu, parecia mais interessada em olhar, com bastante curiosidade, o homem colocar duas bolas do sorvete num copinho e despejar um líquido marrom neles. Ao receber o sorvete nas mãos, ela o examinou com bastante afinco. Cada detalhe parecia importante. Gabriel olhava para ela sem entender.
- O que foi? – disse por fim. – Tá achando que ele vai ganhar vida?
- Pelo visto não v... – Ela encarou o menino. – Isso não faz nada?
- Claro que faz. – Gabriel fez cara de surpreso. – É gostoso e alimenta. O que mais deveria fazer?
- Que sem graça. Tem certeza que isso não faz mais nada? – Gabriel deu de ombros. Um pouco relutante, então, Luna provou o sorvete, que já começava a derreter. – É muito gostoso! – depois de comer todo o seu sorvete, tentou atacar o que sobrara do de Gabriel.
- Nem vem, você disse que ele era sem graça. – olhou de esguelha. Passou alguns longos minutos enrolando para não terminar o pouco de calda que restara no copinho. Era uma espécie de tortura para a garota. – Estava realmente uma delícia.
O tempo passou bastante rápido enquanto eles conversavam. Descobrira que ele havia se mudado há duas semanas para aquele bairro e que não conhecia ninguém. “Até agora”, ele fez questão de frisar. Compraram mais dois sorvetes de morango, por insistência de Luna e marcaram de se encontrar no dia seguinte no mesmo lugar.
O pai de Luna chegou pouco antes das cinco da tarde para buscá-la. Gabriel o cumprimentou com educação e sorriu para Luna. O Sr. Lovegood parecia satisfeito com a recente amizade da filha. Foram a pé para casa, conversando sobre o dia cheio que o pai tivera na redação d’O Pasquim. Ele a pôs nos ombros como fazia quando ela tinha apenas três anos, e percebeu, pouco tempo depois, que, obviamente, ela tinha crescido. Luna contou, seriamente, dos balanços assassinos, que quase arrancaram o braço de Gabriel. Comentou sobre o sorvete que provara, e que repetira, mas que o achara sem graça por ele não pular do copinho. Disse que, se soubesse fazer, iria pôr mais animação neles. Seu pai sorria sem parar da conversa de sua filha e, vez ou outra, acariciava os cabelos da pequena.
Ao chegar em casa, Luna correu e deu um longo abraço na mãe. A mulher sorria animadamente, tinha os longos cabelos loiros amarrados num rabo de cavalo e a varinha por trás da orelha. Usava um macacão verde de jardineiro e botas negras de couro de dragão, cuja sujeira que caía sujava toda a cozinha de piso branco. Com um breve aceno de varinha, o Sr. Lovegood limpou a sujeira no chão e, em seguida, deu um beijo na esposa.
- Você não vai acreditar no progresso que estou tendo com o adubo. Mas ainda acho que o problema está na parte final do feitiço de fertilização. Ele explode com facilidade e fica uma grande sujeira lá no porão. – disse a mãe de Luna sentando-se à mesa na hora do jantar, após um bom banho e servindo-se de sopa de ervilhas. – Tenho que testar aquelas poções que te falei, querido. Mais torradas, Luna?
- Quero. – Luna levantou-se e pegou a bandeja com torradas.
- A Luna fez um amiguinho no parque dos trouxas. – comentou o pai olhando fixo para a filha. – Ele me parece bem simpático.
- Que maravilha, minha filhinha. – Luna ficou envergonhada com o comentário, e mais ainda depois da carícia no rosto que a sua mãe lhe deu. – Qual o nome dele?
- Gabriel. – a garotinha enfiou uma torrada inteira na boca.
- Como o conheceu? – a mãe deu duas leves palmadas nas costas da filha que, aparentemente, se engasgara com a torrada. A garota acabou contando tudo o que fizeram durante a tarde.
- E você falou dos balanços? Que eu é que tinha lhe dito que eles atacavam? – A Sra. Lovegood caiu na gargalhada. - O garoto deve ter achado que eu sou maluca. Se bem que não seria o primeiro a achar isso, não é verdade?
- Ele achou... na verdade, que a maluca era eu. – disse Luna baixando a cabeça.
- Quem se importa. – O pai de Luna pôs a mão em sua cabeça. – Você é a maluquinha do papai. E acho que ele gostou de você.
Depois da animada conversa no jantar, ela subiu para o seu quarto, enquanto os pais continuaram à mesa conversando sobre o que o Ministro da Magia havia dito da reportagem que saiu n’O Pasquim a respeito dos muitos Duendes assassinados, e cujas mortes haviam sido encomendadas pelo próprio Fudge. Luna pôde ouvir algumas boas gargalhadas de seus pais antes de adormecer. Dormiu pensando no dia seguinte e, conseqüentemente, teve sonhos muito bons. Finalmente tinha um amigo de verdade, não precisava imaginá-los.
Uma coruja das montanhas havia, há mais ou menos um mês, cruzado o Salão Principal, para entregar um embrulho endereçado a Luna, o que a deixou extremamente curiosa. Ninguém no mundo bruxo lhe mandava cartas, além, claro, de seu pai, mas esse não parecia ter sido enviado por ele. A coruja largou o embrulho em seu colo e se lançou no ar novamente. A garota olhou espantada para aquele envelope pardo diante dela e demorou um pouco para abri-lo. Havia um quadro trouxa meticulosamente pintado e uma carta. Respirou fundo e começou a ler a carta com atenção, sabia muito bem quem havia escrito.
“Querida Di-Lua
Primeiramente, desculpe por não ter mandado notícias antes. Essa coruja que você me deu é um problema, sabia? Ela vive me bicando e anda sempre irritada, estou com os dedos todos enfaixados. E olha que eu tento ser simpático com ela, mas, simplesmente, não dá. Eu só agora consegui mandar essa carta, com a ajuda do seu pai. Definitivamente, não gostei desse método de correspondência, mas, arrumei...”
Luna nunca soube como a carta terminava, pois, nesta hora, um grupo de terceiranistas se prontificou ao seu redor e, para seu azar, um deles arrancou a carta de suas mãos com brutalidade.
O garoto chegou a ler em voz alta o começo, mas Luna se jogou para frente tentando desesperadamente pegar o papel das mãos do colega da Corvinal. No entanto, apenas conseguiu um pedaço dela. Todos ao seu redor deram altas gargalhadas. Até mesmo a Monitora da Corvinal, Penélope Clearwater, esbanjara um sorriso satisfeito. Desde então a garota passou a ser chamada de Di-Lua. E o que antes era uma forma carinhosa de seu amigo Gabriel lhe tratar, teve uma outra conotação na boca de seus colegas de escola.
O dia amanheceu levemente nublado, torceu para não chover. Às dez horas em ponto já se encontrava ao pé da escada da frente, esperando sua mãe levá-la para o parquinho, vestia uma jardineira amarela e tinha o cabelo amarrado em dois, um de cada lado da cabeça. Levava escondidas quatro garrafas de cerveja amanteigada numa sacolinha. Disse ao pai que era comida “normal” pra fazer um piquenique, e jurou que a comida não ia saltar na cara de ninguém em resposta a cara que ele fez com a idéia. A Sra. Lovegood sorria alegremente para os vizinhos que viravam a cara. Ela era uma mulher bonita, tinha longos cabelos loiros, por vezes desarrumados, olhos grandes e parecia estar sempre atenta ao seu redor. Vivia com a varinha atrás da orelha, era um local apropriado caso algum experimento seu desse errado, mais prático do que guardá-la nas vestes. Nessa manhã, em específico, ela deixara sua varinha em casa e vestia roupas trouxas, afinal, levaria sua filha ao parquinho no lugar de seu marido, que tivera uma emergência n’O Pasquim, algo relacionado com Blibblering Humdinger e Crumple-Horned Snorkack terem sido vistos perambulando pelo centro de Londres na noite anterior.
Quando elas chegaram, Gabriel já estava encostado na gangorra com o olhar perdido no céu acinzentado. O parquinho não estava tão cheio como o dia anterior, mas ainda assim havia algumas crianças. Luna deu um aceno forte para chamar a atenção do amigo e correu em direção a ele, depois de se despedir da mãe. Sentaram, ambos, num banquinho verde logo em frente, o garoto estava bastante curioso para saber o que ela trazia na sacola.
- Se eu contasse agora estragaria a surpresa. – disse sonhadoramente.
- Tudo bem, então. – Ele se levantou rápido. – Pronta pra enfrentar o balanço?
- Não prefere dar umas voltinhas por aí? – Luna olhou com apreensão para o balanço e virou para apontar umas árvores logo adiante. – Ar fresco.
- Um dia ainda te faço subir naquilo. E não adianta fazer essa cara.
Eles sentaram na grama, bem debaixo de uma frondosa árvore. Luna ficou em silêncio por um tempo, parecia envergonhada. Sonhara com tantas coisas interessantes e divertidas pra se fazer ao lado do amigo, mesmo assim estava travada. Gabriel tratou de animá-la.
- Conheço algumas brincadeiras legais. Você vai adorar.
Passaram o dia ocupados com as várias brincadeiras propostas por Gabriel e, embora Luna achasse algumas brincadeiras por demais primitivas e sem graça, estava se divertindo bastante. Nunca pensou que jogar pedrinhas pro alto e bater palmas pudesse lhe animar tanto. Conheceu alguns brinquedos trouxas, como o pião e a pipa. Enfim, pouco depois das três da tarde, sentou-se exausta. Retirou duas garrafas de cerveja amanteigada da sacolinha e ofereceu uma delas ao amigo, que ofegava depois do pega-pega de poucos minutos atrás.
- O que é isso? – Olhou desconfiado para a garrafinha de aspecto suspeito. Teve dificuldade em retirar a rolha e olhou pra dentro do frasco.
- O que foi? Está achando que ela vai ganhar vida? – disse Luna, imitando Gabriel, quando ele disse a mesma coisa sobre os sorvetes.
- Não seja boba. Eu sei que isso não pode acontecer. – deu um gole no líquido da garrafa e aprovou.
- Já que meu pai não deixou eu trazer os doces realmente divertidos e interessantes...
– Hum, Isso é realmente muito bom. – disse Gabriel, aparentemente, sem dar atenção ao que Luna dissera. - Não chega aos pés do sorvete do Seu Zacarias, mas...
Luna olhou ofendida para o garoto que sorria abertamente.
- Bem, se é assim, você não vai querer o outro que eu trouxe. – Luna pôs a sacola às suas costas. – Sobra mais pra mim, então.
- Hei, isso não vale. – avançou para tentar arrancar a sacola. – Você teve direito a dois sorvetes ontem. – e depois de muito discutirem, Gabriel conseguiu a outra garrafa. Ele a abraçou forte, como se ela fosse escapulir de seus braços e tomou tudo.
O resto da semana foi, basicamente, do mesmo jeito. Encontravam-se de manhã e passavam horas conversando. O garoto se acabava de rir com as histórias de Luna. Ele achava simplesmente hilariante o que ela falava sobre os duendes e sobre um banco comandado por eles. Doces que explodiam em suas bocas. “Papai não me deixa trazer”, repetia várias vezes quando Gabriel dava sinais de que queria provar. Não percebiam quando as crianças começavam a ir embora. Parecia que não havia mais ninguém no mundo além dos dois. Só quando os pais de Luna chegavam para buscá-la é que se despediam, jurando se encontrar no dia seguinte.
- Hora de ir, mocinha. – O pai de Luna se aproximou. – Desculpa o atraso, tive um dia cheio na redação. O Ministro está com uma história estranha sobre processo. – sentiu que devia explicar os quinze minutos de atraso.
- Não precisa se preocupar, senhor. – Gabriel se levantou e apertou a mão do pai de Luna, com a educação costumeira. – Nem percebemos a hora passar.
- Nós o acompanhamos até sua casa, se quiser. – O Sr. Lovegood segurou a mão da filha com uma mão e estendeu a outra para Gabriel.
- Minha mãe vai adorar a visita. – ele sorriu.
A casa de Gabriel era extremamente perto do parque. Nem bem cruzaram a segunda rua e chegaram a uma casinha humilde, porém extremamente aconchegante. A mãe de Gabriel puxou uma cadeira da mesa e sentou-se à sala, Luna se acomodou, junto ao pai no sofá e ficou admirando os quadros na parede. Apontou umas três vezes para eles, para mostrar ao pai. O sr. Lovegood ficou apreensivo quando Luna disse que eles não se mexiam.
- Minha mãe que pintou. Esse sou eu. – Gabriel apontou para um quadro de uma criança sentada num balanço. – Eu tinha quatro anos e é o quadro que eu mais gosto. Meu pai me disse que foi quando eu sentei num balanço pela primeira vez. Minha mãe aproveitou para esboçar o quadro bem rápido. Eu adoraria que ele se mexesse como você diz.
- Eu não sei fazer mágicas, filho. – sorriu a mãe dele quando entrou com uma bandeja de biscoitos. Luna e o pai se entreolharam, a garota prendeu o riso. – Mas seria ótimo, não? Se isso fosse possível.
A mãe do garoto parecia excessivamente alegre, como previa Gabriel, com a companhia. Luna prometeu vir visitá-la muito mais vezes e, por sua vez, convidou Gabriel para uma visita também.
- O aniversário de minha mãe é daqui a três dias. – Luna empolgou-se. – Vocês poderiam ir. Eles podem, não é, pai?
- Nós, infelizmente, não poderemos ir, querida. – Lamentou a mulher. – O casamento da minha filha é por esses dias e temos que terminar de arrumar a decoração. Passaremos os próximos dias na casa dela.
- Mas, mãe... – Protestou Gabriel.
- Não dá, filho. – Acariciou a cabeça do garoto. - Você sabe como a Celina gosta das suas visitas, e ela me disse que está ansiosa pra saber o que você vai aprontar na decoração do terraço. Lembra que você prometeu a ela?
A viagem no Expresso de Hogwarts seguia solitária. Ninguém ousava ficar na mesma cabine que Luna e, em parte, ela agradecia. Mas, apesar de evitarem a sua companhia, vez ou outra, alguns alunos entravam para implicar com ela. Perguntavam coisas sobre o que ela estava vendo no céu. “Algum sei-lá-o-quê de chifre enrugado?”, zombavam. A vontade de Luna era sumir dali e nunca mais voltar.
Os dois dias seguintes amanheceram chovendo bastante, para infelicidade de Luna ela não poderia sair de casa para visitar Gabriel. Para tentar animar a filha, o Sr. Lovegood perguntou se ela não gostaria de ir até a redação d’O Pasquim com ele. Sua mãe continuava enfurnada no porão com os seus experimentos, vez ou outra, ouviam-se exclamações de admiração e contentamento. Luna disse que pegaria suas economias e aproveitaria para ir à lojinha comprar o presente de aniversário da mãe. Depois de vinte longos minutos tentando quebrar um porquinho de barro, que fugia descontrolado querendo, em vão, salvar a “própria vida”, ela usou um dos experimentos da sua mãe. Deixou uma pequenina esfera de vidro verde no canto e afugentou o porquinho naquela direção. Ouve um estrondo e algumas moedas voaram. Luna se agachou e juntou as poucas moedas no meio dos cacos de barro que se encontravam no chão frio, antes de se arrumar para sair. A pequena esfera verde reluzia no meio das moedas.
A loja ao lado da redação estava praticamente vazia, com a exceção de um velho extremamente calvo com uma varinha cor de marfim tentando fazer feitiços escondido. Luna se ateve a um par de brincos cor de laranja que pareciam dois rabanetes - segundo o vendedor dava boa sorte a quem o possuísse. Seria o presente perfeito para a sua mãe. Ela contou as moedas com uma expressão pensativa e entregou mais da metade do que tinha para comprar os brincos. Pediu que não os embrulhasse e colocou nas próprias orelhas. Circulou pela loja mais uma vez e pegou quatro tubos de tinta mágica de cores diferentes e uma pequena tela para pintura. Contou as moedas que lhe restavam e sabia que não daria para comprar tudo aquilo.
- Seja o que for que esse vendedor tenha lhe dito sobre os brincos, menina, é tudo mentira. – disse o bruxo calvo ao seu lado. – Ele a enganou.
- Eu acredito que eles dêem boa sorte. – Luna olhou para ele sério.
- Ele me disse que essa varinha operava milagres. – disse ao sacudir pela enésima vez a varinha em punho. – E não está acontecendo nada. Acho que é apenas uma maldita varinha de brinquedo.
- É claro que é uma varinha de brinquedo, - Luna virou-se para trocar os tubos de tinta por outros de cores diferentes. - não está vendo o que está escrito nela?
- Como assim? – o homem apertou a vista e leu as letras minúsculas em uma das pontas. – Esse maldito vendedor...
- Algum problema? – o vendedor chegou tranqüilamente ao ouvir o nome “vendedor”.
A garota pegou as tintas e colocou numa cestinha, deixou a tela no lugar e percorreu a vista pelo restante da loja. Observou que perto de uns vasos de barro tinham outras telas de tamanhos variados e se dirigiu a eles, então.
- Você me disse que era uma Varinha de Milagres. – gritou o velho, se lançando ameaçadoramente para o jovem.
- Eu não disse isso ao senhor. – O vendedor recuou com medo de ter um de seus olhos arrancados pela varinha. – Disse que ajudava em...
- Com licença. – Luna se endireitou entre os dois homens, como se nada estivesse acontecendo. – Quero tudo isso aqui. – mostrou, não quatro, mas cinco tubos de tinta mágica (um vermelho, um verde, um amarelo, um azul e outro branco) e uma tela para pintura 50x50cm.
- Sai da minha frente, garota, que eu quero matar esse vendedor desgraçado. – O velho apontava ameaçadoramente a varinha de brinquedo para o jovem que tremia descontrolado.
- Primeiramente, - Luna largou as coisas em cima do balcão e virou-se para o velho. – não entendo o porquê de tanta confusão.
- Essa – e sacudiu fortemente a varinha nas mãos. – é uma maldita VARINHA DE BRINQ...
Os dois homens deram um passo para o lado depois que um enorme jarro cor de terra explodiu a alguns metros de distancia. Luna simplesmente suspirou, abriu a bolsinha com as moedas que tinha e despejou no balcão. O velho olhava espantado para a varinha. “Não é possível!”, exclamou depois de uns minutos de silêncio.
- Como é? – a garota batia o pé no chão impaciente. – Vai me vender as tintas ou não?
O vendedor pareceu sair de um transe. Olhou para Luna desconfiado, como se a visse pela primeira vez. Foi para trás do balcão, pegou as moedas e contou, sem tirar os olhos do velho calvo que, agora, pulava de alegria.
- Ainda não entendi como aquela maldita varinha de brinquedo pôde explodir o vaso. – murmurou o vendedor para ele mesmo, embora, alto o bastante para Luna ouvir. – Esse velho aborto não conseguiria fazer isso.
- Tudo certo? – Luna ajeitava as coisas numa sacolinha. – Posso ir?
- Ah?! – o jovem voltou a olhar para ela. – Ah, sim, pode ir.
Luna passou entre as prateleiras tranqüilamente. “Quem disse que essa varinha não fazia milagres?”, pensou ela. O velho ainda pulava de alegria, enquanto ela cruzava a porta sem se virar. Pôde ouvir o vendedor gritar alguma coisa sobre estarem faltando alguns galeões. Mas ela estava usando os brincos da sorte, certo? Apertou o passo e continuou andando, em nenhum momento olhou pra trás. Na bolsinha que antes guardava moedas, uma pequenina esfera verde se materializou. Luna sorriu sonhadoramente e entrou na redação com suas compras.
O expresso começou a diminuir a velocidade. Luna levantou-se e puxou seu malão com dificuldade. Abriu-o para guardar o exemplar da revista O Pasquim, e pôde ver a bagunça lá dentro. Quase não conseguiu fechar direito. Podia ouvir os murmúrios dos alunos no corredor. Estavam chegando. Pegou o pedaço da carta de Gabriel e guardou no bolso de suas vestes. Acomodou o malão ao seu lado no banco e esperou o trem parar completamente. Olhou para os prédios se aproximando no horizonte. Segurou o colar de rolhas de cerveja amanteigada e suspirou profundamente.
O segundo dia, Luna tirou para desenhar alguma coisa na tela. Estava decidida a dar a seu novo amigo uma pintura mágica. Vestiu um macacão azul celeste, que já estava todo manchado de tinta, e pegou alguns pincéis guardados em uma das muitas gavetas em seu quarto. Os cacos do “falecido” porquinho ainda estavam espalhados pelo chão. Passou parte da manhã tentando escolher o que pintar. Lembrou que o quadro que Gabriel mais gostava em sua casa era o de um garoto – ele mesmo – num balanço.
Ela encarou bem a tela e fez alguns traços roxos, após misturar as tintas vermelha e azul. Aos poucos um balanço solitário foi tomando forma. Luna sorriu satisfeita e voltou a pincelar sobre o quadro. Uma garotinha de cabelo loiro sentada um pouco afastada e outro garoto em pé que tentava segurar nas correntes do balanço tomaram forma num desenho primário, porém, com a sua beleza infantil. Ela ficou séria ao usar algumas gotas de tinta vermelha para dar um “tom dramático” à pintura. Alguns retoques e, pronto, estava terminada a sua obra-prima.
Depois de um tempo, Luna encarava a rua pela janela de seu quarto, os postes já começavam a acender suas luzes. A chuva ainda persistia em cair forte. A garota ouviu um estrondo lá embaixo e concluiu que fosse seu pai, chegando pela lareira via pó de Flu. Embora ele tivesse dito que ia chegar mais tarde naquele dia.
Os brincos, que havia comprado para o aniversário da mãe, se encontravam em cima da cômoda. Luna passou toda a noite anterior tentando resistir à tentação de dar logo o presente. E, embora fosse uma tarefa difícil, ela conseguiu. Olhou para o quadro que havia feito e viu o garotinho tentando, relutante, se aproximar mais e mais dos balanços e sempre sendo atacado por eles.
Luna desceu alegremente as escadas. Em uma das mãos levava o quadro que pintara para mostrar ao pai depois de lhe dar um grande abraço, talvez ele não a deixasse dar o presente ao amigo, mas ela o convenceria. Na outra mão, levava o par de brincos da sorte, conseguia manter segredo em um dia, mas em dois...?
Quando desceu o último degrau da escada, não ouviu qualquer barulho, apenas o silêncio imperava na sala escura.
- Pai? – Luna chamou num tom de dúvida. Ela ouviu um barulho pouco antes de descer e, estava quase certa de que seu pai havia chegado. Percorreu a sala escura e seguiu para a cozinha.
Acendeu a luz e tentou ouvir alguma coisa, sem obter sucesso.
- Papai? – disse mais uma vez.
Bateu na porta do porão duas vezes e a porta se abriu devagar. A luz já estava acesa, como de costume, era evidente que sua mãe estaria ali, mas... Algo estava realmente estranho: havia silêncio no porão, coisa que Luna sabia que era impossível quando sua mãe estava trabalhando no meio de suas experiências.
- Mamãe? – Luna desceu inquieta. – A senhora está aí? Posso descer? – Talvez não fosse uma boa idéia descer, sua mãe poderia estar fazendo algum tipo de trabalho que exigisse silêncio. Quem sabe?
Ela já estava voltando a subir as escadas calmamente quando um pequeno murmúrio a fez mudar de idéia. Ela apertou os brincos da sorte na mão esquerda e respirou fundo. Nos últimos degraus ela parou estagnada diante da horrível cena. Uma enorme planta ocupava grande parte do espaço existente e um de seus galhos estava enroscado em sua mãe, apertando-a cada vez mais. O coração da garota bateu acelerado e um arrepio percorreu-lhe a espinha. Luna desceu correndo e tentou tirar a mãe dali, antes que a planta a estrangulasse. Pegou alguns objetos e batia forte nos galhos e raízes para que a planta soltasse sua mãe.
Luna chorava e gritava pedindo ajuda, enquanto a planta continuava a crescer e a apertar a mulher. De repente, um galho enroscou-se na sua perna e a derrubou. Os brincos, que ela ainda tentava segurar, escorregaram e caíram longe no chão de pedra. A planta apertava cada vez mais sua perna e, por mais que tentasse, a garota não conseguia se soltar.
Houve um pequeno sussurro e um clarão. O galho na perna de Luna encolheu tempo suficiente para a garota se livrar, mas logo depois continuou a crescer assustadoramente. Ao levantar a vista sem entender, Luna viu um dos braços da mãe parcialmente solto segurando a varinha.
- Saia daqui. – a garota conseguiu entender um sussurro seguinte.
Ela hesitou, mas atendeu o pedido da mãe. Sairia dali e conseguiria ajuda, traria alguém para tirar sua mãe daquela situação e salvá-la. Antes de subir as escadas correndo, a garota voltou a vista relutante para onde sua mãe estava, e a viu soltar a varinha e dar seu último suspiro.
- Mãe? – Luna gritou. – Por favor... Não... – A planta já alcançara a base da escada. Já não havia nada que Luna pudesse fazer... Não mais.
A reação imediata de Luna foi fugir dali. Ela não conseguiu ajudar sua mãe e por causa disso, ela morrera. A porta da frente da sua casa se escancarou e ela correu. Correu o mais rápido que podia. A chuva caía forte, mas a garota parecia não perceber que estava chovendo, queria apenas sair dali, fugir de sua culpa. Ela não sabia exatamente pra onde ir, apenas continuava a correr. Percebeu que pegara o caminho para a casa de Gabriel inconscientemente e logo estava diante da sua porta.
Luna estava encharcada, grossas gotas escorriam pelo seu corpo. Ela hesitou, mas, enfim, bateu na porta. Esperou, que alguém logo viesse atender, em vão. Bateu mais uma vez, e nada. Não havia ninguém. Ela sentou nos degraus e começou a chorar. Longos minutos se passaram até que Luna decidira levantar-se e ir embora. Antes de partir, olhou mais uma vez para trás. A porta continuava fechada.
O caminho até o parque parecia mais longo do que se lembrava. Ao invés de correr, Luna agora caminhava lentamente, dessa vez aparentava não querer chegar a lugar algum.
Quando o trem, enfim, parou, Luna desceu arrastando o seu malão. Olhou para todos os lados e não viu ninguém a sua espera. Seu pai não viera? Sentiu um aperto no peito. Seria possível se sentir pior do que já estava se sentindo? Pouco a pouco a plataforma foi se esvaziando, e Luna continuava parada no mesmo lugar, sem acreditar que pudesse ter sido esquecida até mesmo pelo seu pai. Limpou duas lágrimas que escorreram pelo seu rosto.
- Di-Lua? – a garota ouviu uma voz chamá-la calmamente. – O que faz aqui?
Já haviam se passado horas desde o acontecimento com a sua mãe. Ela estava sentada no balanço com a cabeça baixa e chorava, embora suas lágrimas se confundissem com as gotas de chuva. Ela levantou a vista brevemente e viu um garoto todo molhado de terno preto: Gabriel se encontrava diante dela.
- Tudo bem com você? – Ele se aproximou. – Seu pai apareceu na festa de casamento da minha irmã desesperado. Ele disse o que aconteceu com a sua mãe...
Luna soluçou e baixou a cabeça novamente.
- Também disse que você havia sumido. – Gabriel agachou-se diante dela. - Ele está louco atrás de você. Ele veio até mim porque tinha esperança de que soubesse onde você estava.
- É minha culpa. – Luna falou baixinho entre soluços.
Gabriel colocou a mão sobre o ombro da garota tentando confortá-la. Luna olhou pra ele com os olhos vermelhos de tanto chorar, não dava para ver as lágrimas, mas elas estavam lá. Ela tentou falar alguma coisa, mas a voz lhe falhou. Não conseguia fazer nada. Suas pernas estavam bambas, impedindo-a de levantar, e sua voz era pouco mais do que um sussurro.
Gabriel se aproximou mais e a abraçou. Luna pôde sentir um calor lhe invadir o corpo, apesar da chuva fria que ainda insistia em cair. Pelo menos naquele momento, ela se sentia segura. Retribuiu o abraço e desabou no choro.
- Eu posso imaginar como está se sentindo, mas você tem que ser forte. – Gabriel falava perto do ouvido da garota. – Seu pai precisa de você... Ele está preocupado.
- É minha culpa. – Luna se afastou um pouco e o encarou.
- Não diga isso. – A voz de Gabriel transparecia uma calma angelical.
- Eu devia ter dado os brincos a ela ontem.
Gabriel franziu a testa, sabia que Luna não tinha culpa, mas não conseguia entender o lance dos brincos. Antes que ele pudesse abrir a boca para perguntar alguma coisa sobre o assunto, Luna tratou de explicar entre soluços.
- Eram brincos da sorte. – Ela olhou para as próprias mãos. – Eu os daria a ela como presente de aniversário. – Sua voz falhou por um momento, mesmo assim, ela continuou. – Eu devia ter dado ontem. Se ela os tivesse usando, nada disso teria acontecido.
- Não é culpa de ninguém... – Ele voltou a abraçá-la. – Muito menos, sua. Aconteceu porque tinha de acontecer. Deus precisava dela ao seu lado. E ela estará olhando por você, esperando o dia em que vocês se reencontrarão. – Luna o abraçou mais forte. – Enquanto isso, eu estarei aqui, sempre que precisar de mim.
Vendo que não restava mais ninguém além dela no local e que não podia ficar ali para sempre, precipitou-se para atravessar a parede da plataforma 3/4. Duas pessoas estavam logo à sua frente do outro lado. Uma moça de cabelos compridos e negros, com um vestido azul de listras brancas, estava com um olhar curioso para a parede de onde Luna surgira. O garoto de casaco marrom sorria para Luna. Era Gabriel. Ele viera.
- Eu disse que estaria aqui. – Sorriu. – Sempre.
Luna largou o malão onde estava. Correu até ele e, num impulso, o abraçou, quase o derrubando. A moça acenou pra ela e sorriu, seguiu até onde estavam suas coisas e abaixou com um pouco de dificuldade para pegá-las, antes, porém, colocou a mão na parede para se certificar que era, realmente, uma parede.
- Essa é minha irmã Celina. – Gabriel apontou para a moça. – Seu pai disse que não poderia vir, porque teve uma espécie de urgência na redação. Ele chegou a me dizer o que era, mas não me pergunte, ainda não entendo essas coisas do seu mundo direito.
- Vamos? – Celina puxava as coisas de Luna sem fazer muito esforço, ajudada, claro, pelas rodinhas embaixo do malão. – Não queremos perder o jantar da Sra. Humbly, não é? – Ela se abaixou e cochichou no ouvido de Luna. – Soube que você gosta de sorvete de morango com calda de chocolate. Preparei bastante pra todos nós. Mas não conte ao Gabriel ou ele não vai querer esperar pela hora da sobremesa.
- Pode deixar. – Luna sorriu ao olhar pra seu amigo.
- O que foi? - ele olhou de sua irmã para Luna e depois o oposto. – Mal se conheceram e já estão de segredinhos? A propósito... - Gabriel entregou um exemplar recente d’O Pasquim nas mãos de sua amiga. - Seu pai me disse que alguns de seus amigos pegaram a minha carta e a leram, é verdade?
A garota corou e virou o rosto. “Amigos”? Não tinha amigos na escola. Mentiu para o seu pai sobre isso, para não preocupá-lo. Contou sobre o incidente da carta de Gabriel, mas omitiu o fato de que agora, o apelido que ele carinhosamente a batizara era motivo de chacota geral.
- Isso é para evitar que outros leiam suas cartas. Seu pai me ensinou um truque. – apontou para o exemplar da revista que Luna tinha nas mãos. – Ele me entregou dois exemplares especiais d’O Pasquim.
- Como assim? – Luna olhava para a revista à sua frente sem entender. Era igual a que ela tinha no malão, uma simples revista bruxa comum.
- Ela se parece com a última edição. Toda vez que uma nova edição d’O Pasquim for publicada, conseqüentemente, essas revistas especiais mudam a sua forma para se parecerem com as outras. Ou seja, elas sempre serão, aos olhos dos outros, revistas comuns.
- Mas por q...?
- Se você virar a revista de ponta cabeça... Assim. – Gabriel virou a revista de Luna. – Vai ler um conteúdo diferente.
Luna abriu a revista e leu o que tinha escrito nas entrelinhas opostas ao padrão. Ela por um momento mudou de cor. Ficou pálida, depois vermelha...
- Você pode mexer as letras como quiser e tudo que ficar escrito do seu lado eu posso ler do meu e o mesmo acontece se eu mud...
Luna deu um beijo em Gabriel sem mais nem menos. Seus lábios de crianças se encontraram e descobriam aos poucos o gosto do primeiro beijo. Aqueles poucos segundos pareceram uma eternidade, e se Luna pudesse, realmente escolher, ficaria assim para sempre.
- Vejo que gostou do que escrevi logo cedo. – Gabriel falou pouco tempo depois. – Seu pai disse que isso foi uma invenção da sua mãe. Ela escrevia uma espécie de diário que só eles dois podiam ler, mesmo à distância. Ele me entregou depois do que você falou sobre a carta e disse que achava melhor ficarmos com eles.
- Os meus dias em Hogwarts serão melhores agora que sei que quando descer daquele trem eu vou te encontrar aqui. – Luna sorria.
- Sempre. – Limitou-se a dizer Gabriel, enquanto seguiam rumo ao estacionamento.
Quando estavam no carro, Luna olhou mais uma vez para as palavras que se formaram com a junção de letras de diferentes tamanhos e leu para si mesma, sabia que essas palavras estariam pra sempre gravadas em sua memória:
pOrQUe Eu tE aMo E nÃo poSSo vivEr SeM o SeU soRRisO E a sUa AleGRiA.
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