Para Gina, com amor



Gina começou a sua manhã de sexta-feira muito bem acordando cedo. No entanto, apesar de ter ido dormir no dia anterior cheia de otimismo e animada sobre tudo o que deveria acontecer, ela tomou um balde d’água da realidade que continuava a lhe dizer o quão difícil cada momento ainda seria. Mais uma vez ela acordou naquela casa silenciosa, naquela cama vazia... Pelo menos havia ocorrido uma mudança: pela primeira vez em dois meses, não havia sido acordada pelo som do telefone tocando. Gina ajustou sua mente, como fazia todas as manhãs, para o fato de que os sonhos que ela tivera nas últimas dez horas dela e de Draco juntos haviam sido apenas aquilo mesmo – sonhos.

Gina tomou uma chuveirada e se vestiu com as roupas mais confortáveis: seus jeans favoritos, tênis e uma camisa rosa. Laura estava certa sobre o seu peso; os jeans que já haviam sido apertados em algum momento passado, só estavam seguros com a ajuda de um cinto. Ela fez uma careta para o seu reflexo no espelho. Estava feia. Tinha bolsas roxas sob os olhos, seus lábios estavam infinitamente mais vermelhos por serem mordidos o tempo todo e seu cabelo estava um desastre. A primeira coisa a fazer seria ir ao salão de beleza mais perto, onde trabalhava o seu cabeleireiro e amigo Eddie e rezar para que ele pudesse lhe arranjar uma vaguinha.

“Jesus Cristinho, Gina!” Eddie exclamou. “Olhe para o seu estado! Pessoas, abram caminho! Abram caminho! Tenho uma mulher aqui em condições críticas!” Ele piscou para ela e continuou a empurrar as pessoas da sua frente. Ele puxou uma cadeira e empurrou Gina sobre ela para começar a reparar os danos.


Depois de receber os devidos tratamentos e jogar muita conversa fora com Eddie, Gina saiu animada do salão. Sem a presença de Draco ao seu lado, alguns homens olhavam em sua direção, algo muito alien a ela e que a deixava muito desconfortável, então ela correu para a segurança do seu carro e se preparou para a casa dos pais. Até ali, hoje estava indo bem. Fora algo bom visitar Eddie. Mesmo ele também estando de coração partido (“Acho que ele está se encontrando com alguém! Cansei; já chega de homem. Simplesmente vou virar hétero!”), ele fazia de tudo para vê-la rir.

Gina estacionou no meio-fio do lado de fora da casa dos pais e respirou fundo. Para a surpresa de sua mãe, Gina ligara bem cedo para marcar uma hora para se encontrarem. Eram três e meia agora e Gina estava sentada no carro parado com um estranho frio na barriga. Além das visitas que seus pais tinham lhe feito nos últimos dois meses, Gina mal tinha passado algum tempo com a família. Ela não queria toda a atenção dirigida a ela; não queria as perguntas intrusivas sobre como ela estava se sentindo e o que ela faria agora sendo disparadas a ela o dia inteiro. No entanto, estava na hora de deixar esse medo de lado. Eles eram sua família.

A casa de sua família ficava do lado oposto da praia de Portmarnock e só eram separadas por uma rua. Ela ficou olhando para o mar azul depois da rua. Vivera ali do dia em que nascera até o dia em que fora morar com Draco. Costumava adorar acordar com o som das ondas batendo nas pedras e o chamado animado das gaivotas. Era maravilhoso ter a praia como seu quintal, especialmente durante o verão. Laura havia morado bem na esquina e nos dias mais quentes do ano as garotas atravessavam a rua em seus melhores biquínis e ficavam de olho nos meninos bonitos. Gina e Laura eram o completo oposto uma da outra. Laura com seu cabelo loiro, pele branquíssima e peitos enormes; Gina com seu cabelo ruivo, pele sardenta e peitos pequenos. Laura falava alto, gritando para os garotos e chamando-os. Gina apenas ficava quieta e flertava com os olhos, fixando-os em seu garoto preferido sem mexê-los até que ele notasse. Gina e Laura não tinham realmente mudado muito desde então.

Gina não pretendia ficar muito tempo, apenas ter uma conversinha com a mãe e pegar o envelope que ela decidira que poderia ser de Draco. Ela estava cansada de se torturar pensando no que poderia estar ali dentro, então estava determinada a terminar essa tortura o mais rápido possível.
Gina respirou fundo mais uma vez, tocou a campainha e pôs um sorriso no rosto para que todos pudessem ver.

“Olá, querida! Entre, entre!” disse sua mãe com o rosto sorridente e carinhoso que Gina só queria beijar sempre que a via.
“Oi, mãe. Como você está?” Gina entrou na casa e sentiu um enorme conforto quando foi invadida pelo cheiro familiar do lar. “Está sozinha?”
“Sim, seu pai saiu com Jorge para comprar umas tintas para o quarto dele.”
“Não me diga que a senhora e o papai ainda estão pagando tudo para ele?”
“Bem, seu pai pode até estar, mas eu com certeza não estou. Ele está trabalhando à noite agora, então pelo menos tem um pouco de dinheiro todo mês. E ainda tem o que sobrou da loja; ele e o Fred repartiram entre si. A loja foi fechada, você sabe...”

Jorge era um dos irmãos mais velhos de Gina, mas estava morando com os pais e parecia ser o bebê da família. No entanto, de bebê ele não tinha nada: Jorge estava pulando de emprego em emprego devido às festas e badalações que ele nunca mais abandonara depois de voltar a morar com os pais. Graças a Deus pelo menos o Fred ainda tem um pouco de juízo, pensou Gina.

Elas sentaram-se na sala em frente à televisão. “Você está linda, querida, adorei o corte novo.” disse sua mãe depois de alguns minutos de silêncio. “Já teve alguma sorte com algum emprego?” sua voz estava casual, mas Gina sabia que ela estava morrendo de curiosidade.

“Não, ainda não, mãe. Para falar a verdade, nem comecei a procurar ainda; não sei ao certo o que eu quero fazer.”
“Está certa,” Molly concordou. “Vá com calma e pense no que gosta, ou então irá acabar num emprego que odeia como da última vez.”

O último emprego que Gina havia tido era trabalhar como secretária para um cara chato e seboso num escritório. Ela havia sido obrigada a abandonar o cargo quando o idiota não entendera que ela precisava de um tempo do trabalho para ficar com seu marido moribundo. Agora ela tinha que procurar um novo. Isto é, um trabalho novo. No momento, parecia inimaginável ir para o trabalho de manhã.

Gina e sua mãe relaxaram; a conversa foi e veio durante algumas horas até que ela finalmente reuniu a coragem para perguntar sobre o envelope.

“Oh, claro, querida, esqueci completamente. Espero que não seja nada importante, está aqui há muito tempo.”
“Logo, logo vou saber.”

Elas se despediram e Gina saiu o mais rápido possível da casa.

Prostrada no gramado do jardim em frente ao seu carro, vendo o mar e a areia dourada, Gina correu as mãos sobre o envelope. Sua mãe não havia descrito-o muito bem, porque aquilo não tinha nada de envelope; era um pacote marrom e grosso. O endereço havia sido digitado numa etiqueta, de forma que ela não pudesse nem mesmo adivinhar a origem. E, acima do endereço, estavam duas palavras grossas em negrito – A LISTA.

Seu estômago fez uma dancinha. Se não era de Draco, então Gina teria que finalmente aceitar o fato de que ele se fora, se fora completamente de sua vida e de que ela teria que começar a pensar em existir sem ele. Mas se fosse dele, ela estaria cara a cara com o mesmo futuro sem ele, mas ao menos poderia se agarrar a uma lembrança fresca. Uma lembrança que teria que lhe durar uma vida inteira.

Seus dedos trêmulos gentilmente abriram a parte selada do pacote. Ela o virou de cabeça para baixo e sacudiu para que o conteúdo caísse. Caíram dez pequenos envelopes, do tipo que você esperaria encontrar num buquê de flores, cada um com um mês diferente escrito neles. Seu coração parou por um segundo quando ela viu a caligrafia familiar numa folha avulsa debaixo da pequena pilha de envelopes.

Era de Draco.



Gina prendeu a respiração e, com lágrimas nos olhos e um coração saltitante, ela leu a caligrafia familiar sabendo que a pessoa que sentara para escrever-lhe aquilo nunca mais poderia fazê-lo de novo. Ela passou levemente os dedos sobre as palavras dele sabendo que a última pessoa a ter tocado aquela página fora ele.


Minha querida Gina,
Eu não sei onde você está ou quando exatamente está lendo isto. Só espero que minha carta tenha chegado a você sã e salva. Você sussurrou para mim há pouco que não conseguiria seguir sozinha. Você consegue, Gina.
Você é forte e corajosa e consegue passar por isso. Dividimos momentos lindos juntos e você fez a minha vida... você fez a minha vida. Não tenho nenhum arrependimento. Mas eu sou apenas um capítulo na sua vida, ainda haverá muitos mais. Lembre-se das nossas memórias maravilhosas, mas, por favor, não tenha medo de fazer mais outras.
Obrigado por ter me dado a honra de ser minha mulher. Por tudo, sou eternamente grato.
Sempre que precisar de mim, saiba que estou com você.

Para sempre com amor,
Seu marido e melhor amigo,
Draco

PS, Eu prometi uma lista, então aqui está. Os envelopes que seguem devem ser abertos exatamente quando ditos e devem ser obedecidos. E lembre-se, estou cuidando de você, então saberei...



Gina desmoronou, a tristeza tomando conta dela. Ainda assim, ela sentia alívio ao mesmo tempo; alívio que Draco fosse continuar estando com ela por mais um tempinho. Ela folheou os pequenos envelopes brancos e procurou por entre os meses. Era Abril agora. Ela havia perdido Março, então delicadamente puxou aquele envelope. Gina abriu-o devagar, querendo saborear cada momento. Dentro, havia um pequeno cartão com a caligrafia fina de Draco. Lia-se:


Poupe-se dos machucados e compre uma lâmpada de cabeceira!
PS, Eu te amo...



Suas lágrimas viraram risada quando ela percebeu que Draco estava de volta!

Gina leu e releu a carta maior várias vezes numa tentativa de trazê-lo para a vida novamente. Então, quando ela não mais conseguia enxergar as palavras por causa das lágrimas, ela olhou para o mar. Ela sempre havia achado o mar tão calmante, e desde criança ela atravessava a rua correndo para a praia quando estava zangada e precisava pensar. Seus pais sabiam que quando não a achavam pela casa, a achariam ali perto do oceano.

Gina fechou os olhos e inspirou e expirou de acordo com o suspiro delicado das ondas. Era como se o mar estivesse respirando fundo bem devagar, puxando a água para ele enquanto inalava e empurrando-a de novo para a areia ao soltar o ar. Ela continuou a seguir esse ritmo até que sentiu seu pulso se acalmar e ela ficar mais calma. Pensou em como costumava deitar ao lado de Draco em seus últimos dias e ouvir o som da respiração dele. Sempre ficava aterrorizada de ter que deixá-lo para atender a porta, cozinhar-lhe alguma coisa ou ir ao banheiro, para o caso de aquela ser a hora que ele escolhesse para deixá-la. Quando ela retornava à sua cabeceira, sentava congelada num silêncio temeroso enquanto apurava os ouvidos para ouvir se ele respirava ou observava seu tórax para checar se via algum movimento.

Mas ele sempre conseguia segurar firme. Ele havia surpreendido os médicos com sua força e determinação de viver; Draco não estava preparado para partir sem lutar. Ele manteve seu bom humor até o fim. Estava tão fraco e sua voz tão baixa, mas Gina aprendera a entender sua nova linguagem como uma mãe aprende e entender com seu bebê que balbucia tentando falar. Eles riam juntos tarde da noite e em outras noites eles apenas deitavam abraçados e choravam. Gina permanecia forte por ele, já que seu novo trabalho era estar lá para ele para quando fosse que precisasse. Pensando bem, ela sabia que precisava dele mais do que ele precisava dela. Ela precisava ser necessária para que sentisse que não estava apenas parada olhando, irremediavelmente impotente.

No dia 2 de Fevereiro, às quatro da manhã, Gina segurou a mão de Draco firmemente e sorriu encorajando-o enquanto ele respirava uma última vez e fechava os olhos. Ela não queria que ele tivesse medo e não queria que ele sentisse que ela estava com medo, porque, naquela hora, ela não estava. Ela sentira alívio, alívio porque a dor dele tinha passado e alívio porque ela estivera ali com ele para testemunhar a paz de sua passagem. Ela sentia alívio por tê-lo conhecido, por tê-lo amado e por ter sido amada por ele, e alívio porque a última coisa que ele vira fora o rosto dela sorrindo para ele, encorajando-o e garantindo que ele podia descansar.

Os dias depois daquilo eram um borrão para ela agora. Ela havia se ocupado fazendo os arranjos para o funeral e cumprimentando os parentes e amigos de escola dele que ela não via há anos. Ela havia se mantido tão sólida e calma durante tudo aquilo porque sentia que finalmente conseguia pensar de forma clara. Ela apenas estava grata que depois de meses o sofrimento dele tivesse acabado. Não ocorrera a Gina sentir a raiva ou a amargura que ela sentia agora pela vida que lhe havia sido tirada. Aquele sentimento não chegou até ela ir pegar o certificado de óbito de seu marido.

E aquele sentimento chegou fazendo uma entrada triunfal.

Enquanto aguardava que seu número fosse chamado na sala de espera lotada da clínica, ela se perguntou por que o número de Draco havia sido chamado tão cedo. Ela estava sentada espremida entre um casal jovem e um casal de idosos. A imagem do que ela e Draco haviam sido e uma olhada no futuro que poderia ter sido. E aquilo tudo parecia tão injusto. Ela se sentia esmagada entre os ombros do seu passado e do seu futuro perdido e se sentiu sufocada. Ela percebeu que não deveria ter que estar ali.

Nenhum de seus amigos deveria estar ali.

Ninguém da sua família deveria estar ali.

Na verdade, a maioria da população mundial não deveria ter que estar na situação em que ela estava agora.

Não parecia justo.

Porque simplesmente não era justo.

Depois de resolver tudo, Gina voltou para casa e se trancou do resto do mundo, que estava cheio das lembranças da vida que um dia ela tivera. A vida em que ela fora tão incrivelmente feliz. Então porque haviam lhe dado uma outra, uma bem pior do que a de antes?

Aquilo fora há dois meses e ela não havia saído de casa até aquele dia. E que boas-vindas ela havia recebido, ela pensou, sorrindo ao olhar para os envelopes.
É... Draco estava de volta.

Gina mal podia conter sua euforia enquanto discava furiosamente o número de Laura com mãos trêmulas. Depois de discar algumas vezes o número errado, ela conseguiu se acalmar e se concentrou em discar o correto.

“Laura!” ela guinchou assim que o telefone foi tirado do gancho. “Você não vai adivinhar! Oh, meu Deus, não acredito!”
“Eh, não... é o Blaise, mas eu chamo ela para você agora.” Um Blaise muito preocupado se apressou em chamar Laura.

“O quê, o quê, o quê?” ofegou uma Laura muito sem fôlego. “O que foi? Você está bem?”
“Sim, estou ótima!” Gina deu risadinhas histéricas, sem saber se ria ou chorava e repentinamente se esquecendo de como formular uma frase.

Blaise observou enquanto Laura se sentava à mesa da cozinha parecendo muito confusa enquanto tentava com todas as forças achar algum sentido nas palavras loucas de Gina do outro lado da linha. Era algo sobre a Sra. Weasley dar a Gina um envelope marrom com uma lâmpada de cabeceira dentro. Era tudo muito preocupante.

Pare!” gritou Laura para a surpresa de Gina e Blaise. “Não consigo entender uma palavra do que você está dizendo, então, por favor,” Laura falava muito devagar, “se acalme, respire fundo e comece do começo, de preferência usando palavras da língua inglesa.”

De repente, ela ouviu soluços baixinhos do outro lado.

“Oh, Laura,” as palavras de Gina eram baixas e fracas, “ele me escreveu uma lista. Draco me escreveu uma lista.”

Laura congelou na cadeira enquanto digeria a informação.

Blaise observou os olhos da sua esposa se arregalarem e rapidamente puxou uma cadeira, sentou-se ao seu lado e colou a cabeça na parte exterior do telefone para ouvir o que estava acontecendo.

“Certo, Gina, quero que venha para cá o mais rápido mas o mais seguramente que puder.” Ela fez uma pausa novamente e empurrou a cabeça de Blaise para longe como se fosse uma mosca para que ela pudesse se concentrar no que havia acabado de ouvir.
“Isso são... boas notícias?”

Blaise levantou-se ofendido da mesa e começou a andar pela cozinha tentando descobrir o que era.

“Oh, é sim, Laura,” soluçou Gina. “Realmente é.”
“Tá bom, venha para cá agora para podermos conversar sobre isso.”
“Está bem.”
Laura pôs o telefone no gancho e sentou em silêncio.

“O quê? O que é?” perguntou Blaise, incapaz de suportar ser deixado de fora desse evento obviamente sério.
“Oh, desculpe, amor. Gina está vindo. Ela... em... ela disse que, eh...”
O quê? Pelo amor de Deus?”
“Ela disse que Draco a escreveu uma lista.”

Blaise olhou para ela, estudou sua expressão e tentou decidir se ela estava falando sério. Os olhos azuis preocupados de Laura o olharam de volta e ele percebeu que ela estava. Blaise se juntou a ela à mesa e ambos ficaram sentados em silêncio olhando para a parede, perdidos em pensamentos.

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