A Lista
Gina segurou o suéter azul de algodão perto de seu rosto e aquele cheiro tão familiar a invadiu imediatamente, uma saudade arrebatadora se manifestando na sua barriga e chegando ao seu coração. Era como se pinos e agulhas estivessem enfiados em suas costas e um enorme nó na garganta ameaçasse sufocá-la. O pânico se instalou. Além do barulho da geladeira e do ranger dos canos, a casa estava silenciosa. Ela estava sozinha. Algo mais chegou a sua garganta e ela correu até o banheiro e caiu de joelhos diante da latrina.
Draco se fora e nunca mais iria voltar. Essa era a realidade. Ela nunca mais iria correr seus dedos pelos cabelos loiros e macios dele, nunca mais dividiria uma piada interna numa mesa de jantar, nunca mais choraria para ele ao chegar em casa depois de um dia difícil no trabalho quando ela precisava apenas de um abraço; nunca dividiria uma cama com ele novamente, nunca mais seria acordada por suas crises de espirro todas as manhãs, não iria rir tanto com ele que sua barriga doesse de novo, nunca mais iria brigar com ele para ver de quem era a vez de levantar e desligar a luz do quarto. Tudo o que havia restado era um mundo de lembranças e a imagem do rosto dele que ficava mais vaga a cada dia.
O plano dos dois havia sido muito simples. Ficar juntos para o resto de suas vidas. Um plano que - qualquer um no círculo de amizades deles iria concordar - era conquistável. Eles eram melhores amigos, amantes e almas gêmeas destinadas a ficarem juntas, todos achavam. Mas aconteceu que um dia o Destino mudou de idéia.
O fim tinha chegado cedo demais. Depois de reclamar de uma dor de cabeça por alguns dias, Draco aceitou a sugestão de Gina de ir ao médico. Isso aconteceu numa quarta-feira, no intervalo de almoço do trabalho. O doutor pensou que a causa fosse stress ou cansaço e definiu que, na pior das hipóteses, Draco precisava de óculos. Ele não precisava se preocupar, já que na verdade não eram seus olhos o problema. Era o tumor crescendo em seu cérebro.
Gina deu descarga e, se arrepiando por causa da frieza do chão, firmou-se tremulamente sobre os próprios pés. Ele só tinha vinte e oito anos. Claro, ele não tinha sido o homem mais saudável do mundo, mas o tinha sido o bastante para... bem, para viver uma vida normal. Quando estava muito doente, Draco corajosamente brincava sobre como ele deveria ter se arriscado mais. Devia ter usado drogas, bebido mais, viajado mais, pulado de um avião enquanto depilava as pernas... a lista continuava. E, mesmo que ele risse sobre aquilo tudo, Gina podia ver uma ponta de arrependimento em seus olhos. Arrependimento pelas coisas para as quais ele nunca arranjara tempo, pelos lugares que nunca vira e tristeza pela perda de experiências futuras. Será que ele tinha se arrependido da vida que tivera com ela? Gina nunca duvidou que ele a amava, mas receava que ele achasse que tinha perdido um tempo precioso.
Envelhecer se tornou algo que ele desejava desesperadamente alcançar ao invés de ser apenas algo inevitável. Como haviam sido presunçosos em não considerar o envelhecer como um desafio...! Envelhecer era algo que eles dois queriam tanto evitar...
Gina ia de quarto em quarto enquanto botava para fora soluços e grandes lágrimas salgadas. Seus olhos estavam vermelhos e inchados e a noite parecia não acabar. Nenhum dos aposentos da casa conseguia lhe dar nenhum conforto; havia apenas silêncios inóspitos enquanto ela olhava para os móveis.
Draco não ficaria feliz com isso, ela pensou. Respirou fundo, secou os olhos e tentou ter um pouco de bom-senso. Não, Draco não ficaria nada feliz com isso.
Assim como havia acontecido em todas as outras noites das últimas semanas, Gina caiu em um sono sofrido nas primeiras horas da manhã. A cada dia ela se encontrava estendida e desconfortável sobre um móvel diferente ao acordar; hoje, era o sofá. Mais uma vez foi a ligação de um amigo ou familiar preocupado que a acordou. Eles provavelmente achavam que ela só dormia. Onde estavam suas ligações quando ela vagava pela casa como um zumbi, procurando nos quartos por... pelo quê? O que ela esperava encontrar?
"Alô." ela disse sonolenta. Sua voz estava rouca de tanto choro, mas há muito tempo ela já havia desistido de manter a pose para as pessoas. Seu melhor amigo se fora e ninguém entendia que nenhuma quantidade de maquiagem, ar fresco ou compras iria tampar o buraco no seu coração.
"Oh, desculpe, querida, te acordei?" a voz preocupada de Molly veio do outro lado da linha. Sempre a mesma conversa. Toda manhã sua mãe ligava para ver se ela tinha sobrevivido à noite sozinha. Sempre receosa de acordá-la, no entanto sempre aliviada por ouvi-la respirando; segura com o pensamento de que sua filha havia batalhado os fantasmas da noite.
"Não, só estava cochilando, tudo bem." sempre a mesma resposta.
"Seu pai e Jorge saíram e eu estava pensando em você, meu amor." Por que aquela voz, tão morna e carinhosa, sempre levava lágrimas aos olhos de Gina? Ela podia até imaginar o rosto preocupado de sua mãe, com as sobrancelhas e a testa enrugadas de tanta preocupação. Mas aquilo não confortava Gina. Só fazia com que ela se lembrasse de porque estavam preocupados e de que não deveriam ter que estar. Tudo deveria estar normal. Draco deveria estar ali, ao seu lado, rolando os olhos para cima e tentando fazê-la rir enquanto sua mãe ia falando. Tantas vezes Gina teve que dar o telefone a Draco já que as risadas sempre levavam a melhor... E ele apenas conversava normalmente, ignorando Gina enquanto ela pulava pela cama fazendo as caretas mais bobas e as danças mais engraçadas só para ter ele de volta. Raramente funcionava.
Ela concordava e murmurava durante a conversa, escutando sem ouvir uma única palavra.
"Está fazendo um dia lindo, Gina. Ia fazer um bem enorme para você sair para dar uma andada. Respirar um ar fresco."
"Hum, é, acho que sim." Lá vinha de novo, ar fresco - a dita cura para seus problemas.
"Talvez eu vá aí mais tarde e nós possamos conversar."
"Não, obrigada, mãe, estou bem."
Silêncio.
"Bem, certo então... me ligue se mudar de idéia. Estou livre o dia inteiro."
"OK."
Mais silêncio.
"Mas obrigada, mãe."
"Certo... cuide-se, querida."
"Está bem." Gina estava prestes a pôr o telefone no gancho quando ouviu a voz da mãe novamente.
"Oh, Gina, quase esqueci. Aquele envelope ainda está aqui para você, sabe, aquele que te falei. Está na mesa da cozinha. Acho que você deveria pegar, está aqui há semanas e pode ser importante."
"Duvido. Provavelmente é só outro cartão."
"Não, acho que não, querida. Está endereçado a você e acima do seu nome diz... oh, agüente aí enquanto pego da mesa..."
O telefone foi colocado na bancada; veio o som de saltos no chão de madeira até a mesa, de cadeiras arrastando no chão, de mais passos cada vez mais altos, do telefone sendo pego novamente...
"Ainda está aí?"
"Tô."
"Certo, diz em cima 'A Lista.' Não sei bem o que quer dizer, querida. Vale a pena dar uma olha..."
Gina deixou cair o telefone.
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