A força do amor



Capítulo único

Fazia uma manhã clara e ensolarada em Little Whinging, no sul de Londres. O verão já se encontrava quase em sua meia estação e os andorinhões cobriam o céu de um azul muito intenso e sem um fiapo de nuvens sequer, realizando audaciosos rasantes em direção ao solo na tentativa de capturar pequenos insetos que esvoaçavam à meia altura sobre os gramados castigados pela estiagem comum naquela época do ano.

A Rua dos Alfeneiros era uma das regiões preferidas pelas aves, pois a flora local formada por cercas-vivas de arbustos de flores brancas e cheirosas, e frutos constituídos por pequenas bagas negro-azuladas, e que doaram seu nome à via, eram o esconderijo preferido da fonte de alimentação natural das aves.

Mas, no sobrado de numero quatro daquele logradouro do Surrey, um rapaz magro e de cabelos rebeldes, debruçado à janela de seu quarto no pavimento superior, ignorava completamente a agitação e a balburdia realizada pelas aves. Na verdade, seus olhos atravessavam o bando de predadoras e se fixavam em um ponto inexistente no horizonte, seu olhar nada captava do frenesi indômito das criaturas aladas, mas seu pensamento voava igualmente a elas, porém em paradeiros muito mais distantes e em circunstancias extremamente mais complexas.

Um pio nervoso e o estalar irrequieto de um bico chamou a atenção do jovem para a gaiola que repousava sobre o armário de roupas às suas costas, onde Edwiges demonstrava sua irritação contra o agito que suas primas distantes realizavam lá fora.

Retornando momentaneamente de suas divagações, Harry Potter deu meia volta e sentou-se à beira da cama de colchão surrado e lençóis puídos em que havia passado a maior parte de seu tempo desde que retornara de Hogwarts, após os funerais de Alvo Dumbledore. Mas, uma lacônica expressão de satisfação passou pelo seu semblante ao se lembrar que aquele seria o seu ultimo dia naquela casa, pois antes da meia noite deveria deixar para sempre o lar de seus tios, os Dursley, uma vez que finalmente chegaria o momento que esperava com extrema ansiedade: seu aniversário de dezessete anos.

Um novo pio soou no aposento, desta vez não era uma reclamação que partia da esplendida coruja-das-neves, mas provavelmente uma espécie de incentivo para que ele aguardasse com mais paciência o pouco tempo que ainda lhe restava junto aos seus parentes.

— Sim, Edwiges... – sorriu ele, e a belíssima ave bateu as asas sobre seu poleiro na gaiola de portas abertas –... logo estaremos longe daqui... longe dessa família...

Aquela ultima palavra soou com amargura, jamais considerara os Dursley como sua família, apesar de Dumbledore sempre ter achado essencial o laço de sangue que havia entre ele e tia Petúnia, irmã de sua mãe Lílian. Tanto que o recentemente falecido bruxo havia estruturado o feitiço de proteção que protegera Harry nos últimos dezesseis anos naquela relação genealógica, sendo esse o único motivo que o obrigara a retornar mais uma vez a conviver sob o mesmo teto com seus únicos parentes vivos.

Uma lembrança repentina ocasionada por aquele momento de amargura ao considerar sua real situação naquela casa, o fez enfiar uma das mãos sob o colchão e retirar de lá um álbum de fotografias, o mesmo que Hagrid o havia presenteado ao final de seu primeiro ano de estudos em Hogwarts.

Folheou lentamente as páginas de imagens animadas, passando levemente os dedos por sobre as figuras que lhe sorriam e acenavam, até parar em uma que ilustrava ele mesmo, com pouco menos de um ano de idade, deitado sobre a cama de seus pais e sendo admirado pelo olhar terno de sua mãe, enquanto James Potter, ao outro lado, aparentemente entoava uma canção de ninar.

Ele fechou os olhos com força, tentando conter as lágrimas que insistiam em escorrer pelo seu rosto. Aquela era a única família que ele realmente havia tido em toda a sua vida e as poucas lembranças que possuía dela lhe eram ocasionadas apenas pelas imagens contidas naquele álbum.

— Como posso sentir tanta falta de algo que não me lembro? – falou consigo mesmo, a voz embargada e trêmula.

Retirou seus óculos com uma das mãos e passou a manga da camisa no rosto, enxugando as lágrimas inconvenientes. Observar aquelas fotografias sempre lhe causava dor, mas muitas vezes chegava a reconhecer determinados locais e certas cenas retratadas ali, como se tivessem ficado gravadas em sua mente, apesar da pouca idade que tinha na época.

E foi assim que uma antiga canção de ninar lhe veio à cabeça, sendo que ele tinha certeza de que era a mesma que seu pai cantava naquela foto, e que ele passou a entoar cabisbaixo e recortada em meio a soluços:

Durma com os anjos filhinho
Não se preocupe com nada
Mamãe está acordada
O seu sono a velar.
Papai coruja cantando
Uma velha canção de ninar.
A minha voz que quase não saí,
É o medo de te acordar
Perdoa filho, seu velho pai.
Durma tranqüilo filhinho
Não se preocupe com nada
Mamãe esta acordada
O seu sono a velar.
Papai coruja cantando
Uma velha canção de ninar.


Novamente Edwiges o trouxe de volta à realidade, agitando-se em sua gaiola e chamando sua atenção. Harry repôs os óculos e, guardando novamente o volume sob o colchão, levantou-se e se dirigiu novamente até a janela para tentar descobrir o motivo pelas novas reclamações de seu animal de estimação.

No céu, ao longe, pôde perceber um ponto minúsculo crescendo e se aproximando, era aquele, com toda certeza, o motivo do alarme da inteligente ave. Em pouco tempo pôde divisar a presença de duas corujas carregando um embrulho mais volumoso voando em sua direção e, logo em seguida, Pichitinho, a mini coruja de Rony; e Arrow, a velhíssima coruja da família Weasley, pousavam no batente da janela, depositando ali o pacote embrulhado por um pano de pratos xadrez e destinado a Harry.

O rapaz apanhou a encomenda e a atirou sobre a cama. Em seguida, recolheu a velha coruja que havia desabado logo após o seu pouso, e a colocou ao lado de Edwiges, apesar dos protestos desta. Logo em seguida, Pitchi também se juntou a elas e a temperamental coruja do bruxinho preferiu alçar um gracioso vôo e se posicionar do outro lado do aposento, empoleirando-se num cabide de roupas.

Quando sentou-se à cama novamente e abriu a pequena trouxa, logo identificou a presença da matriarca dos Weasley na confecção do pacote recebido: a bondosa Molly lhe enviara um cheiroso bolo de gengibre e alguns biscoitos de chocolate também escorregaram para os lençóis quando ele puxou três pedaços de pergaminho que estavam alojados sob o confeito.

O primeiro bilhete que ele abriu era da senhora Weasley, e dizia:

“Querido Harry, estou lhe enviando algumas guloseimas para se distrair até a festa do seu aniversário. Sim, porque nós vamos lhe fazer uma. Arthur e mais alguns integrantes da Ordem irão fazer contato com você em breve para tratar do seu resgate da casa de seus tios. Não se preocupe e nem se precipite: em breve estaremos todos juntos. Com carinho, Molly Weasley”.

Harry abriu um largo sorriso de satisfação, enquanto mordiscava distraidamente um dos biscoitos. A senhora Weasley era a pessoa que mais se aproximou da figura de uma “mãe” para ele, e ele sabia que ela também o considerava como um filho... uma pessoa de sua família, mesmo sem realmente sê-lo.

O segundo bilhete havia sido enviado por seu amigo Rony:

“Cara, isso aqui está um tédio sem você. Com Fred e Jorge enfiados o dia inteiro na loja de logros eu só tenho a Ginny para me fazer companhia Gui comprou uma Nimbus 2000 usada pra ela e outro dia disputamos uma corrida e... você tinha que ver como minha Cleansweep estava veloz... eu só não ganhei dela por pouco, mas é porque uns insetos me atrapalharam. De resto está tudo bem, ah... a Fleur está passando uns dias aqui em casa antes do casamento, ela é tão atenciosa e inteligente. Bom, a gente se vê em breve. Abraços, Rony”.

O rapaz tentou imaginar a cena em que Rony culpava algumas aranhas suspensas em teias invisíveis, e que teriam se colocado em seu caminho quando ele estava prestes a ganhar uma corrida de sua irmãzinha... era difícil de acreditar, ainda mais conhecendo o desempenho da ruivinha em cima de uma vassoura. Rony também era a pessoa que mais se encaixava na figura de um irmão... um irmão que Harry nunca teve.

O terceiro pedaço de pergaminho trazia o cheiro peculiar de jasmins do brejo, era um aroma que ele sempre sentira nas vezes em que visitara A Toca, e que sempre lhe causara um enorme bem estar e, muito recentemente, ele descobrira que aquele era o perfume emanado por Ginny, a autora do último bilhete:

“Oi Harry, espero que esteja tudo bem com você. Sei que devem ter sido muito difíceis esses dias com sua família trouxa. Quero que saiba que, apesar de não concordar por você ter “desmanchado” comigo, eu... te entendo. Você quer me proteger, e isto significa que você ainda gosta de mim e eu... também gosto muito de você. Nós podemos não estar juntos agora, e você poderá estar muito longe, daqui a algum tempo quando estiver resolvendo seus “problemas”, mas quero que saiba que, onde você estiver, eu estarei sempre contigo. Eu... estarei cuidando de você. Beijos, da sua Ginny.”

Ele se levantou, depositando os pedaços de pergaminho sobre o travesseiro e se encaminhou até onde se encontrava Arrow, para constatar que a coruja já havia se recuperado e tomava calmamente um pouco de água da vasilha que havia na gaiola de Edwiges. O relacionamento entre ele e Ginny era um caso mal resolvido, mas ele estava convicto de que havia tomado a melhor decisão: não poderia ter distrações agora, seu objetivo era o quanto antes encaminhar-se para Godric’s Hollow, o palco do ultimo contato que ele tivera com sua verdadeira família, e dali partir em busca das horcruxes restantes.

Algum tempo depois, ele desceu até a cozinha para almoçar, atendendo o chamado de seu primo Duda, que batera com uma colher em uma panela ao pé da escada, da mesma forma que chamam os animais em uma fazenda na hora da ração.

Tio Valter estava extremamente animado e cantarolava sozinho, Harry percebera que seu bom humor aumentava proporcionalmente à medida que se aproximavam os últimos momentos dele naquela casa e, sempre que tinha uma oportunidade, ele brindava o sobrinho com frases do tipo:

— Quando finalmente partir, esqueça que nos conheceu um dia, pois você será esquecido a partir do momento que transpor a porta desta casa!

Ou, ainda, desatando em sonoras gargalhadas quando seu obeso filho soltava pérolas hilárias como:

— Usarei meu velho quarto para depositar todo lixo e tralhas velhas que já não uso mais!

Apenas tia Petúnia mantinha-se estranhamente em silêncio, parecendo ignorar a presença do sobrinho e evitando até de olhar para ele. Se a sua suposta “família” pretendia realmente esquecer que ele um dia vivera sob o mesmo teto que eles, sua tia aparentemente havia se adiantado aos demais.

Sua “última refeição” na residência dos Dursley pareceu demorar-se anormalmente e, após lavar sua louça e dos demais moradores da casa, dirigiu-se rapidamente para o quarto, subindo os degraus da escada de dois em dois.

Ao adentrar no aposento, reparou num belíssimo exemplar de coruja-das-torres pousada no beiral de sua janela. Ele se aproximou dela percebendo que se tratava de um espécime de aluguel, proveniente de alguma agência de correio bruxo, que assim que teve o pequeno rolo de pergaminho desatado de sua pata, partiu num vôo decidido, espantando alguns andorinhões que agora descansavam empoleirados sobre a cumeeira das casas circunvizinhas. Harry abriu a mensagem e logo constatou que fora enviada por Hermione:

“Harry, gostaria de estar com você neste momento... sei que muitas coisas devem estar se passando pela sua cabeça. Eu não deveria dizer isso, mas... por favor, não faça nenhuma bobagem. Fique próximo aos membros da Ordem, mantenha-se protegido e, se for realmente o seu desejo continuar a incumbência que Dumbledore lhe designou, eu estarei ao seu lado quando chegar a hora. Eu... te ajudarei a perseverar. Eu e o Rony... conte sempre conosco. Cuide-se, Hermione.”

Se Rony era a imagem do irmão que ele sempre desejara ter, Hermione era sem sombra de duvida a personalização da irmã mais velha e, em seus momentos de maior rabugice, talvez uma tia bem próxima. Enfim, ela sempre se preocupara demais com ele, e sempre se dedicou inteiramente a ajudá-lo em suas constantes aventuras, talvez nem sempre o levasse a sério como ele gostaria, mas nas vezes em que ele tinha uma decisão muito importante a tomar, era Hermione quem ele consultava.

Já no final da tarde, após observar a dupla de corujas dos Weasley partirem, Harry deitou-se em sua cama e chegou a cochilar por alguns instantes. Há muito que ele não tinha o sono tranqüilo, e desta vez também não foi diferente.

Logo ele estava vagando pelo cemitério em que Lord Voldemort voltara à vida, anos atrás, um clarão verde fez com que as imagens difusas do dia em que ele assassinara seus pais se misturassem com seu vulto sombrio emergindo do caldeirão de poção que lhe proporcionara sua ressurreição.

“Você matou meus pais, Voldemort!” – Harry dizia em seu sonho – “Você me tirou a única família que eu tive em toda a minha vida!”

“A família é um estorvo, Harry!” – respondia-lhe o Lord das Trevas – “Ainda mais uma família de sangues ruins e traidores do sangue! Mas, se você faz tanta questão, eu o mandarei para junto de seus pais!” – e um novo clarão crescia em direção a Harry, o clarão verde da Maldição Avada Kedavra, enquanto ele ouvia o grito de sua mãe, da mesma forma como lhe havia sido desperto de seu subconsciente há algum tempo atrás, pela presença de Dementadores.

CRAQUE!

O estalo seco fez o rapaz escapar de seu pesadelo, sentando-se à cama de um salto, a visão embaçada e o suor escorrendo-lhe pelo rosto.

— Harry Potter se sente bem? Posso fazer alguma coisa por Harry Potter?

— Dobby! – exclamou o garoto, colocando uma mão sobre o peito como para acalmar o coração que disparara.

À frente dele se encontrava a pequena criatura que havia acabado de se materializar, e inclinava-se exageradamente em uma reverência chegando a arrastar as longas orelhas no assoalho de madeira e quase tocar o chão com o próprio nariz.

— Dobby sim senhor, Harry Potter! Dobby veio até Harry Potter em missão da Ordem! – disse o ser mágico com sua voz esganiçada.

— Missão da Ordem? – repetiu o bruxinho enquanto colocava seus óculos, só então percebendo que a noite já invadira a Rua dos Alfeneiros.

— Sim, mestre Harry Potter! – respondeu-lhe em meio a uma nova reverência enquanto lhe entregava um envelope lacrado com cera derretida.

Harry tomou-lhe a correspondência e a abriu com ansiedade. Ao desdobrar seu conteúdo, reconheceu imediatamente a caligrafia de Lupin:

“Harry, eu e mais alguns integrantes da Ordem da Fênix iremos buscá-lo às dez horas da noite de hoje. Esteja preparado para o pior, pois não conhecemos as intenções de Voldemort. Mas... estaremos preparados para tudo, não se preocupe. Eu... te protegerei na noite. O elfo cuidará de sua bagagem, saia no horário marcado pela porta da frente e traga apenas sua varinha e sua capa da invisibilidade. Boa sorte, Remus Lupin”.

O coração que já havia voltado ao normal teve seus batimentos levemente acelerados novamente: sim, a hora estava chegando! Em breve ele estaria novamente entre seus amigos de batalha, e que melhor pessoa para contatá-lo do que Lupin? Um dos melhores amigos de seu pai? Um quase irmão de James Potter e, um tio de Harry, talvez? Se ele realmente tivesse uma família?

Novamente o tempo pareceu se arrastar, até que o relógio passasse a marcar nove horas e cinqüenta e cinco minutos. A única coisa que tornou o período mais interessante foi ajudar Dobby a organizar seus pertences, mas assim que o elfo aparatou, levando consigo o seu malão, sua vassoura e Edwiges em sua gaiola, Harry permaneceu como que hipnotizado contemplando os ponteiros “tiquetaquearem” até aquela marca.

Então, enfiando sua varinha no cós das calças e a capa mágica que herdara de seu pai num dos bolsos do blusão, desceu decidido pelas escadas que levavam ao hall da casa, não pensando em olhar uma vez sequer para trás.

Seu primo Duda e seu tio Valter já o esperavam aos pés da escada, pois ele os havia avisado do horário em que iria embora. O primeiro com um sorriso irônico de orelha a orelha e o segundo esfregando as mãos de satisfação. Tia Petúnia estava na sala, assistindo televisão, e parecia que ia levar a sério a sua intenção de ignorar a existência do sobrinho.

Não houve palavras, apenas os acenos sarcásticos do tio trouxa e a reverência exagerada do primo ao abrir com enorme satisfação a porta da rua. Harry saiu em silencio e, quando ainda pisava no capacho de entrada, sentiu a porta bater com violência às suas costas. Caminhou lentamente alguns passos e pôde divisar alguns vultos mais à frente, do outro lado da rua. Esforçou um pouco a vista em meio à escuridão quase que total, produzida provavelmente por um “apagador de luzes”, e conseguiu identificar as figuras de Tonks, de cabelos cor de chiclete; Olho-Tonto Moody, apoiado em sua bengala; Arthur Weasley, que usava um chapéu de cozinheiro francês; Shacklebolt, com sua calvície negra brilhando ao luar e, finalmente, Lupin que estava um passo à frente dos demais, com sua varinha disfarçadamente em punho.

Harry avançou decididamente em direção à sua escolta, estava satisfeito, afinal, eles poderiam não ser seus parentes ou pertencer à sua família, mas dariam sua vida sem pestanejar para protegê-lo, e ele faria o mesmo por qualquer um deles.

Havia alcançado o portão da propriedade e preparava-se para transpô-lo quando ouviu o ranger da porta dos Dursley se abrindo, seguido pelo chamado de uma voz feminina:

— Harry! – ele se virou, tia Petúnia fechara a porta atrás de si e avançava em direção a ele.

Ela estancou a um passo dele, seus olhos estavam vermelhos e seus lábios tremiam, Harry não entendia muito bem o que se passava, em seu intimo ele sempre esperara uma palavra amiga daquela pessoa, uma atenção especial da mulher que o criara, um gesto de carinho da portadora do sangue de sua mãe, mas essa esperança desaparecera com o tempo, juntamente com a ilusão de um dia sentir-se parte de uma família: sabia que ele não era desejado, que os laços de sangue não tinham valor, que não existia o vinculo da linhagem.

Então, ela estendeu seu braço em direção a ele, as pontas de seus dedos quase alcançando seu rosto, e ali permaneceram trêmulos por segundos que pareciam séculos, não havia nenhuma brisa a toca-los, os sons ao redor pareciam que tinham sido completamente abafados. Sentindo-se envolvido pelo gesto daquela mulher que sempre o renegara, ele avançou na direção dela até permitir que ela tocasse seu rosto, então percebeu que grossas lágrimas rolavam pela face dela, seus lábios continuavam trêmulos, mas abriram-se num sorriso, e entre soluços ela disse:

— T-tanto tempo H-harry... e eu nunca o toquei... t-tanto tempo e... eu nunca lhe f-falei... tanto t-tempo e eu... nunca lhe sorri... – sua voz embargada pelas lágrimas e forte emoção a impediam de falar com clareza – E... aqui e-estou eu agora... Eu... estou te tocando... Eu... estou lhe f-falando como d-devia ter feito tantas vezes... Eu... estou sorrindo próximo a você.

Aquele toque parecia aquecê-lo, aquele contato inesperado parecia fazer fluir entre eles o sangue que lhes era comum, ele se sentia finalmente conhecedor do motivo pelo qual Dumbledore o fizera passar todos aqueles anos em companhia daquela mulher: finalmente a mágica se revelara, a mágica do amor, o poder tão incomensuravelmente grande e que vence todas as barreiras, mesmo que o reneguemos e o ocultemos de nós mesmos.

— Tia Petúnia... eu... – Harry não sabia realmente o que dizer.

— Tenha sorte, Harry! – disse-lhe a mulher olhando no fundo de seus olhos e, girando em torno de seu corpo, avançou rapidamente de volta à casa.

Harry respirou profundamente e, enquanto atravessava a rua em direção aos bruxos que o aguardavam, ele percebeu que estava errado.

Estava errado, durante todo esse tempo em que se lamentara e se martirizara por jamais ter convivido no seio de uma “verdadeira” família, porque afinal ele teve em Dumbledore o pai que lhe faltou, teve em Molly Weasley a mãe que lhe foi tomada prematuramente, sempre teve em Rony e em Hermione os irmãos que jamais foram concebidos e em Lupin e os demais bruxos e bruxas que sempre o protegeram, os tios e tias, primos e primas que formam uma enorme e poderosa família como jamais ele havia imaginado.

E agora ele tinha os laços de sangue também, o amor oculto e contido de sua tia, a portadora de seu sangue e do sangue de sua mãe, que o havia finalmente aceitado e, com este gesto, embora tardio, o havia armado com o conhecimento da maior e principal força que une uma família: a força do amor.

FIM

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