Immortelle
Si traînant dans mes ruines
Se soterrada em minhas ruínas
Ne brillait rien qu'un fil
Com apenas um filete de luz
Tu serais celui-là
Esse filete seria você
Na estradinha perto da única casa entre milhas, o vento bagunçava a areia solta a dar um aspecto abandonado às terras. Mais adiante além da cerca, a residência imponente se erguia escura. A única fonte de luz naquele lugar era a lua que imperava nas sombras.
Logo ao lado passava o rio estreito a beirar um pequeno bosque. Ali era ainda mais escuro e assombroso. Corajosa, pensavam os que passavam por ali. Uma jovem que decidira dividir aquele espaço consigo; sem intromissão de ninguém senão da natureza, mesmo intimidante, que a rondava.
A apreciar a solidão uma mulher afundara na poltrona ao despir o casaco da viagem. O fogo esverdeado ainda ardia tímido na lareira às suas costas. Os longos cabelos loiros e sem vida caiam aos ombros pela blusa cinza, os olhos amendoados cor de avelã misturavam-se à vermelhidão e às lágrimas.
Ainda esperava; quieta e sentada à escrivaninha admirando a bruma entre os pinheiros perto do rio. O frio através daquela paisagem soturna lhe atraía a um passeio.
Si oubliée des dieux
Se esquecida pelos deuses
J'échouais vers une île
Eu corresse por uma ilha
Tu serais celle-là
Essa ilha seria você
Voltou a si e à comodidade do próprio escritório. Estava sob uma onda de choque, não queria compreender a notícia. Sirius Black morto pela prima Bellatrix dentro do Ministério da Magia. A primeira palavra que se escreveu à sua frente foi imortalizá-lo.
Quis apenas voltar uns segundos na memória e muitos anos na realidade. Voltar àqueles anos em que as aulas era a única preocupação. Onde os dias de sol não se passavam sem o Lago Negro. Apenas alguns anos atrás para não ter que se remoer agora por um garoto que cobiçava esperançosa. Ele não era de muitas namoradas. Seu jeito rebelde e popular ainda não descobrira tal ‘arte’. Naquela época, Sirius Black mantinha-se ocupado demais em conservar a desordem nas horas em que ele e James Potter permaneciam acordados.
Retroceder, somente para admirá-lo silenciosamente mais uma vez, pois a coragem que lhe faltara na juventude foi adquirida mais tarde.
“Via-o distintamente à sua frente. A última frase da resposta do N.O.M de Defesa Contra as Artes das Trevas finalizara o próprio teste com êxito. Observou-o tamborilar os dedos no pescoço; depois de mais uns rabiscos ele estralou todos os dedos ao descansar a pena. Acabara, enfim.”
Si même l'inutile
E se mesmo inútil,
Restait le seuil fragile
Restasse um limite frágil,
Je franchirais le pás
Eu o atravessaria...
Desejava que naquele momento, fosse por um instante, ele tivesse virado para a mesa às suas costas. Somente para olhá-la, nota-la uma única vez. Podia ter sorrido ao retribuir o olhar e ter a oportunidade de ficar corada.
... Mas aquele salão continuou cinza. Sem vida. Apenas pergaminhos amarelados e tinta negra. O aroma do dever.
Não, aquilo não combinava com ele.
”Mirava-o a esperar que, por ventura do destino, algum magnetismo o atraísse para o seu espaço. Ele ergueu o polegar para James; equilibrava-se nas pernas traseiras da cadeira, a bater frequentemente na sua mesa. Só o fato de estar tão perto a deixava confortável naquela atmosfera. Era muito bonito naquele modo displicente.”
Olhou novamente pela janela. A lua crescente ia ocultando-se por nuvens escuras tingindo o rio, antes cintilante, como nanquim.
Não era apenas atração. Cinco anos gelando o sangue ao vê-lo sorrir no corredor não era um sentimento tão leviano. Uma tentação, ela ria consigo. Não sabia definir, mas era ao mesmo tempo bom e torturante.
Ao passo que suas ilusões acalmavam a vontade de sair correndo do dormitório nas masmorras, seus pensamentos não-fictícios desmentiam o que planejara. Todas as noites.
A meia-noite chegava tão rápido quanto ia embora, a deixá-la só com suas vontades.
Não era tão fácil impor-se uma negativa retumbante depois de encará-lo nos olhos. Um azul profundo, infinito. Um labirinto fácil de perder-se. Amigos na medida, gentis, simpáticos e vorazes, adjetivos que contrastavam com o caráter dos Black.
...Por um descuido mais seu do que de Potter teve de olhá-los de perto.
“ O sinal tocou expulsando alunos sorridentes e casmurros pelas portas. Quatro terminantemente excluídos da definição séria. Bem humorados, sempre, parecia que tomavam uma poção de extrema animação junto ao suco de abóbora no café da manhã. Peter, o miúdo dentre o quarteto, gargalhava na companhia de James por alguma das inúmeras besteiras que Sirius falava. Remo a disfarçar um sorriso se ocupava em arrumar o distintivo de monitor. Eles eram mais conhecidos como “Os Marotos”.
James tinha uma mania de arrepiar os cabelos castanhos realçando seus olhos esverdeados. Nunca, nem por um segundo, deixava a gravata impecável ao pescoço. Fazia questão daquele ar desregrado. Já Remus sustentava um ar estudioso. Tinha cabelos castanho claros, igual aos seus olhos, e era mais alto que James. Andava sempre reto e imaculável em seu uniforme. Peter era magricelo, loiro de aguados olhos azuis; seu nariz arrebitado conservava uma imagem infantil. Ininterruptamente esboçava um sorriso no rosto ou uma cara debochada para quem se desse mal nas mãos dos amigos.
Sirius tinha um ar marcante. O jeito de andar, de sorrir e inclusive de provocar. Até ao repudiar tinha certo charme maldoso. Seguia o estilo desarrumado de James sem deixar de ser elegante. Cabelos negros caindo aos olhos azuis. Nenhum azul tão normal quanto dos outros. Escuros e maliciosos. Inebriantes.
Ela ficou parada como se não tivesse mais nada pra fazer, nenhuma aula para assistir e desprezando os pedidos urgentes de comida que seu estômago mandava ao cérebro. A lufada de alunos alucinados conseguiu faze-la andar uns passos, mas sem deixar de espiar a localização do sorridente Sirius Black. Dispersados, houve mais espaço para descerem as escadas para o Salão Principal. Andava tentando parecer relaxada e sem preocupações ou timidez.
O apressado James a atropelou no primeiro degrau tentando a todo custo seguir uma ruiva colega deles. Seus cadernos foram ao chão e quase os acompanhou se não fosse uma mão segura-la pelo braço. Ágil, talvez habilidosa demais, a mão dele apareceu a sua frente oferecendo apoio. Ergueu-se rápido encarando-o. Ele sorria em desculpa pelo amigo inconseqüente. Como se ele não fosse. Mas nada importava mais, pois já se perdia num labirinto...
- Desculpe, o James anda meio ocupado em fisgar uma certa ruiva. – disse calmamente. Ela ficou calada. A risada e a resposta agradável para um começo de conversa não sairam. Travou e apenas piscou os olhos. – Você está bem?
A garota acenou afirmativamente abaixando-se a pegar seus pertences e foi seguida por ele. Sirius fez questão de entregar-lhe tudo com um sorriso perturbador. Ao estarem novamente em pé, frente a frente, ele tomou sua mão fazendo uma breve reverência.
– Milady. – se despediu em modo galante.
Ilusão sua se pensasse que sairia do campo de visão de algum maroto sem ser alvo de alguma piada. Não fora nada engraçado... Não lavaria a mão por um bom tempo. E a ligação entre os olhares, sim, essa eternizaria. ”
Si les mots sont des traces
Se as palavras são marcas
Je marquerai ma peau
Eu marcarei minha pele
De ce qu'on ne dit pás
Com aquelas que não são ditas
Não queria fechar os olhos nem cair no sono, pois tinha medo de perdê-lo quando os abrisse novamente. Não o tinha, mas não queria perdê-lo. E ninguém fez isso melhor do que ela. O admirou de uma forma intensa apenas a metros de sua presença.“Faça-me infeliz por uns tempos, mas lembre-se de mim por todo o resto dele.”
Ele era tão perfeito que a fazia sentir-se inferior. Nada saudável, sabia, mas ele continuava a reinar em sua perfeição. Mais do que visível era o fato de que não era a única que largaria longe os deveres para acompanhá-lo a Hogsmead. Qual era o seu truque? O coringa ou a carta na manga? Um pêndulo de hipnose? Não sabia... pois continuava a passar sem falas perto dele.
Seus pés a levaram para fora da casa. A visão acostumada à escuridão não era empecilho. O negrume da rua invadiu seu redor trazendo ruídos aos seus ouvidos. O farfalhar das folhas, a correnteza da água, o uivo do vento. Ficou entorpecida ao respirar o inverno; a estação poderia estar a meses daquela data, mas ainda a experimentava. O frio não era mais problema; não se arrepiou nem procurou fechar o casaco. Largou os braços ao lado do corpo e encarou aquela bruma densa. A lua não sairia tão cedo detrás das nuvens.
Ela não acreditava em sonhos, histórias românticas e assemelhados. Talvez fosse esta barreira congelada que a impedia de prosseguir. Mas... Como?! Não era a garota mais bonita, nem a mais inteligente e muito menos a mais engraçada. Ela era normal. Não tinha nada de especial que pudesse chamá-lo a Terra quando cruzavam no corredor, ou quando Sonserina e Grifinória aturavam-se em alguma aula.
Queria saber se livrar da dor de cabeça que um par de olhos azuis lhe trazia. Contudo, ainda apreciaria descobrir e sentir o obscuro que neles havia.
O vento dançava com seu cabelo longo enquanto permanecia de olhos cerrados. O loiro esbranquiçado deixava sua pele mais pálida naquele ambiente contrastante. Uma fina chuva começou a salpicar seu rosto de leve. Não chorava mais, estava calma, entregue. Imagens preciosas eram resgatadas enquanto a tempestade pairava sobre a noite. A suposta morte do garoto de olhos azuis. Do seu garoto de olhos azuis.
Aos quinze anos seu desejo seria sentir o pulso dele acelerar e lhe arrancar um sorriso. Ou ver atrapalhar-se ao perder sua atenção na carteira dela. Atualmente, queria apenas um minuto para fazê-lo olhar para ela. Ter uma noite como aquela em algum lugar confortável onde pudesse falar perto de seu rosto e beijar-lhe a face até encontrar seus lábios já sedentos por seu beijo. Apenas um. Seria o bastante.
Pour que rien ne t'efface
E porque nada te apaga,
Je garderai le mal
Eu guardarei este mal
S'il ne reste que ça
Se é apenas ele que resta...
Uma lágrima desesperada rolou o rosto avermelhado. Ela fechou os olhos eternizando essas intenções, como se seu cérebro fosse um enorme depósito de ótimos logros. Perdia-se num mundo criado apenas para duas pessoas; pura satisfação. Só pra não ter que tomar coragem. Não era covardia. Se havia definição ela preferia não nomeá-la, pois de qualquer forma suspiraria ao vê-lo gargalhar e afastar os cabelos negros dos olhos.
Estava perdida nos caprichos de suas invenções. Lúcida, equilibrada e alerta. Não enlouquecera todas aquelas noites, apenas pegava-se lembrando dele mais uma vez. Talvez a milésima.
Um surto se apossou de seu controle. A correnteza parecia ter prendido correntes aos seus pulsos atraindo-a para mais perto. A paisagem que vira através do vidro do escritório engolia cada parte sua, como se continuamente estivesse ali.
O cheiro de terra molhada a fez respirar aquela pureza. A natureza intocada do lugar lhe trazia êxtase às sensações. Como num cortejo atrás do antigo moribundo rumou para mais perto das águas. Seu corpo a amolecer aos poucos no ritmo de um som inexistente. Outra criação sua. Sentiu uma mão ágil no seu braço; desta vez não tinha perigo de jogar-se no rio.
- Imaginei que viria. – sussurrou observando o redemoinho das águas. Foi a vez de ele ficar calado – Deveria estar em outro plano... mas acabou de me impedir de experimentar a temperatura deste líquido. – ela pensou um pouco e continuou – Deve doer. Tão frio a ponto de sentir facas em todos os pontos do corpo. Navalhas a cortar lentamente e sua voz desaparecida no choque, sem nem ao menos poder gritar de agonia.
As palavras dele iam me matando suavemente.
O corpo balançava de acordo com o vento a tentar ficar ereto. Enrijeceu o maxilar suspendendo mais lágrimas. Ele não a respondia.
- Não é loucura minha... foi solidão. Foi cegueira sua. Prepotência sua... Culpa sua! – reclamou lançando as palavras ao ar.
Me leve, apenas esta noite.
A face do tempo mudara as coisas de lugar. As vidas poderiam ter tomado rumos totalmente distintos aos que presenciavam. Seus pés poderiam estar longe do abismo e aquela voz poderia ser verdadeira. A mão no seu braço poderia ser palpável, e nem ao menos precisaria daquele banho de chuva.
Os dedos a ficarem dormentes e os constantes arrepios começavam a torturá-la ao recobrar a sensibilidade. As mãos e os lábios finos arroxeados, os cabelos e a roupa molhada, a piora da chuva que agora a açoitava lhe avisavam que era hora de voltar.
Daquele momento para sempre... Pausaria determinados instantes.
A quoi peut me servir
Para que pode me servir
De trouver le destin
encontrar o destino
S'il ne mène pas à toi?
se ele não me leva à você?
E seria necessário tudo isso? Ele poderia apenas ter virado para trás esquecendo da próxima traquinagem. Era o que ela necessitava.
Mas o outro lado da moeda a contradizia; se em cinco anos apenas o apreciava calada temendo seu ar arrogante, um segundo que a visse poderia ser apenas mais um de sessenta que ficaria invisível, mesmo que estagnada à frente dele.
Mas eu ficarei esperando.
Mais uma vez a meia-noite veio e se foi, assim como ele fez há algumas horas.
Ela não sabia se este seria o fim de Sirius Black e se tudo acabaria sufocado na Câmara da Morte.
... Mas continuaria a esperar ele virar para trás.
N/A: Eu não sei o que esperar dessa fic. A escrevi mais como um desafio quanto a uma coisa minha, mesmo. Espero que gostem e comentem.
Até!
Grazi S.
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