Capítulo VI
Só quando já estava em casa, horas depois, Hermione leu a carta de Luna. Foi abrir a bolsa para pegar uma caneta e viu o envelope do qual já tinha até se esquecido. Sentindo-se culpada, abriu-o imediatamente e pôs-se a ler a carta da amiga.
"Querida Hermione", ela reconheceu a caligrafia familiar de Luna. "Gina me escreveu contando de seu casamento com Harry. Você mesma podia ter escrito, mas presumo que esteve muito ocupada. Quem diria que a pequena menina com o rosto cheio de pintinhas ia terminar se casando com o rapaz que morava ao redor de sua fazenda? E que rapaz!..."
Um sorriso iluminou o rosto de Hermione e ela recostou-se na cama, para continuar lendo.
"Felicidades, Hermione, é tudo o que lhe desejo. Mas tenho que lhe avisar para tomar cuidado com Cho. Ela é como uma ave de rapina, que não solta mais a presa depois de tê-la capturado com suas garras afiadas. Um amigo meu, que trabalha com moda, encontrou-se com ela em Paris há uma semana. Ela está sozinha novamente, seu amante resolveu ir embora e deixá-la."
Hermione sentiu um frio no estômago ao saber daquilo. Olhou pela janela vendo o jardim lá fora, tomando coragem para continuar a ler.
"Não se surpreenda, minha querida amiga se Cho resolver voltar para reconquistar Harry. Ela já o teve um dia e é vaidosa o suficiente para acreditar que poderá conquistá-lo de novo, se assim o desejar. Ela joga sujo, Hermione, e se você quiser ficar com Harry, terá que faz o mesmo! Boa sorte e todo o bem do mundo para vocês. Luna."
As mãos de Hermione tremiam, nervosas, e ela sentia-se incapaz de fazer qualquer gesto. Mas ao ouvir Harry, que chegava de seu encontro com Sam Muller, rasgou a carta rapidamente e jogou-a na cesta do lixo, como se assim pudesse exterminar a ameaça que Cho representava. Entretanto, aquilo não foi o suficiente para acalmá-la e Harry logo percebeu que havia algo estranho quando entrou no quarto.
- Qual o problema, Hermione? — ele perguntou, notando a palidez da esposa. Hermione decidiu que Harry jamais deveria saber da carta de Luna e, pela primeira vez, mentiu para ele.
- Acho que estou um pouco cansada, só isso.
- Tem certeza de que está tudo bem?
- Não é nada sério, é apenas uma leve enxaqueca.
- De qualquer maneira, deite-se um pouco enquanto preparo um chá para você.
Hermione não gostava daquilo, preferia dizer toda a verdade para Harry, porém não era o melhor a fazer. Era preciso continuar com a mentira até o fim.
- Pela rapidez com que você tem empacotado as coisas, acho que poderíamos viajar amanhã mesmo, se quiséssemos — Harry disse sorrindo, quando Hermione já tinha terminado de beber o chá.
- Não gosto de deixar tudo para a última hora.
- Bem, então não se esqueça de se empacotar também. Eu não gostaria de chegar em Johannesburg e descobrir que faltou você.
- Ora, seu bobo! — Ela riu.
- Adoro ver você rindo.
Seus olhares se encontraram, ternos e carinhosos, e uma terrível sensação tomou conta de Hermione. Ela sentiu como se tudo aquilo fosse temporário e pudesse acabar a qualquer momento. Atirou os braços sobre Harry, abraçando-o com força.
- Oh, Harry, abrace-me forte. Tenho tanto medo!
- Sou eu quem deveria estar com medo, não você. — ele disse com tranquilidade, enquanto a abraçava.
Hermione não respondeu, tentando agarrar-se a segurança que aquele abraço lhe trazia. Como poderia contar-lhe seus temores? Como explicar aquela sensação de que seu casamento terminaria um dia, de que tudo aquilo era passageiro? Como dizer-lhe que era possível que Cho voltasse para a África do Sul, procurando por ele? Não! Era preferível que Harry pensasse que o medo que sentia era por causa da operação, e só por isso.
A casa de Harry era uma verdadeira mansão. Tinha dois andares e ficava em meio a um imenso jardim, repleto de árvores antigas s frondosas. Hermione sentiu-se como num hotel de cinco estrelas quando Os criados uniformizados apareceram para tirar a bagagem do carro.
O interior da casa era tão imponente quanto seu exterior, apesar de não se ajustar nem um pouco à idéia de um lar, ao menos para Hermione. A mobília era moderna, em tons fortes e extravagantes. Pintura abstratas cobriam as paredes e havia espelhos por toda parte, tornando os aposentos ainda maiores. Grossos tapetes recobriam o chão. Harry levou-a para conhecer a casa inteira e Hermione teve a sensação de estar folheando uma revista com a última moda em decoração. Em tudo muito fino e caro, mas faltava naquele lugar o calor de verdadeiro lar.
- Como você conseguia viver sozinho numa casa tão grande assim?
Oh, Deus, ela deu-se conta imediatamente da besteira que havia acabado de dizer! Claro que Harry havia vivido junto com Cho naquela casa, coisa que ela devia ter percebido no momento em que pós os pés ali dentro. Sim, a marca de Cho Chang estava em todas as coisa e, sobretudo, naquela infinidade de espelhos espalhados pelos aposentos. Cho gostava de ser admirada tanto quanto gostava de admirar a própria beleza. E não havia melhor lugar para isso que aquela casa onde sempre se poderia ver o olhar fascinado de um homem, mesmo que ele estivesse às costas.
Mas não havia admiração nenhuma nos olhos de Harry quando ele encontraram os de Hermione, através do espelho. Um arrepio percorreu a espinha dela. Como conseguiria morar naquele lugar, que certamente trazia tantas recordações de Cho para Harry?
Eles estavam no quarto principal, que possuía uma parede inteira espelhada. O banheiro era todo em mármore e espelhos, e o toque feminino que infestava o lugar deu-lhe a certeza de que aquele tinha sido o quarto de Cho. Sim, Harry tinha dormido ali com ela...
- Pensei em ficar no quarto lá da frente — Harry falou, como se adivinhasse os pensamentos de Hermione. — Não é tão grande quanto esse, porém é menos pomposo.
Hermione sentiu-se imediatamente aliviada quando conheceu o quarto que Harry se referia. De fato, não havia nada de ostensivo naquele aposento a não ser, talvez, a paisagem da janela, que dava para a piscina e para a quadra de tênis. Era um quarto bem menor, sem espelhos e pintado em branco e azul. A mobília era simples e o banheiro não possuía nada de especial, só as paredes comuns revestidas com azulejos. Pela primeira vez desde que chegara ali, Hermione sentiu um prazer genuíno pelo que via.
- Oh, eu gosto muito — ela disse, sorrindo.
- Achei que gostaria. Bem, vou mandar trazer nossas coisas para cima... Há uma pequena sala lá embaixo, que você poderá mudar a mobília e usar como escritório para trabalhar. Mandarei colocar seu material de trabalho lá, está bem?
- Obrigada, Harry. — Ela agarrou na manga de sua camisa quando ele se virava para sair. — Por favor, não demore.
- Você não gosta desta casa, não é?
- Bem, de fato não gosto muito.
- Nós acharemos algo melhor em pouco tempo. — Ele a beijou rápido e suavemente. — Volto num instante, está bem?
Quando Harry saiu, Hermione aproveitou para tomar um banho e se refrescar. A viagem havia sido longa e cansativa, e ela ansiava pelo chá que Harry mandara preparar pouco depois de chegarem.
Quando voltou para o quarto, Harry já estava lá. As matas haviam sido colocadas ao pé da poltrona mas poderiam ficar para depois do chá. Ela passou a mão pela cintura de Harry enquanto desciam pela escada. Os espelhos refletiam a imagem de um homem alto, forte e bronzeado, e de uma mulher um pouco magra.
Hermione não conseguia deixar de se ver naqueles espelhos, mesmo que tentasse olhar somente para Harry. Ele estava tão lindo e vigoroso como ela sempre o conhecera. Já não mancava há muito tempo e seus músculos destacavam-se sob a camisa. Às vezes ainda era difícil acreditar que aquele homem era seu marido. Vendo-se no espelho, reconhecia que não possuía a beleza felina de Cho Chang. Achava-se incapaz de despertar a atenção de um homem como Harry e, no entanto, ali estava ele casado com ela. Tinha o costume de ver defeitos em si mesma, desde a adolescência, e por isso não acreditava quando elogiavam a boca bem desenhada e extremamente sensual, ou os olhos amarelos de gato. Mas o que mais se destacava era a limpidez com que seus sentimentos fluíam através dos olhos.
O chá foi servido na grande sala de estar, e ali também havia o toque de Cho. Era difícil para Hermione sentir-se descontraída quando, à sua volta, tudo parecia acusá-la de estar invadido um espaço alheio.
- Acho que deveríamos desfazer as malas - Hermione sugeriu, assim que terminaram o chá. Harry, porém, tomou sua mão e levo-a para o jardim.
- Já tomaram conta de tudo — ele explicou, afinal.
Hermione ficou contrariada. Pela primeira vez, outra pessoa que não ele estava cuidando de suas roupas, pendurando-as e arrumando. Ela não sabia, no momento, se gostava ou não, mas preferiu não se preocupar com pequenas coisas agora.
O enorme jardim estava lindo no outono, tingido em tons de verde marrom e amarelo. As folhas secas cobriam o chão, formando um exótico tapete natural. O vento soprava forte, e Hermione procurou uma fivela na bolsa para prender os cabelos. Mas Harry impediu-a.
- Deixe-o solto — ele disse, tomando a fivela e guardando no próprio bolso. — Prefiro ver seus cabelos assim livres, voando com o vento.
- Mas fica tão desarrumado...
- Quando você o prende, transforma-se em "Hermione, o terror", aquela língua afiada. Quando o deixa solto, então me sinto como um velho de tão linda que você fica!
- Pobre querido — ela brincou, já sentindo que a proximidade de Harry despertava seus sentidos. — Então eu o faço sentir-se velho
- Não é que eu me sinta velho — Harry explicou, colocando mão sobre o ombro de Hermione e puxando-a com força para perto. — A questão é que você me parece muito jovem.
- Se tivesse dito isto há seis anos atrás, então eu compreenderia. Eu era tão jovem que você nem me notava.
- Ora, claro que notava! Você frustrava todas as minhas tentativa de estar a sós com Luna. Às vezes tinha vontade de torcer se pescoço!
- Você parecia estar sempre pronto para conquistar o mundo inteiro. Sempre o mantive longe de Luna pois com ela, sairia frustrado.
- Achava então que eu ia falhar com Luna?
- Eu não achava, tinha certeza! Luna não se fazia de difícil para um flerte. Mas tinha princípios rígidos a respeito de sexo.
- E o que a faz pensar que ela não teria deixado esses principios de lado por mim?
- Nós duas sempre fomos completamente diferente uma da outra, só temos uma coisa em comum: precisamos amar muito um homem para permitir certas liberdades e intimidades. E quando isto acontece já estamos casadas.
- Sexo só depois do casamento é considerado uma coisa fora de moda.
- Se essa é a sua opinião, então por que não tentou me seduzir antes do casamento?
Ele a soltou tão subitamente que se Hermione não estivesse com os braços nos ombros dele, certamente teria caído. Assim que se recompôs, ela também soltou-o.
- Por que eu tinha perdido meu apetite para esse tipo de relação com mulheres. — ele explicou com certa rispidez. Havia colocado as mãos no bolso e se afastado um pouco, quase dando as costas para Hermione. — Eu desejava um casamento, algo estável e sólido, e sabia que poderia ter isto com você. — Uma onda de calor e felicidade invadiu o coração de Hermione, fazendo seus olhos brilharem de ternura.
- Acho que é o elogio mais lindo que você já me fez.
- Mas não era um elogio.
- Bem, você não se importa se eu considerar como um, não é?
- Esteja à vontade...
Sim, ela estaria à vontade, foi o que decidiu no caminho de volta para casa. Era bom saber que ele a considerava capaz de lhe dar a estabilidade de que precisava no casamento. Se agarraria a esta idéia quando as dúvidas a respeito de seu futuro com Harry a assaltassem.
No momento sentia-se meio confusa, sem saber direito o que fazer. Suas malas tinham sido desfeitas e as roupas arrumadas com enorme zelo dentro do armário. Harry dissera que sua presença não era necessária na cozinha. O que será que Cho fazia o dia inteiro naquela casa? Bem, ela era modelo e sua profissão devia mantê-la na rua a maior parte do dia. Talvez usassem aquele local só para dormir e receber os amigos, quem sabe.
Ora, que se danasse Cho Chang! Não queria pensar nela, mas era quase impossível tirá-la da cabeça, estando naquela casa onde todos os detalhes lembravam aquela mulher. Oh, por que Harry a trouxera ali, se tudo pertencia ao passado que desejava esquecer?
O jantar daquela noite tinha vários pratos diferentes, todos deliciosos. Hermione sentiu-se um pouco envergonhada quando pensou em seus esforços para preparar jantares mais especiais. O café foi servido na sala de estar e, pouco depois, os dois subiram para o quarto.
Hermione estava quieta e um pouco amargurada enquanto subiam a escada, lembrando-se do tempo em que moraram na fazenda, a casinha pequena e acolhedora, as louças sujas sobre a mesa, as pequenas canecas em que tomavam café. Era como se tivesse perdido alguma coisa que não sabia definir o que era, e aquilo lhe dava um nó na garganta.
Harry tomou seu banho primeiro e, quando Hermione saiu do banheiro, ele estava deitado na cama, semicoberto por um lençol, seu tórax musculoso e cheio de pêlos à mostra. Ela não podia deixar de admirá-lo, era um homem belo e atraente. Harry notou a maneira como era observado. Corando levemente, Hermione sentou-se na penteadeira e começou a escovar os cabelos.
Agora, ela percebeu que era Harry quem a observava, o que a deixou um pouco perturbada e sem jeito. Falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça.
- Preciso arranjar tempo para poder escrever.
- Você pode fazer o que achar melhor — ele replicou com voz entediada. — Pode escrever suas histórias ou só desfrutar a vida, como uma mulher sem preocupações.
- Bem, essa última alternativa não me atrai muito — Hermione falou, sorrindo. Em seguida, mudou de assunto — Quando marcou sua consulta com o médico?
- Na segunda-feira de manhã.
- Eu posso ir com você? — ela perguntou, enquanto tirava o roupão e se enfiava sob o lençol, junto dele.
- Por quê? Acha que precisarei de alguém para segurar minha mão?
- Um pouco de apoio moral não prejudica ninguém. De qualquer maneira, eu gostaria de ir com você.
- Está bem, faça como preferir. — Harry deu de ombros e virou-se de lado na direção de Hermione.
Era já a terceira vez que ele a mandava estar à vontade e fazer como preferisse. Na primeira, ela não se importou, na segunda preferiu não fazer caso, mas a terceira já era demais.
- Pare de dizer isso, Harry. É por você que faço estas coisas!
Um pesado silêncio caiu sobre os dois, até que Harry disse algo completamente inesperado.
- Eu não mereço uma esposa como você.
- Você merece muito mais. — Hermione sentiu que a raiva a abandonava e seu coração se enchia de ternura. — Estou fazendo o máximo que posso porque você merece, Harry.
- Acho que eu gostaria mesmo que você me acompanhasse. É uma maneira de apresentá-la a um homem que não é só colega de profissão, mas também um grande amigo.
- Agora você me deixa meio temerosa... E se seu amigo não gostar de mim?
Harry tinha se aproximado até ficar quase deitado sobre ela. O calor do corpo dele despertava aquelas sensações que ela sabia serem impossíveis de controlar.
- Meus amigos são gente da cidade — ele disse, enquanto passava o dedo suavemente sobre os lábios de Hermione. — Sei que gostarão de uma pessoa simples como você, criada no campo.
- Por que tenho este sentimento ruim de que talvez não gostem de mim?
- O que eu disse é a verdade. Eles vão adorar seus cabelos lindos e essas pintinhas adoráveis que você tem no rosto.
- Ora, Harry, eu já não tenho mais tantas pintinhas no rosto como quando era menina.
- Claro que tem, e elas são perfeitamente visíveis quando eu a olho de perto. Veja, há uma aqui... outra aqui... — Ele ia dando beijos carinhosos e suaves em pontos diferentes do rosto de Hermione.
- Não faça assim, Harry — ela protestou, divertida.
- Seu cheiro é tão bom. — ele disse, beijando agora o pescoço dela.
- Harry... — ela murmurou fechando os olhos, sentindo que começava a perder os sentidos ao estar de encontro com ele.
- Tão doce que dá vontade de beijá-la inteirinha. — Ao dizer aquilo, suas bocas se encontraram e Hermione rendeu-se ao enorme desejo que sentia, entregando-se por completo às caricias de Harry.
O consultório de Alan Bishop ficava no Moderno centro médico da cidade. Quando Hermione e Harry chegaram na segunda de manhã, foram imediatamente conduzidos à sua presença.
O amigo de Harry era um pouco mais velho que ele, muito simpático e amável. Assim que entraram na sala, ele levantou-se da cadeira e foi ao encontro deles.
- É muito bom vê-lo novamente, Harry.
- Alan, gostaria que conhecesse minha esposa — Os olhos do amigo se voltaram para Hermione e, se ele estava surpreso, não deu a menor mostra disso. — Hermione, este é meu amigo, Alan.
- Prazer em conhecê-la, Hermione — cumprimentou-a beijando lhe a mão.
Hermione simpatizou de imediato com aquele homem. Ele virou-se para Harry mais uma vez.
- Você está com uma ótima aparência.
- Estou me sentindo muito bem — Harry confessou.
- Deve ter sido o melhor remédio para ele — Alan olhava para Hermione e sorria com afeto.
- Em pequenas doses, acho que sou eficaz. Porém, em doses exageradas, acho que sou como dinamite. — Hermione replicou com bom humor, fazendo Harry e Alan sorrirem.
- Acho que compreendo por que se casou com ela — Alan comentou, enquanto fazia um gesto para que se sentassem. — Bem, vamos dar uma olhada em sua mão.
O exame que Alan Bishop fez foi minucioso, suas perguntas eram claras e objetivas. Hermione percebia que era o tipo de médico que não deixava nenhuma informação escapar. Ela podia sentir a tensão de Harry e, depois de Alan dar o exame por encerrado, ele não se controlou mais e perguntou:
- E então?
- É difícil dizer. Não há dúvida de que melhorou bastante, mas eu gostaria de tirar alguns raios-X antes de dar minha opinião,
- Vamos providenciar isso já — Harry disse, com certa impaciência.
- Vou avisar o pessoal do departamento — Alan disse, tomando o telefone. — Eu mesmo levarei os resultados à sua casa hoje à noite.
A consulta com Alan Bishop não levou mais que meia hora, mas para fazer as chapas tiveram que aguardar cerca de uma hora, até que finalmente fossem inseridos no ocupado cronograma do departamento. Então, uma falha elétrica obrigou-os a esperar ainda por um bom tempo, e só ao meio-dia puderam finalmente deixar o centro médico. Harry estava furioso com tudo aquilo.
- Quantos pacientes seus já tiveram que esperar por causa de condições que não dependiam de você, Harry? — Hermione argumentou, quando viu fracassarem todas as tentativas para acalmá-lo. Ela pensou que Harry fosse ficar ainda mais furioso ao ouvir aquilo mas, para sua surpresa, ele sorriu.
- É... acho que tem razão — admitiu, passando o braço sobre os ombros de Hermione e conduzindo-a pelo estacionamento até onde haviam deixado o Jaguar. — Que tal almoçarmos fora hoje? — perguntou, quando já estavam sentados no carro.
- Acho uma ótima idéia.— Hermione deu-lhe um carinhoso beijo no rosto.
- Ora. ora... a que será que devo isso?
- Acho que só ao fato de você ser um dos homens mais maravilhosos que conheço. — Hermione falou com um olhar infantil. Em seguida beijou-o mais uma vez e recostou-se no banco.
- Minha esposa está ficando louca! — Harry disse com um sorriso nos olhos, antes de colocar o carro em funcionamento.
Eles foram até um restaurante em Hiltbrow, pequeno e aconchegante. O ambiente era calmo e fresco, ao contrário do calor insuportável da rua. Hermione gostou do lugar imediatamente.
- Você se especializou em neurocirurgia, não é? — ela perguntou quando já estavam sentados, tentando iniciar uma conversa com Harry.
- Sim, eu me especializei nesse campo — ele confirmou, acentuando o tempo passado do verbo. Hermione preferiu ignorar o tom contrafeito.
- É um trabalho muito complexo, não é?
- Sim.
- Tente relaxar, Harry. — Hermione resolveu ir direto ao assunto, vendo que ele estava bastante tenso. — Não há com que ficar preocupado.
- Eu gostaria de ser tão confiante como você. Tudo isso é muito importante para mim.
- Eu sei, Harry.
- E o que acontecerá se...
- Não diga isso! Aliás, nem pense nisso.
- A força do pensamento positivo, não é? — Harry replicou, com certa ironia.
- Exatamente!
- Neste caso, vamos pedir uma garrafa de champanhe e fingir que estamos comemorando, está bem?
- Ótima idéia — Hermione disse sorrindo, enquanto Harry estalava o dedo para chamar o garçom.
Demoraram bastante ali, mas à tarde ainda existia à frente deles e Hermione receava deixar aquele ambiente tranquilo, provavelmente Harry voltaria a se preocupar e ficar nervoso enquanto esperava a visita de Alan Bishop.
Harry pagou a conta e, enquanto se dirigiam para o carro, Hermione percebeu que ele pensava na mesma coisa. Como faria para passar as horas torturantes até a noite?
- Que tal irmos ao zoológico? — ela sugeriu animada, quando já estavam dentro do carro. O zoológico era o único lugar que tinha lhe ocorrido e decidiu agarrar-se à idéia.
- Ir ao zoológico? — Harry perguntou, incrédulo.
- Ouvi dizer que é onde moram os animais, por aqui.
- Acho que também já ouvi isso.
Hermione debruçou-se sobre ele, com ansiedade nos olhos.
- Será que você me levaria?
- Bem. Se realmente deseja ir.
- Oh, você é tão simpático. Obrigada!
- Lembre-me de comprar um sorvete para você quando chegarmos lá. Mas não vá dar comida aos animais, está bem?
- Você é um desmancha-prazeres — Hermione brincou mais uma vez, aliviada por ver que Harry, afinal, estava mais tranquilo.
Como era dia de semana, o zoológico estava quase vazio. Era um local muito bonito, onde os animais pareciam ter tanta liberdade quanto às pessoas que transitavam pelas alamedas, Hermione conduziu Harry de uma ponta a outra do grande parque, parando sempre em frente de cada jaula para comentar alguma coisa. Ela estava disposta a não deixar que Harry se preocupasse com as notícias que Alan traria, naquela noite. Contudo, quando chegaram perto das girafas, ele parecia já entediado e impaciente.
- Você sabia que para os romanos antigos, a girafa era considerada um animal mítico, que tinha o leopardo como pai e o camelo como mãe? — Hermione estava decidida a não lhe dar trégua.
- Não, eu não sabia. Estou bastante impressionado. — Harry não pôde evitar a ironia ao responder.
- A palavra girafa vem do árabe zaraja, que quer dizer ao mesmo tempo "uma criatura graciosa" e "aquela que anda rapidamente"
- Falando em andar, acho que não consigo dar nem mais um passo.
- Li em algum lugar que a primeira girafa trazida para a Europa foi importada por Júlio César, para ser exibida em Roma e...
- Hermione...
- Acho que uma girafa pesa...
- Hermione! — Harry tomou seu braço num gesto brusco e o sorriso dela era de ingenuidade e inocência.
- Sim, querido?
- Você foi uma excelente guia e ótima companhia durante a tarde inteira. E acho que atingiu seu objetivo... Contudo, acho melhor irmos embora para não pegar o trânsito do fim da tarde.
Hermione ficou embaraçada depois que Harry deixou claro que tinha adivinhado suas intenções. Ela respondeu meio sem jeito.
- Não podia deixar você sentado a tarde inteira, torturando-se com o diagnóstico de Alan. Eu sinto muito, Harry.
Com a ponta dos dedos, Harry ergueu-lhe o queixo e fez com que ela o fitasse nos olhos. O que Hermione descobriu ali era algo que gostaria de preservar para o resto da vida. Bem no fundo dos olhos dele havia uma imensa ternura e era lindo vê-la no olhar do homem que amava.
- Se aquelas pessoas ali não estivessem olhando para cá, eu a beijaria.
- Gozado... — Hermione falou com ar de grande inocência. — Não vejo ninguém olhando para cá.
Harry sorriu, bem-humorado, e em seguida abaixou a cabeça e beijou-a profunda e longamente. Depois afastou-se e tomou o braço dela num gesto enérgico.
- Venha, é melhor irmos embora.
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