Capítulo III




- Você está louca. — A voz zangada de Gina ecoou pela sala silenciosa. — Harry Potter poderia pagar uma dúzia de empregadas sem que a sua conta no banco sofresse a menor alteração e você simplesmente se oferece para fazer às tarefas de criada?

- Não tenho a menor intenção de aceitar dinheiro dele.

- Se aceita dinheiro não é irrelevante! Pode imaginar o que as pessoas vão dizer?

- Não posso dar as costas para alguém que precisa de ajuda e Harry, mais que nunca, precisa disso.

- Oh, Hermione! — Gina fez um gesto de impotência. — Você sempre foi impulsiva e fez coisas estranhas, mas essa é a mais absurda de todas elas!

- Espere um pouco, Gina — Malfoy interferiu pela primeira vez. - Tive uma conversa com Sam Muller ontem à tarde e, pelo que soube, Potter está realmente muito amargurado e sem esperanças. Se há alguém que pode ajudá-lo, acho que essa pessoa é Hermione.

- Obrigada, Draco. — Hermione sorriu com gratidão, porém Gina ainda não estava convencida.

- Concordo que Hermione é capaz de afugentar o próprio diabo, mas...

- Pare de se preocupar tanto, meu amor. — Malfoy interrompeu-a. — Hermione sabe como tomar conta de si mesma.

Era bom saber que Draco tinha fé nela e Hermione apreciava seu apoio. Claro que não podia explicar para si mesma essa necessidade tão grande de ajudar Harry, porém era o mínimo que podia fazer por alguém que tinha sido um amigo da família por tantos anos. Não podia haver outra razão... ou será que podia?

Hermione chegou em High Ridges pouco depois das nove na manhã seguinte. Apesar da porta aberta, Harry não estava em casa. Ela cuidou primeiro da cozinha e ao passar para o banheiro, descobriu que afinal ele fizera uma tentativa de lavar as roupas. Terminou a lavagem e, em seguida, colocou as peças na máquina de secar.

Hermione trabalhava rápido tirando o pó, varrendo e abrindo as janelas para fazer circular o ar. Em pouco tempo já estava na cozinha, descascando os legumes e preparando as bistecas, quando notou que Harry vinha chegando, imediatamente colocou o bule de água no fogo para fazer um pouco de chá.

Ele caminhava devagar, vindo lá de longe, e de tempos em tempos parava para descansar. Quando finalmente chegou à porta da cozinha, o chá já eslava pronto para ser servido.

- Aceita uma xícara de chá? — ela ofereceu, sem sequer cumprimentá-lo. Harry concordou com a cabeça, enquanto sentava na cadeira ao lado da mesa.

- Como foi que Gina reagiu à sua decisão?

- Achou que eu estava louca — Hermione disse sem se virar, ocupada com o chá.

- Imagino que tenha tentado demovê-la da idéia.

Alguma coisa na voz dele a fez virar-se e observá-lo com atenção.

- Não me diga que esperava que ela tivesse conseguido?

- Era justamente o que eu preferia.

Hermione sentiu-se machucada por dentro, mas escondeu essa sensação sob um sorriso aparentemente tranquilo.

- Você é mesmo ingrato, não é?

- Acho que prefiro minha própria companhia no momento.

- Pois sinta-se à vontade! — ela replicou enquanto pegava a xícara de chá de Harry e levava até à sala. — Você pode tomar seu chá na sala de estar, se preferir assim, enquanto termino de preparar a comida.

- Hermione... — Com uma agilidade inesperada, ele avançou e obstruiu-lhe o caminho, fitando-a de uma maneira que ela não conseguia desviar o olhar. — Por mais estranho que possa parecer, é sobre você que tenho pensado.

- É mesmo?

- Sua reputação será abalada quando descobrirem que vem aqui todas as manhãs — ele disse, ignorando o sarcasmo de Hermione. — E, por outro lado, acho que serei uma companhia muito desagradável na maior parte do tempo.

- Ora, seu mal humor não vai me incomodar e, quanto a minha reputação, é um problema meu, com o qual não precisa se preocupar.

- Mas as pessoas vão dizer que você é do tipo de mulher que...

- Não diga isso! — Hermione interrompeu-o, irritada. — Se as pessoas até agora não me conhecem bem o suficiente para saber que não sou esse tipo de mulher, então também não me interessa ter a amizade delas. — Havia um ar de desafio na maneira como ela erguia o queixo para fitá-lo. — Como é, prefere seu chá aqui mesmo ou na sala?

- Aqui, onde posso olhar você. — Harry sorriu, voltando a sentar-se, e Hermione recolocou a xícara sobre a mesa.

- Será que tem medo que eu fuja com as pratas da família?

- "As pratas da família", como você chama, estão em minha casa em Johannesburg — ele disse com ar zombador. — Foi uma precaução que tomei antes mesmo de Sam Muller mudar para cá.

- Acho que terei de perder as esperanças de enriquecer rapidamente — ela comentou rindo, enquanto pegava uma batata e começava a descascá-la com energia.

- O dinheiro é importante para você?

- Ora, não seja ridículo! — Ela riu do tom severo com que ele dissera aquilo.

- Se tivesse dinheiro não teria evitado a venda de Riverside?

- Essa não é uma pergunta justa.

- Mesmo assim, será que me responde?

- Harry... — Hermione mordeu o lábio, pensativa —... o dinheiro me fez falta alguns meses atrás. Se pudesse colocar alguém para tomar conta de Riverside, como você fez com sua fazenda, então nunca sería obrigada a me desfazer de coisas e lugares que eram tão caros para mim... Mas não foi possível, e então o que havia a fazer era vendê-la. Foi o que fiz. — Hermione deu de ombros. — Desde então, o dinheiro perdeu toda importância.

Harry continuou a beber o chá e Hermione preocupou-se com as batatas, achando que o assunto estava encerrado. Contudo, ele a surpreendeu comentando:

- A venda certamente rendeu muito dinheiro.

- Oh, sim... Depois de pagar todas as dívidas, sobrou um pequeno tesouro, que me garante certo conforto. Mesmo assim ainda preciso trabalhar para o resto da vida.

- Mas seu pai...

- Foi, durante um tempo, um dos mais ricos fazendeiros por aqui — ela disse, sem amargura ou rancor.

- O que aconteceu?

- Eu já lhe disse — ela replicou, limpando as mãos com um pano e colocando chá em sua xícara. — Veio a seca, e ele não estava bem.

- Você está escondendo algo de mim.

Hermione já estava a ponto de pedir-lhe para não se intrometer naqueles assuntos particulares, quando imaginou que, se queria ajudá-lo de alguma maneira, era essencial que houvesse completa sinceridade entre eles.

- Meu pai começou a beber muito — ela suspirou fundo — e perdeu o interesse pela vida.

- Mas por quê? — Harry perguntou num tom quase ansioso.

- Eu não sei... Parecia se perder no passado, falava muito sobre minha mãe. Acho que sentia muito mais saudades dela do que podía imaginar, e por isso nunca mais casou de novo.

- Ninguém poderia substituí-la.

Harry falou de forma estranha, e Hermione pensou imediatamente não em sua mãe, mas em Cho Chang. O silêncio que se seguiu e a sensação de distância de Harry confirmaram sua suspeita. Hermione falou em voz baixa:

- Quando caí de meu cavalo, certa vez, quando era pequena, papai me fez levantar e cavalgá-lo de novo, e é assim que a vida é. — Em sua voz não havia pena. — Pode acontecer de tudo enquanto o tempo vai passando, mas sempre temos que nos levantar e seguir de novo.

- Você está me dando conselhos?

- Talvez. Não acho que esteja se sentindo muito bem no momento, e bem que poderia dar certa atenção a alguns conselhos.

- Que tipo de conselho?

- Trabalhar, por exemplo — ela replicou sem hesitar. — Ou simplesmente viver.

- Vou sair para andar um pouco. — ele se levantou de repente, pegando a bengala com um gesto violento.

- Faça isso — Hermione continuou, sem se perturbar com o humor de Harry. — Quanto mais exercitar a perna, mais rápido poderá andar sem bengala

- Obrigado pelo tratamento, dra. Granger — ele disse com ironia, antes de bater a porta atrás de si.

- Não há de quê! — ela respondeu, ainda que ele não a pudesse ouvir.

Foi só depois disso que ela percebeu como estava tensa, com os músculos doloridos. Pela janela, via Harry se afastar vagarosamente em direção ao rio, num andar difícil, que lhe enchia de dor o coração.

Quando Hermione foi embora, já perto da uma da tarde, tinha passado as roupas e o jantar de Harry estava no forno.

Na semana que se seguiu, Hermione e Harry mal se encontraram. Ele saia quando a via chegar e voltava só quando Hermione já tinha ido embora. Certa manhã, ela decidiu que era hora de acabar com aquilo e deliberadamente se pôs no caminho dele.

- Você não poderá me evitar para sempre. Ou será que nunca mais pretende falar comigo?

- Estou seguindo seu conselho e exercitando minha perna — ele disse com rispidez, erguendo a bengala como se lhe dissesse para sair do caminho. Mas Hermione agarrou a bengala e a manteve suspensa.

- Harry, se prefere que eu não venha, tudo que tem a fazer é me dizer.

Ele respirou fundo e Hermione pensou que fosse fazer exatamente aquilo, porém falou:

- Vou sair um pouco, mas estarei de volta para o chá.

Hermione soltou a bengala e, enquanto Harry se afastava, sentiu que tinha acabado de obter uma pequena vitória.

A rotina diária mudou muito depois daquele dia. Harry saia cedo para caminhar e voltava para tomar chá, fazendo companhia a Hermione enquanto ela preparava a refeição, quando então conversavam sobre vários assuntos, mas nunca nada de muito pessoal. Em pouco tempo, Hermione já se habituara a comer junto com Harry, e percebia que eram momentos felizes aqueles que passavam conversando.

Harry recuperava as forças rapidamente, e em pouco tempo as roupas já se ajustavam melhor a seu corpo. Tinha mais cor na face, mas ainda recorria a bengala quando andava. A falta de flexibilidade na mão era o que mais o incomodava.

Hermione passava o fim da tarde e as noites tentando concentrar-se no trabalho, mas era cada vez mais difícil manter Harry afastado de seus pensamentos. Fisicamente ele estava melhor, porém conservava o mesmo amargor, frustração e cinismo. Seus dias de grande depressão já não eram tão freqüentes, contudo ainda existiam. Hermione era tratada como uma irmã mais nova, o que acabou servindo para que ela escondesse certos sentimentos. Sentia-se grata por ser tratada com afeto, mas lá dentro de si algo parecia clamar por mais da parte de Harry.

Um dia, Hermione tinha subido numa pequena escada, para recolocar as cortinas da sala, recém-lavadas, quando percebeu que não estava sozinha.

- Oh, oi — ela disse, olhando por cima do ombro para poder vê-lo. — Não ouvi você chegar.

- Não quer que a ajude? — Harry se ofereceu.

- Poderia me passar aquela cortina sobre a cadeira, assim que eu terminar de colocar esta? — Hermione sugeriu e Harry esperou até que ela terminasse de encaixar o último prendedor antes de passar-lhe a leve e alva cortina.

Hermione sentia a pressão do vestido sobre os próprios seios quando erguia o braço para lidar com a cortina. Sabia que Harry a observava e pensou que talvez estivesse mostrando um pouco mais de suas pernas bem torneadas do que devia. Aquilo a embaraçava e fazia corar um pouco, ao mesmo tempo, sentia prazer naquele interesse masculino e sensual. Quando terminou de colocar o último prendedor, Harry a tomou pela cintura e, com facilidade, colocou-a suavemente no chão.

Seus olhos se encontraram, e a maneira como Harry a fitou perturbou-a ainda mais. Era como se pela primeira vez ele a visse como uma mulher, em vez de uma adolescente irrequieta. Hermione não sabia se devia ficar excitada ou sentir medo daquilo. É claro que outros rapazes, jovens como ela, já a haviam olhado dessa maneira, e tinha sido fácil manter o próprio controle e capacidade de decisão. Entretanto, como reagiria a um homem que sempre tivera seu coração na palma das mãos?

Os dedos de Harry seguravam-lhe a cintura com uma força estranha e sensual, e o corpo de Hermione vibrou violentamente, num arrepio descontrolado. Ela levantou os olhos, que se fixaram na boca de Harry, tão perto da sua, e um enorme desejo invadiu-a, e forma definitiva.

De repente, Harry começou a lhe acariciar os cabelos, a nuca. Hermione sabia o que ia acontecer, e também sabia que se quisesse evitar, precisava ser agora. Algo dentro dela lhe dizia que estava cortejando o perigo, mas seus lábios transformaram-se em água quando Harry inclinou-se e beijou-a com suave volúpia.

Tarde demais...Uma voz acusou dentro dela, mas seu coração batia tão loucamente que nada mais fazia sentido a não corresponder àquele sonho de prazer. Sempre que havia imaginado como se sentiria sendo beijada por Harry, nunca tinha pensado nessa sensação de mergulhar num mundo diferente, onde só existia uma urgência de se entregar. Aquele beijo era tão arrebatador que a devassava completamente, e a sala parecia rodopiar numa espiral.

Era a primeira vez que experimentava de fato o que podiam ser as carícias entre duas pessoas, e o efeito que isto causava era alarmante. Aquelas mãos ágeis tinham o poder de despertar-lhe as mais profundas sensações.

Quando Hermione protestou, tentando afastar Harry com os braços, ele soltou-a imediatamente. Olhava-a de uma maneira estranha, parecia uma outra pessoa. Ela também não estava tão calma quanto desejaria estar. Ainda podia sentir o calor do corpo de Harry, que parecia um imã a atraí-la.

- Eu... vou fazer um pouco de chá — ela disse com voz surpreendentemente controlada, e começou a andar para a cozinha. Agia como um autômato, sem ver o que fazia. Sua mente estava muito ocupada com a súbita descoberta de que uma paixão adolescente, pela qual todos certamente passam, tinha permanecido e se transformado num desejo devastador.

- Hermione... — Ela parou de servir o chá quando ouviu a voz dele. - A respeito do que aconteceu há pouco... Eu não queria que você pensasse que...

- Que você tem alguma intenção mais séria com relação a mim? — Hermione interrompeu-o rapidamente, escondendo sua dor com um sorriso de falsa despreocupação. — Ora, Harry, não sou tão convencida. Você me beijou por causa do clima de um momento, só isso.

- É bom saber que você vê desta maneira — Harry suspirou com indisfarçável alívio.

O chá já estava servido e ela ainda tinha que arrumar umas coisas no banheiro, o que acabou se tornando um ótimo pretexto para não ficar perto de Harry. Hermione tentou se comportar como se nada de anormal houvesse acontecido, mas naquela manhã e na outra, não pôde deixar de perceber o olhar de Harry, que a seguia todo o tempo. Pela primeira vez na vida ela sentia-se perturbada e nervosa por causa de um homem, mas estava decidida a não se deixar intimidar.

- Você já precisa ir embora? — Harry perguntou-lhe no dia seguinte, quando tinham acabado o almoço e a cozinha havia sido limpa.

- Bem, não tenho nenhum compromisso marcado, se é o que você quer saber — Hermione replicou com cautela.

- Gostaria de dar um passeio?

Hermione foi surpreendida pela sugestão inesperada, contudo não viu por que não aceitar o convite.

- Se você quiser...

Eles tomaram a trilha preferida de Harry, que corria ao lado do rio, cuidando em manter uma certa distância um do outro. O dia estava muito quente e o silêncio significava que os pássaros e insetos tinham se escondido enquanto a tarde não refrescasse um pouco.

Quando afinal pararam sob a sombra de uma árvore frondosa, não havia muito a dizer. Hermione olhava a água do rio, que descia lentamente, e ao virar-se para Harry deu com os olhos dele, que pareciam percorrer seu corpo de alto a baixo, delineando suas curvas femininas e atraentes.

- Pare de me olhar dessa maneira, Harry — ela disse afinal, quando Harry observava sua boca vermelha e suave.

- De que maneira?

- Como se tivesse algum plano diabólico em mente — ela falou, com um sorriso zombeteiro. Harry sorriu também, os dentes alvos contrastando com a pele bronzeada.

- É dessa maneira que tenho olhado você?

- Você sabe que é... e tem sido assim desde que...

- Desde que eu a beijei ontem à tarde? — Hermione concordou com a cabeça, embaraçada, enquanto Harry a encarava com um brilho intenso nos olhos, — Não consigo esquecer a sensação de tê-la em meus braços... Tão pequena e suave, correspondendo a meus carinhos com tanto ardor.

- Cale-se, Harry! — Hermione defendeu-se ainda mais envergonhada.

- Nunca pensei que fosse vê-la corar assim — ele falou com ar divertido, enquanto tomava o rosto de Hermione entre as mãos. Ela sentiu que mais uma vez aquela fraqueza a invadia, destruindo suas defesas. Harry aproximou-se ainda mais e começou a beijá-la com suavidade, como se tentasse decidir se gostava do sabor daqueles lábios doces. Hermione mantinha-se ereta, braços caídos ao longo do corpo. Era difícil, mas estava decidida a não corresponder aos beijos de Harry.

Harry sorria, parecendo compreender o tremendo esforço que Hermione fazia para não se derreter ao contato morno dos lábios dele. Ela tentou se afastar, mas Harry a abraçou de uma maneira que não lhe deixava alternativa. Mais uma vez seus lábios se encontraram. Agora, o calor e a suavidade dos lábios de Harry se tornaram irresistíveis. Era tão mais fácil corresponder àqueles beijos do que evitá-los... Hermione sentia-se toda entregue contra o peito musculoso de Harry, e não opôs resistência quando ele a sentou sobre a relva macia.

Suas bocas se devoravam em beijos longos e profundos, que faziam Hermione perder a noção da realidade. A única coisa de que tinha consciência era o cheiro másculo e sensual de Harry, enquanto ele lhe acariciava as costas com uma necessidade cada vez mais urgente. Quando suas bocas afinal se separaram, Harry a beijou no pescoço e no ombro, afastando a alça do vestido com dedos ágeis. Hermione sabia que cada vez mergulhava com maior intensidade naquele torvelinho de prazer, mas os dedos de Harry sobre seus seios duros e firmes trouxeram-na de volta à realidade.

- Oh, não faça isso, por favor! — ela implorou, enquanto o afastava com as mãos.

Harry ergueu a cabeça e, quando seus olhos se encontraram, o olhar dele denunciava um violento desejo insatisfeito.

- Qual é o problema?

- Nós já nos conhecemos há bastante tempo, não é, Harry? — ela falou com voz controlada, que não denunciava o ritmo louco de seu coração.

- Sim, é verdade.

- Tempo suficiente para sermos honestos um com o outro, não é mesmo?

- Claro que sim.

- Harry... para você eu sou só uma maneira de se entreter sem maiores compromissos? — ela perguntou afinal e Harry a soltou imediatamente.

- È isso que você acha?

- Nesse exato momento, não sei bem o que pensar — Hermione confessou, sentindo-se fraca e miserável ali sentada sobre a grama.

- Você já foi beijada antes, não foi?

- Não é algo a que me entrego com facilidade, Harry, principalmente com tanta intensidade, mas... é que tenho um pouco de medo de mim mesma.

- Como assim?

- Não sou como Cho chang — ela suspirou, desviando o olhar para não encará-lo. — Ela saberia perfeitamente como lidar com uma situação assim, mas eu não sei.

- Compreendo — Ele tinha uma expressão zombeteira e quase sarcástica. — Para você, um beijo é uma coisa muito séria, algo com o que não devemos brincar.

- Não zombe de mim, Harry! — Hermione estava irritada. — Se está a fim de brincar com essas coisas, é melhor arrumar outra pessoa.

Hermione se levantou subitamente e correu em direção à casa. Poucos minutos depois já seguia em seu carro, de volta à cidade, uma tremenda irritação tomando conta dela.

- O que aconteceu? — Gina perguntou assim que viu Hermione irrompendo casa adentro.

- E por que pensa que alguma coisa aconteceu?

- Não é todo dia que entra em casa batendo as portas desta maneira. — Gina tinha um olhar compreensivo e curioso. — Harry fez alguma coisa para você?

Hermione nada respondeu. Lançou um olhar furioso antes de atravessar a sala até a escada que levava ao seu quarto.

- Recebi uma carta de Luna esta manhã. — As palavras de Gina a fizeram parar nos primeiros degraus. — Ela escreveu algo para você também.

- Sim? — Hermione perguntou com cautela.

- Ela simplesmente confirma o que eu já lhe disse.

- Bem, não é difícil adivinhar que tem a ver com Harry

- Vou ler para você. — Gina foi até um dos móveis da sala, sobre o qual estava a carta. — "... Diga para Hermione manter distância de Harry. Ele é uma pessoa muito perigosa".

Uma onda de fúria tomou conta de Hermione, e por pouco não começou a quebrar as coisas para dar vazão aos sentimentos.

- Diga para Luna se preocupar com as coisas dela! E isto vale para você também! — falou quase gritando, e em seguida disparou escada acima, sem querer que Gina percebesse as lágrimas que já não conseguia mais conter.

- Com os diabos! — ela praguejava agora, sozinha em seu quarto, deixando afinal as lágrimas correrem com liberdade. Era tão inútil desejar ser como Luna... Ela era "Hermione, o terror", "a impossível..." Nunca tivera medo de ninguém, nem de nenhuma situação. Até esta tarde, quando de repente sentiu-se navegando em águas profundas e desconhecidas. Podia ter se entregado àquele delírio louco e maravilhoso mas. .. teve medo. Medo! Se aqueles momentos nada significavam para Harry, significavam muito para ela, e Hermione não deixaria que ele zombasse de seus sentimentos.

Uma hora mais tarde, ela já se sentia calma o suficiente para pedir desculpas a Gina, mas nada do que amiga pudesse dizer a convenceria a não voltar à High Ridges, na manhã seguinte.

Hermione ficou surpresa ao encontrar a pequena casa da fazenda de Harry totalmente desarrumada no dia seguinte, com garrafas de bebida espalhadas por todo canto. Mas, sem dúvida, a surpresa de Harry foi muito maior quando voltou de seu passeio e a encontrou ali.

- Você achou que eu não voltaria mais? — ela perguntou com ar indiferente, começando a preparar o chá.

- Devo admitir que tive pesadelos ao pensar que teria de voltar a comer comida enlatada. — Harry confessou, com um sorriso.

- Minha raiva era por causa de mim mesma, e não por você, Harry. Sinto muito.

- Agora sou eu que fico curioso para saber por que estava com raiva de você mesma. Será que sob a capa de "Hermione, o terror", se esconde uma jovem tímida e assustada?

Ele estava tão perto da verdade que foi preciso um grande esforço para Hermione não admitir que tinha razão.

- Quando era pequena, eu tinha medo de passar pelo corredor de casa, à noite, porque era muito escuro. Foi só no dia em que consegui olhar a escuridão de frente que superei este medo.Isso me ensinou uma grande lição.

- Está dizendo que se enfrentar seus receios de frente será capaz de superá-los?

- Sim, é isso mesmo.

- Você tem medo de mim, Hermione?

- Não, Harry. Tenho medo de mim mesma. — Ela não hesitou em confessar a própria vulnerabilidade.

Harry fitou-a com um olhar de dúvida, mas preferiu não insistir naquele assunto. Hermione continuou com suas tarefas usuais, sem deixar de perceber os olhares que Harry lhe lançava, sentado na cadeira da cozinha. Aquilo a deixava embaraçada e, pouco tempo depois, ela pediu que ele fosse andar um pouco. Harry saiu mas voltou logo com um buquê de margaridas que tinha colhido no jardim.

Fizeram a refeição com o pequeno vaso de margaridas sobre a mesa, entre os dois. Havia algo naquele gesto de Harry que lhe dava vontade de rir e chorar ao mesmo tempo, mas Hermione manteve o autocontrole e procurou se concentrar na comida.

Quando já tomavam o café, o silêncio começou a pesar enormemente, e tudo que Hermione desejava era poder partir o quanto antes. Ela retirou a louça da mesa e colocou-a na máquina de lavar pratos, ao lado da pia. Enquanto fazia isso, tinha consciência do olhar de Harry, que seguia cada um de seus movimentos.

Aquilo era uma coisa enervante, mas Hermione não podia fazer nada. Que será que ele tinha na cabeça? Será que pensava em Cho Chang, imaginando que era ela quem estava ali, preparando-lhe as refeições e tomando conta da casa? Aquele pensamento fez com que uma nuvem de tristeza se abatesse sobre ela.

- Será que você poderia me trazer um pouco mais de café lá na sala antes de ir embora? — ele perguntou com voz grave, e Hermione sentiu que era como se tivesse lido seus pensamentos.

- Claro que sim — ela respondeu para as paredes, pois Harry já linha saído.

Terminou tudo rapidamente e levou-lhe a xícara de café. Harry estava sentado no sofá, com um ar compenetrado, como se tivesse um grande problema a ser resolvido e não conseguisse encontrar uma solução satisfatória.

- Não vá ainda — ele pediu, quando Hermione se virava para partir. — Sabe... tenho pensado muito nos últimos dias...

Hermione parou e virou-se para Harry, sentindo as pernas tremerem. Ele vai embora, ela pensou, desolada. Durante toda a vida, Harry sempre surgia para desaparecer de novo. Entretanto, esta seria a última vez que seus caminhos se cruzariam, pois Hermione já não podia suportar tanta tristeza e amargura.

A xícara de café continuava sobre a mesinha, onde Harry a colocara, intocável. Hermione o olhava como uma despedida, preparando-se para escutar o que ele tinha para lhe dizer.

- Aceita se casar comigo, Hermione?



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