Capítulo 1
Cap. 1 – A vida no orfanato.
Num orfanato, no subúrbio da cidade de Bristol, uma menininha chorava escondida dentro do armário. Seu nome era Melinda, mas todos a chamavam de Mel. Era dia de “adoção”: casais visitavam o orfanato para conhecer as melhor as crianças e, quando esse tipo de visita ocorria, uma criança sempre ganhava uma família. Mel tinha a esperança de finalmente ter um papai e uma mamãe, mas tudo acabou dando errado.
*Flash Back*
Era uma linda manhã de sábado e o orfanato de Saint Mary estava em festa. Mais um dia em que as freiras ofereciam um almoço para casais interessados em adoção. Era um ótimo meio de fazer com que estes tivessem um contato maior com as crianças. As crianças estavam eufóricas. Todas estavam de banhos tomados e impecavelmente arrumadas no intuito de causar uma boa impressão. Mel estava bastante esperançosa. Seu aniversário de 6 aninhos estava próximo e queria muito como presente de aniversário uma família. Nem dormiu direito durante a noite, tamanha era a ansiedade. Estava se olhando no espelho. Queria ter certeza de que estava bonita. Era uma menina baixinha e rechonchuda. Seus cabelos castanho-dourados iam até acima do bumbum. Seu rostinho era gracioso e abrigavam grandes olhos cor de mel. Estava distraída olhando sua roupa quando duas meninas maiores apareceram. Uma se chamava Olga e a outra, Frida. Olga tinha 9 anos. Era morena, tinha olhos castanhos perigosos, nariz pontudo, magrela e de dentes tortos. Frida era mais baixa, tinha 8 anos. Seus cabelos eram cor de acaju e tinha muitas sardas. Tinha olhos grandes esverdeados, nariz de batata e possuía certo ar tolo.
- Olha Frida, a aberração está se arrumando toda crente que irá conseguir alguma coisa. Se toca, sua boba. Ninguém vai te querer! – falou Olga.
- É... Sua boba, ninguém vai te querer! – disse Frida
Mel ficou com raiva e tinha os olhos brilhando com lágrimas contidas e falou:
- Boba são vocês! E eu não sou berração!
- É sim. Você foi devolvida três vezes! – disse Olga mostrando três dedos – E todo mundo sabe que você é uma aberração!
- É... Uma aberração! – repetiu Frida
- Não sou berração! – falou com o rosto ficando vermelho de raiva e com as mãos fechadas em punho tentando controlar a raiva.
As meninas queriam irritar Mel e começaram a cantar “Melinda Aberração, Ninguém vai te querer...” e repetiam inúmeras vezes, com cara de deboche e mostrando a língua. Mel ficou tanta raiva que não conseguiu controlar e gritou: NÃO SOU BERRAÇÃO! Seu grito fez com que as lâmpadas do quarto se espatifarem. As meninas levaram um susto e começaram a gritar de medo. E não só isso, houve um curto circuito e o orfanato ficou sem luz. As meninas gritavam cada vez mais. A madre responsável pela direção apareceu correndo, atraída pelos gritos.
- Por Deus! O que houve? – perguntou a senhora.
- Madre, foi a aberração! – disse Olga. A menina de olhar perigoso estava mais inocente do que nunca. A madre nutria certa simpatia pela menina magricela e estava muito inclinada a acreditar em tudo que a menina dizia.
- É verdade, madre. Foi tudo culpa da aberração – reforçou Frida. A madre se voltou para Mel e seu olhar severo indicava que a menina estava com problemas. Uma freira apareceu preocupada:
- Ah, madre. Que bom que eu encontrei a senhora. Você não sabe o que aconteceu. Houve um curto-circuito e todo orfanato está sem luz. Mandei o Xavier ver o que poderia fazer, mas ele disse que talvez possa ser algo grave. Tenho medo de que tenhamos que cancelar o almoço.
As meninas ficaram apreensivas. Cancelar o almoço seria muito ruim. Todos estavam esperando esse dia chegar com muita euforia. Seria uma decepção muito grande. A madre sentiu que precisava tomar uma decisão.
- Irmã Graça, vá e peça ao Xavier que faça o possível para pôr tudo em ordem. Felizmente ainda temos tempo antes dos nossos convidados chegarem. Mas antes, peça à Irmã Alma e à Irmã Sofia para tranqüilizarem as crianças e peça, também, à Irmã Clotilde para ver se há mais algum dano no prédio. Tenho certeza de que tudo voltará ao normal. Meninas – disse para Olga e Frida – vão com a Irmã Graça e você – se direcionando para Mel – venha comigo até a diretoria.
Mel atendeu ao pedido da madre e foi de cabeça baixa. Antes de sair do quarto, ouviu Olga comentando com Frida.
- Espero que a madre expulse essa garota daqui.
Lágrimas começaram a saltar dos olhinhos da menina.
Mel seguia a madre em silencio. Chegando a diretoria, esta abriu a porta e esperou a menina passar. Fechou a porta e caminhou em silêncio até sua cadeira. Sentou-se e ficou refletindo: “Deus, o que eu faço com essa menina? Há anos a aceitei de bom grado, mas não esperava por esse tipo de problema que eu tenho que enfrentar. Uma menina muito bonita, sonho de qualquer casal, mas foi devolvida três vezes! Pais sempre reclamavam de fatos estranhos que aconteciam em suas casas com a chegada dessa menina. Até padre eu chamei para benzê-la e nada. E eu não posso mais expor as outras crianças a um perigo...”
- O que eu faço com você, menina? – expôs seu pensamento em voz alta. A menina estava com o rosto banhado em lágrimas.
- Por... favor... madre... não...me expulsa – mal conseguia falar. Chorava copiosamente.
- Não irei te expulsar. Não posso abandonar-te à própria sorte. Mas também não posso deixar que você machuque as outras meninas. – disse a madre se mantendo séria, sem se comover com o choro da menina.
Um estalo foi ouvido e a luz havia voltado. Gritos de alegria foram ouvidos do lado de fora.
- Bom, felizmente a luz voltou e não teremos que cancelar o almoço. Seria uma tragédia se isso ocorresse. É meu dever garantir que nada de ruim aconteça. Portanto, Melinda, você está proibida de participar do almoço! – a menina ficou por uns instantes em estado de choque e retornou a chorar.
- Não... madre... desculpa...não faço... mais.
- Está decidido! E também pedirei à Irmã Clotilde para pegar suas coisas e levá-las até o sótão. É lá onde você irá dormir de agora em diante. – a menina chorava cada vez mais.
A madre se levantou, foi até a porta e pediu que chamassem a irmã. Irmã Clotilde apareceu poucos minutos depois.
- Irmã, leve essa menina com suas coisas para o sótão. A partir de hoje será a moradia dela. E ela não participará do almoço.
- Mas por que madre?
- É um castigo. Por culpa dela que houve esse curto e quase estragou o almoço.
- Certo. Vamos menina – chamando a atenção de Mel – Com licença, senhora. – e saiu da diretoria.
No caminho para o sótão, Mel pôde ver as outras meninas em fileira. Estavam prontas para receber os convidados. Algumas perceberam que Mel estava passando acompanhada da freira e cochichavam umas com as outras. Pôde-se ouvir: “Foi tudo culpa da aberração”, “Quase estragou o nosso dia”, “Não sei como a madre ainda não a expulsou”. Olga e Frida acompanhavam Mel com o olhar. Mesmo com sabendo que a menina foi castigada, ainda não ficaram satisfeitas. Queriam vê-la fora do orfanato.
*Fim do Flash Back*
Mel ainda estava muito triste. Ainda não tinha parado de chorar desde que entrou na sala da madre. Tinha se escondido dentro do armário velho do sótão na esperança de se sentir protegida. Estava muito sozinha.
- Mel? – a Irmã Alma havia acabado de entrar no sótão. Chamou outra vez e não obteve resposta. Foi atraída pelo barulho do choro da menina e abriu o armário. – O que está fazendo aí, menina? Você não comeu nada desde o café da manhã. A Irmã Graça disse que você nem quis almoçar. Venha, eu trouxe um sanduíche e um copo de leite pra você. – e ofereceu sua mão para ajudá-la a sair.
- Brigado. Mas eu não quero. Não tenho fome.
- Mas você vai comer. Uma menininha como você não pode ficar tanto tempo sem comer. Pode fazer mal. Agora, não discuta. Enxugue essas lágrimas. Não quero ver você chorando.
- É que ninguém gosta de mim, irmãzinha.
- E eu, não sou ninguém? E a Irmã Sofia? E o Xavier? – a freira fez cara de ofendida.
- Desculpa, irmãzinha. É que eu achei que hoje eu iria encontrar um papai e uma mamãe para mim.
A freira suspirou pesadamente. Abaixou-se para ficar da mesma altura da menina. Pegou um lenço e enxugou carinhosamente as lágrimas da menina.
- Mel, você precisa ter paciência. Tenho fé de que você encontrará um papai e uma mamãe e que vocês serão muito felizes juntos. Não perca a esperança!
- Mas ninguém quer uma berração... – falou quase sussurrando.
- Aberração? Quem foi que disse que você é uma aberração?
- Foi a Olga e a Frida.
- Você não deve ligar para o que essas meninas falam. Mas que crianças malvadas! – praguejou inconformada – A diretora ficará sabendo disso. Mel, você é especial. Não se esqueça disso! E tente não deixar que essas meninas aborreçam você. Já viu o que acontece quando você fica com nervosa. Da próxima vez que elas atormentarem você, pode vim falar comigo que eu resolvo. Tudo bem? – Mel se limitou a acenar com a cabeça concordando e isso não foi suficiente para a freira. – Eu quero ouvir sua resposta.
- Tudo bem.
- Agora você irá comer. Quero ver esse prato e esse copo vazios quando eu retornar.
- Sim, irmãzinha.
A freira se levantou e foi em direção da porta. Deu mais uma olhada na menina que havia começado a comer. “Pobre criança” pensou suspirando. E saiu. Tomou o caminho para a diretoria. Lá estavam reunidas com a madre: a Irmãs Clotilde, Sofia, Paulina, Judith e Irene. Irmã Alma chegou no meio da reunião.
- Com licença, madre, irmãs, desculpem o meu atraso.
- Tudo bem, Irmã Alma. A Irmã Sofia já havia nos informado que você se atrasaria. E a Irmã Graça ficou de tomar conta das crianças. – respondeu a madre.
- Como está a menina? – perguntou Irmã Sofia.
- De cortar o coração. Encontrei-a chorando dentro do armário. – respondeu Alma.
- Irmãs, o caso da menina Melinda será discutido depois. – disse a madre friamente. A Irmã Alma e a Irmã Sofia não gostaram, mas acharam prudente não protestar – Agora temos assuntos mais urgentes. Três casais se interessaram por três de nossas crianças.
- Quais crianças? – perguntou Judith.
- A menina Anne, a menina Cora e a menina Heidi. – respondeu a madre.
- Que alegria! Que Deus abençoe essas famílias! – comemorou Paulina.
- O almoço foi um sucesso. As meninas se comportaram bem. Tudo deu certo. E pensar que tudo poderia ser cancelado... – falou Irene.
- Mas não foi. Graças ao bom Deus e ao Xavier – falou Paulina.
- Madre, a adoção é quase certa? – perguntou Clotilde.
- Acredito que sim, irmã. Nossos convidados se mostraram muito empolgados e acho que tudo vai se resolver. Os interessados ficaram de vir na próxima semana para agilizar os papéis. E quero que as Irmãs Irene, Sofia e Judith visitem esses lares para termos certeza de que são adequados para uma criança viver. – As freiras concordaram.
- E a menina Melinda? – perguntou Paulina – Foi realmente por culpa dela que houve o curto, madre? – a madre de semblante sério, pareceu mais aborrecida.
- Foi. – se limitou a responder.
- Temos que fazer alguma coisa em relação a essa menina. E se ela machucar alguém? – perguntou Irene.
- Por Deus! Ela é só uma criança. – falou Sofia.
- Uma criança perigosa. Isso sim! – falou Clotilde.
- O que sugere? Não podemos abandoná-la. – falou Alma ficando irritada com Clotilde.
- A não ser que ela evapore. Teremos que mantê-la aqui. – falou a madre, Alma e Sofia fizeram cara feia com a falta de tato da madre – Não podemos abandoná-la por que é justamente aqui onde abrigamos aqueles que não têm para onde ir. E também não podemos mais colocar o nome dela na lista de crianças para a adoção.
- E por que não, madre? – perguntou Alma.
- Ela já foi adotada e devolvida três vezes. Nunca conseguiu ficar mais que seis meses num lar. O nosso orfanato já estava ficando com má fama. Tive medo que as pessoas pensassem que todas as meninas daqui tivessem pacto com algum fenômeno.
- Pacto? Que absurdo! – protestou Sofia.
- Esses fatos estranhos só acontecem quando a menina fica nervosa ou irritada. Ela não tem culpa. Falei com a menina e ela me contou que Olga e Frida a chamaram de aberração. – falou Alma.
- A sinceridade sempre foi a marca da infância. – falou Judith. Alma e Sofia ficaram chocadas.
- E ela vai permanecer no sótão? – perguntou Paulina.
- Sim. Pelo menos até que eu encontre uma solução. – respondeu a madre.
- Eu tive um pressentimento ruim em relação a essa criança desde quando eu vi aquela moça estranha que a trouxe, recém-nascida, batendo na nossa porta altas horas da noite. – comentou Irene.
- Uma menina tão bonita... Que pena! – suspirou Paulina
- Não acredito nas barbaridades que estou ouvindo. – falou Alma.
- Quero saber o que a madre pretende. Isolá-la no sótão? Nem à escola a menina vai. – questionou Sofia.
- A escola nunca lhe fará falta já que você e Alma estão ensinando-a a ler e a escrever – comentou Clotilde. Judith e Irene pareciam concordar com o comentário e Alma rezou para reprimir a vontade que teve de esganá-las.
- Irmã Sofia, pelo visto, a menina Melinda terá de ficar no sótão até segunda ordem. Tenho informações de que as outras crianças se incomodam com a presença dela. E não irei colocar o nome dela na lista de adoção. Não podemos arriscar o nome desta instituição. Por hora, assunto encerrado. – decretou para impedir o protesto das irmãs – Temos de nos preparar para o jantar. – e dispensou as freiras. A madre estava aborrecida. Para ela, o assunto Melinda sempre dava dor de cabeça.
As freiras se dispersaram. Alma e Sofia foram para a cozinha.
- Você consegue acreditar que pessoas assim se dizem de bem? Como podem tratar assim uma criança com tamanha frieza e indiferença... – Sofia ouvia em silêncio – Como podem tratar aquele anjinho como se fosse um bicho asqueroso? Na saída, ainda ouvimos a Irmã Judith dizer que aqui não era o lugar delas e as outras concordaram.
- Elas têm razão. – falou Sofia.
- Como? – perguntou Alma incrédula.
- Esse não é o lugar dela. Aqui ela nunca será feliz. A Melinda merece mais.
- Tem razão. Vamos rezar para que aconteça um milagre.
A semana foi difícil para Melinda. As Irmãs Alma e Sofia se encarregaram de arrumar o sótão para que o lugar ficasse confortável. As meninas não queriam ficar perto dela. As refeições passaram a ser feitas na cozinha junto com Xavier. O homem sempre conversava e brincava com a menina. Mesmo com as adversidades, Mel conseguia manter um sorriso no rosto.
Outra semana começou trazendo o aniversário da Mel. Dia 2 de maio. Ela acordou contente e desceu para tomar café com Xavier.
- Bom dia, menina. – cumprimentou o homem.
- Bom dia. Sabe que dia é hoje? – perguntou com um sorriso.
- Não tenho a mínima idéia. – respondeu se fazendo de desentendido.
- É o meu aniversário. Tô fazendo 6 aninhos. – e mostrou seis dedos.
- Tudo isso? Nossa, meus parabéns! Vem me dar um abraço. – o homem a abraçou com carinho.
Atrás da porta, Olga e Frida ouviam a conversa.
- Veja Frida. Hoje é o aniversário da aberração. E nós vamos dar um presente pra ela.
- Nós? – perguntou Frida surpresa.
- Sim. Eu tenho um plano. Venha comigo.
As duas meninas foram para o porão.
- Aqui ninguém vai nos ouvir. É o seguinte: nós vamos dizer pra Melinda que ela tem um pai e ele está vivo. – falou Olga.
- Ela tem um pai? – perguntou Frida.
- Não, sua burra. A gente vai inventar um nome qualquer e vamos dizer que ele mora em outra cidade. Tenho certeza de que ela vai acreditar e irá procurar ele.
- Só que não vai ter pai nenhum. – comentou Frida.
- O que importa é que essa aberração estará longe daqui. – falou Olga com olhos brilhando.
- E como faremos ela acreditar?
- Fácil. A madre guarda umas fichas para novas internas. Pegaremos uma e preencheremos do nosso jeito. Vamos!
As meninas foram sorrateiramente até a diretoria e a encontraram vazia. Entraram. Olga foi procurar uma ficha nova e mandou Frida vigiar a porta. Achou uma e foi até a mesa da máquina de escrever.
- Vejamos. Nome: Melinda. O sobrenome penso depois. Mãe? Frida, diga um nome de mulher.
- Hum... Mary? – sugeriu
- Ok. Mary. Mas e o pai?
- Ah! Sei lá... – falou Frida.
- Espera que eu vou ver no arquivo.
No arquivo encontrou uma pasta com muitos recortes de jornais antigos. Abriu-a para ver seu conteúdo e encontrou uma foto de um homem procurado pela polícia há alguns anos atrás. Era um homem de cabelos e olhos negros e um nariz enorme. “Que homem feio!” pensou. Mas imediatamente um sorriso maldoso surgiu em seus lábios.
- É esse! Achei o nome.
- Qual? – perguntou Frida.
- Snape. Severo Snape.
Continua...
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