Capítulo Único
Quando eu tinha cinco anos eu perguntei para a minha mãe de onde ela vinha. Ela, sempre correndo e sem ter tempo pra mim, falava “do céu”, sem nenhuma... Nenhuma magia, sabe? Sem aquela historia maravilhosa que uma mãe costuma dar como explicação para as dúvidas de seus filhos. Ela me respondeu “do céu”, simplesmente, e, por mais que seja o extremo da simplicidade numa resposta, aquilo despertou minha curiosidade. Todas as manhãs, quando o céu ainda estava escuro, eu deitava na parte do telhado que se encontrava do lado da minha janela e ficava olhando para cima, por vezes contando as incontáveis estrelas, por vezes tomando uma deliciosa garoa madrugada. Mas sempre esperando ela cair.
Era como se ela me inspirasse. Meus melhores momentos de infância foram com a companhia dela. Sempre lá, mudando a paisagem. Tão branca que tudo se misturava em sua cor, que ia cobrindo o infinito horizonte que se entendia na minha frente. Tão pura que com gotas de groselha se torna comestível. Tão gelada que realmente congela o momento, não deixando esquece-lo nunca.
A minha adolescência também foi coberta por momentos brancos e puros. Em casa e, em especial, em Hogwarts. As inúmeras e inexplicáveis guerras, bonecos, brincadeiras, corridas, beijos, abraços, fogueiras, músicas acústicas. Tudo congelado a memória. Foram às experiências mais inexplicáveis e ao mesmo tempo, as mais queridas.
Como no quarto ano do Colégio, quando o branco cobriu toda a paisagem que chamamos de Campo de Quadribol. Quando o delicioso frio se apoderou dos quentes corpos dos jogadores. Quando a pureza era apenas representada, “talvez” ironicamente, pelas torcidas, vermelhas e verdes, em graciosas discussões formadas, “talvez” manchando um pouco o branco. Talvez...
Foi ela também que presenciou meu primeiro beijo. Em frente ao Aliança Três Vassouras, cenário branco, Amos Diggory, língua com língua. Sempre achei que aquele fora o meu dia mais quente com a companhia dela.
Você diz que não gosta de frio. Que gosta de sol, de calor, de suor, de bronze, praia. Isso, obviamente, explica o delicioso tom bronzeado de sua macia pele, me fazendo tanto lembrar-me de um surfista. Você é como um porta voz do sol. Quando você se encontra sorridente, alegre, maroto, risonho, seria um dia com aquele calor, gente derretendo pra todo o lado. Quando você está sério, maduro, esperto, é frio. Pessoas tremendo e cobertas por quilos de casacos, grupos de meninas próximas, tentando se auto aquecerem. Talvez por isso eu sempre pensei que nos nunca daríamos certo. Eu gosto do frio e não do calor, já você... Arght, não gosto nem de pensar.
Aliás, não gosto nem de pensar nas nossas diferenças. Você: moreno, perfeito, lindo, alegre, popular, corajoso. Calor. Eu: ruiva, inútil, feia, triste, fechada, sozinha, insegura. Frio. E o que mais me deixa curiosa é o que você viu em mim, o que? Você fala que eu te completo. Eu nunca, nunca teria poder o suficiente pra completas alguém tão completo como você, meu Deus. Sério, às vezes você e suas resoluções me assustam.
E não é nenhum exagero, eu não suporto calor. É nojento. Você derrete feito manteiga, sua feito um porco, passa mal, perde o apetite. Já no frio, tudo é mais gostoso. É gostoso fazer um boneco branco, como é gostoso ficar deitado debaixo de cinco cobertas na sua cama, tomando um chocolate quente e vendo um filme de duas horas de duração.
Um dia desses eu e minha amiga estávamos sentadas na beira do lago, com os pés na água, tentando nos refrescar do maldito calor. Alysson é outra que ama o calor. Morena, olhos verdes, um corpaço. Ela irradiava o Calor Grifinório. Tanto que conquistou o maior garanhão de todos os tempos que Hogwarts já acolheu.
---Sabe, o James realmente quer sair com você.---ela comentou balançando os pés na água, fazendo uma correnteza circular percorrer o lago frio.
---Ele não desiste?---eu perguntei fechando a cara. Ela soltou uma risada e jogou água em mim, com os pés.
---Sabe como ele é.---ela respondeu simplesmente. Simplesmente, sempre. E mais uma vez uma simples resposta despertou minha curiosidade.
Comecei a te observar, dia após dia. Você se tornou mais que um estudo para mim, você se tornou um vício. Eu descobri tudo sobre você, desde os pequenos detalhes. E com o passar do tempo, fui descobrindo sua perigosa beleza interior. Corajoso, fiel, justo, confiável. Quente. Você é tudo o que eu não sou e “talvez” eu tenha entendido as inúmeras vezes que você falou que nós nos completávamos. E tivemos uma conversa agradável nesse período, no salão da torre dos Monitores Chefes, enquanto ela caía lá fora. Acho que foi a única noite branca que eu já perdi naquele castelo.
Mas uma das minhas mais importantes lembranças foi um treino de quadribol. Você era, e continua sendo, artilheiro pivô e capitão do nosso time tão querido e favoritado pela escola. Alysson, que é artilheira, e Sirius, que é batedor, me chamaram para ir assistir o treino deles ao em vez de ficar na entrada da Orla da Floresta. É claro que eu neguei na hora. Mas eles foram tão chatos e ficaram me enchendo tanto o saco que eu acabei cedendo. Dirigi-me para arquibancada e qual não foi minha surpresa ao te ver sentado ali, a três metros de onde eu estava?
---James?---eu perguntei. Olhos arregalados, boca aberta, brilho no olhar. Juro que quase deixei todos os meus livros caírem no chão, ali mesmo.
---Hey, Lily.---ele estava sério. Talvez fosse graças ao horizonte branco e a temperatura baixa que tomou posse do castelo. Ou talvez fosse o gesso branco que lhe cobria o braço direito.---Assistido o treino, hã.
---Pois é.---eu falei ainda embasbacada. Eu não estava preparada para passar três horas praticamente sozinha com ele. Tanto que eu estava com o uniforme e tal, mas estava de chinelo, deixando as minhas pernas à mostra.
---Senta ai.---ele falou tirando sua mochila da cadeira vizinha que ele estava sentado. Eu hesitei por um momento, juro. Mas sua feição estava tão máscula e madura que eu deixei meu material em uma terceira cadeira e me sentei ao seu lado, bem próxima.
Mas para a minha total surpresa, ela não puxou assunto. Ficava sério e sexy, com aquela toca na cabeça, lhe tampando seus rebeldes fios negros, com um moletom preto extremamente grosso e quente, olhando para o treino. Eu, simpática “como sempre”, perguntei, puxando conversa:
---Como foi que você machucou o braço?
Ele, sem desgrudar os olhos de um dos seis borrões que percorriam o ar, respondeu seco:
---Briga.
Eu fiquei com uma vontade danada de dar aquela resposta, mas eu sou simpática, lembra? Pois é.
Três horas da minha vida jogadas fora. Era isso que eu pensei quando me levantei da cadeira, de tardizinha, saindo de perto de James. Quando eu estava a uns seis metros dele, ouvi-o falando “Quer ficar comigo?”. Eu nem me virei e murmurei um simples “não”, sem me dar ao luxo de olhar você nos olhos. Eu nunca te olhava nos olhos. Achava que isso poderia me afetar de algum jeito desconhecido. James apenas sussurrou “Okay” e foi embora, me fazendo travar. Parei de andar e fiquei lá fora mesmo, acompanhada por ela, pensando no que poderia ter tirado toda a sua alegria.
Foi só depois de dois dias que descobri que a briga a qual James havia me falado não era um briga qualquer. Era uma briga que havia separado a maior amizade que eu já havia tido a honra de conhecer. Os quatro Marotos haviam se separado, e parecia que o problema envolvia apenas Sirius, Remus e Serevus Snape, mas a justiça de James havia falado mais alto e ele se envolveu na briga. Fui descobrir ainda mais tarde que a culpa era de Sirius, porque ele havia abusado de Remus de algum modo para aprontar com Snape. Resolvi não me aprofundar no assunto.
Passaram-se dias. Meses. Dois anos. Eu e você conversávamos, sim, todos os dias, mas o humor do assunto e das respostas dependia da temperatura, do nosso humor. Os Marotos graças a Deus voltaram a ser os Marotos e hoje, aqui estou, de pé, na Orla da Floresta. Nevava, mas eu, bem acostumada, não usava a quantia necessária para a temperatura. De pé no meio da madrugada te encarando. Você chegou agora, do nada, e “simplesmente” despertou minha curiosidade com um mais simples ainda “Quer ficar comigo?”.
Era a primeira vez que eu te via sorrindo em um dia de neve. A primeira vez que eu te via no frio sem um casaco, sem xingar a neve. Aquilo mexeu comigo, no fundo.
Você chegou mais perto, e nesse momento eu tive que lhe encarar nos olhos. Eram lindíssimos, num mesclo de verde, castanho e cinza. Grandes e expressivos. Nesse momento eu não me importava com humor, com calor, com temperatura, com neve. Seus olhos eram tudo o que importavam para mim.
Então percebi que a neve poderia ser a mais branca, a mais pura, mas nunca a coisa mais bela do mundo. Seus olhos me afetaram de um jeito muito maior, ah, como.
---Sim.---eu sussurrei. Sem sorrir, sem piscar, sem pensar. Apenas disse, e no mesmo momento senti você se aproximando mais ainda, seu corpo rente ao meu, seus fortes braços me estreitando, seus lábios nos meus.
Aquele beijo poderia ter durado horas, minutos. Mas para mim foram apenas benditos décimos de milésimos de segundos. E nesse tempo eu senti de perto o delicioso calor que James Potter irradiava. Talvez o calor não fosse tão ruim assim... Ou talvez fosse apenas James.
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