Na porta



Impossível estimar o número de vezes que ouvi vozes malvadas dizerem por aí que as pessoas que passam as férias de Natal em Hogwarts não têm família. Mentira. O que esses ignoram é que alguns talvez tenham mais assuntos para resolver aqui do que em suas casas. Ao menos é o meu caso. Foi um suplício conseguir convencer mamãe a me deixar ficar, mas no fim das contas ficou estabelecido que não só eu, mas todos os Weasleys estudantes, ficaríamos hospedados em Hogwarts para as festas. Por causa da guerra. E não por qualquer motivo que possa envolver o Harry e eu, afinal é segredo.

Devo dizer que Hogwarts está vazia nesse período letivo. Nunca havia tomado o trem na Plataforma com tão poucos alunos, mas eu sei, todos sabem, que esse é só o começo de uma nova batalha. Nesse momento, por exemplo, não há ninguém além de mim no dormitório masculino. E o que estaria eu fazendo aqui, no dia 31 de dezembro, quando todas as garotas (que continuaram aqui) estão no dormitório feminino se arrumando para a modesta celebração de Ano Novo? Bastante simples, estou esperando que meu namorado secreto saia do banho.

Mas acho que nunca estive aqui prestando realmente atenção em como é esse lugar. Quer dizer, não é como o dormitório feminino, é até mais organizado. Todas as camas estão impecavelmente arrumadas, pelos elfos-domésticos, é claro, e não há tantos objetos atulhando as cômodas, como em meu dormitório. Não se pode sequer enxergar a superfície das cômodas, com tantas coisas que nós colocamos sobre as mesmas. E o cheiro aqui também é diferente. É madeira, algo como pinho, cítrico e de certa forma inebriante. É o cheiro de Harry.

O som da porta se abrindo desperta minha atenção do cômodo, dirigindo minha vista até a imensa nuvem de vapor saindo do banheiro. Em meio à fumaça esbranquiçada, vejo Harry abanando-a com a mão para que se dispersasse, a toalha verde escura enrolada em sua cintura, em sintonia perfeita com seus olhos. Os cabelos negros e umidamente domados colados à testa, escondendo sua cicatriz, e escorrendo pingos d’água por seu rosto e pescoço.

- Mas... o que está fazendo aqui? – Ele parece assustado, enquanto corre de volta para o banheiro e se esconde atrás da porta, deixando só o rosto corado a minha vista. Oh meu Deus. Eu estou sozinha aqui, parada em frente à cômoda, esperando que Harry saia do banho, e me esqueço que quando alguém sai do banho, não o faz vestido. Sinto meu corpo virar imediatamente, e começo a andar de costas até a porta, de maneira que Harry não pudesse ver o quanto meu rosto está vermelho. Acho que até consigo parecer um vidro de molho de tomate, com essa cara e esse cabelo. Não é só porque um feitiço capitalista conseguiu me convencer a entregar um cartão cantarolante a Harry e, assim, me tornar sua namorada secreta, que eu posso freqüentar assiduamente o dormitório masculino sem me importar se o citado indivíduo está devidamente vestido ou não. Já posso sentir uma nova onda de rubor chegar às minhas bochechas, como se já não houvesse o suficiente.

Chego delicadamente até a porta e a fecho o mais rápido que posso, me encostando à mesma. E então sinto meu corpo escorregar até atingir o chão. Céus! Meu rosto está muito quente. Encosto de leve a bochecha fumegante na superfície lisa e gélida da porta, tentando captar algum ruído em seu interior. Para minha grande surpresa... não consigo ouvir coisa alguma. Bem...talvez Harry não seja tão barulhento assim para se vestir, afinal não é uma garota, não usa saltos, e... Espere um pouco aí...eu conheço essa canção que estou ouvindo! Esse som dedilhado de piano, delicado, seguido por uma voz doce e suave, como um sussurro.. É o cartão. O que dei a ele na véspera de Natal. E ele está ouvindo a canção.

- Hey, Gin? Está aí fora? – mas acho que a voz dele está em algum lugar da minha mente, enquanto sinto-me hipnotizada pelo som. Um sorriso bobo se instala em meus lábios, enquanto fecho os olhos e balanço levemente a cabeça no ritmo da canção, vendo em doces flashes alguns momentos que passei com Harry desde aquele dia. Então, tecnicamente, não percebo que ele já havia fechado o cartão, encerrando, obviamente, a melodia. E também não ouço a maçaneta da porta sendo girada. A única coisa que sinto, no momento, é meu corpo se soltando para trás, o que me faz cair deitada no chão de madeira, cachos e mais cachos vermelhos espalhando-se pelo assoalho. Pisco meus olhos cor-de-mel demoradamente, e Harry me sorri, agachando ao meu lado. Ele fecha seus dedos aquecidos do banho ao redor do meu pulso, e me ajuda a levantar, não sabendo que, na verdade, aquilo só enviaria correntes elétricas por todo o meu corpo, o que me manteria debilmente no chão. Então, ele sorriu, puxando-me pelos dois braços. Levantei, enfim.

- Ah... Harry, escute, eu... desculpe – Eu sequer era capaz de olha-lo nos olhos, então meus sapatos se tornaram muito interessantes, de repente. Talvez meias creme não combinem exatamente com meu tom de pele. Então um som engraçado chega aos meus ouvidos, e quando subo o olhar, encontro um Harry tentando conter o riso e o rubor, sem muito sucesso, devo adicionar. Ele apenas leva a mão à minha bochecha, e a deixa lá por um instante, enquanto encosta o nariz ao meu.

- Esqueça.. está tudo bem.. ao menos todos já desceram e estamos sozinhos aqui...quer dizer, não isso, digo.. p-por você ter gritado e.. – Não consegui esperar que ele terminasse a frase, e contornei seu rosto vermelho com minhas duas mãos. Um estrondo fez com que nos virássemos para a janela do corredor, onde estávamos, e então vemos as nuvens tornarem-se coloridas, em meio a disparos dos fogos especiais de Hogwarts. Volto minha atenção para Harry, e em seus olhos, agora verde-escuros, posso ver alguns daqueles fogos refletidos. E sei que ele pode vê-los nos meus também.

- Feliz Ano-Novo, Harry. – eu digo, já sentindo seus lábios contra os meus, ainda que curvados no sorriso que eu poderia passar a eternidade observando.

- Feliz Ano-Novo, Gin. Te amo. – e mesmo que, no momento, esteja impossibilitada de responder a isso com palavras, sei que poderei dizer a Harry o quanto o amo todas as vezes que quiser, da mesma forma que ele poderá comprovar, abrindo o cartão que dei a ele na véspera de Natal, e ouvindo a doce melodia que dele emana. Acima de tudo... sei que ele vai voltar para mim, sempre. Afinal, o que um feitiço capitalista pode unir, nada poderá separar!








FIM

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.