A Lua Cheia



Capitulo XVII
A Lua Cheia

O entardecer trouxera silêncio ao castelo. Aquela noite seria de estrema apreensão para todos que ali habitavam.
Vega, sua tia e sua irmã Stella olhavam pela janela, acompanhando a pequena procissão de homens que seguia em direção a floresta.
Noah seguia na garupa de Jack, enquanto Eric, Cygnus e seu tio Potter iam cada qual em sua montaria.
O pai preferia não os acompanhar e Stella sabia que ele também observava o movimento, de alguma das outras janelas, acompanhado da irmã e da esposa.
Betel arfava irritada no sofá. Havia resmungado o dia todo sobre a decisão que tomaram. Não gostava nem um pouco de um lobisomem passeando na sua floresta. Havia mandado uma coruja a Felix, explicando-lhe que não deveria ir cavalgar depois do pôr-do-sol, mas não sabia se o rapaz a obedeceria.
Quando finalmente os homens sumiram da vista delas, Vega se virou para a tia que permanecia ao seu lado fitando o horizonte.
-Eles são loucos...
-É... São. – disse a outra encerrando o assunto.
Ao chegarem defronte a floresta, o grupo que cavalgava parou. Sem esperar qualquer ajuda Noah desceu do cavalo.
-Tem certeza que essa magia vai me impedir de sair da floresta, sr. Potter?
-Sim, Richards. Não se preocupe. Você não vai machucar ninguém.
-Queria poder ir com você, meu amigo. - disse Eric, com olhar paternal – Não gosto de imaginá-lo sozinho nesse momento, mas, infelizmente não posso estar do seu lado... Pelo menos não até que eu e o Cygnus consigamos nos transformar em algo para te acompanhar.
Era definitivamente muito estranho ser ele a cuidar de Noah e não o contrário.
-Senhor, continuo achando muito perigosa essa idéia...
-É menos perigosa do que a manobra que fez para salvar a minha irmã, Noah. – disse Cygnus sorrindo – Por isso pare de tentar me convencer a não fazê-lo, ok.
-Tente não se machucar. – disse o príncipe por fim.
-Eu cuidarei para que isso não aconteça, Eric. – disse Jack, descendo do cavalo também.
Noah o olhou surpreso, assim como Eric.
-Volte para o seu cavalo, Jack. Você não vai comigo.
-Vou sim. – ele desviou o olhar da cara fechada que Noah lhe fazia, olhou para Alexander, que permanecia imóvel, depois para Cygnus que acenou firmemente com a cabeça, por fim encarou Eric – Acho que chegou a hora de eu contar-lhe uma coisa.
-Contar-nos o que?
-Ele é um bruxo, Noah... – disse Eric, ainda encarando os olhos de Jack – Não é isso que você ia nos contar?
Lógico que era isso, só poderia ser isso. E Eric tinha que concordar, ser bruxo explicaria muitas coisas que Jack vinha fazendo durante toda a estadia deles ali, principalmente o haver descido de seu cavalo e estar lhes dizendo que ia passar a noite com um lobisomem.
Lancaster abaixou os olhos, envergonhado.
-Sim, Eric. Mas não é apenas isso... – soltou um suspiro demorado e encarou Noah – Também sou um animago.
-E por que diabos você não falou isso antes?! – gritou o loiro, visivelmente irritado com a omissão de Lancaster.
-Não é hora para discutirmos isso, Noah. – disse Eric, num tom mais alto – Jack vai acompanhá-lo e amanhã conversaremos sobre o que ele nos escondeu. – olhou na direção do sol, o último filete de luz estava preste a acabar – Agora vão, não há mais tempo.
Sem discutir os dois viraram-se e adentraram a floresta.
Alexander acenou para que Cygnus e Eric chegassem para trás, levantou a varinha e proferiu o feitiço que os trancafiava na floresta.
Estava feito, quem estava dentro não poderia sair e quem estava fora não entraria.
O grupo virou-se para voltar ao castelo.
Não havia mais nada que pudessem fazer além de esperar agora.
Dentro da floresta, Noah e Jack caminhavam a esmo, um ao lado do outro, adentrando-a cada vez mais. Os dois amigos seguiam em profundo silêncio. O primeiro, temendo o que lhe esperava dali a alguns instantes, e o segundo, a soltar um vago suspiro vez ou outra, num gesto explícito que denota preocupação.
O loiro sentia-se um pouco ofegante e, por um breve instante, voltou-se para Jack e reparou que o amigo estava observando-o com cautela e respirou profundamente.
-Você não deveria ter vindo, Jack. – ele avaliou num murmúrio rouco, ao que Jack parou de andar, observando com mais atenção à face pálida do amigo. – Você não precisava ter vindo, é arriscado, e eu sei que posso enfrentar isso tudo sozinho... Eu...
-Por mais que eu quisesse, não há como eu voltar atrás. – ele sorriu meio de lado, interrompendo-o calmamente. – A barreira em volta da floresta só será rompida pela manhã. Ninguém pode entrar e tão pouco sair dela até lá.
-Você não deveria ter vindo. – ele repetiu no mesmo tom de voz. – E você sabe que corri o risco de ser machucado por mim e também sabe que eu nunca vou me perdoar se alguma coisa acontecer por causa da sua maldita teimosia e minha falta de tato em lidar com ela. – murmurou num ar amargo. – Por que você não se transforma logo de uma vez? – concluiu num leve grunhido.
-Eu só estou esperando o momento adequado. – Jack respondeu num tom extremamente calmo.
-Qual? Quando eu resolver escolher você como meu mais novo jantar? – ele tentou resmungar em resposta, mas sua voz não passou de um leve murmúrio.
Jack apenas conteve um meneio de cabeça, ainda a observar a respiração cada vez mais ofegante e o ar cada vez mais pálido do amigo. Podia ver suas pupilas claras escurecerem gradativamente, tomando uma tonalidade estranhamente alaranjada. A transformação estava próxima.
-Sabe, eu acho que não seria muito difícil dizer: eu estou com medo e, apesar de você ser um idiota completo e não ser de muita utilidade, obrigado por estar aqui. – falou num tom irônico.
-Apesar de eu discordar de você, eu consideraria o idiota e inútil como um grande elogio vindo de você.
Noah soltou um fraco e rouco riso.
-E será que nem em situações como essa você não consegue conter essa sua bendita modéstia? - ele falou pausadamente, já respirando com certa dificuldade. – Isso me dá náuseas, Lancaster.
-Deve ser por isso que você está tão pálido. – ele caçoou de leve, antes de encará-lo de modo sério. – Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Noah abriu a boca para responder, mas tudo o que conseguiu fazer foi deixar escapar um grito de dor. Jack se afastou alguns passos do amigo, só então reparando que a Lua Cheia resplandecia no céu de forma majestosa. Segundos depois, o rapaz dera lugar a sua forma animaga, que agora encarava atentamente o rapaz que se deixara cair de joelhos no chão, agonizante.
O cavalo trotou o chão, demonstrando certo nervosismo. Se alguém lhe perguntasse em que consistia a transformação de um lobisomem a palavra dor não seria o suficiente para expressar tudo o que aquele acontecimento proporcionara.
Aqueles gritos que Noah deixava escapar da sua garganta não representavam somente a dor física provenientes da transformação. Era algo mais do que isso. Era mais do que uma simples dor. Era o lamento da sua parte humana por não conseguir lutar contra a forma grotesca que começava a dominá-la de forma devastadora.
Aos poucos, o corpo humano de Noah fora dando lugar ao lobisomem que agora guardava dentro de si. E um uivo rasgou o grito do rapaz, ecoando de forma agonizante nos ouvidos de Jack, fazendo-o sentir uma sensação estranha que piorava cada vez mais ao lembrar-se que aquele lobisomem era seu amigo.
Ele não negaria a quem lhe perguntasse que não havia sentido medo quando o lobisomem o encarou com aqueles olhos meio alaranjados e havia rosnado para ele. O animago tornou a pisar o chão de modo nervoso e soltou um breve relinchar, esperando qualquer ataque do lobisomem, mas esse não veio.
O lobisomem estava estranhamente quieto, como se farejasse algo no ar. Jack não sabia se ele se aproximava ou se permanecia ali, esperando o próximo passo da criatura.
Optou pela primeira opção, mas parou de imediato quando o lobisomem virara-se bruscamente para trás e saíra em disparada. Jack achou o fato relativamente estranho e seguiu-o, preocupado, mas não precisou de muito mais para encontrar uma resposta pela estranha reação de Noah: naquele exato momento, um novo uivo ecoou em seus ouvidos, e este, definitivamente, não era do lobisomem Noah Richards.
Jack tentava alcançar Noah, mas tudo o que conseguia fazer era manter-se a uma razoável distância dele. Não era de se negar que o lobisomem era muito ágil e a forma com que ele se esgueirava por entre as árvores fazia com que o outro tivesse certa dificuldade em alcançá-lo.
O lobisomem deixou escapar um novo rosnado que se transformou num uivo alto e entoado, mas, pelo que Jack percebera dessa vez, não fora o agonizante de antes. Havia um quê de hostilidade e ódio naquele uivo.
Não demorou mais do que alguns instantes para que Noah saltasse sobre o outro lobisomem que soltara um ganido de dor ao senti-lo cravar seus dentes e suas garras em sua carne. Jack diminuiu o trote até parar por completo, observando os dois lobisomens se engalfinhando sem nenhuma piedade.
Algo lhe dizia que não era para interferir e, por mais que ele recusasse a idéia, lembrar-se de que poderia ter dois lobisomens a persegui-lo e não um não lhe pareceu viável no momento.
O animago, então, limitou-se a observar atentamente a cena, só então notando as sutis diferenças entre um lobisomem e outro. Os olhos de Noah tinham um tom mais alaranjado e o pêlo dele era relativamente mais claro do que do outro, o qual ele rapidamente identificou com sendo o mesmo que havia transformado o amigo naquilo, Slughorn.
O outro lobisomem agora cravara as garras em Noah, que soltou um leve ganido entre um rosnar antes de ser jogado contra uma árvore, deixando escapar um leve uivo de dor. E, mal ele se recuperara do ataque e reparara que Slughorn preparava uma nova ofensiva, Noah se jogou para cima dele, arrancando mais um uivo de dor do oponente.
Se os dois estivessem em suas formas humanas, poderiam ser confundidos com dois homens que estão brigando por causa de uma mesma mulher e, de certa forma, isso era verdade.
Quando Noah avançou para cima de Slughorn ao que parecia a quarta vez, Jack finalmente entendera o que estava acontecendo realmente. O segundo se empenhava em se aproximar ao máximo possível do início da barreira, enquanto o primeiro fazia de tudo para impedi-lo. Ele estreitou os olhos ao notar que não era pretensão do ex-marido de Lynx desistir de causar algum mal a ela.
Quando Slughorn tombou uma outra vez devido a mais um ataque do que lhe pareceu ser um enfurecido Noah, foi que ele finalmente deu ares de cansaço e de que finalmente estava para desistir. O lobisomem avançou mais uma vez para cima do outro, mordendo-o sem nenhuma piedade e arranhando-o com uma espécie de satisfação implícita.
Os olhos do cavalo esboçaram um leve brilho e, segundos depois, Noah uivou enfurecido quando sentiu alguém lhe trombar com força nas costas, virando-se para reconhecer o seu novo agressor. Isso foi à deixa para que o outro fugir meio cambaleante, afastando-se do outro o mais rápido que podia.
Dessa vez não houve rosnados ou uivos e, quando o lobisomem avançou para cima de Jack, o animago reparara que, diferente das reações anteriores, não havia aquela vontade de matar. Aparentemente, o lobisomem percebia que o terreno estava seguro agora, ou melhor, certo alguém estava a salvo agora.
Então Jack olhou na direção da barreira, estavam próximos ao fim da floresta e, do outro lado, ele a viu. Em suas vestes masculinas e os olhos tristes e preocupados. Ela não deveria estar ali, mas pelo visto era impossível colocar limites na cabeça das mulheres Black.

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Essa noite fora mais longa do que eu realmente pensei que ela poderia ser. Jack permitiu-se pensar, já em sua forma humana, enquanto observava displicentemente os raios de sol iluminarem cada vez mais a copa das árvores, anunciando um novo dia.
Noah, que estava deitado ao seu lado, ressonava tranqüilamente, encoberto pela sua capa. Jack sorriu meio de lado quando o amigo resmungou qualquer coisa durante o sono e voltou a mirar o céu, colocando suas mãos sob a nuca e suspirando profundamente.
Sentia-se com o corpo completamente dolorido e havia pequenos arranhões em seu corpo que já estavam com o sangue seco, mas ele não parecia se importar muito com isso, de certa forma, apreciava aquele breve momento em que, ao longe, podia-se ouvir o tímido canto de alguns pássaros e o leve farfalhar das árvores quando seus galhos eram movidos por uma leve brisa.
Talvez ele não esperasse a barreira perder finalmente o efeito para poder ter um bom sono e descanso, era capaz de dormir ali mesmo a qualquer momento. E estava quase conseguindo esse feito se um breve ruído de passos não o despertasse do breve estado de sonolência que ele se encontrava.
Ele ergueu o tronco de forma brusca, reprimindo um gemido de dor e levou as mãos à varinha, temendo que fosse aquele maldito Slughorn novamente. Será que ele não havia aprendido a lição?
A pessoa que se aproximava pareceu entender o estado de alerta, pois, segundos depois ele ouvira a sua identificação, que não passara de um sussurro rouco.
-Sou eu, Lancaster.
Jack riu para si, imaginando que aquilo já era esperado. Colocou a varinha de volta no bolso e, segundos depois, o vulto Lynx Black se fizera presente.
A garota não estava mais vestida com os trajes masculinos da noite anterior, mas os sinais em seu corpo não deixavam dúvidas de que, assim como ele, a morena passara a noite em claro. Havia algumas olheiras ao redor dos seus olhos e a cor deles estava de um cinza muito escuro, além da feição um tanto quanto abatida.
Noah revirou-se novamente ao seu lado e Jack sentiu uma enorme vontade de cutucar o amigo, para certamente rir da reação dele ao acordar e vê-la ali, e mais ainda ao perceber que estava... Ele transformou o riso que insistia em escapar da garganta em um largo sorriso gentil.
-Como ele está? – Lynx perguntou, baixinho. – Eu... Eu vi o que aconteceu ontem, eu... – ela suspirou fundo. – Ele está muito machucado?
-Está tudo bem, senhorita Black. – Jack respondeu num ar sério. – Eu já fechei alguns cortes dele com alguns feitiços de cura, os outros podem demorar um pouco a cicatrizar por serem mais profundos, mas já se fecharam; agora ele só possui alguns pequenos hematomas dignos de alguma preocupação.
-E o maldito Slughorn? – ela quase cuspiu aquela pergunta. Jack sorriu meio de lado.
-Posto para correr como um cachorro com o rabo entre as pernas. – ela sorriu um pouco. – Creio que ele não virá mais para essa área, ao descobrir que a senhorita tem um defensor. – ele lançou um olhar para Noah e depois para a face meio ruborizada da Lynce.
Não que Jack presumisse que ela não tinha visto isso; ele cogitou dizer isso a ela, mas preferiu ocultar o fato de que ele sabia que a morena estivera em frente a barreira a noite inteira.
-Eu vou ajudá-lo a levar o Richards até o castelo. – ela falou num tom ligeiramente formal, como se não importasse muito com o fato, mas seu olhar voltado constantemente para o loiro deitado à sombra da árvore não lhe deixava dúvidas quanto à preocupação da mais velha dos Black para com o estado do seu amigo.
-Temos que carregá-lo, não? – Jack comentou com uma sobrancelha arqueada. – O efeito da maldição cessou há muito pouco tempo, creio que nenhum feitiço dure mais do que alguns minutos em Noah por agora.
Lynx apenas assentiu, enquanto se aproximava do loiro de modo cauteloso. Jack sorriu meio de lado, observando a morena fitar o amigo pressionando o lábio inferior, como se estivesse contendo as lágrimas. A mão delicada da mais velha dos Black correu os seus dedos de leve sobre uma das faces do rapaz, antes dela se voltar para Jack, meio envergonhada.
-Você acha bom acordá-lo? – ela questionou, baixinho.
-Não creio que ele deva acordar tão cedo. – ela o encarou com certa incredulidade. Jack retribuiu o olhar com certa desconfiança e então prosseguiu. – Eu sei que o Noah tem o sono leve, mas creio que qualquer um não acordaria assim tão facilmente depois de uma noite tão cansativa quanto essa, creio que ele, no máximo, deva ficar num estado muito estranho de sonolência e lucidez. – Lynx corou de leve e Jack chegou à conclusão que ela sabia mais sobre o seu amigo do que aparentava saber realmente.
O que aquele maldito estava escondendo dele e de Eric, afinal? Será que o contato do loiro com a morena passara de mais que algumas danças? Sorriu internamente ao pensar que sim.
-Então, é melhor andarmos logo. – ela fez menção de tentar erguer o rapaz pelo tronco, mas foi impedida por Jack. Lynce o encarou com os olhos chispando ao que ele apenas curvou os lábios num malicioso sorriso.
-A senhorita já viu algum rapaz sem alguns dos trajes devidamente adequados, senhorita Black?
Lynx arqueou a sobrancelha, como quem não entende muito bem o fato, mas depois lançou um olhar para Noah e então sentiu o rosto ferver.
-Ele... – ela começou num murmúrio rouco. – Ele está sem... nada aí embaixo?
Jack gargalhou gostosamente ao notar o constrangimento da garota. Sentiu-se incitado a fazer uma pergunta bem indiscreta para Lynx Black, mas preferiu contê-la dentro de si. Certamente a reação ao fato não seria muito favorável para ele.
-Não necessariamente. Mas creio, então, que a senhorita nunca deva ter visto algo desse tipo. – ela apenas encarou Jack firmemente, ao que ele sorri meio de lado. – Não querendo ser indiscreto, senhorita Black, mas... – ele pigarreou quando ela o encarou com certo ar intimidador.
-Não, Lancaster, eu fugi antes disso. – ela o interrompeu num tom arrastado e sibilante. – Nem morta eu... – ela respirou fundo, não completando a frase, ao mesmo tempo em que tentava manter a compostura. – Agora, será que dá para o senhor fazer algo de útil e me ajudar?
Jack arqueou a sobrancelha, lembrando-se vagamente de Vega devido ao tom que Lynce usara. Riu um pouco em resposta.
-Você tem certeza, Black? Ele está...
-Somente com roupas de baixo, sim, eu sei. – ela falou, um pouco corada. – Não deve ser muito diferente do que ver meu irmão assim, não é mesmo?– ela respirou fundo e Jack a encarou um tanto quanto intrigado. – Tudo bem, eu tento não olhar para baixo. Vamos?
O rapaz assentiu, antes de dar de ombros e começar a ajudar Lynx a por Noah de pé. Ambos ajeitaram o rapaz, passando cada braço dele por cima de seus respectivos ombros, ao que o rapaz murmurou alguma coisa e abriu os olhos um pouco, um tanto quanto desnorteado.
-Onde estou...? – ele murmurou num tom meio ruidoso. – Jack...?
-Está tudo bem, Noah. – Jack respondeu calmamente. – Você consegue andar? Nós estamos te levando para o castelo agora.
-Nós? – o rapaz questionou, confuso, encarando Jack com os olhos meio desfocados.
Jack apontou com a cabeça o outro lado e Noah arqueou uma sobrancelha, sem entender muita coisa.
-A transformação levou parte da sua inteligência também? – caçoou Jack, ao que Noah careteou.
-Também não precisa ofender. – ele resmungou, lembrando um pouco o humor matinal que ele costumava ter todas as manhãs, principalmente quando não acordava por si mesmo – Minha cabeça dói como o diabo. Isso é pior do que acordar depois de uma bebedeira daquelas, sabia? – ele soltou um ruído estranho pela boca que lembrava muito um gemido de dor. – Você já teve várias, então, pode fazer alguma idéia de como eu esteja me sentindo agora. E não é só a cabeça que dói, creio que seria mais fácil eu dizer qual parte do meu corpo não está doendo.
-E doeria menos se você continuasse calado, não acha? – Jack perguntou com uma sobrancelha arqueada.
-Está tudo bem com você?
-Está tudo bem, Noah, você não me arrancou nenhum pedaço. – ele falou num ar risonho. – E, antes que você pergunte mais alguma coisa, você também está inteiro. E, não, não... Você não machucou ninguém. – ele sorriu de modo meio misterioso. Noah o encarou como se não acreditasse muito no fato, mas não insistiu no assunto.
-Eu não me lembro de muita coisa que aconteceu ontem à noite. E, nossa, como minha cabeça está doendo...
-É porque você está com febre também. – outra voz soou meio incerta, ao que Noah virou-se bruscamente a fim de encará-la. Jack prendeu o riso ao notar a face do amigo ficar meio rosada e um sorriso brotar em seus lábios. Revirou os olhos, em seguida ao pensar que daqui a pouco o amigo poderia ser capaz de recitar canções para a moça como se fosse um trovador.
Lynx por sua vez, encarava algum ponto mais a sua frente, o rosto meio inclinado para o outro lado, a fim de não encarar Noah. O rapaz esboçou um ar meio intrigado, meio magoado ao que Jack, que ainda o observava, sentiu ganas de rir novamente.
-Olhe para suas roupas, Noah. – ele comentou, quase aos risos. – Ou melhor, à falta delas.
-Jack, seu estúpido, eu ainda vou te matar. – Noah murmurou num tom, aparentemente, derrotado, com os olhos cerrados e com a cabeça meio baixa. Seu rosto estava completamente ruborizado de vergonha.
-Você já olhou para si antes de me dizer coisas desse tipo?
-Será que você não conhece um feitiço para fazer roupas? – ele protestou, indignado. – Que espécie de bruxo você é?
-Eu nunca fui bom em feitiços domésticos, não os conheço muito bem. – Jack falou num tom rápido. – E do que você está reclamando seu parvalhão? Não esta vendo que a capa está cobrindo pelo menos a parte principal? E, não se preocupe, eu e a Black combinamos de pegar uma das passagens para que ninguém, hum, veja você.
-E eu, bem... – ela falou num tom rouco, sem mover a cabeça para nada. – eu não... Eu não vi nada, eu só... – ela pigarreou. – Eu não vi nada. Eu... Eu juro, Richards.
-Você deveria pedir desculpas a ela, Lancaster. – Noah murmurou num ar irritado. – Como pôde permitir algo desse tipo?
-Eu avisei, Noah. – Jack comentou seriamente. – E que parar de reclamar? Quem ouve assim, pensa que você ficaria mais feliz em ter dois homens o amparando do que uma bela moça do seu outro lado. – ele esboçou um ar malicioso quando Noah o encarou com ar de poucos amigos.
-Não ligue para as tolices que meu amigo diz, L... senhorita Black. Ele é um idiota. – ele falou, contudo, sem fitá-la. – Peço minhas humildes desculpas por essa situação... constrangedora.
-T-tudo bem. – ela falou, baixinho.
Os três silenciaram como se tivesse sido anteriormente combinado.
Lynx ainda permanecia com o rosto virado para o outro lado, a fim de não ver nada que poderia ser considerado indiscreto para uma dama.
Noah andava cabisbaixo, suspirando e resmungando de quando em quando.
Já Jack... Bem, Jack observava um ao outro achando ligeiramente divertida toda aquela situação.
Caminharam calados até o castelo. Lynx observou Jack empurrar o quadro da passagem sem muito esforço, antes de ajeitar Noah novamente e recomeçar a caminhar. O loiro permanecia de olhos fechados, como se estivesse cansado demais para falar qualquer coisa e alerta demais para se permitir tirar breves cochilos durante o trajeto.
A morena respirou fundo, se sentindo um pouco mais acostumada com aquela situação. O silêncio que agora se estabelecera entre eles era mais do que reconfortante e ela se sentia aliviada por não precisar responder o porquê de estar ali. Coisa que, ela devia comentar, ela nem mesmo sabia. Para falar a verdade, ela se sentia ligeiramente confusa em relação ao que estava a sentir por Noah. Lynx Black não sabia se aquilo era um sentimento de gratidão por ele tê-la salvado ou se... Ou se era outra coisa.
Fechou os olhos e meneou a cabeça de modo meio brusco a fim de espantar os seus pensamentos e tornou a suspirar. O que ela não esperava era que com esse gesto atraísse novamente a atenção dos dois rapazes para si.
-Aconteceu alguma coisa, senhorita Black? – ela ouviu Jack perguntar num ar que lhe lembrou uma falsa inocência.
Ela se virou para encarar o rapaz bruscamente, sentindo-se envergonhada, mas o fato que viera a seguir fez com que se piorasse ainda mais a situação, afinal, a morena se deparara com o rosto de Noah a poucos centímetros do seu, fitando-a como quem também espera uma resposta.
-Eu... Eu... – ela gaguejou, enquanto repreendia-se mentalmente. Desde quando ficara tão idiota? – Eu só... – ela tornou a repetir, tentando não olhar para um ponto fixo do rosto do rapaz, que a encarava de um modo meio... estranho. – Eu só... – ela silenciou, incerta do que dizer realmente. E, sim, ele tinha bonitos olhos, que agora brilhavam de tal forma que ela era incapaz de descobrir se eram azuis ou esverdeados. Ela sentia uma estranha vontade de chegar mais perto para observá-los mais de perto.
Um pigarreio forte soou longínquo em sua mente e ela piscou os olhos gris, ligeiramente atordoada, voltando a olhar para frente, completamente constrangida.
A ação dela seguiu-se a um estranho acesso de tosses dados por Jack e ela suspeitou que o rapaz estava se controlando para não rir. Noah, por sua vez, suspirou de modo cansado e tornou a abaixar a cabeça.
Um novo silêncio se estabeleceu entre eles, quebrado apenas pelos passos deles ecoando pelo corredor. Lynx seguia o olhar com o queixo erguido, arriscando uma olhadela para Noah de quando em quando, sentindo-se ainda mais confusa.
Ajeitou Noah de modo calmo quando já estavam próximos ao aposento do rapaz, mas, antes mesmo que parasse à porta do quarto do loiro, uma outra se abriu calmamente, dando espaço para um cansado Eric passar.
-Vocês... – ele começou num tom rouco, mas parou de falar ao se deparar com Lynx, que apenas lhe fez uma leve mesura como cumprimento. – Senhorita Black?
-Ela me ajudou, Eric. – Jack respondeu calmamente à feição intrigada do amigo. – E está tudo bem conosco. – ele completou e os dois trocaram um breve olhar e Lynx reparou que Eric sorrira de leve.
-Se quiser descansar, senhorita Black. – Eric falou, se aproximando dos três. – Pode deixar que nós cuidamos dele agora. – Lynx assentiu e permitiu que o príncipe ocupasse o local que ela antes estava.
-Tudo bem que ele possui alguns cortes e hematomas e não fazemos a mínima idéia de como tratar... – Jack parou de falar por alguns instantes e Lynx teve a ligeira impressão de que ele arriscara um sorriso forçado, como quem esconde uma dor repentina. – Então, creio que a senhorita possa contactar um curandeiro para nós?
Lynx ergueu a sobrancelha, ligeiramente desconfiada ante o olhar que Eric e Jack lhe lançavam.
Noah continuava na mesma posição, mas ela reparou que ele estava com a cabeça ligeiramente inclinada para o lado de Jack e que estava com o pé estrategicamente em cima do pé do amigo, como quem tivesse acabado de lhe dar uma dolorosa pisada.
A morena ignorou, é claro, que agora estava a ver um rapaz com uma capa que lhe cobria o peito e que lhe ia até a metade das coxas; e que corara consideravelmente por ter se esquecido desse detalhe e ter-se permitido seguir o trajeto até o fim. Mas, implicitamente, ela não podia negar que havia gostado do que havia visto, mesmo que as pernas dele estivessem ocultas por uma interessante roupa de baixo.
-Um curandeiro não seria necessário e a tia Perse é melhor do que eu no que diz respeito a curar ferimentos.
-Mas o Noah... – Jack tornou a sorrir da mesma maneira. – Tudo bem, nós podemos nos virar. – ele pigarreou e esboçou um ar meio pomposo. – E também creio que seu irmão não ia gostar muito de sua tia cuidar do Noah, não é mesmo?
Ela suspirou, derrotada. Certo, ela tinha que admitir que desde o começo era pretensão dela cuidar de Noah, como forma de agradecimento por tê-la salvado – ela acrescentou em sua mente –, e que, para não parecer outra coisa, decidiu não se mostrar tão interessada assim. E só estava fazendo isso como forma de agradecimento por ter-me salvado, ela repetiu, como que para admitir a si mesma o fato.
Jack e Eric a observavam de forma significativa. Noah ainda mantinha um olhar meio de relance em Jack e, ela cria, ainda pisava fortemente no pé dele. Ela sentiu vontade de rir, mas, por fim, arqueou uma sobrancelha.
-Eu vou falar com a tia Perse. – ela falou num tom vago, mordendo o lábio inferior em seguida e, num girar de calcanhares, saiu rapidamente dali.
Mas ainda chegou a ouvir um resmungo de Noah seguido dos risos prendidos de Eric e Jack quando os dois levaram o amigo para o quarto.

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