Dèjá vu?
BZZISS. BZZISS.
- Desliga essa porcaria, Rony!
Tateei com a mão a mesa de cabeceira. Droga, eu não tinha desligado aquele maldito despertador no dia anterior? Por que a porcaria tinha resolvido me acordar cedo de novo?
Abri os olhos e dei um soco no despertador. Ele ainda fez um último barulho e parou de tocar.
Da cama ao lado, Harry me encarava com uma expressão nada amigável, mas ele estava sem óculos, portanto não me focalizava direito. Ele bufou e meteu a cara no travesseiro.
Eu me virei na cama e observei o teto de dossel. Neville roncou alto. Estranho... eu estava com uma sensação esquisita. Uma sensação como se aquilo já tivesse acontecido antes.
Tolice. Meus pensamentos foram logo desviados para algo que eu queria conversar com Harry.
- Tá dormindo, Harry? - perguntei, sentando-me na cama.
- Se você parar de falar comigo talvez eu consiga.
- Você não vai conseguir. - esquisito... Harry já tinha dito aquela mesma frase, e eu tinha respondido do mesmo jeito... Tentei novamente me concentrar no que queria falar.
Harry se virou para me olhar sonolento. Forçava os olhos para me enxergar sem óculos.
- O que você quer, hein, Rony?
- É sobre... ela...
- Espera um pouco que eu ainda não acordei direito. - Harry falou, sentando-se e esfregando os olhos, para depois colocar os óculos redondos no rosto. - Você quer dizer, o assunto sobre a -
- Você sabe quem é. - eu disse muito rápido. - Harry, ontem aconteceu uma coisa esquisita...
- O quê?
- Depois que você foi embora, sabe... depois que eu joguei o copo d’água em você.
- Espera, espera! - Harry falou com urgência. - Jogou o copo d’água em mim?
- É, lembra? Eu e ela estávamos sozinhos na Sala Comunal, e você estava escondido, tentando fazer com que eu me encorajasse a falar para ela o que sinto... Poxa, Harry, acorda!
Ele me encarou aparvalhado.
- Quem ainda tá dormindo é você, Rony. Que eu me lembre você não me jogou nenhum copo d’água ontem à noite.
Parei por alguns instantes, olhando intrigado para ele. Como não? Uma coisa dessas era muito marcante para eu ter me enganado.
- Deixa pra lá... - fiz um gesto displicente. - Eu queria mesmo te falar que eu tentei falar com ela ontem!
- Com a Mione?
- É! Mas não diz o nome dela alto! - eu disse entredentes, checando se Neville estava mesmo dormindo. - Quantas vezes eu vou ter que te pedir isso, Harry?
Ele revirou os olhos.
- Então você se decidiu a falar com ela? - Harry perguntou.
- É, eu te disse que ia falar com ela na véspera de Natal, Harry... Falei isso ontem para você!
Eu já estava me aborrecendo com a falta de memória do meu amigo. Pior, estava parecendo que ele não prestava atenção ao que nós conversávamos, ou se lembraria dessas coisas.
Harry ergueu as sobrancelhas.
- Véspera de Natal? Hoje é a véspera de Natal, Rony.
Eu gargalhei.
- Andou bebendo, Harry? Tá perdido no tempo, é? A véspera de Natal foi ontem! Hoje é Natal! Por falar nisso, Feliz Natal, cara!
Harry olhou para mim como se eu tivesse sérios problemas mentais.
- Você realmente precisa se livrar desse problema com a Mione, cara. - ele disse sério, enquanto levantava e se dirigia ao banheiro. - Isso tá fazendo mal para a sua cabeça...
Fiquei sentado, paralisado sobre a cama, sem saber o que responder. Tudo aquilo era muito estranho. Muito estranho mesmo.
*******
- Eu já me decidi, Rony. - Harry falou convicto. - Eu vou arrumar uma oportunidade para que você e Hermione conversem a sós, hoje mesmo. Você precisa disso, cara.
Eu estava tão mergulhado nos meus devaneios sobre esse início esquisito da manhã, que nem me dei conta logo de pronto ao que Harry estava dizendo. Nós estávamos descendo as escadas para a Sala Comunal, e eu não conseguia entender como fui confundir os dias da semana. Eu tinha certeza que o dia anterior era a véspera de Natal! Mas parecia que não. A véspera era naquele dia que estava começando. Minha cabeça estava começando a doer.
- VOCÊ TÁ MALUCO? - eu gritei no ouvido de Harry assim que decodifiquei a mensagem no meu cérebro confuso. - Você não vai fazer nada, Harry! Se você aprontar alguma, eu juro que -
- A sua voz tá atrapalhando meus pensamentos, Rony. Aaaarre!!!
Bichento se interpôs no nosso caminho, correndo feito louco atrás de um rato. Harry foi rápido o suficiente para parar antes do pior, mas eu não, e o tropeço, seguido do tombo, foi inevitável.
- Ai...
Minhas costelas doíam como se tivessem sido esmagadas. Eu demorei algum tempo para abrir os olhos. Decididamente eu daria um chute no rabo daquele gato. Já era a segunda vez que eu tropeçava nele! Ele bem que merecia os ratos explosivos de Fred e Jorge...
Quando abri os olhos, vi o rosto invertido de Harry sobre mim. Eu sabia que ele estava louco para rir da minha cara.
- Vai... Ri da desgraça alheia...
Eu escutei as risadas dele depois que seu rosto saiu do meu campo de visão. Dois segundos depois, eu fiquei paralisado ao ver a cabeça de Hermione sobre mim.
- Tá tudo bem, Rony?
Não respondi prontamente. Aquilo já tinha acontecido... já tinha acontecido mesmo. Eu tinha certeza. Sentei-me, ainda um pouco atordoado.
- Tudo... - respondi maquinalmente, ainda achando aquilo muito esquisito. Olhei para Hermione, levemente abaixada e com as mãos postadas nos joelhos. - Erm... tudo bem.
Harry riu mais e mais alto. Olhei dele para Hermione. Forcei a memória. Se bem me lembrava, ela iria me oferecer sua mão depois disso.
- Mas que tombo, hein? O que aconteceu? - ela perguntou, fazendo exatamente o que eu tinha previsto: ofereceu a mão para me ajudar a levantar.
Aceitei a mão dela, ainda abobado. Hermione parecia estar achando curioso o meu comportamento. Harry ainda não tinha parado de rir. Tive a sensação de que Fred e Jorge apareceriam depois disso.
- Andou bebendo, foi, irmãozinho? - Fred perguntou, surgindo atrás de mim.
- Oh, o que mamãe vai pensar disso? - Jorge falou num tom dramático, aparecendo ao lado de Fred. - Imagine, ter um filho envolvido no vício da bebida?
Eu não respondi. Soltei a mão de Hermione, e caminhei até a janela. A neve cobria a cabana de Hagrid, fazendo com que ela se assemelhasse a um bolo coberto de chantilly. Escutei quando a passagem do retrato abriu e fechou para Fred e Jorge irem embora.
Aquilo era loucura! As coisas estavam acontecendo exatamente iguais! Era como se eu já tivesse vivido aquele dia! Mas isso era impossível... Não, só deveria ser uma infeliz coincidência. Era isso. Só isso.
- Eu acho que vou junto com os gêmeos... - Harry explicou, já recuperado do ataque de riso. Ele fazia gestos para mim, e eu sabia que ele só estava arranjando uma desculpa para deixar eu e Hermione a sós. - Vejo vocês mais tarde no café da manhã.
Ele também saiu, e eu fiquei sozinho com Hermione na sala. No entanto, eu estava tão apalermado com o que estava acontecendo, que nem me lembrei de ficar sem graça por estar sozinho com a garota que eu estava gostando. Hermione se aproximou de mim na janela, olhando-me com uma certa preocupação.
- Você bateu a cabeça quando caiu ou coisa parecida, Rony?
Virei-me para encará-la.
- Mione, você já teve a sensação que já viveu uma cena de sua vida?
Ela franziu as sobrancelhas.
- Isso se chama dèjá vu.
- Que seja. - eu falei rapidamente. - Mas isso está acontecendo comigo agora.
- Ora, Rony... - ela sorriu divertida. - Acontece com todo mundo! Não precisa ficar assustado.
- É... talvez.
- Bom dia! - Neville cumprimentou aparecendo na sala.
- Bom dia, Neville. - Hermione respondeu de volta, amigavelmente. Eu estava abobado demais para responder, e Neville se foi. Hermione se virou para novamente me encarar. - Não precisa se preocupar com isso, Rony! Que besteira!
- Talvez você tenha razão. - eu sorri para ela e recebi em troca o sorriso lindo dela. Rapidamente me lembrei de ficar sem graça, e senti minhas orelhas quentes.
- Então, vamos descer também ou você quer fazer mais alguma coisa aqui?
Abaixei os olhos e me lembrei que Harry tinha criado aquela oportunidade para que eu dissesse meus sentimentos a Hermione. Eu não tinha conseguido dizer na noite anterior. Era esquisito isso também. Eu me lembrava de ter começado a falar, mas o relógio deu doze badaladas e, depois disso, eu não lembrava de mais nada. Mas eu poderia aproveitar esse momento, se tivesse coragem...
- Na verdade, Mione... eu queria... te dizer... uma coisa...
- Pode falar, Rony.
Quando eu abri a boca, reunindo todo o ar em meus pulmões, algo me interrompeu.
- Miau!
Tive a visão de Bichento chamuscado após perseguir um rato explosivo. Quando eu e Hermione subimos as escadas para verificar o que tinha acontecido, eu tive certeza de que algo muito estranho estava acontecendo. O dia estava se repetindo.
*******
Girei o cachecol em torno do meu pescoço, sentindo o vento frio raspar meu rosto como uma lâmina de gelo. Hogsmeade estava exatamente como eu me lembrava. Fria, mas não nevava ainda; o chão escorregadio devido ao gelo... Aquilo só podia ser um sonho... um pesadelo. Não era possível que o dia estivesse se repetindo e ninguém soubesse disso.
No café da manhã, a mesma cena aconteceu. Hermione brigou com os gêmeos por causa do rato explosivo e do Bichento tostado. Harry cuspiu suco de abóbora em Gina quando soube que eu não tinha aproveitado a oportunidade que me arranjou com Hermione, e eu pisei no pé dele, instintivamente. Neville derrubou a garrafa de suco de abóbora em Gina quando tentou passá-la para Fred.
Quanto à mim, ainda não acreditava que aquilo estivesse acontecendo. E era só comigo, o que era o mais desesperador. Ninguém, absolutamente ninguém, sabia que o tempo tinha voltado. Eu estava sozinho, e todos à minha volta viviam como se nada de errado estivesse acontecendo. Não era um simples dèjá vu como Hermione sugerira. Era algo mais. Eram muitos dèjá vu’s para ser apenas uma fatídica coincidência. Eu estava começando a entrar em pânico. Começando a achar que estava perdendo minha sanidade.
- Que tal tomarmos algo quente no Três Vassouras? - Harry sugeriu, esfregando as mãos enluvadas. - Faria bem esquentar um pouco...
- Não... Nós ainda nem compramos os presentes! - Hermione falou.
Olhei para ela e tive vontade de dizer que estava congelado demais para comprar presentes, mas me detive, lembrando que já tinha dito isso uma vez. Harry, Hermione e eu nos dirigimos a uma loja de departamentos, e eu parei de andar de frente à porta.
- Melhor não entrarmos aí.
- Eu concordo. - Harry falou. - Não estou com vontade de fazer compras.
- Ah, vocês dois são muito chatos! - Hermione reclamou. - Nós vamos entrar, não quero ter que fazer compras quando já estiver nevando.
- Eu falo sério. - disse eu, segurando o braço dela quando Hermione tentou entrar na loja. Tanto ela, como Harry, me olharam intrigados. - Vamos pra outro lugar, pode até ser outra loja.
Eu realmente já estava cansado de ver as coisas se repetirem na frente dos meus olhos. Queria desesperadamente fazer algo diferente. Hermione ergueu as sobrancelhas.
- Por que você não quer entrar? É a melhor loja de Hogsmeade.
- Sabe, é uma pergunta justa. - Harry falou. - Agora estou curioso para saber o porquê, Rony.
Eu não sabia o que dizer. Não queria falar que apenas queria fazer algo diferente naquele meu dia repetido. Eles iriam me achar loucos, bem como Harry tinha pensado pela manhã quando eu troquei os dias. Inventei uma desculpa qualquer.
- Draco Malfoy está aí dentro.
- Você viu ele entrar? - Hermione perguntou.
- Não. - respondi sinceramente.
- Então como você sabe? - foi a vez de Harry questionar.
Novamente, eu não sabia o que dizer. Hermione falou primeiro, um pouco aborrecida.
- Eu não vou deixar de entrar só porque Malfoy está aí dentro. É só não falarmos com ele!
Hermione entrou decidida, e eu e Harry nos entreolhamos.
- Rony, foi uma boa desculpa, mas você sabe que não cola. A Hermione é muito teimosa. Às vezes ela é mais teimosa que você.
Emburrei a cara.
- Primeiro, eu não sou teimoso. - Harry revirou os olhos. - Segundo, Malfoy está lá dentro mesmo.
Harry suspirou e entrou logo atrás de Hermione. Eu acrescentei alto para que ele ouvisse:
- E ele está lendo "As aventuras de Martin Miggs, o trouxa pirado".
Quase dei um encontrão em Harry quando ele estancou bem na minha frente. Eu tinha acabado de entrar na loja, e pude ver os olhos arregalados do meu amigo. Ele se virou boquiaberto para me encarar.
- Você tem levado Adivinhação muito à sério, Rony.
Olhei para a seção de gibis e constatei o mesmo que Harry via: Draco Malfoy estava mesmo lendo as minhas revistinhas preferidas. Ambos sentimos as mãos de Hermione nos puxando pelas capas.
- Nós só não precisamos falar com Malfoy. E nem deixar que ele nos veja.
Subimos para o andar superior, onde era a seção dos artigos femininos. Dessa vez, eu não reclamei, mas Harry sim. Hermione mandou que nos distraíssemos na pequena seção masculina enquanto ela escolhia perfumes. Mas eu fiquei observando-a enquanto escolhia os perfumes o tempo todo.
- Ei, Rony, se esconde! - Harry falou assim que uma dupla de meninas da Lufa-lufa entrou.
- Besteira... - dei de ombros. - Que nos vejam!
- Você tá maluco mesmo, né? - ele gritou comigo, forçando-me a me esconder com ele perto das bolsas. - Se alguém nos vir aqui, nossas reputações vão direto para o lixo!
Resolvi perguntar a opinião de Harry sobre o que estava acontecendo.
- Harry, você já sentiu como se estivesse vivendo o mesmo dia, duas vezes?
A pergunta pareceu pegá-lo de surpresa.
- Um dèjá vu?
- Hermione disse a mesma coisa.
- Ah... Isso acontece com todo mundo às vezes... - ele fez um gesto displicente, enquanto apanhava um par de brincos sobre a prateleira. - Ei, gostei disso.
Abaixei os olhos para ver.
- É para a Cho, não é? - Harry corou. - Ela está entrando, olha! - apontei para a garota, que entrava junto das amigas da Corvinal.
Harry acabou derrubando algumas bolsas ao vê-la. Rapidamente nos escondemos.
- Você acha que ela vai gostar? - Harry perguntou, enquanto recolhíamos as bolsas.
- Olha, Harry, simplesmente dê o presente. Se ela não gostar, pelo menos você vai ter tentado.
Harry pareceu ter sido pego de surpresa novamente.
- E você? Vai dar um presente para a Mione?
- Algo que não seja livros?
- Como você sabe que eu ia dizer isso?
Dei de ombros.
- Eu não sei mais o que eu quero fazer... Tudo está tão esquisito hoje... Não é um simples dejá-não-sei-o-quê, Harry. Eu sinto como se o dia estivesse se repetindo.
- Você precisa descansar, Rony.
- Do quê vocês estão falando aí embaixo? - Hermione perguntou acima de nós. Tremi involuntariamente.
- Nada...
Levantei para vê-la, e meu rosto se fechou numa carranca assim que vi o frasco de perfume azul escuro nos braços dela. Harry propositadamente derrubou algumas bolsas para longe e foi buscá-las. Eu e Hermione ficamos sozinhos.
- O que você acha? - Hermione perguntou ansiosa, praticamente enfiando o frasco de perfume sob minhas narinas.
- É bom. - eu disse rabugento. - É uma pena que seja para o "Vitinho".
Ela riu.
- E se for? O que você tem haver com isso?
Aproximei-me dela, com um olhar inquiridor. Senti muita raiva.
- O que eu tenho a ver? Tenho a ver que eu... - engoli em seco. Quase tinha falado o que não devia.
- Você...
- Ah, eu não gosto dele. - falei muito rápido. - Ele nem sabe dizer o seu nome!
- Pelo menos ele diz o que pensa. - ela falou carrancuda, tapando o frasco de perfume e saindo, aborrecida. Harry se aproximou.
- E aí?
- Acho que disse uma besteira.
*******
A cerveja amanteigada esfriava à minha frente. A caneca de Hermione também. Já Harry engolia a sua em grandes goles, parecendo estar começando a se irritar por nem eu, nem Hermione, estarmos se falando.
Ela tinha ficado muito brava comigo pelo que eu disse na loja de departamentos. E eu também estava aborrecido. Comecei a pensar, e percebi que não tinha dito nada de mais. Eu tinha o direito de não gostar de Victor Krum, não é? E ele não sabia mesmo dizer o nome dela. "Hermyonini", ou qualquer outra coisa do tipo, era o que ele grunhia. Eu sabia falar o nome dela pelo menos.
Vai ver ela estava assim tão brava porque eu tinha falado mal do namorado dela... Argh, e pensar nessa possibilidade me fazia ficar com mais raiva! Só de imaginar aquele grandalhão bobo se amassando com Hermione, a minha melhor amiga, a... a minha garota!!! Ah, eu já sentia vontade de chutar alguma coisa, e a primeira que me veio na cabeça foi o rabo de escovinha de Bichento.
- CHEGA! - Harry gritou, batendo na mesa, e o líquido dentro das canecas de moveu perigosamente. - EU NÃO AGÜENTO MAIS!
Eu e Hermione nos entreolhamos assustados. Harry se levantou, exalando raiva, olhando de mim para Hermione. Nós nos encolhemos um pouco. Às vezes Harry era assustador sem notar.
- Eu não suporto mais ver vocês dois agindo como bebezões! - ele rugiu. - Isso já passou dos limites! Todo dia é assim? Não sou obrigado a agüentar isso, vocês dois fazem qualquer um subir pelas paredes! Quando vocês deixarem de ser babacas, me procurem.
Hermione e eu assistimos Harry sair do Três Vassouras batendo os pés com força no chão. Hermione se debruçou na janela, e tanto eu, quanto ela, pudemos enxergar Harry se aventurando na nevasca.
- Oh, não... - ela murmurou.
Escorrei um pouco na cadeira, prostrado.
- É. Ele se irritou.
Hermione se virou para me ver.
- Brilhante conclusão. - ela ironizou. Fuzilei-a com o olhar. - Mas, se nos colocarmos no lugar dele, talvez possamos entender... - ela prosseguiu. - Veja só, deve ser complicado nos agüentar quando brigamos. Lembra quando você e ele brigaram no quarto ano? Eu também fiquei numa situação difícil... é bem incômodo mesmo.
Cruzei os braços e a encarei nos olhos.
- Eu não sei. Você e ele nunca brigaram sozinhos para eu saber como é.
- Então imagine. - ela falou. - É difícil, porque nós dois somos amigos dele, e ele fica sem saber para que lado correr. Eu senti o mesmo quando vocês dois brigaram. Eu não queria que nenhum de vocês pensasse que eu tinha alguma preferência. Eu gosto de vocês dois... igualmente.
Eu queria que ela gostasse diferente, mas não me manifestei. No entanto, não notei que sua voz hesitou ligeiramente.
- Ei... - eu disse, me debruçando na mesa. - A gente tá conversando civilizadamente. Isso quer dizer que não estamos mais brigados?
- Acho que sim.
- Ah...
Hermione olhou para a janela.
- Agora estou preocupada com Harry. Está nevando muito...
- Não se preocupe. Harry sabe se cuidar muito bem.
Ela voltou a me olhar, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, uma voz arrastada falou por cima de nossas cabeças:
- Ora, vejam só... O pobretão e a sangue-ruim finalmente assumiram o caso. Não poderia ser um par pior...
Rapidamente me levantei, os punhos cerrados, prontos para socar aquela cara pálida e arrogante de Draco Malfoy. Crabbe e Goyle já se aprontaram para brigar atrás dele. Hermione pôs uma mão no meu ombro.
- É só não escutar o que ele diz, Rony.
- Muito interessante, Granger... - Malfoy disse maliciosamente. - Acabei de encontrar Potter lá fora, congelando... Ele estava bem irritado, sabia? Vocês finalmente disseram para ele que estava fazendo um papel mais ridículo do que o normal segurando vela para vocês?
- CALA A BOCA! - eu gritei furioso, partindo para cima dele e acertando o nariz dele com um soco.
- Rony, não!
Malfoy cambaleou para trás, levando a mão ao nariz, que sangrava. Ele me olhou com ódio e, antes que eu percebesse, acertou um soco na minha boca. Senti o gosto de sangue assim que meu lábio se abriu e o sangue escorreu por cima da minha língua.
- Rony! - Hermione gritou, acotovelando Malfoy para chegar até mim. Ela colocou uma mão no meu rosto. - Você tá bem?
Olhei com fúria para Malfoy, que sorria desdenhosamente. Tentei tirar Hermione da minha frente para poder chegar a ele, mas Madame Rosmerta apareceu bem na hora.
- Sem brigas no meu bar! Sumam!
Depois de lançar um olhar de desprezo para mim, Malfoy chamou seus capangas e saiu do bar acompanhado deles. Abaixei os olhos, frustrado. Hermione levantou meu rosto, preocupada.
- Tudo bem? Não se machucou muito?
Sorri ligeiramente. Só para vê-la preocupada comigo já valia a pena levar um soco de Malfoy.
*******
O relógio marcava pouco mais das onze horas da noite. Hermione e eu estávamos sentados no mesmo sofá, um em cada canto. Não dizíamos nada há muito tempo. E o barulho dela batendo o pé no chão repetidamente estava começando a me irritar. Sem contar que eu estava muito sem graça.
Depois que saímos do bar, Hermione insistiu que eu fosse cuidar do meu ferimento na boca com Madame Pomfrey. Era um corte besta, mas ela estava preocupada, e eu só consegui tirar essa idéia de sua cabeça quando disse que pegaria uma detenção se soubessem que andara brigando com Malfoy. Mas Hermione insistiu em cuidar do ferimento, e eu não me recusei quanto à isso. Não sou bobo.
No final, comecei a pensar que o que acontecera pela manhã, a respeito dos dèjá vu’s, fosse apenas uma coincidência, afinal. O resto da tarde fora inteiramente diferente do que eu lembrava. Se bem que algo martelava na minha cabeça: e se eu mesmo tivesse mudado o que acontecia? Será que, se eu agisse da mesma maneira que tinha feito pelo que lembrava, as coisas teriam sido iguais?
Ou talvez eu tivesse tido apenas um sonho premonitório durante a noite, e soubesse de algumas coisas antes que elas acontecessem. Esse pensamento não me agradava, pois eu nunca fui de acreditar em Adivinhação (quando se tem uma professora como Sibila Trelawney fica complicado acreditar nessas babaquices), mas ainda era mais consolador pensar assim do que imaginar que o dia estava se repetindo.
A passagem do retrato da Mulher Gorda abriu subitamente, e Harry entrou jovialmente por ela. Hermione se levantou, postando as mãos nos quadris, parecendo muito aborrecida.
- Você demorou! Estávamos preocupados!
Harry parou no meio da sala, um olhar interrogativo no rosto. Ele correu o olhar para mim, que revirei meus olhos, e depois voltou a encarar Hermione com um sorriso petulante no rosto.
- Então quer dizer que a "Srta. Estou-de-mal" e o "Sr. Não-sou-teimoso" voltaram a se falar? - provocou sarcástico. - Bom saber.
Hermione bufou longamente. Nem me dei o trabalho de responder. Fui logo me deitando no sofá, encarando o teto. Não adiantava discutir com Harry quando ele se irritava e depois queria dar uma de engraçadinho. Ele ficava simplesmente insuportável. E sem graça.
- Onde você estava? - Hermione perguntou ainda brava.
- Com o Hagrid. - Harry respondeu, servindo-se de um copo d’água em uma jarra. Olhei para o copo e senti o pânico se aflorar dentro de mim novamente: era aquele mesmo copo que eu jogara nele na outra noite. - Ele conversa comigo, ao menos. Não é como vocês, que viram dois chatos depois que brigam.
- Harry, vai dormir e pára de encher! - eu gritei para ele sem olhá-lo.
- Quer saber? - ele retrucou indiferente, postando o copo ainda com água barulhentamente em uma mesinha. A mesma mesinha de onde eu tinha apanhado-o na outra noite. - Eu vou mesmo! Boa noite pra vocês.
Hermione suspirou e se aproximou de mim.
- Deixa de ser folgado! - ela chiou assim que viu os meus pés sobre o lugar onde ela estava sentada antes de Harry chegar. Retirei-os ligeiramente à contragosto.
O silêncio caiu sobre nós, aterrorizador. Comecei a pensar que estava sozinho com Hermione... e isso me deixava nervoso. Eu poderia aproveitar aquela oportunidade, mas nem imaginava de onde tiraria coragem. A primeira coisa a se fazer era quebrar o silêncio.
- E então? Comprou todos os presentes que queria?
Tive a ligeira impressão de que já tinha feito aquela pergunta.
- Sim. Comprei todos. - ela disse satisfeita. - Aliás, comprei o seu e o do Harry, e vocês nem notaram...
- Bah... - resmunguei. - Grande coisa, eu também comprei o seu e o do Harry sem vocês perceberem...
Esquisito... Estava tendo aquela sensação estranha novamente. Mas ela logo foi substituída pelo susto ao ver um visco flutuando sobre nós. Eu sabia muito bem quem estava fazendo aquilo. Meus olhos logo encontraram Harry ao pé da escada, fazendo um feitiço de levitação.
- Mione, tem uma barata nos seus pés!
- Ahhhhh!!! - ela gritou, levantando as pernas para o assento do sofá e cobrindo o rosto com as mãos.
Rapidamente, eu apanhei o copo d’água e joguei em Harry. Só depois que eu notei que já tinha feito isso. Vi Harry me olhar do outro lado da sala muito emburrado e ouvi o som dele indo embora, batendo os pés. Hermione abriu os dedos da mão, de modo que era possível ver os olhinhos castanhos dela me mirando.
- Que barulho foi esse?
- Fui eu matando a barata. - respondi de pronto.
- Ai, que bom... - ela suspirou aliviada, assim como eu. Não tinha certeza se Hermione tinha mesmo medo de barata, e isso foi a única coisa que me ocorreu no momento. Ainda bem que tinha dado certo.
Hermione respirou fundo e olhou cautelosa para o chão.
- Você matou ela mesmo?
- Era... era só uma barata, Mione... - disse eu, já um pouco arrependido de tê-la enganado. Porém, não perdi a oportunidade de provocá-la. - Eu não sabia que você tinha tanto medo... Garotas são todas iguais mesmo... Umas medrosas.
Ela me olhou com um olhar tão assassino, que me encolhi no assento.
- EU NÃO SOU MEDROSA, RONY WEASLEY!
Hermione poderia até não ser medrosa, mas naquele momento, eu era. Fiquei paralisado, encarando-a totalmente atemorizado. Ela respirou fundo e soltou o ar longamente pela boca, levantando-se a seguir. Percebi que não queria que ela fosse embora e segurei-a pela mão. Ela me olhou intrigada e surpresa.
- Não vá. Fique.
Eu realmente não sabia de onde estava vindo toda aquela coragem. Naquele momento, eu não pensei se aquilo já tinha acontecido ou não. Eu só queria estar perto dela. Hermione voltou a se sentar, e eu não soltei a mão dela.
Nos encaramos por alguns minutos, sem dizer nada um ao outro. Minha boca estava seca e minha nuca encharcada de suor. Meu coração batia tão forte e tão rápido, que eu tive receio dele estourar minhas costelas. Na minha cabeça, algo repetia-se: "diga a ela, diga a ela", mas parecia que havia algo na minha garganta que me impedia de falar.
- Tem algo... que queira me dizer? - Hermione perguntou, sua voz carregada de uma emoção que eu não notei no momento, devido à minha perturbação.
- Sim. - disse eu lentamente. - Eu... preciso muito... te dizer... que eu... eu...
- Pode dizer. - os olhos dela brilhavam, e ela parecia ansiosa.
- Eu... - meus lábios tremiam intensamente. - Eu... gosto... gosto muito... muito mesmo... de...
As doze badaladas: era meia-noite mais uma vez.
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