Acompanhar você



Caminho pela grama rala e surrada dos jardins de Hogwarts, o outono havia sido bastante rigoroso e, mesmo agora, que exalava seus últimos suspiros antes da chegada definitiva do inverno, os vestígios de sua passagem eram muito visíveis. Enquanto me dirijo em sentido ao lago, lanço um olhar vago na direção do túmulo de pedra branca que recebera, um dia atrás, o corpo do maior mago que já conhecera.

Dirijo-me à enorme faia que marca sua presença à margem do lago, desprovida de folhas, com seus longos galhos subindo em direção ao céu, como se suplicassem por um pouco de calor, como se ansiassem por um pouco mais de água. Sento-me recostado a seu tronco, e não posso evitar recordar de uma lembrança que presenciei há quase dois anos atrás, na penseira do ex-diretor... acontecera ali mesmo, naquele local que, por uma incrível coincidência, era também o lugar preferido dos marotos... naquele dia meu pai torturara e humilhara aquele assassino, apenas por ele existir, como ele mesmo dissera... havia chegado a sentir pena do seboso, naquela ocasião, mas agora desejava que o traidor tivesse sucumbido ali mesmo, naquele mesmo dia... assim não teria tido a oportunidade de me arrancar uma das pessoas que mais se importara comigo, em toda a minha vida: Snape tivera sua escolha... e escolheu o outro lado.

— Harry! – ouço uma voz me chamar ao longe, não preciso olhar para saber a quem pertence, mas faço questão de admirá-la se aproximando, em uma pequena carreira graciosa e saltitante.

— Harry! – repete Hermione, atirando-se na relva a meu lado, quase sem fôlego, sentando-se colada ao meu corpo e estendendo as duas mãos em forma de concha sobre meu colo – Escolhe uma, Harry!

Olho para aquelas mãozinhas delicadas e macias e as acho maravilhosas, mas ela as sacode para que minha atenção se volte para aquilo que elas contém: só então percebo, caprichosamente embaladas como que para exaltar as especiarias ali guardadas, duas generosas trufas.

Apoio os dedos sobre a mais próxima, que possui a imagem de um morango a enfeitá-la, e olho sorrateiramente para o rosto da menina, de cabelos castanhos, muito crespos e armados, e percebo uma de suas sobrancelhas se altear, em forma de arco. Imediatamente escorrego para minha segunda opção, e consigo captar um leve sorriso desenhar-se em seu rosto.

— Quero esta! – digo, apanhando resoluto a guloseima: o sorriso dela se amplia e se expande pela sua fronte iluminada.

— Sabia que ia escolher a de nozes... é a sua preferida, não? Sorte minha, prefiro a de morango com chocolate!

Olho para a embalagem em minhas mãos e só então percebo a caprichosa imagem de uma noz, enfeitando o papel. Ela apóia as costas no tronco centenário e começa a desembrulhar a prenda, mal conseguindo conter a excitação.


Primeira Nota Mental:
“Um dia vou conseguir entender esta relação singular, que existe entre a mulher e o chocolate, deve ser uma atração digna de uma tese de mestrado, a simbiose perfeita: a mulher precisa do chocolate para viver ou ela vive porque existe o chocolate? Deixo o morango de lado, isto fica para o doutorado!”.


Admiro, extasiado, suas feições repletas de prazer, enquanto mordo, distraído, a minha porção. Ela termina rapidamente e percebo seu olhar fixar-se no pedaço à minha mão, ela desvia o olhar e sinto um leve rubor em sua face.

— Quer experimentar a minha? – pergunto, e me delicio ao vislumbrar sua cabeça sacudindo freneticamente em tom de concordância.

Ela toma minha mão entre as suas e a leva até a boca, desferindo uma gostosa mordida no doce, me deixando com uma fração mínima entre os dedos e... um presente especial: uma amostra de sua saliva junto à minha pele.

— D-desculpe n-não ter o-oferecido da m-minha... – ela diz com dificuldade, ainda mastigando e saboreando a dádiva, escondendo os lábios com uma das mãos.

— Não tem problema... não gosto de morango... – ela me olha com o canto do olho, com uma expressão quase incrédula, por estar ouvindo aquela heresia.

O vento frio, que anuncia a mudança de estação, lambe a superfície do lago e, em sua margem oposta, a lula gigante lança seus tentáculos no ar, tentando talvez, aquecer-se nos pouco cálidos raios de Sol.

A garota parece estar extremamente impaciente, hoje: observo ela mexer nos bolsos e retirar dois pequenos frascos dali. Logo percebo tratar-se de perfume, que ela remove a tampa, uma a cada vez, e aplica nos pulsos: uma amostra para cada um deles. O movimento que ela executa com os braços no ar, para dissipar os resíduos da fragrância que ali ficaram dispersos, faz com que seu corpo todo balance, e sua cabeça jogue para cá e para lá, atirando seus cabelos inconscientemente no meu rosto, onde consigo captar e apreciar seu odor natural.

— Qual dos dois prefere? – ela me diz esticando os pulsos em minha direção – Escolhe um!

Cheiro o pulso mais próximo, aproveitando para segurar sua mão na minha, o perfume é adocicado e delicioso, deslizo meu rosto até o outro braço, ficando agora com suas duas mãos presas às minhas, percebo um leve tremor correr por seu corpo, e o vaivém da respiração em seu peito acelerar-se perceptivelmente. Aspiro a fragrância profundamente, é muito gostoso e, na verdade, não consigo encontrar diferença entre um e outro.

— Este... – inicio a frase, deixando-a propositadamente no ar.

— Este? De maçã verde? Tem certeza?

— Este... não gostei! – finjo que havia sido interrompido antes de concluir – Prefiro o outro! – na verdade prefiro aquele aroma que acabei de sentir emanando de seus cabelos... seu aroma natural... cheiro de Mione...

— Verdade? Eu também... somos tão parecidos, não é? – ela retira a varinha do cós da calça e começa a aspirar do pulso o perfume rejeitado.


Segunda Nota Mental:
“Como as mulheres são fúteis... como supervalorizam assuntos e preferências tão banais para nós, homens... e como adoramos essa futilidade delas... sempre prontos a incentivar seus caprichos!”.


Miro seus olhos cor de mel, e me perco por um instante a admirá-los, inconsciente de que minha expressão pudesse estar sendo tomada por um sorriso bobo. Ela me fita intrigada, tentando descobrir uma razão oculta por trás daquela demonstração de arrebatamento.

— Que foi? – ela passa as duas mãos pelo rosto, tentando tirar alguma coisa invisível que estivesse deturpando sua imagem, e pára com elas segurando um espesso tufo de cabelos – É o meu cabelo? Tem alguma coisa?

Eu me delicio com seu olhar de espanto, ela agora forma um espesso rabo-de-cavalo, segurando-o com uma das mãos, com certa dificuldade, e com a outra conjura, do nada, um bonito espelho portátil.

— Claro que não! – me apresso em tranqüilizá-la – Não há nada errado... está ótimo!

— Estava pensando em mudar... – ela não ouve minhas palavras, e busca novos ângulos para observar sua imagem refletida – Mais liso... quem sabe... de outra cor... talvez...

— Gosto deles assim...

— Que tal ruivo? Você gosta de ruivas, não é? – ela procura parecer desinteressada pelo assunto, como se estivesse dizendo aquilo apenas para preencher o silêncio que, por ventura, pudesse vir a se instalar – Se tivesse de escolher... escolheria a Hermione de cabelos castanho-claros ou... a ruiva?

Cheque-mate! Ela congela abruptamente no ar...não move um músculo sequer... aguardando, olho-no-olho, minha resposta.

— Prefiro você... como você é, Hermione! – consigo demonstrar grande sinceridade ao falar e, não é difícil: neste momento é a pura verdade.

Ela mostra outro de seus sorrisos deliciosos, solta os cabelos e os sacode às costas, cruza as pernas e apóia suas mãos nos joelhos. Me olha de uma forma que faz com que, quem sinta arrepios agora, seja eu.

— É engraçado ouvir você falar meu nome... Hermione... não é um nome bonito... gostaria de poder escolher outro... quem sabe... Ana Carolina... talvez...

— Não!

— É um nome lindo... Ana é tão... singelo... e Carolina é forte... determinado...

— Você é a Hermione... e é de você que eu gosto!

— Como disse?

— Disse que... gosto...do seu nome!


Terceira Nota Mental:
“É preciso enorme cuidado ao falar com as mulheres, normalmente elas não ouvem o que dizemos, mas, se for algo de seu interesse, uma vírgula colocada no lugar errado pode causar complicações terríveis!”.


— Você é um doce! – ela diz e estica o braço em minha direção, a palma macia de sua mão toca meu rosto e faz uma breve caricia, permanecendo afixada ali.

Eu ergo meu braço e coloco minha mão sobre a dela, prendendo-a naquele contato, nossos olhares se cruzam mais uma vez, e consigo sentir a respiração dela invadindo minhas narinas, a aproximação se acentua, enquanto um breve torpor toma conta de meu corpo.

O tempo pára, a brisa já não sopra, não há ruídos, os pássaros já não cantam, não está escuro nem claro, o frio foi embora e o calor não chegou ainda, o céu não está sobre nós e tampouco estamos sobre a grama: só há eu e ela - o resto deixou de existir.

O ribombar de um potente estouro ecoa ao longe, nos trazendo de volta à realidade, me levanto rapidamente, e percebo que o céu está lá ainda, mas está nublado e um pesado manto cinza escuro nos cobre, realmente os pássaros não cantam, mas há ruídos e rumores vindos de longe, não há brisa nem está frio, mas o ar parece estar suspenso em um clima de terror e desespero.

— Harry, olhe! – ela já está de pé, logo atrás de mim, com seu braço por sobre meu ombro, apontando uma visão fantasmagórica ao longe – A Marca da Morte!

Ela tem razão, ao longe, provavelmente sobre o povoado de Hogsmeade, a terrível aparição do crânio engolindo uma cobra flutua maldosa e cruel, estou atordoado: não pensei que Voldemort atacasse tão cedo.

Puxo minha varinha e a mantenho em riste, avanço dois passos em direção aos portões de Hogwarts e estanco repentinamente, ao perceber que ela me acompanha.

— Você não precisa vir, Mione! Deve ficar aqui, segura! Eu não tenho escolha... Não... minto! Na verdade, escolhi combater a Voldemort, pelo que ele me fez e pelo que fez àqueles a quem amo. Meu futuro é incerto... e você não quer ter o mesmo destino que eu!

— Eu sei o que quero, e fiz minha escolha há muito tempo atrás: eu escolhi... acompanhar você!


Última Nota Mental:
“Todos os dias, a todo o momento, estamos tomando decisões sobre pequenas escolhas, mas as escolhas realmente importantes, já as fizemos há muito tempo atrás. Pese com cuidado toda escolha que fizer, pois esta pequena decisão momentânea, pode se tornar uma escolha importante, no futuro”.


FIM












Nota do Autor:
Dedicatórias:

Bruna Malfoy - Porque você é a minha chocólatra de plantão.

Carolinne Claire - Não estou "rasgando seda" com você: acho seu nome bonito mesmo.

Lilica - Porque você existe (só por isso, viu? dãããã...)

Guida Potter - Porque hoje é seu aniversário (aqui no Brasil são 21:00h, ainda)

Atenção: comentários podem viciar e causar dependência! (mas, são tão bons... e serão bem aceitos.)
Rufus Sorcerer

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