Epílogo



Era uma noite escura e cheia de nuvens carregadas durante o inverno suburbano londrino. No céu não se podiam ver estrelas e muito menos o brilho da lua. Apenas nuvens carregadas enchiam a visão de todos que olhavam para cima e fortes ventos indicavam que a chuva não tardaria a chegar.
Passaram anos. Passaram-se, na verdade, muitos anos. Décadas. Aquela noite estrelada e fresca parecia pertencente a um passado remoto de duas outras pessoas. Hermione mal podia acreditar que há tanto tempo ela se decidira se casar com Rony Weasley. Aquela fora a sua decisão mais sábia e que trouxera maior felicidade em sua vida. A bruxa mais inteligente do mundo tinha certeza disso.
Relâmpagos clareavam o cômodo escuro em que ela se encontrava. Uma chuva forte não tardaria mesmo a aparecer. Ela estava sentada em uma cadeira de aspecto confortável, mas não parecia se importar com o tempo lá fora. Tudo o que importava para ela era o grosso livro com uma capa de couro que estava repousando em suas mãos. Hermione olhou para o livro, com demasiado carinho. Podia ler-se em letras gastas douradas sobre a capa: "Como Tudo Começou: a história de Rony e Hermione Weasley".
Um trovão particularmente forte ecoou pelos ouvidos da mulher. Ela estremeceu-se um pouco e olhou de esgueira para uma penteadeira que estava na parede oposta, em frente a ela. Não gostava de se ver refletida assim no espelho. Já estava velha demais para dar aulas em Hogwarts, era o que diziam. Mas ela não se sentia de modo algum velha. A vida havia sido generosa demais para ela, que sentia tão jovem e livre quanto no dia em que ingressou em Hogwarts, aos seus 11 anos.
Voltando a atenção novamente para o caderno em suas mãos, suspirou. Não foi um suspiro desanimado, entretanto. Ela estava apenas se preparando para o turbilhão de emoções e lembranças que ela se sentia, toda vez que abria a capa de couro do livro de sua vida. Cada página, cada foto era uma lembrança diferente. Casa rosto a trazia emoções diferentes. Era uma montanha russa de sentimentos sempre que ela folheava aquele livro. E esta seria mais uma vez.
A primeira foto era sempre a que fazia com que Hermione mais suspirasse de saudade. Lá estava ele, Rony Weasley, com os olhos azuis brilhando de felicidade. Tinha um sorriso enorme em seu rosto salpicado de sardas e abraçava apertado uma Hermione igualmente radiante ao seu lado. Ele estava vestido com o traje formal mais lindo que Hermione jamais vira em sua vida, completamente preto, apenas com uma gravata azul clara destacando na escuridão. Ela se lembrava perfeitamente quando o vira daquele jeito a primeira vez. Aquela visão a tinha tirado o fôlego, literalmente falando.
O Rony ruivo e com os seus 27 anos na foto, abraçava Hermione, rindo compulsivamente e fazia algumas cócegas em sua barriga. Os dois riam tanto que estavam ligeiramente corados e sem fôlego. Ela estava com um vestido branco simples e enfeitado com algumas pedras brilhantes, combinando perfeitamente com a tiara que repousava em sua cabeça, meio desgovernada pelos constantes ataques de riso. Hermione suspirou mais uma vez, olhando para a sua imagem jovem e completamente cheia de vida. O dia de seu casamento com Rony, numa tarde de verão depois de um ano de noivado foi o dia em que se sentiu mais feliz em toda a sua vida.
Com os olhos começando a ficar embaçados pela emoção, Hermione virou a página, a tempo de ouvir mais um trovão do lado de fora da janela. Estremeceu pelo barulho alto, mas voltou sua atenção rapidamente para a segunda foto, onde quatro pessoas acenavam freneticamente para ela: ela mesma, com felizes 27 anos, ainda em seu vestido branco; Rony igualmente vestido à anterior; Harry com trajes formais ao lado de Rony sorrindo abertamente e, finalmente, Gina com um vestido rosa claro ao lado de Hermione, no outro extremo da foto.
Hermione lembrou-se de como acabaram tirando aquelas duas fotos. Hermione e Rony estavam conversando distraidamente à espera de seus padrinhos de casamento para começar a sessão de fotos e Harry pediu ao fotógrafo que os flagrassem espontâneos, daquele jeito. Nenhuma outra foto era tão natural quanto aquela primeira e era por isso que Hermione a colocara em primeiro lugar. Depois, quando Harry e Gina apareceram, com rostos inocentes, os quatro amigos tiraram a segunda foto. E dela sucederam-se outras inúmeras fotos, do casal mais feliz do mundo com todos os seus convidados.
As nuvens escuras cobriram todo o resto de luz que estava entrando pela janela do cômodo, e Hermione não pôde mais enxergar o livro que havia a sua frente. Com a expressão de chateação, Hermione tateou uma mesinha que estava ao seu lado e achou sua varinha que repousava por ali. Sussurrou “lumus” e um fraco jato de luz saiu de sua varinha, clareando suas vistas novamente. Mais uma página virada e Hermione viu os mesmos quatro amigos, numa tarde ensolarada meses mais tarde fazendo o que parecia ser um churrasco, em um quintal gramado.
Sorrindo lembrou-se do dia em que ela e Rony decidiram se mudar de seu apartamento em Londres para uma casa simples e calorosa em um vilarejo próximo à cidade. Era um lugar calmo e acolhedor, mais isolado do centro agitado da capital, mas era também livre de olhares curiosos de trouxas todos os dias. E o principal motivo que fizeram Hermione e Rony escolherem aquele lugar foi que Harry e Gina moravam por ali. Na casa ao lado, para ser mais exata. Assim, Rony e Harry não se sentiriam tão sozinhos enquanto as suas mulheres trabalhavam em Hogwarts, durante o dia. E era um lugar perfeito para se formar uma família.
Família. Essa era a palavra que melhor descrevia a foto que Hermione tinha agora seus olhos cheios d’água fixos. Lá estava ela, deitada em uma cama larga de casal, com Rony sentado ao seu lado e entre seus braços um montinho de pano rosado, com pequenas mãzinhas brancas e um rostinho rechonchudo à mostra. Hermione não esperava pela gravidez com apenas um ano de casamento, mas achou a surpresa perfeita. Ela e Rony não precisavam planejar por nenhuma felicidade que os cercava. Aparentemente, o destino por si só já cuidava para que o amor prevalecesse no final.
Olhando para aquele bebê tão pequeno e fofo, Hermione não teve como não sorrir. Mesmo tendo que se ausentar de Hogwarts durante o primeiro ano de vida de sua filha e de Ron, nada poderia ter lhe trago tanta felicidade. “Minha filha com o Ron!” não parava de pensar desde que descobrira a sua gravidez. No dia em que a menina nasceu, Rony insistia que a chamassem de Molly, em homenagem à sua mãe. Mas Hermione achou que seria por demais confuso para uma garotinha ter o mesmo nome que sua avó. E acabaram por batizá-la como Sarah Weasley.
Depois de alguns meses Hermione não tinha dúvidas que Sarah era uma autêntica Weasley. Cresceu com um cabelo avermelhado, numa cor completamente idêntica aos cabelos de Rony, com a pele clara e salpicada de sardas pelas bochechas. Herdara de Hermione apenas os fios enrolados dos cabelos e, como descobriram mais tarde, a mesma inteligência e vontade de ler livros. Mas quem olhasse de longe veria que Sarah era uma cópia feminina do filho mais novo de Arthur e Molly Weasley. Rony fora, como era de se imaginar, um pai completamente superprotetor e excessivamente “babão”, nas palavras de Gina.
Hermione passou mais uma página e observou as pessoas que acenavam para ela na foto. Rony, com um sorriso de pai orgulhoso ao lado dela, ainda com alguns quilinhos a mais por conta da gravidez. Sarah estava em seu colo, com apenas alguns meses de vida, com um sorrisinho aberto no rosto rosado. Ao lado da nova família Weasley, estavam os três membros da família Potter: Gina abraçada a Harry, que carregava em seus braços um garotinho que aparentava estar por fazer um ano. O filho de Harry e Gina nasceu um pouco antes de Sarah e ganhou o nome de Thiago Potter, como se era de esperar de Harry. As duas famílias vizinhas formavam uma família só, onde a amizade e o amor superavam tudo.
Um barulho forte de gotas batendo contra o vidro invadiu o cômodo onde Hermione estava, iluminado apenas pelo feitiço que saía de sua varinha. Finalmente começara a chover. Hermione se ajeitou em sua poltrona e virou novamente a página, revivendo todos os momentos que aquelas fotos lhe traziam memória. A próxima foto era já bem distante do dia em que a foto anterior fora tirada. Ela se lembrava exatamente daquele dia, e olhou com ternura pras duas crianças que pareciam envergonhadas e orgulhosas ao mesmo tempo.
Sarah mal tinha completado 11 anos quando recebeu a carta que fora admitida em Hogwarts. Thiago recebeu também a carta de admissão, e tinha completado 12 anos um pouco antes do dia primeiro de setembro. Antes de embarcarem no Expresso de Hogwarts junto com todos os primeiranistas, Hermione e Gina conseguiram fazer os dois primos pararem quietos a tempo de tirar a foto. Os dois estavam vestidos com uniformes de Hogwarts todos em preto, porque ainda não sabiam a que casa pertenceriam. Não foi muita surpresa, no entanto, quando foram selecionados para a Grifinória.
Hermione e Gina continuaram dando aulas em Hogwarts, mesmo depois que seus filhos ingressaram na escola. Hermione voltava para a sua casa, todo dia após o horário de suas aulas, para fazer companhia a Ron. Gina fazia o mesmo, em companhia a Harry. Sarah e Thiago permaneciam todos os dias na escola, como todos os outros alunos. Aliás, os dois grifinórios amavam tanto aquela escola, que não poderia ser diferente.
Hermione se lembrava como se fosse apenas ontem do primeiro dia de aula que dera para a sua filha e seu sobrinho. Ela andava de um lado para o outro da sala, explicando aos alunos excitados como a disciplina de Defesa Contra as Artes das Trevas era importante no mundo dos bruxos, e como muitas guerras já haviam sido travadas por bruxos que buscavam o poder acima de qualquer outra coisa.
A professora observava discretamente a filha, de cabelos ruivos cacheados, que parecia estar respirando cada palavra que a mãe dizia. Ela se lembrava, com um suspiro de saudade, como ela se sentiu em seu primeiro dia de aula em Hogwarts, em como ficara presa a cada palavra que o medroso Professor Quirrel dizia, em como ficara fascinada com aquele mundo novo. Nesse momento de distração não percebeu, no entanto, que o sobrinho estava com a varinha erguida em punho.
Um flash vermelho ecoou por toda a sala, e Hermione virou assustada para o causador do feitiço. Thiago Potter ainda estava com a varinha apontada para um menino da Sonserina, que parecia estar prestes a desmaiar com o feitiço. Antes que alguém pudesse fazer qualquer coisa, o garotinho sonserino desabou de sua cadeira no chão e Thiago sorriu vitorioso. Ainda chocada, Hermione colocou em seu rosto uma expressão muito severa, levou o garotinho sonserino para a Ala Hospitalar, e voltou para a sala para tirar maiores explicações do sobrinho. Ela ainda se lembrava da expressão marota no rosto do garoto, que dizia, sem hesitar:

“- Mas, tia, aquele sonserino caçoou da Sarah!
- Lembre-se que aqui sou a Professora Weasley. – respondeu Hermione, mais ríspida do que realmente estava. Com um suspiro, imaginou o que o filho de Gina Potter e neto do verdadeiro maroto Thiago Potter ainda aprontaria naquela escola. – Não me importa como o garoto te provocou, Sr. Potter, atacar alunos desarmados e em horário de aula é totalmente contra as regras. Detenção, hoje às oito horas em minha sala, entendeu?”


Hermione chegou em sua casa naquele mesmo dia e encontrou Ron, Harry e Gina sentados em poltronas na sala, conversando. Quando contou a “marotice” do sobrinho, ela se lembra exatamente do rosto de cada um dos três amigos. Harry mantinha em seu rosto uma expressão preocupada, mas seus olhos pareciam brilhar de orgulho por saber que seu filho estava saindo exatamente igual ao avô; Gina não disfarçava nenhum pouco a animação de seu filho já saber estuporar outro aluno no primeiro dia de aula; Ron manteve-se calado, mas Hermione sabia que ele apenas não apoiava o sobrinho porque isso a contrariaria. Suspirando vencida, ela sentou-se ao lado do marido, e esqueceu-se dos problemas de Hogwarts.
Hermione piscou os olhos vagarosamente, tentando deixar as lembranças fluírem por seus pensamentos livremente. Estava com as vistas cansadas, de tanto forçar-se a enxergar as fotos daquele álbum apenas com a luz fraca que vinha de sua varinha. Trovões fortes agora iluminavam o céu escuro de fora da janela todo o tempo. A noite estava ficando cada vez mais fria e um tremor passou pelo seu corpo. Com um aceno rápido de sua varinha, as portas de um armário no outro canto do cômodo em que se encontrava se abriram rangendo, e um confortável casaco de lã pousou sobre o seu colo. Vagarosamente, ela se abrigou sob a vestimenta e voltou a sua atenção para o livro em suas mãos.
Com um murmúrio, ela fez sua varinha iluminar novamente sua visão. Passando mais uma página, viu uma foto que a fez sorrir. Lá estavam Sarah e Thiago novamente, vestidos com trajes de gala em seu quarto ano, prontos para entrarem no Baile de Inverno. Sarah usava um vestido azul claro que lhe lembrava muito o vestido que ela mesma havia usado em seu quarto ano, e não poderia estar mais bonita. Thiago estava de braços dados com ela, e assim eles, sorridentes, acenavam para a foto sem parar.
Durante os anos que se passaram em Hogwarts, Thiago e Sarah acabaram se tornando grandes amigos, mais do que primos. O maroto Potter continuava aprontando mais a cada semana, dando jus ao nome do avô. Aliás, ele provavelmente só não ganhou tantas detenções quanto o primeiro Thiago Potter ganhara em toda a história de Hogwarts, passando até mesmo de seus tios Fred e Jorge. Sarah a cada dia que se passava, mais se parecia com Hermione Granger, a sabe-tudo da Grifinória que odiava quebrar regras. Mas, mesmo com personalidades tão diferentes, a amizade dos dois primos parecia sempre aumentar.
Thiago sempre fora o protetor de Sarah e esta, por sua vez, era a única pessoa que colocava um pouco de juízo na cabeça do moreno. Hermione imaginava que ele só passava todos os anos em disciplinas como Herbologia e História da Magia porque sua filha lhe emprestava suas anotações. Uma cena meio familiar. Cada um tinha seu próprio par para o Baile de Inverno, mas fizeram questão de tirar pelo menos uma foto juntos. Hermione sorriu, lembrando-se de seu próprio Baile. Rony estava completamente ridículo naquele traje velho que sua mãe mandara e mesmo assim ela trocaria Vítor Krum por ele sem pensar duas vezes.
O vento forte do lado de fora da janela provocava barulhos que mais pareciam murmúrios de fantasmas agourentos, mas Hermione parecia estar alheia ao mundo a sua volta com aquele álbum de fotos em suas mãos. Sempre quando se concentrava em alguma coisa, perdia-se do resto do mundo. Era como ela era. E isso talvez fosse a razão do tamanho ódio de Rony pelos livros. Ele jamais aceitava o fato de que Hermione podia trocar sua companhia por algumas horas de leitura.
A próxima foto não era muito distante da anterior. Era uma tarde durante as férias de inverno do quinto ano de Sarah e Thiago. Estavam as duas famílias dentro da aconchegante sala da casa de Harry e Gina, parecendo parcialmente entediados com a grande quantidade de neve que caía do lado de fora. O Natal havia passado a alguns dias e o frio era tão grande que nada mais se podia fazer do que tomar um chocolate quente e sentar-se perto de uma lareira acessa. E era isso que eles faziam.
A Hermione da foto estava sentada no canto de um grande sofá, completamente absorta em um livro que a Hermione atual não pôde identificar. Ela podia ver seus olhos indo de um lado para o outro na página, como se respirasse cada letra impressa ali. Sua caneca de chocolate quente estava esquecida na mesa de canto, já fria. Ainda no grande sofá, Rony estava sentado conversando animadamente com Harry e Gina. “Sobre quadribol provavelmente”, era o que a Hermione da foto imaginava, pois não prestava atenção realmente no que eles diziam. Rony, de tempos em tempos lançava olhares furiosos ao livro em suas mãos.
Thiago e Sarah estavam sentados no tapete macio ao centro da sala, com um tabuleiro de xadrez-bruxo entre eles. Thiago parecia muito animado e lançava sorrisos a cada cinco segundos a sua adversária, mas Sarah tinha um olhar entediado. Se Hermione não estivesse tão absorta em seu livro teria achado toda aquela cena muito estranha, pois sua filha era apaixonada pelo jogo bruxo, assim como seu pai, e normalmente era Thiago que acabava entediado se ficasse trancado em casa por muito tempo.
A Hermione atual sorriu ao lembrar o verdadeiro motivo das atitudes estranhas de sua filha e seu sobrinho. Os dois adolescentes da foto tinham suas canecas de chocolate quente ao lado do tabuleiro e um prato do cookies feitos por Gina. Quando Thiago e Sarah se adiantaram para pegar um cookie ao mesmo tempo e suas mãos acidentalmente se tocaram, Thiago sorriu constrangido, corando levemente e Sarah parecia se camuflar em seus cabelos de tão vermelha que ficara. Os dois afastaram-se rapidamente e Sarah lançou um olhar de esguelha para a mãe, que não percebera nada.
Quando finalmente a neve cessou e a família Weasley pôde retornar a sua casa, houve uma grande confusão. Enquanto Hermione murmurava alguns feitiços durante a preparação do jantar, Rony andava de um lado para o outro com rosto contorcido em contrariedade. Sarah havia subido ao seu quarto, ainda parecendo entediada. Hermione se lembrava de cada pequeno detalhe de toda a cena que se desenrolara.

“- Diga logo de uma vez o que você quer Ronald! – Hermione disse ríspida ao marido, que a irritava com aquela careta contorcida e nenhuma palavra.
- Não me chame de Ronald, Hermione. – ele respondeu grosso. – Você sabe muito bem que eu não gosto!
- Eu te chamo do que eu bem entender. – ela rebateu ainda irritada. Ela cortava as cebolas com uma fúria nada contida. – Me diga por está me olhando enviesado o dia todo.
- Oras, ainda me pergunta por quê? – Rony andava até o armário e pegava uma pilha de pratos e distribuía na mesa. Parecia tão distraído que nem ao menos se lembrava de usar magia. – Nós passamos o dia todo na casa de Harry e você não desgrudou os olhos daquele livro idiota!
- Não é um livro idiota Ronald. – ela respondeu colocando a cebola triturada em uma panela. – Qual é o problema em lê-lo?
- Não tem problema nenhum. – respondeu Rony contrariado. – Só não precisa ficar lendo ele ao invés de passar a tarde conversando com seus amigos e seu marido.
- Ah, faça-me o favor Ronald. – Ela virou para encarar o marido, esquecendo-se completamente das panelas. – Nós dois sabemos muito bem qual é o motivo desse seu ataque de ciúmes! Eu sabia que não devia ter aceitado a proposta de Vítor!
- Isso não tem nada a ver com o Vitinho, Hermione! – as orelhas de Rony se fundiram aos seus cabelos, mas Hermione não sabia se era de vergonha ou raiva. Os dois se encaravam tão furiosamente que não perceberam a fumaça preta saindo da panela ao fogão, muito menos que Sarah entrava na cozinha com o rosto lívido, parecendo muito nervosa. – Nós somos sua família! Eu sou seu marido! Você poderia largar seus montes de livros velhos e nos dar atenção de vez em quando! E eu não me importo se você resolver escrever nem dez biografias sobre o Vitinho! Não me importo!
- Umn... mãe? – Sarah tentou capturar a atenção de Hermione, que ainda ignorava as panelas as suas costas. Um cheiro de queimado começava a encher a cozinha, mas nenhum dos dois adultos pareceu perceber.
- Pare de agir como uma criança Ronald! – Hermione ignorou o chamado da filha. – Você parece um adolescente chamando o Vítor assim e...
- Eu não sou uma criança! – Rony falava ao mesmo tempo que a mulher. Os dois praticamente gritavam. – Eu só não entendo porque você aceitou essa idéia idiota de escrever sobre a vida daquele...
- Mãe? Pai? – Sarah tentava a todo custo chamar a atenção de seus pais, mas eles pareciam mais concentrados em continuar discutindo para perceberem a fumaça preta e o cheiro de comida queimada que dominava a cozinha. Com o rosto contrariado, Sarah resolveu tomar uma atitude drástica. Então gritou. – EU E O THIAGO ESTAMOS NAMORANDO!!!

O resultado foi imediato. Rony e Hermione deixaram de se encarar com fúria para encarar a filha com os rostos muito surpresos. Sarah parecia prestes a vomitar. Hermione lançou alguns feitiços e a fumaça e o cheiro de queimado desapareceram, mas ainda encarava a filha com uma expressão analítica. Rony olhava os olhos castanhos da filha, ainda boquiaberto, parecendo digerir a informação. Sarah estava com o rosto agora ligeiramente esverdeado.

- O QUÊ?! – o grito de Rony foi ouvido muito bem pelos vizinhos e, aparentemente, sogros de Sarah. Hermione tentou esconder um sorriso, olhando preocupada para o marido. Sarah parecia se encolher sob o olhar furioso do pai.”


Depois de muita confusão envolvendo um Rony furioso tentando socar um Harry assustado, murmurando coisas como “...os Potter e suas manias de roubarem minhas garotas...” ou como “...fixação idiota por ruivas...”, Sarah e Thiago acabaram contando aos pais sobre como acabaram se apaixonando um pelo outro. Hermione e Gina sorriam deliciadas pela história, Harry parecia preocupado pelo fato de seu filho e Sarah serem primos em primeiro grau e Rony assistia a tudo emburrado. Mas, no final, o ruivo de olhos azuis encarou o sobrinho com muita seriedade e deu de ombros, parecendo conformado. Sarah abraçou o pai, com um sorriso enorme, e depois abraçou sua mãe, pedindo desculpas por ter mantido toda a história em segredo. Foi assim então, que as duas famílias se tornaram, finalmente, uma só.
Um barulho do outro lado do quarto escuro tirou Hermione de suas lembranças. Ela olhou para onde imaginava ter ouvido o som, encarando a escuridão em silêncio. Durante alguns segundos, mal se podia ouvir sua respiração sobre o barulho intenso da tempestade do lado de fora, e do vento violento que assolava as janelas. Se dando por vencida, finalmente, Hermione voltou a sua atenção para o álbum de fotografias em seu colo, ainda iluminado apenas pela luz fraca de sua varinha. Ela virou a página sorrindo. Já sabia qual era a próxima lembrança guardada ali.
Era um final de tarde em um verão alguns anos mais tarde da última foto. O Sol já se preparava pra sumir no horizonte e um vento tranqüilo esvoaçava os cabelos de todos e refrescava o clima insuportável de calor. O casal ao centro da foto sorria como se aquele fosse o dia mais feliz de suas vidas: um rapaz ligeiramente alto, um pouco magro demais com seus cabelos desgovernados e uma ruiva de olhos castanhos penetrantes, com um sorriso de dentes perfeitos e cabelos cacheados presos delicadamente. Era o casamento de dois primos que se amaram desde o primeiro dia de suas vidas, Thiago Potter e Sarah Weasley. Sarah Potter a partir daquele dia.
Ao lado do noivo, Harry e Gina acenavam completamente felizes. Harry já tinha sinais grisalhos em seus cabelos, igualmente desgovernados aos de Thiago e Gina parecia, se possível, tão ruiva e jovem como a nora. Ao lado de uma Sarah prestes a explodir de felicidade (com os olhos brilhando de lágrimas), estava Hermione, com um sorriso e olhos brilhando idênticos ao da filha. No canto da foto, estava Rony, completamente charmoso em seu terno e com cabelos ainda totalmente ruivos. Seus olhos, no entanto, pareciam estar profundamente mais azuis. E eles ficaram cada vez mais profundos ao longo dos anos. Rony parecia dividido em sorrir ou ficar mal humorado. Sua filhinha havia crescido e tinha encontrado um caminho a seguir.
Um raio particularmente alto caiu próximo dali, enviando uma claridade imensa pela janela para dentro do quarto de Hermione. Poucos instantes depois, pôde-se ouvir um trovão alto e ensurdecedor, que parecia fazer todos os móveis do cômodo tremerem. A mulher de olhos castanhos suspirou cansada. Ela não gostava nem um pouco de tempestade como essa que começaria a cair. Decidindo deixar o resto do álbum de fotos para outra oportunidade, Hermione o fechou com cuidado e, com sua varinha, o guardou em uma caixa bem protegida no topo de seu armário. Lentamente, mais por causa da idade do que por qualquer outra coisa, ela se dirigiu para o centro do quarto, de onde vinha a sombra de uma grande cama de casal.
Tirando o casaco de lã que estava usando, Hermione colocou sua varinha na mesa de cabeceira e afastou os grossos e quentes edredons para se deitar. Um murmúrio frustrado do outro lado da cama chamou a sua atenção, e ela sorriu. Um sorriso que nada tinha a ver com a sua atual idade de professora aposentada, mas sim um sorriso de uma jovem completamente apaixonada. Deitando-se na cama, Hermione se aproximou de um monte de cobertas inquieto, e falou com uma voz baixa e doce.

- Com medo de raios Ron? – o marido, que estava praticamente coberto pelo edredom se virou para a mulher, com uma expressão irritada.
- Esse barulho todo não me deixa dormir. – Ron disse, visivelmente mal-humorado. Hermione riu levemente e passou uma mão levemente pelos cabelos brancos do marido.
- Uma tempestade vai cair. – afirmou Hermione, com seu tom sabe-tudo. Ron, parecendo mais desperto, olhou com atenção a mulher, com seus profundos olhos azuis.
- O quê você estava fazendo fora da cama, Mione? – Ron perguntou em um misto de curiosidade e preocupação.
- Só estava vendo algumas fotos, querido. – Hermione respondeu, se aninhando no corpo do marido para espantar o frio vindo do vento forte que passava pelas frestas da janela.
- O álbum de fotos outra vez? – perguntou Ron parecendo incrédulo. O sorriso sereno da mulher foi a única resposta que teve. – Pelo menos não estava lendo um livro velho no escuro.
- De velho já basta nós dois não é mesmo? – Hermione perguntou irônica, arrancando um riso bem humorado do ruivo ao seu lado. Ron passou o braço por baixo da cabeça da mulher e a aninhou em seu peito.
- Minha companhia pelo menos te trouxe um bom senso de humor ao longo dos anos. – Ron disse com uma voz risonha. Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos e Hermione já achava que o marido dormia, quando ouviu sua voz outra vez. – O que será que nossa neta quer tanto nos dizer amanhã, você sabe? – Hermione ponderou por um momento a pergunta. Não, ela não sabia, apesar ter de um palpite.
- Ela pode estar apenas com saudade dos velhos avós, Ron. – Hermione respondeu com um tom indiferente. – Afinal, faz bastante tempo que Sarah e Thiago e ela não vêm aqui almoçar conosco. – Ron soltou um bufo impaciente. Ela sabia que a mulher tinha alguma idéia do que se tratava, mas que não ia compartilhar com ele. Ela parecia se divertir vendo as reações explosivas do marido à notícias bombásticas que recebiam.
- E precisava chamar Harry e Gin também? – Ron argumentou ainda impaciente. – E fazer questão de dizer que queriam todos presentes?
- É para reunirmos a família, Ron. – Hermione respondeu, ainda parecendo indiferente, mas com um sorriso disfarçado no rosto.
- Bobagem. – Ron interrompeu ainda impaciente. Os olhos azuis finalmente perceberam o riso mal contido da mulher e ele resmungou alguma coisa indescritível. Se sentido vencido, Ron trouxe a mulher mais para perto com um abraço, para finalmente poderem dormir. – Espero que ela não resolva se casar com um Malfoy! – disse em tom ameaçador. O riso divertido de Hermione encheu os ouvidos de Ron e todo o quarto do casal. A tempestade já caía forte do lado de fora do cômodo, mas o velho casal não parecia nem sequer notar. Quando finalmente voltou a respirar normalmente, a mulher de cabelos encaracolados deu um beijo na bochecha no marido, que parecia estar de volta ao seu mau humor inicial.
- Boa noite, Ron.

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