As Atribulações dos Weasley
Algumas horas depois da visita inesperada de Sirius ao seu famoso afilhado, Ronald Weasley se espreguiçava languidamente na parte de baixo de beliche que dividia com seus irmãos gêmeos mais velhos, Fred e Jorge. Enquanto esticava os músculos, observava com o canto dos olhos o pacote suspeito que a dupla depositara aos seus pés na noite anterior.
- O Natal chegou mais cedo, irmãozinho – resmungara Fred, com um sorriso irônico que irradiou pelas sardas rubras.
- Não seja tímido, abra o pacote – insistiu Jorge, entre risos.
- Não há nada aí que vá lhe prejudicar – continuou Fred.
- Talvez lhe arranque um dedo ou dois...
- Da mão esquerda...
- Nada que você vá dar falta...
E, com este último comentário, os gêmeos haviam desaparatado do quarto, deixando um atônito e preocupado Rony para trás. Ele tinha bastante experiência com os irmãos para saber que abrir um pacote dos gêmeos sem o mínimo de cuidado provavelmente lhe valeria uma passagem direta para o Hospital St. Mungus. No entanto, o que intrigava o alto e desengonçado bruxo de cabelos acobreados era a etiqueta do pacote, visível em cores chamativas.
Pollwhish & Pollwhitch
Vestes de gala para bruxos de porte especial
Estabelecido desde 1573
Rony conhecia a loja, ela ocupava quase um quarteirão inteiro dentro do Beco Diagonal, próxima ao Gringotes, o Banco dos Bruxos. Freqüentada somente pela alta sociedade mágica, e com uma predileção especial e notória pelos bruxos de sangue puro, os gêmeos deviam ter despendido uma pequena fortuna para comprar o presente do garoto.
Andando de um lado para o outro, o bruxinho continuava a olhar de soslaio para o presente. Praticamente não pregara o olho durante a noite e só conseguira adormecer depois que os gêmeos haviam se deitado também – se eles estavam se arriscando a dormir no mesmo quarto, o feitiço deveria estar bem protegido. Se houvesse um feitiço...
A embalagem parecia corroborar a etiqueta. Apesar de Rony nunca ter chegado nem perto de um presente da Pollwhish & Pollwhitch, o elegante laço emoldurado por duas tulipas douradas carregavam consigo um traço de sofisticação que o garoto nunca vira antes. No entanto, Fred e Jorge, assim como toda a família Weasley, não possuíam muito dinheiro. O parco salário do Sr. Weasley mal cobria as despesas com todos os seus filhos. Mesmo sem apreciar o trabalho que Percy, o último irmão de Rony a se formar em Hogwarts, havia conseguido no Ministério, Arthur Weasley agradecera secretamente aos céus. Afinal, mais um filho seu estava ganhando seu próprio dinheiro. Mesmo sem contribuir com as despesas do lar – a Sra. Weasley insistira que o garoto guardasse o seu dinheiro, afinal, um dia ele precisaria de um lar e era bom ele começar uma poupança -, a matrícula de um filho a menos em Hogwarts fora um alívio para as combalidas finanças do casal.
Rony tinha ciência da situação financeira da família. Obviamente, esta constatação só servia para deixar o rapaz mais preocupado com aquele arroubo de generosidade dos irmãos, afinal, eles usualmente só lhe dispensavam piadas e chistes jocosos. Mesmo que todos os galeões que o seu pai havia economizado fossem depositados nas mãos dos gêmeos, ainda assim o garoto duvidava que eles conseguissem comprar uma veste de gala na loja grã-fina. E duvidava mais ainda que eles resolvessem gastar todo aquele dinheiro com ele.
O quer Rony não sabia, enquanto andava de um lado para o outro, matutando em silêncio, era que o seu melhor amigo em Hogwarts, Harry Potter, havia deixado o dinheiro do prêmio do Torneio TriBruxo nas mãos de seus irmãos. Mil galeões era uma quantia considerável para qualquer um e os gêmeos, pela primeira vez na vida, ficaram sem palavras com aquele ataque de generosidade do amigo do irmão caçula. A única condição do colega fora que eles comprassem, finalmente, um traje de gala legal para Rony – uma forma de amenizar a vergonha que o garoto passara no último ano, quando fora obrigado a comparecer ao Baile de Inverno com um traje antiqüíssimo e que parecia ter sido confeccionado para a sua irmã menor, Gina. Cumprindo a promessa a risca, Jorge e Fred escolheram o melhor e mais chocante traje de gala para o irmão, guardando o resto para os seus empreendimentos.
Mesmo mantendo a palavra com Harry, os irmãos Weasley não perderiam uma chance destas para tirar sarro do irmão menor. Rindo as escondidas, os dois apostavam quanto tempo Rony ainda levaria para abrir o presente. Fred acreditava que ele só fosse desembrulhar as vestes em Hogwarts. Para Jorge, o irmão medroso nem levaria o pacote para a escola. Se eles não falassem nada, o garoto poderia jurar que Rony deixaria o embrulho debaixo da cama durante o ano todo.
Enquanto Rony meditava sozinho nos andares superiores da Toca, a forma carinhosa como os Weasley se dirigiam a própria casa, Gina ajudava sua mãe a preparar o almoço. O Sr. Weasley e Percy estavam trabalhando no Ministério e só deveriam retornar para o jantar. Os gêmeos se divertiam lá fora com uma sonora e estampida partida de snap explosivo. Carlinhos e Guilherme já moravam há um bom tempo fora de casa. Desta forma, o garoto tinha um bom tempo sozinho para pensar no que fazer. Ele já se decidira por abrir aquele pacote quase uma centena de vezes, e sempre recuara no último segundo.
De varinha em punho, Rony tirou uma mecha vermelha dos olhos e se aproximou do embrulho, tentando abrir um cantinho do pacote para espiar. Somente um cantinho, um rasgo bem pequenininho...
BAMPF!
Ronald Bilius Weasley sentiu seu coração saltar pela boca enquanto ele caia para trás, a cabeça dura batendo fortemente na guarda da cama.
- Mas que diabos foi isso? – resmungou para si mesmo, levando a mão no cocuruto onde um galo de bom tamanho crescia rapidamente.
Fechando os olhos por causa da dor, o garoto demorou em perceber um enorme e alvo pássaro que batia freneticamente contra a janela. Ainda esfregando a cabeça, Rony ergueu a armação de madeira e vidro, deixando Edwiges entrar.
- Droga, Edwiges! Você me deu um susto e tanto – reclamou, olhando com censura para a pobre coruja, que não parava de piar.
- Vamos, me entregue logo a mensagem – continuou Rony, ansioso para descobrir porque Harry o escrevera tão próximo de sua partida para Hogwarts. No entanto, para sua grande surpresa, Edwiges não se aproximou do garoto, piando e voando pelo quarto de forma desordenada.
- Venha até aqui, coruja maluca! – vociferou Rony, que já estava perdendo a paciência, a cabeça ainda lancinando. Depois de um grande esforço, que lhe rendeu diversas bicadas e um monte de penas perdidas, finalmente o garoto percebeu o porque do comportamento estranho da coruja. Não havia nenhuma mensagem ali!
Rony olhou atônito para a coruja e para seu embrulho amassado. Dois grandes mistérios em menos de vinte e quatro horas.
- Isso não pode ser nada de bom – resmungou para si mesmo, arrastando a coruja porta abaixo.
***
Enquanto Rony lutava contra a coruja no andar superior, coisas surpreendentes também aconteciam na espaçosa cozinha da Sra. Weasley. Quem notou primeiramente foi Gina, que observava o famoso relógio da mãe. Ele não servia para ver as horas, mas seus nove ponteiros representavam os membros da numerosa família e onde estavam no momento. Como era de se esperar, os ponteiros de Percy e do Sr. Weasley se encontravam No trabalho. Enquanto lavava a louça suja, Gina notou uma perturbação no relógio encantado. Em pouco tempo, o ponteiro do seu pai se deslocara para Viajando e, finalmente, Em casa.
- Mãe, papai está aqui – disse a garota, franzindo o cenho.
- Deixa de falar bobagem e termina esta louça. Seu pai só retorna para o jantar – resmungou a Sra. Weasley, que notara rapidamente que a única filha estava se tornando tão rebelde e metida a gracinhas quanto os gêmeos.
- Mãe! – reclamou Gina, olhando furiosa para ela e apontado para o relógio.
Bufando de leve e se preparando para ralhar com a garota, a Sra. Weasley arriscou uma olhadela para o relógio no alto da parede. Extraordinário! Sua filha estava com a razão. Arthur estava voltando para casa.
Nem bem terminara esta linha de pensamentos quando o Sr. Weasley abriu a porta de entrada, caminhando com passos largos em direção a mulher.
- Tudo bem, Arthur? – perguntou a Sra. Weasley, notando o ar preocupado do marido, que acabara de largar um capote surrado sob a mesa.
- Ah... sim, tudo bem... – resmungou o Sr. Weasley, com o sorriso amarelo e lançando discretamente um olhar para Gina.
- Muito bem, querida. Você já me ajudou bastante – disse a Sra. Weasley, que reconheceu imediatamente a deixa do esposo – Vá, vá lavar suas mãos e arrumar seu quarto – completou, praticamente empurrando a garota para fora da cozinha.
- Mas o meu quarto está limpo – reclamou Gina, que sabia muito bem que estava sendo escorraçada para que os adultos pudessem conversar a sós.
- Então limpe o quarto do Percy. Ele não tem tido muito tempo e você sabe como ele gosta das coisas organizadas – sentenciou a Sra. Weasley, com o tom de voz de quem já estava perdendo a paciência.
- Eca! Eu não entro naquele quarto por todo os sacos de bombas de bosta do mundo – reclamou Gina, correndo para cima.
- Sacos de bombas de bosta? – perguntou o Sr. Weasley, olhando desconfiado para as costas da sua única filha que subia as escadas lépidamente. Há alguns dias, ela era apenas uma garotinha... O que teria acontecido?
- Não pergunte – respondeu secamente a Sra. Weasley, lançando uma toalha sob o ombro – O que aconteceu, Arthur?
- Lúcio Malfoy assumiu o comando de Hogwarts. Ele... me mandou uma coruja simpática hoje de manhã – resmungou, desgostoso.
- Malfoy é o novo diretor de Hogwarts?! – gritou Molly, exasperada.
- Quem é o novo diretor de Hogwarts? – perguntou Rony, descendo as escadas da Toca e tropeçando nos pés grandes demais enquanto protegia seus braços das bicadas furiosas de Edwiges.
- Quando esta coruja chegou aqui? – interrogou o Sr. Weasley, os olhos esbugalhados, praticamente arrancando a ave das mãos do filho.
- Hoje de manhã – gaguejou Rony, olhando espantando para o pai e sua reação intempestiva. Normalmente o Sr. Weasley era muito calmo e contrito. Aquele comportamento não era nada que o garoto pudesse reconhecer como normal.
- Pai, quem é o novo diretor de Hogwarts? – insistiu.
- Molly, me ajuda aqui – resmungou o Sr. Weasley, levando uma bicada mais forte enquanto tentava examinar as patas da corujas.
- Deixa comigo, Arthur. Você nunca teve jeito para mexer com estas aves – ralhou a Sra. Weasley, retirando bondosamente Edwiges das mãos atabalhoadas do marido. A coruja lançou um olhar reprovador para o Sr. Weasley, se empoleirando no ombro da sua esposa, arrolhando com gosto enquanto suas penas eram separadas com delicadeza.
- Ela trouxe alguma mensagem? – perguntou o Sr. Weasley, voltando novamente sua atenção para Rony.
- Não... Pai, quem é o novo...?
Mas o Sr. Weasley o ignorou com um gesto, observando com atenção o exame detalhado da esposa na coruja branca.
- Ela está bem, Arthur – concluiu a Sra. Weasley, sorrindo, enquanto seu marido deixava escapar um grande suspiro aliviado – Acho que ela não foi atacada.
- Atacada?!! Mas... porque alguém atacaria Edwiges? – balbuciou Rony, atônito.
- Eles não teriam tempo de enviar uma mensagem, de qualquer maneira – resmungou o Sr. Weasley, coçando o queixo – E Harry provavelmente não a levaria para aquele lugar horrível – completou, consternado.
- Lugar horrível? – murmurou Rony, ainda mais apavorado.
- Harry está bem, Arthur – murmurou a Sra. Weasley, com sorriso conciliatório para o marido, enquanto dava uns tapinhas reconfortantes no seu braço – Apesar de todos os problemas na escola...
- Problemas na escola! PAI! Quem é o novo diretor de Hogwarts? – exclamou Rony, sem conseguir se conter.
Assustados com o rompante do filho, o Sr. e a Sra. Weasley observaram o garoto como se ele acabasse de aparatar na cozinha. Os dois se entreolharam, nervosos.
- Rony, querido... O que seu pai quis dizer... – começou a Sra. Weasley, com um sorriso amarelo e as mãos levemente trêmulas, sinais claros que o garoto conhecia muito bem.
- Não tente me enrolar, mãe! – reclamou, as faces vermelhas corando com a súbita inspiração de coragem – Eu ouvi muito bem que o pai estava falando alguma coisa sobre Hogwarts! E aquele imbecil do Malfoy! E a coruja de Harry sendo atacada! – concluiu, nervoso, esfregando as mãos.
- Pai! O que está acontecendo aqui? – pediu, quase suplicando.
O Sr. Weasley suspirou fundo e trocou olhares significativos com a esposa, antes de resmungar, dando de ombros.
- Eles vão descobrir tudo em poucos dias, de uma maneira ou de outro. É melhor que seja por nós do que pelas fofocas de trem – disse, olhando cansado para o filho e sorrindo tristemente. Retirando a edição matutina do Profeta Diário de suas vestes, entregou o jornal dos bruxos para o filho, que agarrou as folhas rapidamente.
Na capa, um sorridente e pomposo Lúcio Malfoy acenava com desdém para a multidão de fotógrafos e transeuntes na frente da Fonte dos Irmãos Mágicos, no Ministério da Magia. Seus cabelos louros, sedosos e fracos, emolduravam o ar de rapina dos olhos brilhantes. Ao seu lado, Narcisa Malfoy, sua esposa, mantinha uma pose distinta, o nariz arrebitado como se estivesse achando tudo aquilo uma grande chatice. E lobo abaixo, com o olhar malicioso e fazendo caretas de desprezo, Draco Malfoy, o sujeito mais irritante e desprezível que Rony já conhecera. E agora, para o desespero do garoto, era o feliz e insuportável filho do novo diretor de Hogwarts. As letras garrafais acima da foto, cujos personagens se mexiam sem parar, apresentavam a manchete principal do noticiário:
Novo Diretor de Hogwarts Anuncia Primeiras Contratações
Logo abaixo, em uma notícia quase escondida no rodapé, o garoto leu, consternado.
Alvo Dumbledore continua detido para interrogatório
Rony cambaleou, fazendo menção de se sentar no espaço vazio atrás de si.
- Accio cadeira – exclamou a Sra. Weasley com sua varinha, providenciando um assento para o filho antes que ele se esborrachasse no chão.
- Como? – balbuciou Rony, segurando, trêmulo, o jornal com as duas mãos.
Desanimado, o Sr. Weasley apresentou um resumo da mesma conversa que Sirius e Olho-Tonto Moody haviam tido com Harry ainda na madrugada.
- Malfoy... o novo diretor? – choramingou Rony, batendo os dentes.
O Sr. Weasley confirmou com a cabeça, sentindo a garganta subitamente seca.
- Arthur, querido, o que este sujeito queria com você? – perguntou Molly, a voz ácida enquanto apontava para a face alva de Malfoy, sorridente na capa do Profeta Diário.
- Ele cortou as bolsas do Ministério. Todas elas! – enfatizou, levando a mão na teste e franzindo o cenho.
A Sra. Weasley se sentou em um baque.
- Todas as bolsas? – insistiu, como se fosse necessário ouvir novamente da boca do marido a notícia avassaladora.
- Sim, querida – murmurou em assentimento.
Seguiu-se um silêncio constrangedor, somente quebrado pelas panelas chiando e o fogão crepitando no canto.
Rony foi o primeiro a retornar à realidade.
- Nós não vamos retornar para Hogwarts – disse, se referindo aos irmãos. Não era uma pergunta, na verdade. Era muito mais uma afirmação.
- É claro que vão! – exclamou o Sr. Weasley, dando um soco na mesa e olhando furioso para o próprio filho. Pela primeira vez na vida, o patriarca da numerosa família se sentia impotente na frente de um dos seus filhos. Ele e Molly lutaram muito a vida inteira para dar a melhor educação possível para os filhos, a despeito das constantes dificuldades financeiras. Agora, sentia que tudo desmoronava como um castelo de cartas, o que era algo que o obstinado pai não permitiria.
- Eu vou fazer horas extras! Molly pode arranjar um emprego... Os nossos filhos... Eu... – balbuciou ele, baixando o tom de voz novamente, constrangido por ter gritado com Rony. A Sra. Weasley correu até o marido e o abraçou, lágrimas grossas escorrendo pela face levemente enrugada.
Rony sentiu que este era o momento dele se retirar, enquanto seu pai escondia o rosto no dorso da esposa. Sabia que era melhor para seus pais ficarem sozinhos, por ora.
- Ronald – chamou o Sr. Weasley, quando o garoto já colocava os pés grandes no primeiro degrau da escada – Não conte nada para seus irmãos! Isso só vai chateá-los sem necessidade – pediu, os olhos marejados e o sorriso triste.
O garoto respondeu com um aceno, subindo desanimado para o quarto, enquanto uma idéia brotava lentamente em sua mente... Uma fagulha de luz nas trevas que lhe obscureciam o futuro.
Enquanto isso, Molly afagava carinhosamente o marido, com um sorriso.
- A amizade deles é forte, Arthur – resmungou, limpando uma lágrima – Eles ainda vão se reencontrar.
O Sr. Weasley não respondeu, imaginando quando teria coragem de contar para o filho que Harry não voltaria para Hogwarts aquele ano.
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