Pesadelos
Um elevador. Uma tempestade. A sirene de uma ambulância. Um pergaminho. Três amigos debaixo de uma grande árvore. Uma sala cheia de palavras escritas na parede. A borda de uma penseira. Um dementador. Um dragão vermelho voando alto, uma vila ardendo em chamas. Uma mulher vestindo uma cota de malha e brandindo uma espada longa, incrustada de pedras preciosas com um brilho esverdeado. Um grito.
- Você precisa aprender a trancar a sua mente.
Harry rodeava Mia, enquanto a menina permanecia ajoelhada no chão. O homem lhe estendeu a mão para que pudesse se levantar, enquanto Hermes e Lúthien estavam bastante apreensivos. O menino chegou a deixar o seu posto de vigia da sala secreta para acudir a amiga, mas percebeu que estava tudo bem e resolveu voltar e continuar observando a porta. Não entendiam o motivo, mas Harry não queria que ninguém soubesse o que estavam fazendo ali. Como se fosse algo proibido ensinar Oclumência a Mia.
O homem com a cicatriz na testa sentou na poltrona diante da estante de livros. Tinha um semblante concentrado, como se pensasse na melhor maneira de tentar ensinar algo que, na realidade, lembrava-se de nunca ter aprendido direito. Como havia dito para Mia, Harry não saiba exatamente qual era a importância daquilo, mas algo dizia que eles deveriam estar preparados para que suas memórias não pudessem ser invadidas. Uma fagulha de lembrança era a responsável pelo aviso, mas como não conseguia recuperar a memória completa por se recusar a ser submetido ao Recordatus Memoriae, era tudo o que tinham.
- Eu realmente não sei – Mia tentava se desculpar, enquanto massageava a cabeça dolorida. – Mas a explicação é meio vaga demais. Não consigo selecionar as memórias com você tentando invadir a minha mente como se fossem pequenos tentáculos, explorando cada cantinho mais obscuro.
- É, eu sei – Harry, que até então estava de cabeça baixa, passou a encarar a ruiva. – O que é esse dragão nas suas memórias? Por um acaso já viu um desses?
Mia sentiu o rosto esquentar, enquanto sabia que suas bochechas ficavam vermelhas. Como contaria sobre seus sonhos para um homem que mal conhecia? Mas, ao mesmo tempo, era como se ele já soubesse de tudo. Afinal, ambos tinham os nomes escritos na parede da Sala das Profecias de Wyrda. Seus destinos estavam entrelaçados desde sempre.
E foi ao pensar na profecia que Mia se deu conta de que O Oráculo ainda não tinha dado sinal de vida. Como num estalo, ela apenas disse:
- Estou preocupada. Vamos tentar ir até a Sala das Profecias para ver se encontramos Wyrda?
A menção do nome do Oráculo fez com que Lúthien e Hermes voltassem suas atenções para o centro da sala. Harry, que também já se sentia cansado de tentar dar aulas para Mia, concordou com um aceno de cabeça. Porém, quando o loiro tomou a dianteira para abrir a porta do armário-sumidouro, constatou que ela estava emperrada.
- Será que O Oráculo não quer ver a gente? – questionou Lúthien, para quem quisesse ouvir, encarando o lustre da sala.
- Na verdade, acho que há algo errado – respondeu Mia, enquanto olhava para a porta que Hermes ainda tentava puxar em vão. – Desde quando fomos até a Sala das Profecias mostrar a lembrança ao Harry, eu percebi um sinal de abandono no lugar. E eu me lembro que, nas últimas visitas que eu fiz a Wyrda, ele parecia envelhecido e cansado. Será que aconteceu algo sério com ele?
Um movimento do lado de fora da sala tirou a atenção dos ocupantes. Hermes voltou correndo para a porta e avisou que Fred e Jorge estavam chegando da rua, o que fez com que todos abandonassem prontamente a sala. Harry subiu as escadas, enquanto Mia, Hermes e Lúthien rumaram para a cozinha da mui antiga e nobre casa, onde estavam a senhora Longbottom, vovó Molly e tia Gina. Desde que o senhor Malfoy abandonara a casa, tia Gina parecia viver numa espécie de redoma de vidro, distraída e avoada com tudo e todos ao seu redor. Ela e Hermes não tinham voltado para a casa da família Malfoy, decidindo que seria melhor continuarem vivendo junto aos Renegados até que Draco se acalmasse e percebesse a besteira que tinha feito.
Permaneceram na cozinha, entretidos com os afazeres domésticos que vovó Molly os obrigou a fazer para ajudá-la com o jantar. Quando todos os moradores da casa regressaram de seus trabalhos, a mesa da sala foi organizada para abrigá-los. Vovó Molly, como a matriarca da família, sentia-se absurdamente feliz em ver todos os filhos reunidos, com exceção de Percy, que já não estava mais entre eles, e Carlinhos, que ainda não retornara da Romênia, onde estava recrutando os tratadores de dragões.
As batatas e o ensopado de frango retiniam nas panelas, e o odor que se desprendia deles era de dar água na boca. Todos conversavam sobre os mais variados assuntos, parecendo bastante entretidos. Apenas Harry e tia Gina, sentados em lados opostos da mesa, estavam calados e distantes dali. Desde o dia em que Harry e o senhor Malfoy brigaram, tia Gina não conversava com o homem. Ao menos não que Mia pudesse ter notado. Para Hermes, era melhor assim. Harry podia ser um ótimo bruxo e até mesmo um herói, mas o rapaz ainda não conseguia engolir o fato de que seu pai tinha ido embora por causa dele.
Bem alimentados depois do jantar primorosamente preparado por vovó Molly, todos se reuniram diante da lareira, com o televisor ligado. As conversas foram minguando até que Lúthien anunciou que ia se deitar. Mia resolveu segui-la, não sem antes dar um beijo de boa noite na bochecha de Hermes. As coisas entre os dois pareciam caminhar, e já não havia constrangimento pelos beijos trocados. Eles chegavam a parecer quase naturais. Embora Mia soubesse que, quando encontrassem Daniel, o coração dela pertenceria a ele, sentia-se confusa em relação a Hermes. Ele provocava sentimentos adversos nela. Gostava de seu jeito brincalhão, de seu bom humor irônico e de como ele era capaz de a encarar a ponto de fazer seus joelhos tremerem. Mas, certas vezes, julgava-o imaturo e incapaz de raciocinar. Apesar de acreditar que até mesmo os defeitos do rapaz contribuíam para lhe aumentar o charme.
Acalentada pelas lembranças de Hermes, Mia arrumou as cobertas e se despediu de Lúthien, com quem agora dividia um quarto, para dar mais privacidade aos pais de ambas. Aconchegou-se no travesseiro para o que acreditava ser uma boa noite de sono. Adormeceu com os olhos cinzentos e brilhantes de Hermes invadindo sem pedir licença os seus pensamentos.
A noite já ia alta quando a respiração de Mia começou a se tornar irregular. O corpo tinha espasmos involuntários e um suor gelado começou a cobrir o corpo da menina. Enquanto ela dormia, sua mente era atacada por estranhos pensamentos.
Ela estava correndo num descampado, o sol brilhando intensamente mas, de repente, sentiu medo. Virou-se para trás e o cenário mudou completamente. Viu-se num lugar escuro, sem vida, de paredes negras e chão coberto de sujeira. Sentiu frio, muito frio, e tentou abraçar a si mesma para espantar a sensação. No entanto, aquele não era um frio comum. Era de gelar os ossos, como se algo estivesse sugando todo o calor que seu corpo era capaz de armazenar.
Fechou os olhos no sonho e, quando os abriu, parecia estar mais acostumada à escuridão. Então, ouviu uma voz conhecida sussurrar algo que ela não conseguia compreender.
Caminhou na direção de onde parecia vir o som, mas era como se andasse sobre um campo minado e prestes a explodir. Os pés tocavam o chão e sentia-os afundar, mas quando encarava o piso de pedra, não conseguia entender como ele podia parecer tão frágil ao toque de seus pés descalços. Por que, afinal, estava caminhando de camisola e sem sapatos naquele lugar?
Tinha consciência de estar sonhando, mas não conseguia controlar o que fazia e nem tampouco abrir os olhos e acordar. A angústia começou a tomar conta da menina, e Mia imaginou se, de alguma maneira mágica e macabra, não estaria presa dentro de seu próprio pesadelo. Tremeu diante da possibilidade de não conseguir escapar daquelas masmorras sufocantes. Foi quando sua mente deu um estalo: ela estava em Azkaban.
Não precisava mais de comprovação quando parou diante de uma cela e encontrou aquilo que procurava: Daniel. Ele estava lá, muito machucado, preso a uma correia de metal que parecia lhe sugar as energias, enquanto murmurava palavras sem conexão.
Mia podia escutar seu nome entre os murmúrios desesperados do amigo, alguns mais altos, outros menos. Ele estava seminu, a jeans rasgada e um fiapo de camisa cobrindo o peito. Mia tentou abraçá-lo para que ele pudesse se aquecer, e não foi capaz de evitar que grossas lágrimas escorressem por seu rosto enquanto procurava em vão algo que pudesse ajudar a tirar Daniel daquele lugar.
- Eu vou levá-lo daqui. Nunca mais vou abandoná-lo, eu prometo.
Enquanto sussurrava o juramento próximo ao ouvido do moreno, ouviu a voz dele, parecendo mais forte e mais consciente:
- Mia... você está aqui...
Ele abriu os olhos muito verdes e tentou esboçar um sorriso, como que para mostrar o quanto estava feliz em vê-la. Continuou a falar, embora Mia tentasse fazer com que ele se calasse, evitando, assim, que Daniel gastasse as poucas reservas de energia que possuía:
- Eu preciso dizer. Não venha me buscar. É isso que ele quer e...
- Ora, não fale bobagens, Daniel. Eu tenho certeza que você está vivo, não posso mais esperar. Vou usar de novo a Chave de Portal, virei atrás de você e vamos tirá-lo daqui. Sabe, seu pai está conosco agora, os Renegados estão ficando cada vez mais fortes.
- Eu tentei mandar sinais... – falou Daniel, a voz saindo com dificuldades.
- E eu os vi! Em todos os lugares – e agora tudo fazia sentido para a ruiva, que procurava conter as lágrimas sem sucesso. – A poça d´água, os canos estourados do Natal, o livro de História molhado, a chuva durante o ritual... eu via você em tudo, Daniel. Só não tinha certeza, mas agora eu tenho! Eu tenho!
- Por favor, Mia... não venha me buscar. Você também não, pai.
Mia se sobressaltou ao ver que Daniel olhava para o lado de fora da cela onde estavam. E lá, observando os dois, estava Harry, parecendo apreensivo diante da cena e sem entender direito o que acontecia.
Um barulho de passos e vozes vindos de um dos corredores assustou a menina. Daniel olhou para ela e apenas disse:
- Vá... acorde, Mia! E não venha, por favor!
- Eu virei, Daniel! Eu virei até Azkaban!
- Não estamos em Azkaban – Harry falou, enquanto entrava dentro da cela para segurar o pulso de Mia. – Estas são as masmorras de Hogwarts.
A última coisa que viu antes de acordar foram os olhos muito verdes de Daniel, como se suplicassem para que ela não fosse atrás dele.
N/A: Aí está, pessoal, o capítulo 22 no ar! Lembra que eu não costumava fazer comentários nos capítulos? rsrsrsr! Pois é, estou começando a mudar de idéia, porque essa é uma boa forma de eu interagir com vocês e perguntar claramente: o que vocês estão achando?
O fim se aproxima... e agora, o que irá acontecer?
Mia vai resgatar Daniel? E onde ele está, afinal?
Para não perder o costume, façam suas apostas! E, claro, comentem!
Beijos e obrigada!
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