O quarto elemento
- Mia, posso saber o que você está fazendo?
Enquanto proferia as palavras, entrecortadas por pequenos espasmos de frio, Hermes era literalmente ignorado pela amiga. Eles estavam no jardim da mui antiga e nobre casa dos gêmeos Weasley, a menina abaixada e mexendo em alguma coisa no chão. Naquela tarde, caíra uma tempestade de neve que pintou de branco as árvores ressequidas e as poucas plantas que resistiam à intensidade do vento no inverno.
Por um breve momento, Hermes se deixou sentir o ar em movimento enquanto este tocava seu rosto descoberto. Sentia a energia que se encontrava em seu elemento, e era como se o próprio ar fosse capaz de falar com ele, sussurrar em sua mente palavras que ninguém mais poderia ouvir. Instintivamente, ele levantou a mão direita e um pequeno feixe azul claro escapou dela. Neste instante, Mia, ainda abaixada, levantou os olhos para o amigo e este percebeu que os cabelos ruivos pararam de se movimentar. O vento gelado acariciou o rosto de Hermes uma última vez antes que obedecesse à sua ordem de parar.
- Ainda me surpreendo com isso. Este lugar está carregado de energia – ele comentou enquanto encarava o nada. Depois, abaixou o braço e voltou-se para Mia, que continuava olhando para ele com seus grandes olhos castanhos e brilhantes, prestando atenção ao que ele dizia. – E então, você vai me falar o que está fazendo ou eu deveria simplesmente convocar o vento de novo para que ele possa embaraçar sua juba de leão e atrapalhar...
Hermes interrompeu as palavras quando Mia se levantou do local onde estava, deixando à mostra uma pequena clareira de terra circular, que ela abrira afastando a neve com as mãos. O chão estava úmido e a terra tinha um tom avermelhado, quente, como se debaixo de todo aquele gelo que recobria o jardim pulsasse a força e a manutenção da vida. Aquela que nunca morre, que dá abrigo, que alimenta e mantém o homem vivo, mas que cobra seu preço quando fatalmente o homem tem que voltar para ela. A terra era o elemento que faltava.
Ambos perceberam uma movimentação às suas costas, mas não precisavam se virar para saber quem era. Não faltava mais a terra. E tinha chegado a hora.
Lúthien caminhou decidida até os dois amigos. A loirinha era menor que ambos e tinha a pele muito branca, o rosto emoldurado pelos cabelos claros. A aparência da menina, somada ao colorido de suas roupas e ao estranho colar de rolhas que ela insistia em usar, davam-lhe um ar de inocência e infantilidade. Mas nenhum desses adjetivos combinava com a expressão que ela carregava no rosto. Pelo contrário, Lúthien lembrava uma jovem guerreira, cheia de garra e coragem, e pronta para mostrar o seu valor naquela guerra que estava por vir. Cada movimento que ela dava em direção a Hermes e Mia era calculado, firme como rocha, fértil como a terra-mãe. Ela estancou ao lado da ruiva e retirou uma mecha de seu próprio cabelo do rosto. Seus olhos negros brilhavam intensamente, e então ela os voltou para Hermes. O menino pôde sentir a força da natureza pulsando nela, e quase conseguia ouvir o próprio coração da Terra enquanto a encarava.
Hermes sentiu que o olhar de Mia também estava pousado sobre ele. Seria ele então a começar. Deu dois passos e ficou no centro do círculo de terra do qual Mia afastou a neve. A ruiva se posicionou à direita dele, e Lúthien ficou à esquerda. Hermes fechou os olhos apertados e murmurou:
- Que a força do meu elemento me ouça agora, movimentando de acordo com a minha vontade o ciclo do ar. Este ar que tudo inicia, que ativa o homem, que nos faz sonhar. E que as fadas e todos os outros seres que o governam venham até nós quando eu assim ordenar!
O loiro levantou as mãos em seguida, abrindo os olhos para ver a força do vento sacudir as árvores e derrubar a neve que repousava sobre os galhos. Mas havia um círculo de poder que mantinha a corrente de ar fora do alcance deles. As mãos do menino tremiam ligeiramente enquanto a energia transbordava por todos os seus poros. O trio podia enxergar pequenos vultos, o som suave do bater de asas, e vozes femininas que pareciam cantar os cânticos da deusa-terra, mãe de todas as coisas do mundo.
Mia pegou na mão do amigo que estava ao seu alcance, enquanto ele mantinha a outra estendida. Uma tênue aura azulada percorreu todo o corpo da menina, deixando-a com um aspecto de vidro, quase transparente. A visão durou apenas alguns segundos antes que Mia levantasse sua própria mão direita. No mesmo instante, a corrente que percorria a ambos passou do frio azul para o quente vermelho enquanto ela dizia:
- A chama que alimenta, que esquenta, anima e dá vida, eu convoco. Convoco também as salamandras e seres do fogo para nos acompanhar nessa investida. Aquela que ordena não pode nunca ser entreouvida. Venham, seres do fogo, porque a corrente de ar não pode existir sozinha!
Era como se os cabelos já vermelhos de Mia fossem, naquele momento, ardentes línguas de fogo, labaredas que consumiam e iluminavam o ar ao redor. E juntos, ar e fogo, um alimentava o outro, um não podia existir sem o outro. As salamandras acompanharam as fadas na dança da mãe natureza, o círculo rodeado de fogo e ar em movimento, brilhando o vermelho e o azul fundidos numa harmoniosa melodia natural.
Foi então que Lúthien deu as mãos aos dois amigos enquanto falava, e era como se as palavras fossem sussurradas em seu ouvido, quase como se estivessem sempre ali, apenas aguardando que a pessoa certa fizesse uso delas:
- E eu convoco os seres da terra, os duendes e gnomos, a terra que alimenta, constrói, dá vida e completa o ciclo. Aquela que traz ao plano material as idéias do fogo e do ar e nos mostra os verdadeiros caminhos. A mãe terra produz o homem e a ele dá seu abrigo. Que venha a terra, o elemento da criação divina.
O círculo começou a girar intensamente quando o poder dos três se fundiu, formando um turbilhão de elementos. A terra começou a tremer e os três amigos se encararam com expressões assustadas. Lúthien esbugalhou ainda mais os olhos e Hermes fez menção de soltar as mãos, mas as duas meninas seguraram ainda mais forte enquanto giravam e o vento assoviava em seus ouvidos. A batida da música produzida pelos elementais se tornava cada vez mais forte, mais dramática, e o círculo brilhava intensamente, ora vermelho como as labaredas do fogo, ora azulado como a força do vento, ora verde como a pulsação da terra. Até que um raio riscou o céu, seguido de um trovão ensurdecedor. Logo em seguida ela veio, a água que lava a terra, o oposto do fogo, a companheira do ar. A chuva caía aos borbotões e escondia as lágrimas de Mia, que escorriam pelo rosto molhado.
O trio se preparava para soltar as mãos e encerrar o ritual quando um novo raio riscou o céu, iluminando a tempestade. Foi então que Mia soltou um grito agudo, desesperado, e foi ao chão em seguida, rompendo o contato com Hermes e Lúthien e desfazendo o círculo abruptamente. Lúthien sentiu uma ligeira tontura e se apoiou no ombro de Hermes. Este segurou a mão da menina, e ondas de energia ainda percorriam os corpos de ambos. Voltaram-se então para Mia e foi como se acordassem de um sonho naquele instante, pois a chuva parou de cair. Hermes foi o primeiro a conseguir se movimentar e abaixou ao lado da menina. Sentiu seu pulso e constatou que ele estava bem fraco. A preocupação se estampou em seu rosto quando ele se dirigiu a Lúthien, que ainda estava um pouco aérea:
- Acho que foi demais para ela. A tempestade...
- Por quê? – a loira perguntou enquanto se abaixava ao lado de Hermes para segurar a outra mão de Mia. – Pelo que eu entendi, nós completamos o ciclo natural dos quatro elementos. A tempestade foi apenas a manifestação da água, não é?
- A água, Lúthien – Hermes falava pausadamente, tentando escolher as palavras como se elas pudessem machucar menos. – A água era o elemento dele...Daniel...
Lúthien compreendeu a informação e começou a se movimentar para ajudar Hermes a carregar Mia. Não foi preciso caminhar muito, já que os gêmeos chegaram correndo logo em seguida e levaram a sobrinha para um dos quartos, onde a instalaram. Lúthien trocou as roupas encharcadas da amiga e colocou-a debaixo dos cobertores. O senhor e a senhora Weasley estavam no trabalho, e o senhor Longbottom também saíra cedo com eles para procurar um emprego. Mas logo vovó Molly e a senhora Longbottom adentraram o quarto exigindo explicações:
- O que é que vocês estavam fazendo, Lúthien? – a mãe conversava com a filha, um tom de censura na voz enquanto falava. – Espero que não tenha sido sua a idéia de sair para o jardim depois da neve. Não há Iétis fora das montanhas nesta época do ano.
- Conte-nos o que aconteceu, Hermes – vovó Molly se dirigia ao neto enquanto falava, ignorando o comentário da senhora Longbottom sobre o Abominável Homem das Neves. – Ouvimos os gritos de Mia, e depois vocês a carregaram para dentro desacordada. Achei que estavam na sala secreta com Fred e Jorge, mas estão encharcados! Mesmo que estivessem debaixo da neve, não teriam como ficar tão molhados em tão pouco tempo. Isso só seria possível se tivesse chovido.
- E choveu, mãe – Fred começou a falar diante do olhar estupefato da mãe. – Nós vimos da janela, eu e Jorge. – o irmão concordou com um aceno de cabeça.
- Não é possível, Fred e Jorge! – vovó Molly censurava os filhos. - Não brinquem com coisas sérias! Eu não ouvi nenhum barulho de chuva!
- Pois choveu, e com direito a raios e trovões – Hermes disse, atraindo os olhares para si. – Foi porque nós, eu, Mia e Lúthien, convocamos os nossos elementos. E faltava a água. Faltava o Daniel, mas choveu e então...
Hermes se voltou para a janela. O sol não estava no céu, mas não havia nenhum sinal de chuva. Ele não entendia.
- E por que a Mia gritou, então? Por que ela está desmaiada? – a senhora Longbottom insistiu, sem muita esperança de obter uma resposta.
- Porque eu vi o Daniel no meio da tempestade.
Todos se viraram para a cama onde Mia estava. A menina tinha os olhos bem abertos, mas distantes, uma expressão de medo estampada no rosto quando voltou a falar:
- Daniel não está morto. Eu sei disso.
Então, a porta do quarto bateu, desviando a atenção dos presentes para lá sem que, no entanto, pudessem ver quem havia deixado o aposento. Mas só havia uma pessoa que estava em casa naquele momento, mas não naquele quarto.
Harry Potter. O pai de Daniel.
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