</i>Recordatus Memoriae</i>
- ...Então eu fiquei bem irritado porque eles não paravam de gritar. E olha que já era bem tarde. Resolvi levantar da cama para ver o que estava acontecendo e, assim que abri a porta do meu quarto, ouvi meu pai dizer à minha mãe que se ela voltasse a encontrar o senhor Potter era para ela deixar a nossa casa de uma vez por todas. Em todo o caso, eu acredito que seja só pressão, ciúmes mesmo, essas coisas de casal. Talvez eu... Mia? MIA!
A ruiva desviou os olhos para Hermes quando o amigo a chamou com mais intensidade, sobressaltando-a. As curtas férias de Natal haviam chegado ao fim e lá estavam os dois, sentados no pátio do Joana D´Arc, esperando o início da primeira aula. Fazia muito frio, mas um sol tímido já despontava naquela manhã, prometendo um típico dia de inverno em Londres. A neve havia dado uma trégua e tampouco havia chuva que pudesse explicar aquilo.
Enquanto ouvia as histórias sobre as brigas de tia Gina com o senhor Malfoy, Mia resolveu pegar um livro na mochila para tentar reler algo sobre História Antiga antes que as aulas começassem. Eles estavam estudando a Europa medieval, tema que fascinava até mesmo Hermes, acostumado a ser mais desleixado com os estudos. Mia esperava que, com o livro, pudesse distrair um pouco a mente do amigo e desviá-la daquelas brigas entre os pais, que eram assunto recorrente depois do Natal e estavam deixando o menino bastante aborrecido.
Depois de olhar para o amigo como se ele não fosse daquele mundo, Mia voltou a encarar as páginas abertas do livro em seu colo. Hermes, evidentemente contrariado, começou a protestar:
- Ora, Mia, eu falando coisas importantes e você interessada na história de um cavaleiro qualquer daquela mesa redonda? Não é justo que... – Hermes interrompeu a frase ao tomar o livro das mãos da amiga, para então continuar com uma expressão de nojo. – O que foi que você fez com esse livro? Jogou na privada, por um acaso? Ele está...
- Encharcado... – Mia completou antes que Hermes pudesse concluir, e prosseguiu de maneira intrigada. – Não sei o que aconteceu, porque ele não saiu da minha mochila desde que as aulas acabaram.
Hermes olhava ora para as páginas molhadas, ora para a amiga, tentando encontrar uma explicação racional para aquele fenômeno. Foram interrompidos pela chegada de Lúthien, enrolada num cachecol exageradamente colorido, com seu costumeiro ar de despreocupação e os olhos esbugalhados.
- Ei, Mia, Hermes. Tudo bem?
- Olá, Lúthien – Mia cumprimentou, enquanto Hermes apenas fez um aceno rápido com a cabeça, ainda examinando as folhas molhadas enquanto a ruiva continuava a falar. – Atrasada hoje? Saí de casa e você ainda estava na cama, a senhora Longbottom tentando a todo o custo te fazer levantar.
- Ah! Não se preocupe – disse a loira enquanto se concentrava em examinar as próprias unhas. – Eu apenas tive que me certificar, durante a madrugada, de que o Hogwarts, uma história estava no local onde eu o escondi.
Mia achou o tom de voz de Lúthien um tanto quanto elevado para alguém que falava de um segredo. E suas suspeitas foram confirmadas quando percebeu que um grupo de alunos estava olhando fixamente para o trio, enquanto Lúthien ainda se divertia com suas unhas. Hermes deu um tapa na própria cabeça, visivelmente inconformado com o comportamento da loirinha. Foi ele quem se levantou primeiro do banco do pátio e aproximou-se dela de maneira a tentar barrar a possibilidade de mais alguém escutá-los, dando as costas ao grupo que parecia se divertir com o comportamento esquisito da menina. Mia se levantou em seguida para escutar o que eles diziam:
- Lúthien, querida – Hermes começou, um toque de ironia na voz que pretendia ser suave sem, no entanto, obter nenhum sucesso. – Nós não costumamos falar desses assuntos como se eles fossem o último filme que passou na televisão. Isso é segredo!
- Ah... ok! – ela revirou os olhos, parecendo pensar por um instante nas palavras de Hermes, para logo depois sorrir e levantar um dos dedos quando o sinal do Colégio tocou, convocando os alunos para as aulas do dia. – Olha só, está na hora de irmos.
Lúthien saiu saltitando, mas foi detida pelos dois amigos. Mia a questionou, talvez mais alto do que pretendia, devido à ansiedade:
- Onde você deixou o nosso livro? Ele está seguro?
A loirinha piscou um olho e encarou Mia, uma expressão alegre e triunfante no rosto meio encoberto pelo cachecol multicor. Então, disse:
- Está muito bem guardado, Mia. Quando precisarmos dele de novo, eu saberei onde encontrá-lo. Até mais!
Então se moveu rapidamente e foi engolida pela multidão de alunos que seguia para a aula. Hermes e Mia permaneceram estáticos. Foi o loiro quem quebrou o silêncio, e ele parecia furioso:
- Que essa menina era maluca eu já sabia. Mas será que ela é idiota também? Nós é que precisamos saber onde está o maldito livro de Hogwarts, eu e você! Dele depende a nossa vida, oras!
Mia estava pensativa. Apenas encarou o amigo antes de dizer:
- Acho que de idiota ela não tem nada...
Hermes continuou praguejando contra Lúthien quando Mia tomou o outro livro, o de História Medieval, das mãos do amigo. As páginas continuavam misteriosamente molhadas quando ela o colocou na mochila e entrou na sala para a primeira aula de um dia que ainda reservava algumas surpresas.
Hermes aproveitou a primeira tarde da volta às aulas para escapar para a mui antiga e nobre casa dos Gêmeos Weasley com Mia e Lúthien. Não queria ir para a própria casa e ter que aturar as brigas dos pais, embora naquele horário o senhor Malfoy estivesse ainda no trabalho. Quando colocaram os pés porta adentro, foram surpreendidos pelo grupo que se reunia na sala de estar. Lá estavam os membros da OdRR, todos munidos de varinhas. Os pais de Mia também estavam presentes, e a menina estranhou o fato de eles não terem comparecido ao trabalho. Algo de importante estava acontecendo ali.
O senhor Weasley permanecia sentado numa poltrona no meio da sala e era rodeado pelos demais. Tio Jorge, de frente para o móvel, apontava a varinha para o irmão quando os três amigos que voltavam da escola os surpreenderam. Ele se dirigiu para os recém-chegados:
- Meninos, vocês podem acompanhar também, acredito que vão gostar de saber o que está acontecendo agora – e o tio piscou o olho para Mia, voltando a se concentrar no senhor Weasley em seguida. – Então, Rony, você está pronto? Tem certeza de que quer fazer isso mesmo?
- Acho que não me resta muita opção – ele parecia hesitante, e as suspeitas de Mia foram confirmadas quando o pai falou. – Afinal, sorteio no palitinho é questão de sorte, e eu devo estar bem azarado ultimamente.
Não houve nenhum comentário na sala e os presentes apenas aguardavam o desenrolar dos acontecimentos, a maioria deles sem despregar o olho da cena no centro da sala. A senhora Weasley parecia um pouco nervosa e caminhava de um lado para o outro, agitada. Luna tinha um olhar perdido, fixo na janela logo à sua frente. Mia chegou a olhar para lá, mas era óbvio que não havia nada que pudesse chamar a atenção de uma pessoa comum. A ruiva quase sorriu ao constatar a semelhança de Lúthien com a mãe, mas naquele momento a loirinha estava interessada na cena que se desenrolava. Neville estava ao lado da esposa, mas diferente desta, prestava atenção no senhor Weasley com um medo evidenciado pelas feições do rosto, retorcido numa careta de pura descrença. Vovó Molly olhava para os filhos com um ar de reprovação, os braços cruzados diante do corpo. Mia imaginou que provavelmente a avó não compactuava com a idéia dos Gêmeos. Estes se entreolharam e sorriram antes de tio Jorge apontar novamente a varinha para o irmão. Ele esticou o braço direito, segurando o instrumento mágico com firmeza. Assumiu uma pose cheia de pompa e, de maneira habilidosa e rápida, deu dois giros para a direita, um para a esquerda, sacudiu a varinha três vezes e proferiu o feitiço numa voz clara e audível:
- Recordatus Memoriae!
Um raio púrpura partiu veloz da ponta da varinha e atingiu o centro da cabeça do senhor Weasley. Este fechou os olhos e entreabriu os lábios no momento em que o feitiço o atingiu, como se fosse dizer alguma coisa que nunca foi proferida. As linhas do rosto desenharam uma expressão de dor quando ele levou a mão à cabeça. Mia e a mãe tiveram ímpetos de correr para ajudá-lo, pois ele parecia prestes a entrar em colapso. A senhora Weasley já protestava, furiosa:
- O que vocês fizeram com o meu marido?
Então, no momento seguinte, o senhor Weasley abriu os olhos muito azuis, parecendo confuso e perdido. Olhou primeiro para a esposa, depois para os Gêmeos. Jorge ainda estava com a varinha apontada para ele, encarando-o cheio de expectativas. A expressão no rosto do homem não era muito animadora e os donos da casa começaram a se preocupar se o feitiço realmente teria funcionado. Até que as palavras do senhor Weasley sobressaltaram a todos:
- Fred e Jorge, o que diabos vocês fazem com essa varinha nas mãos? Testando mais uma das suas Gemialidades em mim, é? Não quero servir de cobaia das maluquices dos seus feitiços, como vocês faziam com os alunos menores em Hogwarts! Eu sou irmão de vocês, não se esqueçam, e tenho certeza que mamãe vai ficar furiosa!
- Você... você... – era Neville, gaguejando mais do que o natural. – Você se lembra, Rony?
- Se eu me lembro, Neville? – o senhor Weasley franziu a testa antes de prosseguir. - Se você se refere ao primeiro dia de aula, quando você perdeu o seu sapo trevo em Hogwarts, sim, eu me lembro. E também me recordo de uma certa partida de xadrez de bruxo gigante. E ainda o dia em que fui voando no Ford Anglia para Hogwarts junto com Harry. E, puxa, mamãe e papai ficaram furiosos! Lembro do dia em que a Hermione foi petrificada! E, iecati, até mesmo da Poção Polissuco que me transformou no sonserino nojento do Goyle. Lembro do Lupin e dos dementadores. E ainda do Torneio Tribruxo, do Baile de Inverno, da Armada de Dumbledore, dos cérebros voadores no Ministério da Magia e...
- Lembra também de quando agarrou a Hermione na frente da família inteira durante o casamento do Gui com a Fleur, e tascou-lhe um beijo que mais parecia um desentupidor de pias trouxas? – Fred questionou, divertido.
A senhora Weasley corou levemente, enquanto o marido sorria, provocando aplausos entusiasmados dos Renegados. Fred olhou para o irmão, em seguida fez um movimento com as mãos como se agradecesse as palmas do público, e completou:
- Apresento-lhes a última invenção das Gemialidades Weasley: Recordatus Memoriae, o feitiço que reverte o Obliviate. Recuperem suas memórias por apenas cem galeões!
Em meio às palmas e risadas, Mia se deu conta de que faltava alguém ali. Correu os olhos pela sala, encontrando dois pontos verdes que a encaravam, meio escondidos por detrás de uma das cortinas que cobria as janelas. Agora era questão de tempo até Harry Potter recuperar suas lembranças. E Mia acreditava que isso traria um ponto a mais na busca pela última horcrux. A vingança prometida em nome de Daniel estava cada dia mais próxima de se concretizar.
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