Incertezas e esperanças



Ao chegarem ao estranho local onde Wyrda morava, um calafrio percorreu a espinha de Mia. A meia luz da sala das Profecias não dava a eles uma sensação agradável. O ambiente sempre foi bem iluminado, mas agora algo havia mudado. O silêncio era tão opressor que parecia apertar fisicamente o peito, minando as forças de cada um deles. Harry estava bastante assustado: depois de entrar num armário, rodopiar por ele e aparecer num lugar totalmente diferente do que estavam antes, a sensação de perigo era uma perspectiva que não o agradava. Ele foi o primeiro a falar, enquanto o olhar percorria cada centímetro do estranho aposento:

- Mas que lugar é este que vocês me trouxeram? Parece que está tudo abandonado!

Mia não queria confessar, mas tinha a mesma sensação. No entanto, esteve ali com Hermes naquela mesma noite. Para onde o Oráculo teria ido? Tia Gina se aproximou da Penseira, cujo brilho azulado irradiava pela sala levemente escurecida. Lúthien foi aos pulinhos para o lado dela, parecendo tão animada quanto se estivesse num gostoso passeio no parque durante uma manhã de domingo de sol. Enquanto isso, Mia examinava as inscrições nas paredes até que encontrou a que desejava. No entanto, julgou que primeiro deveriam ver a lembrança sobre a moça do lago. Depois de convencer Harry de que ele era ele mesmo, poderia mostrar a Profecia.

- Ei, Mia! Parece que Wyrda não está, mas já esperava a nossa visita – foi Hermes quem falou, apontando para a Penseira. – Há algo aqui dentro que você precisa ver, venha!

Ao se aproximar do grupo, Mia encarou a cena que já conhecia. Foi então que percebeu que, sob aquela perspectiva, a lembrança só poderia ser de uma pessoa. Voltou-se para ela, a fim de satisfazer sua dúvida. Antes que pudesse sequer perguntar, notou uma pequena lágrima brotar nos olhos de tia Gina, ao mesmo tempo em que seu rosto parecia absolutamente determinado ao encarar o conteúdo da Penseira:

- Sim, Mia. Esta lembrança é minha.

Sem precisar de mais respostas, a menina orientou os outros acompanhantes de forma a que dessem as mãos, pois não havia espaço para que todos se encostassem nas bordas da Penseira. A ruiva nem sabia ao certo se seria possível entrar com todos eles dentro da lembrança, mas precisava tentar. A resposta veio logo em seguida: Mia encostou o nariz na matéria e sentiu como se um gancho tivesse agarrado sua barriga e conduzido-a para o interior da bacia de pedra. Quando se encostou à terra firme, por estar de mãos dadas com os outros, não conseguiu se equilibrar e caiu. Para eles, o estrondo provocado pela queda foi enorme. No entanto, a cena que ali acontecia não pareceu se alterar em nada com sua presença. Para que pudessem agir livremente, Mia apenas disse:

- Esta é uma lembrança de tia Gina. Qualquer coisa que dissermos ou fizermos não poderá ser ouvida nem visualizada pelas pessoas que participam da memória. Mas é importante que prestemos atenção em tudo, principalmente você, senhor Potter. Portanto, vamos ali atrás daquela árvore e façamos silêncio.

Mia conduziu o estranho cortejo para o mesmo local onde presenciou a cena com Wyrda pela primeira vez. Enquanto os acontecimentos se desenrolavam diante dos olhos de Harry, a ruiva percebia que ele se convencia cada vez mais de que a história que tia Gina contou na mui antiga e nobre casa era real. Como já havia presenciado tudo aquilo antes, Mia se concentrou nas atitudes do homem parado diante dela. Primeiro viu estampada em seu rosto a incredulidade quando ele próprio apareceu na cena, semi-nu e muito machucado. Depois, o rosto de Harry se compadeceu ao ver a moça do lago, sua atual esposa, encontrá-lo naquele estado. Então, a testa dele se enrugou, deixando a cicatriz ainda mais à mostra, quando constatou que Helena foi atingida por um estranho encantamento proferido pela figura de capa preta que se escondia atrás das árvores. E, por fim, Mia voltou o rosto novamente para os acontecimentos que ali se desenrolavam, escutando mais uma vez aquela que agora sabia ser sua tia dizer:

- Feliz é o destino da inocente vestal, esquecida pelo mundo que ela mesma esqueceu. Brilho eterno de uma mente sem lembranças! Abençoados são aqueles que esquecem, porque aproveitam até mesmo seus equívocos...

Quando a lembrança acabou, Mia sentiu o característico puxão que os levaria de volta para a sala das Profecias. Ao chegar lá, os olhos de Harry estavam completamente molhados e ele deixava um pranto silencioso escorrer enquanto permanecia de pé, apoiado na borda da bacia de pedra. Era evidente que não havia necessidade de palavras para que ele confirmasse que agora sabia quem era. Mesmo que não se lembrasse de tudo, Mia acreditava que, aos poucos, ele recuperaria a memória, assim como acreditava que aconteceria com seus pais. O silêncio foi cortado pela voz de Lúthien, que observou com um leve tom de admiração na voz:

- Foi muito bonito aquilo que você disse, senhora Malfoy. Abençoados são aqueles que esquecem, porque aproveitam até mesmo seus equívocos. Gostei! Acho que mamãe e papai também iam gostar...

Todos refletiam sobre a colocação de Lúthien enquanto Mia chamou Harry a um canto. Este já parecia mais calmo, como se estivesse aceitando melhor as idéias que surgiam aos borbotões. Com cuidado, a ruiva se dirigiu para ele:

- Senhor Potter, não sei o porquê de Wyrda não estar aqui agora. Ele poderia explicar melhor algumas coisas, mas vou tentar cumprir este papel da melhor forma possível.

Mia tentou resumir tudo aquilo que sabia sobre a vida de Harry: a perda dos pais, o primeiro ataque de Voldemort, a vida com os tios trouxas, sem saber sobre a bruxidade, a ida a Hogwarts, o retorno do Lorde das Trevas, a descoberta da Profecia e a derrota da Ordem da Fênix na Grande Guerra. Os outros presentes na sala também se aproximaram para ouvir a história. Enquanto narrava, Mia recebia ajuda de tia Gina, pois ela conseguia explicar melhor algumas passagens que também havia vivido e presenciado. Lúthien estava visivelmente encantada com tudo aquilo, como se estivesse dentro de um dos contos-de-fadas que lia na infância. Hermes acompanhava a história que também havia ouvido, dando alguns palpites esporádicos. Harry estava concentrado em tudo e não fazia perguntas. Às vezes parecia se lembrar de certas passagens, um olhar ligeiramente mais concentrado, mas na maior parte do tempo parecia perdido e aéreo. Quando terminou, Mia encarou os grandes olhos verdes, buscando encorajar o homem a falar alguma coisa.

- Isso é impressionante – começou ele, mexendo novamente nos cabelos e deixando a cicatriz à mostra antes de continuar – Há certas passagens desta história que parecem pequenos ecos em minha mente, coisas distantes das quais eu talvez devesse me lembrar. Outras delas simplesmente soam fantasiosas demais para que façam parte da minha vida! O que aconteceu comigo, de fato?

- Você foi submetido a um feitiço, senhor Potter – era Hermes quem falava, procurando explicar a Harry o que havia acontecido. – Quando estava em Azkaban, Voldemort apagou suas memórias. É uma magia poderosa e complicada, conhecida como Obliviate. Nas mãos erradas, este feitiço se transformou numa arma a serviço do Mal.

- Por isso resolvi que o melhor para te proteger era que você continuasse sem saber de seu passado, Harry – tia Gina agora falava, complementando a informação fornecida pelo filho. – Preferi assim. Talvez não tenha sido o ideal, mas foi o que julguei mais correto fazer naquele momento. É claro que eu não poderia reverter o feitiço que apagou sua memória, mas tinha a opção de te resgatar e fazer com que vivesse conosco, explicando tudo o que havia acontecido. Mas achei que você estaria protegido se não soubesse de nada, e assim não correria o risco de ser recapturado.

- Ainda tem algo que quero mostrar – Mia tocou o braço de Harry, que permanecia com os olhos pregados em tia Gina. – Aqui está.

A ruiva apontou para a inscrição na sala das Profecias e esperou que, por si só, a informação fizesse efeito.

- Foi por causa disso que ele tentou me matar? – Harry questionava, depois de alguns instantes em silêncio, mais para si mesmo que para qualquer um dos presentes ali. - Um amontoado de palavras fez com que este bruxo causasse tanto mal a todos nós? E foi por causa disso que eu perdi o meu filho?

Tocar nesse assunto era tudo o que Mia não queria naquele momento, mas estava apenas esperando que Harry a questionasse. Era óbvio que ele iria querer saber sobre seu filho, afinal, foi isso que o fez acompanhar tia Gina até a mui antiga e nobre casa, mesmo que tenha sido de forma forçada. Mas foi o fato de comentar sobre Daniel que fez com que Harry ao menos parasse para ouvir o que aquela estranha tinha a dizer. E agora todos eles eram responsáveis por virar a vida do homem de pernas para o ar.

- Sabe, todos nós sentimos a perda de Daniel – Mia tentava encontrar as palavras certas para usar, buscando forças no olhar de Hermes, que estava pousado sobre ela. – Ele era meu melhor amigo, e também de Hermes. Foi com ele que descobrimos tudo isso, ele era parte essencial do nosso poder. Era o elemento água que completava o ciclo do nosso ritual. Sei que parece estranho, mas o tipo de magia que nós desenvolvemos é um pouco diferente da que vocês aprenderam em Hogwarts. Mas pretendemos compartilhar isto com vocês, assim como queremos entender os feitiços que vocês usam. Só precisamos de um tempo para fazer tudo isso. E precisamos aprender também a lidar com as perdas.

- Perdas... – Harry olhou novamente para a parede branca, onde seu nome figurava ao lado de Voldemort e logo acima de Mia. – Tenho certeza que não perdi meu filho. E se algo me move e me dá ímpetos de lutar contra este tal de Lorde das Trevas é esta certeza de que vou reencontrar Daniel, custe o que custar!

Mia e Hermes se surpreenderam com a atitude de Harry. Afinal, eles não haviam sequer pensado na possibilidade de que Daniel poderia não estar morto. Mas, de fato, eles não o viram deixar a vida. O moreno foi apenas cercado pelos dementadores, e depois, tudo o que conseguiram ver foram os rodopios da Chave-de-Portal. E se Daniel realmente estivesse vivo? E se o moreno fosse agora um prisioneiro de Azkaban no lugar do pai? Seria Daniel um tributo de sangue para punir a fuga de Harry no passado?

Com os pensamentos envolvidos pela dúvida e descrença, mas os corações carregados de esperanças, voltaram para o armário sumidouro. Mia deixou um bilhete para Wyrda e anotou mentalmente que voltaria à sala das Profecias assim que fosse possível para saber do paradeiro do Oráculo. Agora, precisavam voltar para a mui antiga e nobre casa, pois o dia já começava a amanhecer.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.