Desventuras de um Malfoy



- Ginevra Malfoy! Deixei expressamente claro que não queria que você viesse aqui hoje! Será que preciso desenhar para que você consiga compreender, ou você não considera mais a palavra do seu marido?

Draco Malfoy acabava de aparatar na sala de jantar da mui antiga e nobre casa dos Gêmeos Weasley, os olhos inchados de fúria reprimida, o rosto lívido. Ao seu lado e agarrado em seu braço vinha um estático e assustado Hermes, como se tivesse sido espremido à força dentro de uma mangueira apertada demais. O menino não percebeu a presença de Mia e Lúthien, que o observavam chocadas. Enquanto isso, Draco não se intimidava diante dos convidados, nem diminuía a intensidade sonora do discurso. Gina já havia se levantado da cadeira que ocupava para responder à altura do marido, mesmo que fisicamente fosse pelo menos uma cabeça menor do que ele:

- Pensei que tivesse compreendido quando eu desenhei para você, excelentíssimo marido. Você não é meu dono, Draco, não pode me proibir de falar com a minha família. Seu direito começa onde o meu termina. Quando me casei com você, não havia nenhum contrato de exclusividade para assinar!

As lágrimas que antes molhavam o rosto de tia Gina haviam rapidamente secado com a presença do marido. Seu olhar era bastante parecido com o de uma leoa enfurecida, prestes a atacar sua presa. Claro que aquilo não era suficiente para intimidar um Malfoy, que ignorava completamente a movimentação desconfortável e os murmúrios avessos a ele espalhados entre os convidados, cada um mais do que preparado para defender Gina caso ela precisasse.

Draco dirigiu então a palavra a todos os presentes, num tom altivo e desafiador:

- Quem aqui sabe o que pretende enfrentar? Quem aqui entende de verdade o poder que dominou nosso mundo? Bah! Renegados! Resistência! Vocês pensam que há alguém no mundo capaz de resistir a ele e não pagar um alto preço por isso? – e se voltou novamente para a esposa, boquiaberta diante das palavras duras do marido. – Quantas vezes vou ter que explicar, Gina? Quantas vezes vou precisar contar o que aconteceu conosco para que você entenda? Vamos pra casa agora, ou serei obrigado a tomar medidas mais drásticas com você!

- Ei, Malfoy! – o discurso de Draco foi interrompido pela voz de Gui, o braço firmemente preso ao de Fleur sem que, no entanto, estivesse impedido de falar. Seu rosto outrora belo ainda estava tomado por uma enorme cicatriz que parecia em carne viva. Tudo o que Mia sabia era que o tio havia sofrido um acidente pouco antes de se casar. Gui continuou – Você imagina que só o seu umbigo sofreu conseqüências com a guerra contra as trevas? Na verdade, nenhum de nós sabe o que você fez para abandonar as fileiras de Voldemort. Afinal, você era um deles, era um Comensal da Morte!

Todos se entreolharam, concordando uns com os outros com acenos de cabeça. Mia estava visivelmente assombrada diante da revelação. Draco, no entanto, não se intimidou diante dos olhares repressores, a raiva transbordando. Então, tomou para si uma garrafa que estava na mesa e espatifou ela na parede mais próxima. Diante da atitude do loiro, todos os presentes sacaram suas varinhas, mas a um gesto de Gina, foram impedidos de fazer qualquer coisa. O clima estava pesado e qualquer respiração poderia ser ouvida na sala. O lábio inferior do loiro tremia, mas, fora isso, sua atitude não se alterava: mantinha-se ereto, orgulhoso, com um olhar feroz quando voltou a falar em voz alta, sobressaltando alguns, que deixaram as varinhas ainda mais em riste apontadas para ele:

- Conte a eles, Gina! Conte como foi que te seduzi! Aliás, mencione também a Amortentia que uso para mantê-la comigo – a ironia no tom de voz de Draco era evidente. – Explique a eles que você está comigo porque eu a enfeiticei, e não porque me ama e conhece! E não porque me respeita e confia em mim a ponto de ter tido um filho comigo!

Os convidados da festa pousaram o olhar em Hermes, inclusive Mia e Lúthien, que até então prestavam atenção ao discurso inflamado de Draco. O menino estava sentado e, sem nenhuma cerimônia, tinha aberto uma garrafa de vinho dos elfos e bebia numa das pequenas taças espalhadas pela mesa decorada. Mia seguiu em direção ao amigo, mas foi interrompida para prestar atenção no reinício da discussão. Agora eram Fred e Jorge que compravam a briga da irmã mais nova:

- Nós o recebemos em nossa casa, Malfoy! – começou Fred.

- E não é a primeira vez – completou Jorge, encarando o loiro. – Mesmo que tenhamos que nos controlar para não azarar você a cada segundo por tudo o que já aprontou. Respeitamos a decisão de nossa irmã, mesmo sem entender como ela pode ter escolhido um debilóide como você.

- Portanto, se você está debaixo do nosso teto – era Fred novamente, ignorando a boca aberta de Draco, como se este fosse reiniciar a gritaria. – Então, Malfoy, você vai ter que respeitar nossa família!

- Ora essa, isso era só o que me faltava! – Draco foi incapaz de se conter. - Traidores do sangue querendo me dar lições de moral e...

O loiro não teve tempo de terminar a frase. As varinhas apontadas para ele explodiram, enquanto os donos gritavam Estupore! sem que tia Gina os pudesse deter. Draco emborcou no chão, as vestes se enroscando à cadeira mais próxima, levando-a consigo e arrastando também uma parte da toalha de mesa, que trouxe alguns copos, pratos e talheres. A bagunça era generalizada.

As lágrimas retornaram ao rosto da caçula de vovó Molly. Hermes se levantou e, com exceção de uma ligeira cambaleada, não parecia que ele acabava de entornar sozinho uma garrafa inteira de vinho dos elfos. O menino se dirigiu ao pai, abaixando-se ao seu lado e tomando-lhe o pulso sem dizer nenhuma palavra, enquanto a mãe protestava em meio ao pranto, tentando afastar os convidados do corpo inerte de Draco:

- Vocês não deveriam tê-lo enfeitiçado! Ele não ameaçava vocês!

- Ele nos chamou de traidores do sangue, Gina! – agora era Carlinhos quem falava, como se tivesse acordado de um transe, a varinha de corda de coração de dragão ainda suspensa na mão direita. – Ele ofendeu a nossa família! O Malfoy pode ser seu marido, mas já fez parte das fileiras de Voldemort. Quem garante que não está mais envolvido com o Lorde das Trevas?

- Ora, Carlinhos, francamente! EU garanto! Você usou muito bem o verbo no passado. Fez parte! E não faz! E isso faz uma grande diferença, já que agora ele é pai do meu filho, seu sobrinho, conseqüentemente. E como você sabe muito bem, foi meu filho com sangue de um Malfoy quem ajudou a salvar Rony e Hermione de Azkaban, junto com a Mia e o Daniel!

A menção do nome do amigo perdido em Azkaban causou um ligeiro desconforto na sala. Mia engoliu em seco e suspirou, como se o silêncio de poucos segundos pudesse, de alguma forma, trazer o moreno de volta. No instante seguinte, tudo que se ouviu foi um estampido, seguido do barulho de uma enxurrada que parecia vir da cozinha da mui antiga e nobre casa.

- O cano entupido! – exclamaram Fred e Jorge, abandonando a sala aos tropeções.

Tia Gina conjurou uma maca para carregar Draco, no que foi prontamente auxiliada por Hermes, Lúthien e Mia. Antes de sair da sala, tudo o que a ruiva conseguiu escutar foi a voz da própria mãe se sobressaindo sobre as demais:

- O que são traidores do sangue?

Mia não ficou para ouvir a resposta, que já conhecia. Mesmo porque, sentia que naquele momento quem mais precisava dela era tia Gina. Não que a ruiva fosse muito com a cara do pai de Hermes. Na verdade, achava o senhor Malfoy um tanto misterioso demais. E ainda estava muito chocada pela revelação de que ele fazia parte dos Comensais da Morte, grupo que deu origem à própria Polícia Negra, os comandantes da força de segurança da Ditadura Voldemort. Como foi que o senhor Malfoy abandonou o Lorde das Trevas e não foi morto por ele? Nem sequer havia resquícios de que ele tivesse sido atingido por um Obliviate. Aquilo era muito estranho e bastante mal explicado. Qual era o segredo que fizera com que Gina, dentre tantos bruxos no mundo, escolhesse justo um que fazia parte do lado negro da magia? Mia levou a mão à testa e pressionou a têmpora. Havia lacunas demais em toda aquela história, fatos que ela não conseguia explicar apenas com o que conhecia.

Tia Gina, ainda carregando a maca com o marido desacordado, passou pela porta da cozinha sem parar para observar. Ela parecia seguir para a sala secreta dos gêmeos, a qual Mia conhecia muito bem. Naquele ponto do corredor, o chão estava molhado e era possível ouvir a voz de Fred e Jorge lutando contra o encanamento da cozinha. Quando a água tocou o pé de Mia, mesmo com a bota grossa para a neve que ela não teve tempo de retirar quando chegou, a menina pôde sentir um arrepio gelado. Tudo o que conseguiu pensar foi em como aquilo era estranho. No momento seguinte se deu conta da presença de Lúthien, caminhando do lado oposto à maca, ao lado de Hermes. Este permanecia ainda aéreo, sem dizer nenhuma palavra, as pupilas ligeiramente vermelhas e os olhos pesados.

Quando chegaram à porta da sala secreta dos gêmeos, Mia tomou a dianteira e abriu-a com a imposição das mãos, para que tia Gina não tivesse que interromper o feitiço que utilizava para carregar a maca. O estranho comboio entrou na sala, Draco voando ao lado do grupo e ainda sob o efeito dos feitiços. Enquanto Gina tentava reanimá-lo, Mia se viu novamente diante do misterioso espelho. Agora a cena que ele refletia era diferente da primeira vez em que ela o observava. Lá estava a ruiva, usando exatamente o mesmo vestido vermelho do sonho da prisão de vidro. Em seu ombro, repousava o toque quente e acolhedor de uma mão masculina. Mas não era Daniel. Mia não conseguia identificar exatamente o rosto do rapaz, que estava borrado. Mas conseguia ver os cabelos loiro-dourados que o emolduravam. O reflexo da menina não sorria, mas já não carregava mais o aspecto triste da primeira visão. Pelo contrário, ela parecia cheia de esperanças.

”Esperanças de quê? O que significa isso? - censurou a si mesma por estar novamente diante daquele estranho objeto e resolveu se juntar ao grupo que tentava reanimar um ainda desacordado senhor Malfoy.

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