Tanto Melhor o Silêncio
Não era essa a resposta. Não era definitivamente essa a resposta que a garota esperava. Ao menos não exposta dessa maneira.
— Rony, eu sei que talvez você queira esquecer, mas é muito importante para mim – disse ela, erguendo-se.
Ele ficou de pé. Hermione percebeu a diferença de altura entre eles. Naquele momento, ele realmente a estava assustando.
— Nós passamos a noite estudando, ontem – disse o rapaz, sério. – Você até me entregou esse livro.
Hermione não sabia como, mas ele tirou da mochila o livro que ela própria locara horas atrás, aquele que ficara na prateleira. A garota estranhou. Estaria ficando louca? Ela jurava que não entregara o livro a Rony, e ele estava em suas mãos quando ela chegara à Sala Comunal.
— Então você... Ontem... Você não lembra de nada? – hesitou ela, sentindo as lágrimas se formarem.
— Não há nada para lembrar, Hermione.
O olhar mudara. Não era um olhar de quem mentia, ou mesmo de quem dissimulava. Era pena. Parecia que ele estava com pena da garota, que ela estava alucinando, falando besteiras sobre besteiras, e que ele estava preocupado com a sanidade mental da amiga.
— Rony, eu juro que... Minha meia-calça estava desfiada – insistiu ela.
— Eu sei – tornou o rapaz. – Ela prendeu na cadeira quando você se ergueu para pegar esse livro. Você escalou as prateleiras, não deixou que eu te ajudasse... Você não se lembra?
— Eu te arranhei, você me beijou e eu te arranhei, eu tenho certeza disso... – Hermione estava chorando, silenciosamente. Tinha que ser um pesadelo. – E você sabe, você ficou me olhando, me culpando...
— Não, você nem ao menos encostou em mim, e eu fiquei preocupado com você. Você estava estranha, apartada. Parecia estar escondendo algo – replicou o ruivo. – Mione, se eu fosse você, subiria, tomaria um banho e dormiria. Você não está bem.
Ela fungou, enxugou as lágrimas com a manga da camisa e saiu, subindo as escadas em prantos. Rony suspirou, penalizado, e reuniu o material da garota. Entregaria a Gina quando ela chegasse de seu passeio noturno com Malfoy, e ela levaria à amiga.
O buraco do retrato abriu-se e por ele passou um Harry excepcionalmente sorridente e desacompanhado. Rony voltou-se para cumprimentar o amigo, e o moreno deu-lhe um tapa nas costas.
— Cacilda! – exclamou Rony, como se tivesse levado um chute nas partes baixas.
— Ih, qual é, hein? – Harry não entendera. – Ficou fracote, foi? Quebrei alguma coisa?
O ruivo tirou a camisa e mostrou as costas para o outro. Harry assobiou baixinho, impressionado com os arranhões fundos e bem delineados na pele do amigo.
— Cara, você andou brigando com gatos ou coisa parecida? – perguntou o moreno, intrigado.
Rony limitou-se a sorrir. Dependendo do ângulo, seria um sorriso conformado, malicioso, inocente ou sem emoção alguma. Depois, com um pulo que quase quebrou o móvel, o ruivo atirou-se em uma poltrona e esperou que Harry lhe contasse o motivo de tanta felicidade. O rapaz, no entanto, teve que interromper a história por alguns momentos, pois Gina entrou na Sala Comunal. O ruivo deu-lhe o material de Hermione e ela subiu as escadas.
— Mi, eu posso entrar? – perguntou Gina, entreabrindo a porta do dormitório. Como ninguém respondesse, ela entrou. – Trouxe seu material, Rony me pediu, e...
Ela parou de falar ao perceber a amiga deitada na cama, só de roupão, com o rosto trilhado de lágrimas, como se houvesse chorado até a exaustão. Largou o material sobre o malão.
— Mione! – exclamou, baixinho. Foi até a garota, sentou-se a seu lado e acordou-a com tapinhas em sua face.
— Hum... – Ela esfregou os olhos, sonolenta. – Oi, Gi.
— Meu Merlin, Mi, o que houve com você? – perguntou ela. – Primeiro você acorda atrasada, descomposta e chorando, agora vai dormir cedo, sem terminar a lição, quase nua e chorando? O que está havendo com você? Você não é assim. Se fosse eu, tudo bem, eu sou histérica, extremamente sensível, irresponsável, até vulgar, às vezes, mas você não! Algo está errado...! Você nunca escondeu nada de mim. Achei que nós sempre fôssemos ajudar uma à outra.
— Entenda, Gina, não há nada que você possa fazer... – A garota escondeu o rosto no travesseiro. – Eu tenho que lidar com isso sozinha.
— O propósito de se ter amigos é não ter que lidar com coisa alguma sozinha! – exclamou a ruiva. – É para isso que servem os amigos, para ajudar. É neles que você tem que confiar quando algo dá errado e você precisa desabafar. E não minta para mim, porque eu te conheço e sei que você não vai agüentar seja lá o que for sozinha!
— Você pode mudar o passado? – perguntou Hermione, encarando-a. Voltara a chorar.
— Eu... – Gina não esperava essa pergunta. Enxugou os prenúncios de lágrimas em seus olhos antes de responder. – Não. Não, eu não posso.
— Então não há nada que você possa fazer por mim – sentenciou ela, segurando a mão da amiga. – Gina, se isso se tornar importante, eu juro que vou te contar.
A ruiva se ergueu, começando realmente a chorar, sem sequer mudar de expressão. Encaminhou-se até a porta e, antes de sair, falou:
— Já se tornou importante, Hermione. – Ela suspirou. – Tão importante que está te fazendo mentir.
Fechou a porta com estrondo e desceu as escadas correndo. O que estava acontecendo com sua melhor amiga? Hermione sempre fora tão estável, tão... tão o oposto dela... Ela tropeçou num tapete e caiu de joelhos, arranhando de leve as mãos. Droga! Enxugou as lágrimas e ameaçou se erguer quando uma mão apareceu a sua frente.
— Segure – pediu o rapaz. Gina obedeceu. – O que houve?
Ela fitou-o. Era Harry, parecendo realmente preocupado. Rony se ausentara e, pelo visto, o moreno estava esperando alguém, porque ficara ali, sentado, sem os amigos por perto.
— Estou preocupada com Hermione. – Ela respirou fundo. – Não que importe para você, mas...
— Ei, Gina, desculpa, ‘tá legal? – Ele segurou-a pelos ombros, com cuidado para não machucá-la. – Eu não quis... Droga, você sabe que eu não consigo ficar tanto tempo assim sem você, não sabe?
— Talvez. – Oh, maledetto orgulho, por que cargas d’água ela não podia simplesmente dizer que ficaria feliz em voltar com o namorado? – Eu... Você me magoou, sabia? Me chamou de coisas que você não diria mesmo a seus inimigos. Isso dói.
— Gina, eu juro, se eu pudesse voltar atrás... – Ele engoliu em seco, comprimindo o rosto da ruiva contra seu peito, querendo que ela compreendesse o remorso que o acometia e que nem ele próprio sabia de onde vinha. – Eu juro, Ginny...
— Mas você não pode, Harry. – Ela o fitou, com um sorriso que não se estendia aos olhos, o rosto lavado de lágrimas. – Infelizmente, você não pode. E me desculpe, mas eu não vou esquecer.
Gina suspirou e se desvencilhou dos braços do moreno, seguindo para a escadaria que levava ao dormitório das garotas. Antes de pôr o pé no primeiro degrau, ela voltou-se para o rapaz e disse, involuntariamente trêmula:
— Se você souber algo sobre Hermione... Me conta, ‘tá? Ela não merece o que estão fazendo com ela.
Depois, sem olhar para trás uma vez sequer, ela subiu as escadas e desapareceu no corredor. Harry atirou-se no sofá e ficou encarando a lareira, sem vê-la, por um tempo. Rony saiu das sombras em que se refugiara ao avistar a irmã e postou-se na frente do amigo, de braços cruzados.
— Você está ferrado – constatou o ruivo, simplesmente. – Gina está possessa com você. Lamento dizer que de uma forma não muito legal. Ela está furiosa e se roendo... de pena. – Ele descruzou os braços e deu de ombros. – Não é o melhor sentimento a se ter em relação a alguém que se ama.
— E o que você quer que eu faça?! – retrucou o moreno, encarando-o. – Eu já pedi desculpas, eu confessei que sentia falta dela... O que ela quer que eu faça? Implore? Qual é, até eu tenho meu orgulho!
— “Se não consegue ter o que deseja pelos métodos certos, faça o possível pelos errados” – citou Rony, piscando lentamente. – Garanto que a experiência é... memorável.
— Como sabe? – perguntou o outro, desconfiado. – Você sempre esteve dentro das normas.
— Vamos dizer que eu as transgredi e parar por aí, certo? – O rapaz atirou-se numa poltrona.
— Qual é, Rony, sem segredos, não é? – O moreno riu. – Quem foi a sortuda, hein? Ou azarada, depende do ser humano... Cara, deve ter sido algo realmente memorável, para você nem me contar...
— Foi a Hermione, ‘tá legal? – confessou o outro, com medo das possíveis e probabilíssimas insinuações que o amigo lhe dirigiria.
— Como é que é? – Harry não entendeu. – Primeiro: como é que você arranjou coragem para agarrar uma amiga? Segundo: como é que você me agarra uma amiga com namorado? E quando foi isso, que eu nem fiquei sabendo?
— Ontem. – Era melhor entregar o jogo. Afinal de contas, Harry era confiável. Bem, desde que não pensasse que Rony fizera algo errado. – Na biblioteca. Claro que eu não falei para ninguém. Não sou burro.
— Caramba... E o Ray, como é que ele fica nessa história? – perguntou o amigo, preocupado.
— Fica na inocência, a princípio – respondeu Rony simplesmente. – Agora, chega, okay? Cansei de ficar dissecando minha consciência aqui.
Os dois se calaram e subiram as escadas, indo para o dormitório e deitando-se nas respectivas camas. Rony virou-se um pouco, perturbado, antes de conseguir dormir. Ele sabia que acabaria por repetir a experiência com Hermione. E ele não sabia se devia ficar apavorado ou excitadíssimo ante essa perspectiva.
O colégio estava calmo. Passara-se um mês desde o incidente na biblioteca, e Hermione estava quase superando aquele deslize. Gina e Harry já estavam se falando novamente, mas não davam a entender que voltariam. A ruiva ainda estava magoada demais para isso.
Era um domingo claro, em que correntes de ar serpenteavam pelos corredores, enregelando ossos e pele. Hermione resistira o quanto pudera, mas acabara trocando a capa de Hogwarts pelo sobretudo preto de couro que usara na festa de começo de ano. Apesar de mais fino, era um isolante melhor. Andava lado a lado com Ray, comentando sobre trivialidades. Estavam no que Gina apelidara de Fase Áurea de um relacionamento.
De acordo com a ruiva, cada relação tinha um número x de fases áureas, e depois delas vinha a revelação do sucesso ou fracasso do relacionamento. Entre as Fases Áureas, havia as Fases de Nigror, as piores brigas e rompimentos sérios, ou as Fases Argentinas, que eram o “tempo” propriamente dito e as trangressões das normas de fidelidade, quando confessadas. Gina e Harry estavam passando por uma Fase Argentina, e parecia que os tempos áureos do relacionamento dos dois eram um passado distante demais. Eles já haviam tido sete fases áureas. A próxima, segundo alguns cálculos absurdos de Gina, deveria durar para sempre, oscilando no máximo para uma Fase Argentina, ou desandar para a Nigror Eternus, onde o namoro fracassava. Por incrível que parecesse, o casalzinho separado parecia apavorado com essa possibilidade.
Ray e Hermione, ao contrário dos amigos, não pensavam que um dia poderiam se separar. Não parecia valer a pena. Ray andava mais ocupado, pois pegara as rondas da madrugada, e o tempo para dormir, arrumar a lição de casa e conversar com os amigos estava escasso. Além do mais, ele estava num frenesi louco pelo primeiro teste de aurores, do qual participaria no mês seguinte, e os N.I.E.M.’s. Apesar disso, continuava caloroso com Hermione, e os encontros a dois, ao invés de diminuir de freqüência, aumentaram. A garota julgava que isso era um indício de sucesso, não fracasso, e esse fato a acalmava. A fazia esquecer.
Ainda fazia as rondas com Rony. Pedir para mudar teria sido idiota e geraria desconfiança. Além de mais, o ruivo dissera que nada acontecera. A garota pensava às vezes que sonhara. Afinal, não tinha indícios de que realmente houvera algo entre ela e o amigo naquela noite na biblioteca. Nenhum indício, e menos certeza ainda.
— Eu não vou, hoje – disse Raymond, pesaroso. – Tenho que adiantar a matéria dos dias que perderei por causa do teste.
Havia uma festa a acontecer naquela madrugada, de domingo para segunda. Mione e Gina, claro, haviam sido convidadas; Rony, Ray, Harry e Draco também. De todos, apenas Ray não compareceria. De acordo com a data de aniversário dele, o rapaz já tinha dezessete anos completos, e faria o teste antes dos amigos. Harry iria com ele ao teste, mas, como não se preocupava com a matéria, e ainda tinha alguma esperança de reaver a namorada, estaria na festa.
— Quer que eu fique com você? – perguntou Hermione, sorrindo. Não era nada de mais; ela ficaria ao lado dele se ele quisesse, e não tinha certeza se essa não era talvez a melhor opção.
Seu saldo total de festas idas nos quatro meses que já se haviam passado do ano letivo era maior que o de toda a sua vida escolar. Haviam sido cerca de cinco, e ela aprendia, pouco a pouco, alguns dos truques – nas palavras de Gina, ditas com uma ironia e um sorriso malicioso exemplar – provocantes que a amiga usava. Na realidade, era um rol invejável, indo desde a história da taça, que ela roubava de qualquer um e entregava para qualquer outro – às vezes a mesma taça chegava a parar mais de uma vez em sua mão, de tanto que a ruiva empreendia esse truque –, até beijos calorosos roubados de garotos acompanhados, que normalmente não esboçavam nenhuma resistência por estarem, em sua grande maioria, levemente altos com o álcool que corria solto. De todos os truques, Hermione nunca empreendera os da última fase, ou seja, os que envolviam contato físico além do impessoal ou levemente pessoal. Esses eram os preferidos de Gina, e a amiga nem precisava ser um gênio para notar que era o preferido dos rapazes que a cercavam também.
— Não; vá, Mi, você precisa relaxar. – Raymond sorriu. – Tem andado tensa demais, e isso não vale nem um pouquinho a pena. Eu me viro.
— Mas... – Ela deu de ombros e suspirou. – É chato ficar sozinha lá.
— Bem, você ainda tem... algumas pessoas.
Hermione encarou o namorado, sem saber se deveria estar apavorada por causa da sentença ou se deveria rir até se acabar. A primeira sensação foi mais forte, mas um pequeno sorriso enigmático era tudo o que o rapaz ostentava na face serena. A garota gelou. Ele não sabia. Nem ela própria sabia. Estava sendo besta. Ele não dissera nada de mais; fora apenas uma frase inocente... Fora uma frase inocente, não fora?
— Se você não for, meu time de meninos vai ficar desfalcado... – murmurou Gina, embirrada, como uma criança quando quer doces e não os consegue obter. – O que é que eu faço?
— Aproveite os três que lhe sobraram – sugeriu Ray, rindo. – Vamos, Gina, você superará.
— É... – Ela suspirou, vencida, mas inconformada. – De qualquer maneira, Mi e eu vamos comprar alguma coisa nova para a festa.
— Gina, você é o retrato do caos, sabia? Existe uma festa para a qual vocês pensem em ir sem gastar fortunas com um acessório minúsculo? – perguntou Rony, incrédulo.
— Ah, não, querido. – A ruiva deu uma piscadela . – Acessórios são tão importantes quanto a roupa. Talvez até mais, dependendo da situação.
— Por quê? – questionou Harry, enciumado, sentindo uma pontada de malícia e duplo-sentido nas palavras da namorada.
— Acessórios são de difícil remoção, enquanto roupas podem ser simplesmente arrancadas, sem danos maiores... – Ela gargalhou. – Ah, qual é, vocês não esperam realmente que eu desenhe, esperam?
Hermione acompanhou o grupo no coro de risadas que ecoou pelos corredores. Era tarde, depois das sete horas da noite, e eles não deveriam mais estar andando a esmo por ali. Um arrepio súbito acometeu o grupo, e eles diminuíram o volume das risadas. Afinal de contas, Pirraça ainda estava em algum canto do castelo, e o poltergeist tinha um ouvido do caramba.
— Eu fico aqui – disse Ray, à porta da biblioteca. – Passe de monitor às vezes é uma vantagem... Madame Pince reservou para mim a biblioteca inteirinha. Garanto que vou me divertir um bocado. – Ele riu e beijou Hermione na boca, com tanta paixão que a garota estava quase desistindo da festa para ficar ali com ele. – Boa noite, minha linda. Adiós, galera esquisita.
O rapaz adentrou a biblioteca, e os outros puderam ouvir a tranca se fechando. As meninas suspiraram, ambas desapontadas, mas por motivos levemente diferentes, e se separaram dos rapazes. Gina falava sério quanto aos acessórios. Felizmente, eles eram um pouquinho mais fáceis de se conseguir que as roupas: Donnie mandava à ruiva um catálogo de peças praticamente exclusivas uma vez por mês. Ela sentou-se, já dentro do pseudo-guarda-roupa, junto a Hermione, com o catálogo nas mãos e cabides diversos a seu redor. A outra sequer entendia o que aquela psicótica amiga, que no momento se mostrava tão fissurada em moda, pretendia.
— Escolhi – disse ela, puxando do cabide uma roupa escondida por uma capa de veludo e abrindo o zíper do envoltório. – É, é esse mesmo.
Hermione espiou por sobre o ombro da amiga. Era um vestido tomara-que-caia verde-esmeralda, semilongo, de seda quase translúcida e cetim, com uma saia que, milagrosamente, não colava no corpo. Ela nunca imaginara que seda e cetim pudessem combinar, mas ali estava a prova. O vestido era tão perfeito quanto caro, e isso era patente. Hermione se perguntou, sinceramente, se o sr. Weasley estava ganhando tanto assim a ponto de poder dar um cartão de crédito aparentemente sem limite a uma adolescente compulsiva, consumista e com uma noção de moda apuradíssima. Resolveu que essa pergunta entraria para o rol das questões a serem feitas e que, ela sabia, nunca faria.
— Já sabe com que roupa você vai? – perguntou a ruiva, percebendo o olhar da amiga para o vestido verde.
— Ahm... Não – confessou Hermione, como se tivesse feito algo errado. – Não tenho noção. Pensei em uma calça comprida, uma blusa básica...
O olhar de Gina não permitia, em hipótese alguma, que ela continuasse a descrever seus planos de vestimenta. Hermione sabia perfeitamente o que a amiga pensava: simplista demais. E a simplicidade se esvaíra do sangue da ruiva havia tempo demais para ela compreender o que a amiga tentava fazer. Ou talvez ela até compreendesse, mas não deixaria que Hermione conseguisse seu intento: elas duas apareceriam, e com glória, querendo ou não.
— Você vai com o Gucci – decidiu a ruiva, sem pestanejar. – Não o cruzado, o frente-única. O azul de linho e aquele tecido estranho e semitransparente que eu nunca lembro o nome.
Era o obsceno. O vestido que Hermione comprara por puro olho, e que não pensava, realmente, em usar. Quando comprara, os comentários positivos de Donnatello sobre o vestido e o fato de que ele não era o item mais caro que entrava na lista até o momento haviam sido o incentivo de que ela precisava. Naquele instante, porém, confrontando a possibilidade – aliás, a ordem – de usá-lo em público, ela precisava admitir que não se sentia preparada.
— O que foi? – perguntou Gina, escrevendo algo em um pergaminho. – Ah, vamos; eu até serei boazinha e te deixarei escolher a pulseira.
Hermione debruçou-se sobre o catálogo. Não conseguia imaginar algo que pudesse ser mais vistoso que o vestido, mas acabou escolhendo uma pulseira de prata que parecia um conjunto élfico de linhas argentinas trançadas e interligadas. Nem Gina pôde objetar: colocou o código da pulseira no pergaminho em que escrevia e mandou-o por Píchi até Donnie. As meninas sabiam que, se conseguisse a proeza – e Donnatello lecionara Defesa Contra as Artes das Trevas em Hogwarts em algum ponto da história, antes de as duas entrarem na escola, então elas não duvidavam de mais nada – ele apareceria e as ajudaria a se aprontar para aquela pequena festa, que poderia muito bem ser uma rave.
Dito e feito. Donnie devia ter um pacto com McGonnagall, ou algo do gênero, para dizer o mínimo. O homem estava lá pouco mais de uma hora depois de a carta ter sido despachada. Ele, em pessoa, no dormitório feminino. Hermione não pôde deixar de pensar se a magia das escadas funcionava contra alguém com um interesse tão... óbvio pelo lado pink da Força. A julgar pelo sorriso espontâneo e alegre com o qual Donnie entrou no pseudo-guarda-roupa, guiado por Gina, ela considerou seriamente o fato de que a opção sexual de quem subia as escadas influenciava, e muito, no comportamento dessas.
— Miiy! – gritou ele, histérico, quando a viu. – Oh, por Lancelot, você está tão melhor que na última vez que eu te vi!
Donnie, ter encolhido dois palmos de saia e ajustado a camisa para parecer de lycra não é exatamente a minha concepção de melhor, pensou ela, rindo por dentro, mas não proferiu essa sentença. Em compensação, recebeu o homem efusivamente.
— Oh, Donnie, o que você está fazendo aqui? – exclamou a garota, abraçando-o com força.
— Vim ajudar as meninas preferidas do meu coração a se arrumar para a festa! – Ele sorriu. Uma vez, Gina comentara que Donnatello era uma perda irrecuperável para a coleção de homens hetero, sexy e solteiros de que o mundo dispunha. Depois daquele sorriso e das mãos fortes e lisas do moreno a apertando com vontade, Hermione era obrigada a admitir que a amiga estava certa. – Cabelo, prin-ci-pal-men-te. Meninas arrumando os próprios cabelos, assim, sem mais nem menos, não dá certo. Agora ande, vamos, vamos, tome seu banho e venha aqui para Donnatello Ferro te transformar na musa da rave! Você também, ruivinha, corra, linda!
Era uma ordem. Ditada em muito bom humor e com um sorriso tão largo que poderia fugir da face do moreno, mas era uma ordem. Hermione percebeu que já tinha uma noção de onde Gina aprendera os pequenos truques de festa e a autoridade que ela tão bem exercia. Esperava que Donnie desse aulas a quem não tinha um cartão de crédito sem limites também.
Foram banhos demorados, longos, com direito a sais e espuma. Ordens superiores, como diria Gina. Estando Donnie por perto, ele era o chefe, e as duas aprenderam isso antes de ele precisar falar. Ao final da imersão prolongada, as meninas sentiam-se lavadas até a alma. Donnatello começou por Gina, que já estava vestida – a ruiva era muito rápida quando queria.
Hermione sentou-se na cama, olhando para o cabide no qual o envoltório de veludo guardava o vestido que ela não se sentia propensa a usar. Com um suspiro, a garota abriu o zíper, e a capa macia caiu, deixando à mostra a veste. Quem olhasse diria que Hermione era louca por não querer usar um vestido como aquele, e ela seria obrigada a admitir que fizera uma escolha linda. O vestido era curto, frente-única com tiras macias e finas como lycra atrás, que se cruzavam e davam uma certa informalidade à veste. A saia era do tecido que Gina nunca lembrava o nome – e Hermione sequer o sabia –, semi-transparente, em duas camadas finíssimas em lilás e azul matizado. A parte de cima era de linho, um linho tão bem tecido quanto possível, oscilando entre dois tons belíssimos de azul, com degradés em lilás e púrpura. Era leve como o ar, e a garota sabia que ficara lindo nela. Ela só achava que havia transparência demais e pano de menos na veste – o que, inevitavelmente, Gina não achava.
— Vamos, menina Hermione, vista-se de uma vez! – exclamou Donnatello, impaciente. – Me diga que você vai com o Gucci, oh, por favor, me diga, ele ficou tão excepcional em você...
— Eu vou com o Gucci – disse Hermione, encarando o moreno e o vestido em seguida. – Espere um minutinho.
Foi realmente um minutinho, e ela estava vestida. O fato de a sensação ser semelhante à de se estar nua em público, porque o vestido era leve demais e muito fluido, logo passaria. Donnie estava excitadíssimo.
Quando a garota sentou-se para que ele lhe arrumasse o cabelo – o de Gina fora rápido: apenas algumas escovadas, quatro mechas finas puxadas para trás e meia dúzia de presilhas de strass dourado – ele parecia uma criancinha feliz com um brinquedo novo. Hermione confiou completamente no jugo do homem, e não se arrependeu: seu cabelo fora preso em um rabo-de-cavalo embutido, e os cachos estavam tão definidos quanto possível. Nem ela podia se desprezar daquela vez: estava linda.
— Agora questo artista há de se retirar para deixar as doces moças sozinhas para sua festa – disse Donnatello, sorrindo, ao terminar. – Ah, sim, claro, as jóias! – Ele pegou duas caixinhas de dentro do bolso e estendeu a elas. Uma continha a pulseira, e a outra, uma gargantilha de ouro e âmbar. Elas as colocaram, felizes. – Divirtam-se, lindas!
— Ah, Donnie, venha conosco – pediu Hermione, suplicante.
— Dom Donnie não está vestido para uma festa, menina Hermione – censurou-a ele. – As pessoas ririam de Dom Donnie.
Tudo bem, talvez a calça de couro e a suéter de cashmere fossem entregar o “jogo” de Donnatello, mas ele não parecia se preocupar com esse aspecto. E, além do mais, Ray não ia; eles sequer excederiam os convites.
— Dom Donnie está excelentemente vestido – replicou Gina, fria. – Só está é com vergonha de ser visto com duas adolescentes bobas.
A ruiva realmente conhecia Donnie, pois tocou no ponto sensível: ninguém falava mal das “meninas” de Donnatello Ferro, nem elas próprias. Era regra. Talvez a única no mundo sem exceções.
— Mas! – Ele deu um tapinha de leve nos lábios da ruiva. – Não se despreze, menina Gina! Vamos, vamos, Dom Donnie dará uma carona às meninas.
E, sorrindo, vencedoras, as duas se agarraram uma a cada braço do rapaz e saíram, radiantes, da Sala Comunal da Grifinória, rumo a um salão quase desconhecido, no quinto andar, onde aconteceria a festa.
*♥ ~* ♥ * Ron/Hermione 4 Ever * ♥ *~ ♥ *
Finjam que eu não disse que postaria dia 1º... É que eu ando meio avoada, mesmo... Mas o capítulo chegou!
Agradecimentos:
Naty, que me forçou a postar... Apesar de eu ter demorado muito mais do que deveria.
Maira, que leu o capítulo e [também] gostou de a Hermione estar sentindo remorsos [foi bem merecido].
Raysa, que me deu um susto, mas estou muito feliz por saber que continua lendo.
Fenf Igo, que começou a ler agora [creio eu], e a quem agradeço pelos elogios. =D
Amo vocês, e devo aparecer por aqui... um dia desses. ;**
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